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A violência na mídia e seus reflexos na sociedade

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09/04/2004 às 00:00
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6. VIOLÊNCIA E MÍDIA: REPRESSÃO

Num Estado democrático de direito, a solução para os problemas de ordem coletiva deve encaminhar-se pela discussão ampla, pelo debate exaustivo, onde as partes interessadas possam defender-se dentro da legalidade, diretamente ou por representação, segundo a ordem jurídico-democrática. No caso brasileiro, em que pesem as nossas deficiências na condução das discussões relativas a problemas sociais, em virtude das nossas posturas de cidadania, não há mais espaço para as soluções verticalizadas, autoritárias, a poder de "decretações mandonistas". Hoje, tudo passa pela via democrática do debate e da justiça.

Os representantes da mídia hão de entender, em primeiro lugar, que a ordem jurídica não consagra direitos e garantias que não tenham limitações subjetivas. Sempre que alguém exerce um direito, o faz em face de outrem. A ordem constitucional baniu a censura, nem por isso os meios de comunicação podem sentir-se investidos do direito de exibir o que quiserem. Depois, a sociedade está atenta, através de suas representações organizadas ou mesmo por ações diretas. O Ministério Público tem agido tempestivamente, cumprindo o seu papel constitucional de defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. ONGs procuram cada vez mais se fortalecer como instrumentos de defesa social; o Estado manifesta-se dentro dos limites constitucionais e rechaça as acusações de negligência e omissão. A proibição de censura não afasta do Poder Público o dever de "exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão" (CF, art. 21, inc. XVI).

As diretrizes constitucionais são colidentes? Como conciliar vedação à prática de censura e dever de regulação? O Juiz Federal Carlos Augusto Tôrres Nobre [18] escreve que "A interpretação da Lei Maior se faz a partir do diagnóstico de que o objeto da interpretação é um manancial de tensões e que tudo deve ser feito não para escolhas excludentes, mas para a harmonização de regras e princípios".

A União vem exercendo sua missão fiscalizadora e classificando segundo faixas etárias e horários de exibição as programações, conforme Portarias publicadas pelo Ministério da Justiça. Em relatório elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça [19], encontra-se inequívoco demonstrado que o Estado vem atuando de maneira contínua e sistemática, dentro dos limites legais, em defesa do direito dos cidadãos. Não fosse assim, não teria sentido o ajuizamento de mandado de segurança proposto pela ABERT contra dispositivo da Portaria Ministerial 796/2000 que estabelece limites às exibições televisivas.

A discussão doutrinária é tensa. Alguns entendem, por exemplo, que a suspensão de um programa de televisão, por decisão judicial caracteriza o retorno da censura. É o que acha José Paulo Cavalcanti Filho [20]. Alberto Dines diz que "A suspensão de uma emissão televisiva antes de conhecido o seu teor, por mais justificadas e justificáveis que sejam as razões que a motivaram, é um ato censório inequívoco" [21]. Domingos Sávio Dresch da Silveira, apud Eugênia Augusta Gonzaga Fávero [22], após pesquisar nos grandes nomes da doutrina brasileira (José Afonso da Silva, José Cretella Júnior, Celso Ribeiro Bastos, Pinto Ferreira), ensina claramente o que significa censura: ato praticado por agente da administração pública, não pela justiça, para vedar uma obra, sem o devido processo legal, e tendo como base critérios vagos". Acrescenta que a caracterização de censura não é o fato de ser prévia ou posterior, mas o fato de ser aplicada por agente do Estado, de ter caráter incontrastável, ou seja, não admitir recurso, defesa ou contraditório, e de ser baseada em critérios vagos como a moral e a ordem pública.

O Art. 74 do ECA, sintonizado com a Constituição (Art. 21 – XVI), diz: "O poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada". Não pode ser mais aceita a falácia, para alguns com expressão de verdade, de que a melhor fiscalização é a do telespectador, que o melhor controle é o remoto. São os mesmos "alguns" que classificam todas as ações do poder público, inclusive as da justiça, como retorno da censura, sempre que lhes contrariem os interesses. Alberto Dines [23] propõe um "controle social" sobre a mídia eletrônica que, segundo ele é "um elenco de iniciativas que começam com a auto-regulação, passam por ouvidorias e corregedorias abertas e devem culminar com agências fiscalizadoras oficiais que podem ter o formato da FCC americana ou da britânica Press Complaints Comission".


7. VIOLÊNCIA E MÍDIA: PREVENÇÃO

Ações isoladas, visando a soluções rápidas para as questões relativas à violência na mídia, podem entender-se improváveis. É assunto para discussão ampla e permanente, envolvendo um maior leque possível de interessados, do qual se extraiam decisões dotadas de legitimidade que viabilizem a sua implementação. A mídia tornou-se a principal instituição de influência sobre a formação da criança, especialmente, esse gigantesco professor eletrônico: a televisão. Obviamente, é de interesse público os conteúdos da programação televisiva e assim deve ser discutido pela sociedade, a quem cabe o papel principal neste filme.

Compete ao Poder Público, dentro dos limites constitucionais, estabelecer formas adequadas de controle e classificação dos programas a serem exibidos. O Governo deve também ter a iniciativa de firmar convênios com organismos internacionais (Unicef, Unesco, ONU, Banco Mundial e outros), a fim de fortalecer as redes de TV estatais, ampliando o seu alcance, diversificando sua programação tornando-a mais atrativa e dirigida ao público infanto-juvenil. Para isso, há que participar as UFs, municípios, MEC e todas as instituições correlatas.

Órgãos e profissionais da educação devem contribuir, discutir e alterar currículos, humanizar a educação, educar para a cidadania, para a paz, inclusive no trânsito, para a solidariedade e o respeito ao direito alheio, em detrimento do mero adestramento profissional para a competição mecânica egoísta.

A família, apesar de fortes argumentos contrários, continua sendo importante instituição social e, como tal, não pode liberar-se do seu papel na construção da pessoa, do cidadão. Os pais devem assumir uma postura responsável, cercarem-se de bons exemplos para os filhos. "Pais que assistem a programas de mensagem destrutiva dos valores espirituais, éticos, sociais, dificilmente convencerão seus filhos de que o programa não presta, que não é recomendável para a idade deles" [24], diz o Juiz Federal Carlos A. Tôrres Nobre.

Não se discute que a violência é um subproduto das ações humanas. A questão é estabelecer quais ações têm maior participação na geração de violência. Para encaixar, ou não, a violência na mídia como elemento gerador de atos agressivos, têm-se desenvolvido inúmeros trabalhos. Um abrangente e detalhado estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul [25], mostra que a exibição de violência na mídia tem efeitos inequívocos. Afirmam os pesquisadores que "Há correlações significativas entre a freqüente exposição à violência na televisão e o comportamento agressivo, e as evidências indicam claramente que o último é uma conseqüência da primeira". O foco das pesquisas passa a ser então a magnitude dos efeitos de cenas violentas na mídia, já que não há mais dúvidas de que esses efeitos existem. Dizem os pesquisadores:

"A influência da televisão é compreensível quando nos lembramos de como é que as crianças aprendem. Desde o surgimento da raça humana, as crianças aprenderam habilidades e valores observando os demais. Os bebês, por exemplo, desenvolvem a linguagem imitando seus pais. As crianças são como esponjas em sua capacidade para absorver o conhecimento, desde o nascimento. Com experiência limitada, elas se baseiam nos modelos para aprender a agir no mundo. Literalmente experimentam o comportamento adulto, vestindo as roupas destes e imitando o comportamento que observaram".

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8. CONCLUSÃO

Se, por um lado, o instinto humano é dado ao fascínio pela tragédia, como sugere alguns, por outro, regozijos sejam dados pelo privilégio da razão, do senso crítico, do discernimento de que é provida a raça humana. Ou seja, feliz o homem por poder escolher, como bem entender, a forma e o destino de como e para onde se conduzir. A sociedade pode, então, enfeixar suas vontades e direcioná-las a seu livre arbítrio. A mídia é um bem da sociedade e, portanto, deve submeter-se às suas vontades. Se a mídia faz parte das circunstâncias formadoras de homens, então que se humanize a mídia. Que os operadores sociais voltem-se para as massas, não apenas usando-as como meio de lucros e de auto-promoção. Porém, para oferecer-lhe reais oportunidades de experiência crítica.

A mídia deve apresentar-se como instrumento de promoção do indivíduo para a paz, para a convivência harmoniosa, ancorada em princípios de respeito mútuo, tolerância, solidariedade e consciência de si mesmo. A mídia pode e deve ser ferramenta de motivação que suscite no indivíduo uma visão ativa e crítica do mundo, encorajando-o a adquirir novas experiências. Todo esse extraordinário potencial que tem a mídia deve ser canalizado para alavancar a educação e promover o desenvolvimento da pessoa humana. Todo poder e alcance da mídia devem ser direcionados como subsídios à sociedade nesse imenso desafio que é a construção de melhores condições de vida para as futuras gerações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

1 DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. In. GIANNOTTI, José Arthur (Org.). Durkheim. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978

2 ESPAÇO MARX. Acervo. Manifesto Comunista. Maringá-PR. Disponível em http://www.geocities.com/espmarx/acervo.htm. Acesso em 21.10.03.

4 ARENDT, H. Sobre a Violência. Trad. André Duarte. 1.ed. Rio de Janeiro. Relume-Dumará. 1994. 47p.

5 CEFET/PR – Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. As Grandes Teorias da Sociologia. Pensamento Sociológico de Émile Durkheim. Cornélio Procópio-PR. Disponível em http://www.cp.cefetpr.br/pessoal/gombi/sociologia.html. Acesso em 18.10.03.

6 VARELLA, D. Violência na TV. Observatório da Imprensa. São Paulo, mai. 2002. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp0805200299.htm. Acesso em 11.10.03.

7 COSTA, T. Além dos Apocalípticos e Integrados. Baixo nível. Observatório da Imprensa. São Paulo. Dez. 2001. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp12122001995.htm. Acesso em 11.10.03.

8 COSTA, T. Op. Cit

9 MUG, MAURO. Brasil: jovens e violência. O Estado de S. Paulo: Editorias. São Paulo, mar. 2002. Disponível em http://333.estado.estadao.com.br/editorias/2002/03/22/cid043.html. Acesso em 06.10.03.

10 VARELLA, D. Op. Cit.

11 BUCKINGHAM, D. Recriando a TV na sala-de-aula. Entrevista: Gilka Girardello. Ateliê da Aurora. Florianópolis-SC, abr. 2002. Disponível em http://www.aurora.eps.ufsc.br. Acesso em 16.10.03.

12 VOIGT, L. A Televisão e a Violência. O Poder Atribuído. UFRGS. Porto Alegre, mai. 1998. Disponível em http://www.ufrgs.br/psiq/vio_apre.html. Acesso em 17.08.03.

13 ZAVASCHI, M.L.S. A psicanálise e a psiquiatria infantil e de adolescentes. Revista de Psiquiatria do RS. Porto Alegre. 1996.

14 ZAVASCHI, M.L.S. A Televisão e a Violência. Uma Força a ser Utilizada. UFRGS: Psiquiatria. Porto Alegre, mai. 1998. Disponível em http://www.ufrgs.br/psiq/vio_apre.html. Acesso em 17.08.03.

15 ZAVASCHI, M.L.S. Op. Cit.

16 CECCARELLI, P.R. Violência e TV. Belo Horizonte, mar. 2002. Disponível em http://www.ceccarelli.psc.br/portugues/html/principal.htm. Acesso em 16.10.03.

17 Organização das Nações Unidas/ONU. TV Brasileira, crimes e Desenho Animado. Instituto de Defesa do Telespectador. Belo Horizonte,1998. Disponível em http://www.tvbem.org.br/onu.html. Acesso em 12.10.03.

18 Com Ciência: Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Violência: Faces e Máscaras. Reportagens. São Paulo, nov. 2001. Disponível em http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio07.htm. Acesso em 10.10.03.

19 BRASIL. Poder Judiciário. Subseção Judiciária de Uberaba. Ação Popular. Sentença. Proc. 20023802000506-2. AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil. Brasília, ago. 2003. Disponível em http://www.atontecnologia.com.br/clientes/ajufe/index.php?ID_MATERIA=546. Acesso em 18.10.03.

20 BRASIL, Poder Judiciário. Op. Cit.

21 CAVALCANTI FILHO, J.P. A Musa da Censura e o Supremo. Observatório da Imprensa, São Paulo, out. 2003. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd141020033.htm. Acesso em 18.10.03.

22 DINES, A. Esse debate não Pode Parar. Observatório da Imprensa, São Paulo, out. 2003. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd300920031.htm. Acesso em 18.10.03.

23 FÁVERO, E.A.G. Censura ou punição. Observatório da Imprensa, São Paulo, out. 2003. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd071020031.htm. Acesso em 18.10.03.

24 DINES, A. Esse debate não Pode Parar. Op. Cit.

25 BRASIL. Poder Judiciário. Op. Cit.

26 RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Justiça e da Segurança. Comitê de Estudos da Violência. A Televisão e a Violência. UFRGS. Porto Alegre, mai. 1998. http://www.ufrgs.br/psiq. Acesso em 17.08.03.

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Sobre o autor
Marcos Sílvio de Santana

acadêmico do curso de Direito pela FADIPA - Faculdade de Direito de Patos de Minas-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Marcos Sílvio. A violência na mídia e seus reflexos na sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 276, 9 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5062. Acesso em: 17 mai. 2024.

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