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Ação rescisória e suspensão cautelar da decisão rescindenda

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22/07/2005 às 00:00
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O exercício do direito de ação visando suspensão cautelar da decisão rescindenda resguarda o devido processo legal e prestigia o Estado Democrático de Direito.

Sumário:1 AÇÃO RESCISÓRIA:1.1 Considerações iniciais; 1.2 Perfil Histórico; 1.3 Natureza Jurídica; 1.4 Juízo de Admissibilidade;1.4.1 Condições da Ação;1.4.2 Pressupostos processuais;1.5 Pressupostos da rescisão;1.5.1 Considerações gerais 1.5.2 Pressuposto genérico;1.5.3 Pressupostos específicos;1.6 Sentença de Mérito;1.7 Coisa julgada;1.8 Petição inicial;1.9 Prazo para propositura;1.10 Competência;2 AÇÃO ANULATÓRIA: 2.1 Natureza Jurídica;2.2 Ação anulatória e Ação rescisória: distinção;3. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI: 3.1 Considerações gerais;3.2 O dever de fundamentar as decisões judiciais;3.3 Admissibilidade da Ação Rescisória;4 AÇÃO CAUTELAR: 4.1 Princípios gerais;4.2 Preventividade;4.3 Transitoriedade;4.4 Requisitos processuais;4.5 Fumus boni iuris;4.6 Periculum in mora;4.7 Processo cautelar e Antecipação de tutela: distinção;5 DECISÃO RESCINDENDA: 5.1 Suspensão da execução;6 Conclusões; 7 Bibliografia.


1 AÇÃO RESCISÓRIA

            1.1 Considerações Iniciais

            A ação rescisória é o remédio processual (art. 485, do CPC) que a parte dispõe para rescindir sentença de mérito, transitada em julgado, dotada de eficácia imutável e indiscutível (art. 467, do CPC).

            Segundo o magistério de JOSÉ MARIA TESHEINER [01], essa imutabilidade refere-se ao comando da sentença (declara, condena, constitui ou manda), que não mais pode ser desconstituído, seja mediante recurso, seja mediante ação autônoma, salvo a rescisória.

            Para BARBOSA MOREIRA [02], além dos recursos que podem ser exercitados dentro do processo em que surgiu a decisão impugnada, a ação rescisória constitui o outro meio de impugnação disponível, cujo exercício, a rigor, demanda a irrecorribilidade da decisão.

            A rigor, porque, conforme a Súmula nº 514, do STF, "Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos".

            Cuida-se do princípio da incolumidade do separável. A respeito, COQUEIJO COSTA [03] doutrina que mesmo quem perdeu o prazo ou não quis recorrer e ainda quem foi revel pode propor a ação rescisória, atacando a decisão rescindenda no todo ou em parte.

            A ação rescisória constitui julgamento de julgamento, em que o autor ataca a prestação jurisdicional já entregue pelo Estado, cumulando ao pedido de rescisão da sentença ou acórdão, se for o caso, o de novo julgamento da causa (arts. 488, I e 494, 1ª parte, do CPC).

            A autora BERENICE SOUBHIÊ NOGUEIRA MAGRI [04] adverte que essa cumulação não é facultativa e dependerá da necessidade do caso em concreto.

            Enfim, LUIS EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL [05] registra que a ação rescisória é o meio de que se dispõe, somente contra atos do Poder Judiciário, excluídos os atos administrativos, com a "função de abrandar os efeitos da coisa julgada, corrigindo decisões, de modo a evitar graves injustiças decorrentes de vícios processuais".

            1.2 Perfil Histórico

            O mestre BARBOSA MOREIRA [06] leciona que no direito romano, origem do instituto da ação rescisória, a inobservância das normas processuais mais importantes e, excepcionalmente, o próprio "error in iudicando" não precisava ser denunciado através de recurso ou ação autônoma.

            Pura e simplesmente determinava-se a inexistência da decisão, alegável a qualquer tempo.

            A partir de certa fase do desenvolvimento do direito em Roma, PONTES DE MIRANDA [07] ensina que, inicialmente, "as decisões haviam de ser rescindidas pelo terceiro, pacificador; depois, foi o príncipe que ex-justa causa concedeu a rescisão".

            Posteriormente, continua o mestre [08], esse poder foi estendido aos "prefeitos do Pretório, ao pretor, ao presidente, ao procurador de César, aos mais magistrados, mas só quanto às suas decisões, e não quanto às dos superiores".

            Por influência de elementos de origem germânica e romana surgiu a "querela nullitatis", um remédio especial para denunciar o "error in procedendo", para ser exercitada de modo autônomo, não propriamente como ação [09].

            No direito Reinícola Português, PONTES DE MIRANDA [10] anota que o rei Dom Afonso II procurou impedir a reabertura de demandas, prática permitida até o início do século XIII (1217), limitando-as aos casos de erros, desde que autorizados pelo monarca.

            Durante as Ordenações Afonsinas (1447 a 1514), TEIXEIRA FILHO [11] enfatiza que as sentenças eram "nenhumas" ou "algumas", ou seja, inexistentes e existentes, respectivamente, afetadas ou não pela nulidade.

            Quanto às Ordenações Manuelinas (até 1603), JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [12] anota que pouco modificaram o instituto da ação rescisória tratado nas Ordenações Afonsinas.

            O jurista JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [13] noticia que o Regulamento nº 737, de 25.11.1850, disciplinava apenas as causas comerciais, continuando as causas civis regidas pelas Ordenações Filipinas, divisão abolida pelo Decreto nº 763, de 19.09.1890.

            Conforme COQUEIJO COSTA [14], o Decreto nº 763, de 19.09.1890, revogou as Ordenações Filipinas na parte da ação rescisória, disciplinando "que a sentença podia ser anulada por meio da ação rescisória, não sendo a sentença proferida em grau de revista".

            No Brasil, a processualista TEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER [15] destaca que antes de atingir a independência política, enquanto colônia, o instituto regulava-se conforme a legislação portuguesa da época.

            Até o advento do Código de Processo Civil de 1939, que unificou a legislação processual, uma multiplicidade de diplomas tratava da ação rescisória de forma desordenada.

            O jurista JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [16] ressalta que o diploma processual de 1939 reputava nula a sentença: I) proferida: a) por juiz peitado, impedido ou incompetente ratione materiae; b) com ofensa à coisa julgada; c) contra literal disposição de lei; e II) fundada em prova falsa apurada no juízo criminal.

            Atualmente a ação rescisória é disciplinada pelos artigos 485/495, do Código de Processo Civil de 1973, diploma que introduziu relevantes inovações no instituto, bem analisadas por BARBOSA MOREIRA [17] ao confrontar o direito anterior e o sistema atual.

            Para COQUEIJO COSTA [18], essas inovações foram: a) redução do número de recursos; b) redução do prazo para ajuizamento de cinco para dois anos; c) cabimento limitado contra sentença de mérito; d) indeferimento da inicial pelo relator; e) legitimação ativa à parte, ao sucessor e ao ministério público; f) depósito prévio de 5% (cinco por cento) do valor da causa principal; g) cumulação dos juízos rescindente e rescisório; h) julgamento conforme o estado do processo.

            1.3 Natureza Jurídica

            O mestre BARBOSA MOREIRA [19] ensina que a ação rescisória tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação ou ação impugnativa autônoma (constitutiva negativa), "por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com o eventual rejulgamento, a seguir, da matéria julgada".

            Portanto, não é recurso, pois não se interpõe recurso de sentença de mérito, transitada em julgado.

            O jurista COQUEIJO COSTA [20] também considera a ação rescisória como sendo ação autônoma, na qual revela-se o direito constitucional à prestação jurisdicional e almeja-se atacar a coisa julgada.

            Acrescenta que o fundamento é sempre processual e que se trata de "ação constitutiva negativa e a sentença, por isso, também o será quando julgar procedente; quando improcedente, será meramente declaratória".

            No mesmo sentido, BERENICE SOUBHIE NOGUEIRA MAGRI [21] anota que a decisão procedente será constitutiva negativa e terá natureza de declaratória negativa, se improcedente.

            Portanto, a ação rescisória é uma "ação autônoma de impugnação", cuja decisão será constitutiva negativa, se o pedido for julgado procedente, ou declaratória negativa, se improcedente.

            1.4 Juízo de Admissibilidade

            1.4.1 Condições da Ação

            As condições processuais da ação rescisória encontram-se ligadas às mesmas condições da ação civil em geral, ou seja, admissibilidade no direito objetivo, pertinência subjetiva e interesse.

            O professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [22] adverte que é indispensável ao autor demonstrar a presença desses requisitos: a) possibilidade jurídica do pedido; b) interesse de agir e c) legitimidade de parte.

            Esses são os requisitos que permitem ao juízo verificar no caso concreto se o direito de ação pode ser validamente exercido.

            Como assegura JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [23], as condições da ação referem-se aos "requisitos necessários para que o juiz possa fazer atuar a vontade da lei", arrematando que "não se pode alcançar a tutela jurisdicional mediante qualquer manifestação de vontade perante o órgão judicante".

            Portanto, a parte somente terá consagrado seu direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) quando for efetiva a existência das condições da ação.

            É que constituem exigências intransponíveis, que serão apreciadas pelo juízo preliminarmente ao exame do mérito da questão jurídica controvertida, em caráter prejudicial, cuja ausência levará à decretação da carência de ação.

            1.4.2 Pressupostos Processuais

            Para o estabelecimento e desenvolvimento válido e regular da relação processual, é indispensável a demonstração dos pressupostos processuais, tanto quanto das condições da ação.

            A norma jurídica dispõe que "para propor ou contestar ação é necessário interesse e legitimidade" (art. 2º, do CPC).

            A esses dois requisitos soma-se um terceiro: pedido juridicamente possível (art. 295, do CPC).

            SPÍNOLA [24] destaca que o interesse – sinônimo de bem de vida - repousa na existência de um bem da vida a proteger, diz-se patrimonial, "desde que proceda de uma relação jurídica de caráter econômico".

            E diz-se moral, segundo ATALIBA VIANA. [25], se o direito subjetivo incide sobre um bem "sem equivalente pecuniário".

            Por sua vez, a legitimidade prende-se à existência de relação jurídica entre o interesse e as partes com as quais se relacione, ou seja, entre a pessoa que invoca a proteção do interesse (legitimada ativa) e aquela em face da qual é pedida a proteção (legitimada passiva).

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            Ensina FREDERICO MARQUES [26] que a "legitimatio" ou a "pertinência subjetiva da ação" (BUZAID), consiste "na individualização daquele a quem pertence o interesse de agir e daquele em frente ao qual se formula a pretensão levada ao Judiciário".

            Por último, ainda como condição para o exercício do direito de agir, deve ser demonstrada a possibilidade jurídica do pedido, isto é, que o pedido seja "admitido no direito objetivo", na expressão de FREDERICO MARQUES [27].

            O processo tem por finalidade a proteção desse interesse, desde que seja, a um só tempo, concreto, legítimo e protegido na ordem jurídico-normativa, que é alcançada pela via processual.

            O processualista HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [28] destaca que os pressupostos processuais (formais e materiais), os quais não se confundem com as condições da ação, são exigências legais cuja inobservância acarreta a extinção prematura do processo, malogrando a atividade jurisdicional.

            O renomado autor [29] os classifica em pressupostos de existência e pressupostos de desenvolvimento.

            Diante da relevância dos pressupostos processuais, ROGÉRIO LAURIA TUCCI [30] registra que, não sendo possível sanar a falha ou repetir o ato acoimado de nulidade, haverá óbice intransponível à obtenção da almejada sentença de mérito.

            1.5 Pressupostos da Rescisão

            1.5.1 Considerações gerais

            Como remédio processual de caráter extraordinário, a ação rescisória visa desconstituir a coisa julgada, um dos princípios basilares da tutela jurisdicional prestada pelo Estado.

            Nesse sentido: "A ação rescisória é instrumento excepcional posto romper a coisa julgada, instrumento consubstanciador da promessa constitucional da segurança jurídica" (STJ - REsp nº 471.732).

            Assim se diz porque um dos princípios constitucionais (art. 5º, XXXVI, da CF) assegura que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

            No mesmo sentido, o art. 6º, do Decreto-lei nº 4.657/42 (LICC) dispõe: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

            No que toca ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF), o constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA [31] destaca que, quando se protege a coisa julgada material, "o que se protege é a prestação jurisdicional definitivamente outorgada".

            Daí a profunda repercussão dessa desconstituição na ordem jurídica, fazendo com que seja marcada pelo caráter da excepcionalidade.

            Diante disso, o processualista LUIZ EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL [32] salienta que "não se deve esquecer que no direito moderno a regra é a imutabilidade do julgado, depois de ter passado pelo crivo do duplo grau de jurisdição: a sua rescindibilidade é a exceção".

            Muito embora a imutabilidade seja a regra, ao cuidar do princípio do acesso à justiça, o jurista RUI PORTANOVA [33] acentua que, na ótica de JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA, não se concebe "que o Estado estabelecesse o direito e não estabelecesse concomitantemente uma atividade específica, tendente a garantir sua eficácia nos casos de violação".

            A coisa julgada material implica em tutela já entregue pelo Estado no exercício da jurisdição, função que lhe é reconhecida e à qual se sujeitam as partes litigantes, atuando na qualidade de terceiro para dirigir e solucionar um conflito de interesse juridicamente protegido.

            A ação rescisória visa desconstituir essa tutela prestada às partes, buscando fazer com que a relação de direito material ou processual retorne ao "status quo ante".

            Com efeito, julgada procedente a pretensão rescisória, COQUEIJO COSTA [34] anota que "As partes voltam ao status quo ante, como se a decisão rescindenda não tivesse existido, restabelecendo-se a relação processual".

            Haja vista que a intangibilidade da coisa julgada é a regra, o seu desfazimento somente pode ocorrer nos taxativos indicativos do art. 485, do CPC.

            Assim sendo, o processualista LUIZ RODRIGUES WAMBIER [35] enfatiza que o exercício da ação rescisória exige demonstração inequívoca de pressupostos específicos que retratem a "expressão normativa das hipóteses de descompasso entre a exigência da justiça e o resultado do provimento rescindendo".

            Justifica-se assim o caráter extraordinário da ação rescisória, porquanto constitui remédio processual que visa desconstituir a coisa julgada, instituto necessário à proteção da tutela jurisdicional entregue pelo Estado.

            O professor EDGAR BODENHEIMER [36] destaca que, segundo a visão de ARISTÓTELES, a justiça consiste "numa espécie de igualdade".

            De um lado, exige que as "coisas" sejam eqüitativamente atribuídas aos membros da comunidade ou Estado, e, de outro, ao direito compete defender essa justa distribuição de quaisquer violações.

            O filósofo LEONARDO VAN ACKER [37], louvando-se em SÃO TOMÁS DE AQUINO, enfatiza que, no direito natural objetivo, "direito" significa "justo" e "natural" tem o sentido de fundado na própria natureza moral da "coisa".

            Acrescenta que "coisa", significa "quaisquer objetos, matérias, conteúdos ou resultados da conduta ou do comportamento humano justo".

            A partir da idéia de que consiste "numa espécie de igualdade", ARISTÓTELES distingue duas formas de justiça:

            a) "justiça distributiva", que compete ao legislador "na distribuição de encargos, direitos, honrarias e bens entre os membros da comunidade, de acordo com o princípio da igualdade proporcional";

            b) "justiça corretiva", na pessoa do juiz, já que "cabe à justiça garantir, proteger e manter essa distribuição contra os ataques ilegais e restabelecer o equilíbrio distributivo quando perturbado".

            Desta feita, em que pese o princípio constitucional da proteção à coisa julgada, considerando, entretanto, os demais princípios de proteção aos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, da CF), tem ampla razão de ser o remédio processual constituído pela ação rescisória.

            É que, considerando a forma de "justiça corretiva" preconizada por ARISTÓTELES, talvez assim se possa, na pessoa do juiz, "restabelecer o equilíbrio distributivo quando perturbado".

            Essa forma de justiça encontra-se afinada com o escopo da "restitutione in integrum" do direito romano.

            Era uma das formas de proteção que integravam a jurisdição dos prefeitos do Pretório, quer do ponto de vista processual, quer substancial, intervindo com seu poder de império nas relações das pessoas.

            Os juristas ALEXANDRE CORREIA e GAETANO SCIASCIA [38] ressaltam que, anulando uma situação jurídica, a "restitutione in integrum" visava a "restituição por inteiro", com "o efeito de restituir as coisas ao estado anterior".

            O magistrado SÉRGIO NOJIRI [39] conceitua o "Estado de Direito como aquele que se subordina à lei ou como aquele em que o Estado se curva diante do direito que ele próprio criou".

            E acrescenta que é preciso observar, principalmente, a influência que ele exerce e sobre ele é exercida pelos princípios da supremacia da Constituição, da separação dos poderes, da legalidade e dos direitos do homem.

            Percebe-se, assim, que o exercício da ação rescisória constitui garantia efetiva do Estado Democrático de Direito, diante dos vícios que podem macular a prestação jurisdicional e, com isso, desprestigiá-la aos olhos da sociedade.

            Enfim, como registra LUIZ EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL [40], a ação rescisória é o meio hábil com a "função de abrandar os efeitos da coisa julgada, corrigindo decisões, de modo a evitar graves injustiças decorrentes de vícios processuais".

            1.5.2 Pressuposto Genérico

            O dispositivo de regência (art. 485, "caput", do CPC), esclarece que somente é rescindível a sentença de mérito, transitada em julgado.

            Dessa sorte, o pressuposto genérico para a propositura da ação rescisória é que se opere a coisa julgada material.

            1.5.3 Pressupostos Específicos

            Os pressupostos específicos de admissibilidade da ação rescisória encontram-se enumerados no art. 485, I a IX, do CPC.

            Os fundamentos legais são taxativos, esgotando totalmente as hipóteses de rescindibilidade, não se cogitando de quaisquer outros.

            A respeito, JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [41] salienta: a) acertada troca do termo "será nula a sentença", do Código de Processo Civil de 1939 (art. 798), por "pode ser rescindida"; b) aumento substancial dos casos de admissibilidade; c) tanto os vícios de atividade quanto os vícios de juízo autorizam a ação rescisória.

            Quanto ao manejo da ação rescisória, BARBOSA MOREIRA [42] alerta ser possível conjugar dois ou mais fundamentos arrolados no art. 485, do CPC.

            Nesse caso, conclui que "haverá cumulação de ações rescisórias, conexas pelas partes e pelo petitum", bastando, para a procedência, "que se prove um dos fundamentos, dentre os invocados".

            Não obstante, a jurisprudência já decidiu em sentido diverso: "Quando a decisão rescindenda tem dois fundamentos, a rescisória só poderá vingar se for procedente em relação a ambos" (STJ – AR 75-RJ).

            Por fim, JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [43] divide a admissibilidade (art. 485, do CPC) da ação rescisória como decorrente: a) da "quaestio júris" (IV e V); b) da "quaestio facti" (VI, VII, VIII e IX); c) da figura do juiz (I e II) e d) de dolo ou fraude à lei (III).

            1.6 Sentença de Mérito

            Anote-se que o termo "sentença" (art. 485, do CPC), está empregado em sentido amplo, compreendendo qualquer grau de jurisdição.

            Nesta senda, designa tanto sentenças, no sentido estrito do art. 162, § 1º, quanto acórdãos, na terminologia do art. 163, ambos do CPC.

            A propósito, COQUEIJO COSTA [44] enfatiza que, ao invés do termo sentença, o diploma processual de 1973 deveria ter utilizado o termo decisão, a exemplo da jurisprudência trabalhista.

            Ao afirmar que o dispositivo "falou menos do que queria dizer", NELSON NERY JÚNIOR [45] também tece críticas ao termo sentença utilizado na lei processual.

            Quanto à definição legal de sentença (art. 162, § 1º, do CPC), vê-se que "é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa".

            A processualista MARIA HELENA DINIZ [46] entende por sentença de mérito aquela que extingue o processo, com julgamento do mérito, acolhendo ou rejeitando a pretensão do autor.

            O jurista HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [47], que classifica as sentenças em terminativas e definitivas, destaca que a definição legal não se mostra adequada, porquanto, a seu ver, a prolação da sentença nunca encerra a relação processual.

            Com autoridade, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER [48] também critica a definição legal de sentença (art. 162, § 1º, do CPC), anotando constituir vício de linguagem dizer que põe fim ao procedimento em primeiro grau.

            De tudo se conclui que o termo utilizado no art. 485, do CPC, deve ser entendido no sentido amplo de "decisão".

            É que são rescindíveis não apenas as sentenças (art. 162, § 1º, do CPC), como também os acórdãos (art. 163, do CPC), desde que tenham, umas e outros, transitado em julgado.

            1.7 Coisa Julgada

            Nos termos da lei (art. 467, do CPC), tem-se que sentença de mérito, transitada em julgado, é aquela contra a qual não se admite recurso algum, ordinário ou extraordinário.

            Não obstante, BARBOSA MOREIRA [49] ousa discordar salientando que não constitui pressuposto de rescindibilidade da sentença tenham se exaurido todos os recursos previstos no ordenamento legal.

            Com efeito, a teor da Súmula 514, do STF, "Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos".

            De qualquer modo, diz-se passada em julgado a sentença "que se tornou irretratável, por não comportar mais qualquer espécie de recurso ou de impugnação" (art. 467, do CPC) [50].

            Destarte, não é qualquer decisão que enseja ação rescisória, tão-somente aquela acobertada pela autoridade da coisa julgada ("res iudicata").

            A respeito, NELSON NERY JÚNIOR [51] conclui que pouco importa a natureza da decisão (interlocutória, sentença ou acórdão), bastando que tenha transitado em julgado.

            Ao abordar os aspectos principais da coisa julgada e da ação rescisória, ADRIANA DINIZ DE VASCONCELOS GUERRA [52] mostra os vários significados do instituto da coisa julgada desde o direito romano.

            No direito romano qualificava o substantivo "res". Modernamente, ora se identifica a noção de coisa julgada com a própria sentença, ora com seu conteúdo, com sua eficácia em geral, ou com um de seus efeitos, ou com uma qualidade da sentença ou de seus efeitos.

            Tal é a importância desse instituto que, segundo PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON [53], seus efeitos atingem não apenas as questões suscitadas pelas partes, mas também as que deveriam ter sido.

            Com efeito, transitada em julgado a sentença "reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido" (art. 474, do CPC).

            Ao cuidar do tema, BERENICE SOUBHIE NOGUEIRA MAGRI [54] refere-se a "coisa julgada da sentença" para, citando LIEBMAN, enfatizar que "a coisa julgada é a qualidade da imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença".

            Acrescenta que, no dizer de GIUSEPPE CHIOVENDA, é a "exigência da paz social que visa estancar definitivamente a discussão do mérito da causa".

            Por sua vez, JOSÉ MARIA TESHEINER [55] fixa a distinção entre coisa julgada formal e coisa julgada material e adverte que esta é "algo mais", para concluir, quanto aos efeitos, que toda sentença produz o primeiro, mas nem sempre o segundo.

            Finalmente, OVÍDIO A.BAPTISTA DA SILVA [56] define coisa julgada como "a qualidade que torna indiscutível o efeito declaratório da sentença, uma vez exauridos os recursos com que os interessados poderiam atacá-la".

            Depois, debruça-se sobre os seus limites subjetivos e objetivos para separá-la "dos efeitos produzidos pela sentença, que nada têm a ver com a coisa julgada".

            1.8 Petição Inicial

            O art. 488, "caput", do CPC, determina que a petição inicial da ação rescisória "será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 282".

            Esses requisitos são: a) o juiz ou tribunal, a que é dirigida; b) os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; c) o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; d) o pedido, com suas especificações; e) o valor da causa; f) as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; g) o requerimento para citação do réu.

            Portanto, a petição inicial da ação rescisória deve conter todos os requisitos exigidos para a inicial de ação sujeita ao procedimento ordinário.

            Além disso, "será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação" (art. 283, do CPC).

            Reputa-se documento indispensável a certidão do trânsito em julgado da decisão rescindenda, muito embora JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [57] anote que "a ausência desse documento não acarrete, de logo, a carência de ação, pois haverá que ser concedido um prazo para a sua juntada (CPC, art. 284)".

            Também se considera documento indispensável o instrumento de mandato, a decisão rescindenda e, quando devido, o comprovante do depósito prévio equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa.

            A respeito, COQUEIJO COSTA [58] sustenta que a ausência de qualquer requisito ou, ainda, defeitos e irregularidades na petição inicial, leva o Relator, de ofício, a determinar que o autor a emende ou complete, uma vez que "deve o juiz procurar salvar tão importante peça processual".

            O art. 490, I, do CPC, determina que "Será indeferida a petição inicial: I – nos casos previstos no art. 295".

            Destarte, o Relator poderá indeferir a petição inicial ao proferir o despacho liminar, deferindo ou não a citação do réu (art. 495, do CPC).

            Podem acarretar o indeferimento da inicial (art. 295, do CPC): a) – inépcia; b) parte manifestamente ilegítima; c) ausência de interesse processual; d) decadência ou prescrição (art. 219, § 5º); e) o tipo de procedimento não corresponder à natureza da causa ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder se adaptar ao tipo de procedimento legal; f) não forem atendidas as prescrições dos arts. 39, § único, 1ª parte, e 284.

            Ainda como requisito da petição inicial, o art. 488, I, do CPC, dispõe que o autor deverá "cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa".

            O autor JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ [59] entende que o termo "se for o caso" busca "evitar a supressão de um grau de Jurisdição".

            Para BERENICE SOUBHIE NOGUEIRA MAGRI [60] essa cumulação não é facultativa e dependerá da necessidade do caso concreto.

            Nessa linha de raciocínio, NELSON NERY JÚNIOR [61] sustenta que o pedido de cumulação – de rescisão e de novo julgamento - deve vir expresso na petição inicial, sob pena de inépcia, "não se admitindo pedido implícito".

            O processualista ALEXANDRE DE PAULA [62] entende que o pedido de cumulação só tem razão de ser quando a ação anterior for condenatória ou constitutiva, vencido o autor, não, todavia, declaratória ou constitutiva, vencidas pelo autor.

            O STJ (REsp 208.902-AL) [63] já decidiu que, excetuando-se os incisos II (juiz impedido ou absolutamente incompetente) e IV (coisa julgada), do art. 485, do CPC, quanto aos demais (I, III, V, VI, VII, VIII e IX) o pedido de cumulação é obrigatório.

            1.9 Prazo para a propositura

            Dispõe o art. 495, do CPC, que "O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão".

            É cediço que as sentenças de mérito, transitadas em julgado, encontram-se protegidas pela autoridade da coisa julgada.

            Após o decurso do prazo preclusivo de 2 (dois) anos serão definitivas – imunes a qualquer ataque -, não surtindo qualquer efeito a propositura da ação rescindenda após esse lapso temporal (art. 269, IV, do CPC).

            O jurista CELSO NEVES [64] assinala que, durante algum tempo, após a formação da coisa julgada, "autoriza a ordem jurídica, a sua desconstituição, para evitar o mal maior da erronia, que eliminaria para o futuro, a controvérsia e a incerteza que dela decorrem".

            No mesmo sentido, BARBOSA MOREIRA [65] ressalta que "A segurança das relações sociais exige que a autoridade da coisa julgada, uma vez estabelecida não fique demoradamente sujeita à possibilidade de remoção".

            Anote-se que o prazo extintivo é de decadência, não se suspendendo ou interrompendo por constituir ação desconstitutiva, fluindo desde o dia em que a sentença rescindenda transitou em julgado.

            O art. 207, do Código Civil, dispõe que: "Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

            Mas a ação rescisória se sujeita à prescrição intercorrente, conforme a Súmula nº 264, do STF: "Verifica-se a prescrição intercorrente pela paralisação da ação rescisória por mais de cinco anos".

            Ensina COQUEIJO COSTA [66] que "O prazo para ajuizar a rescisória é de decadência, e não de prescrição".

            No mesmo sentido se posiciona BARBOSA MOREIRA [67]. Após criticar a redação dada pelo legislador ao art. 495, do CPC, adverte que não se extingue o direito à ação rescisória e sim "o direito mesmo à rescisão da sentença viciada".

            E o mestre PONTES DE MIRANDA [68] anota que "A prescrição concerne à pretensão; o prazo preclusivo quase sempre ao direito".

            Da Súmula nº 100, do TST, extrai-se que: "O prazo de decadência, na ação rescisória, conta-se do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não".

            Ainda quanto à decadência, a Súmula nº 106, do STJ, firmou o entendimento de que "Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência".

            1.10 Competência

            O art. 491, 1ª parte, do CPC, determina que o réu será citado para responder aos termos da ação no prazo nunca inferior a 15 nem superior a 30 dias.

            Se "os fatos alegados pelas partes dependerem de prova" (art. 492, do CPC), a instrução será realizada pelo juízo da comarca onde deva ser produzida.

            O art. 493, do CPC dispõe que, concluída a instrução o processo será julgado: no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Regional Federal, na forma dos seus regimentos internos, e nos Estados, conforme a norma de Organização Judiciária.

            Os artigos 102, I, "j", e III, 105, I, "e", e III, "a", "b" e "c", e 108, I, "b", e II, da Carta Política, respectivamente, determinam a competência do STF, STJ e TRF’s para, originariamente, processar e julgar as ações rescisórias de seus julgados, e em grau de recurso em única ou última instância.

            Portanto, das normas jurídicas dos referidos dispositivos, verifica-se que o processamento e julgamento da ação rescisória é privativo dos Tribunais, órgãos colegiados competentes para processarem e rescindirem as decisões.

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Sobre o autor
Nestor Pereira

Advogado, Pós-graduado em Direito Público pela Anamages/Unicentro Newton Paiva – Belo Horizonte-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Nestor. Ação rescisória e suspensão cautelar da decisão rescindenda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 748, 22 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7052. Acesso em: 26 abr. 2024.

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