Capa da publicação A internação compulsória e o conflito entre os direitos fundamentais do dependente químico

A internação compulsória e o conflito entre os direitos fundamentais do dependente químico

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CONCLUSÃO

A Internação Compulsória para que não viole os direitos fundamentais, deve ser realizada após o primeiro passo, que é finalidade terapêutica, pois é a única justificativa constitucionalmente admissível para que não seja utilizada como forma punitiva, e sim da maneira como indicam as práticas nas medidas de segurança, não esquecendo que os efeitos colaterais estarão sempre presentes. É necessário também que haja uma avaliação criteriosa por uma equipe multidisciplinar, para que não ocorram equívocos sobre o laudo e individualidade de cada paciente.

Os princípios constitucionais apesar de conflitarem algumas vezes, também servem de apoio um para o outro, quando utilizado no momento certo através de uma ponderação, para que um não prevaleça sobre o outro, também para que não haja uma hierarquia de princípios e muito menos um retrocesso constitucional, dando primeiramente o direito à saúde ao dependente químico legítimo que realmente necessitou de uma internação e que passou por todas as etapas, para que então, com a sanidade restabelecida, tenha condição de decidir e gozar do seu direito à liberdade.

O retrocesso constitucional ocorre quando tratam a internação compulsória como um tratamento em si, quando sem justificativas admissíveis um indivíduo é internado e sem a intenção de que essa internação seja apenas uma fase do processo, mas sim o único e por tempo indeterminado. Também há retrocesso quando utilizam a internação de forma curativa, pois para que se tenha uma melhoria ou até mesmo uma recuperação significativa, não poderia ser como acontece hoje em dia em grande parte dos casos, onde se interna para punir e sem previsão de volta do paciente ao convívio social, ou ao menos a retomada dele ao tratamento extra-hospitalar. O ideal seria o esgotamento de todos os meios cabíveis, incluindo os recursos extra-hospitalares, para que dessa forma houvesse a recuperação do dependente químico, trazendo-o de volta a sanidade e o incluindo novamente ao convívio social. O retrocesso também acontece quando se facilita de alguma forma (no presente caso, sem necessidade de autorização judicial) a internação de um indivíduo por consumo nocivo de drogas, pois esse consumo dos entorpecentes em si não justifica a internação. A liberdade de usar drogas é extraída do texto constitucional por força da proteção à vida privada, à intimidade, à liberdade. É previsto ainda que a legislação ordinária se encarregará das normas no tocante à publicidade de álcool e tabaco, no artigo 220, § 4º da Constituição Federal. Por fim, para que a internação compulsória seja mais benéfica para o dependente, deve-se respeitar o devido processo legal, em regra, a um conjunto de pressupostos protetivos, tendo como exemplo, a manifestação da pessoa que se pretende internar, a oitiva de um defensor da parte, a comunicação para a Defensoria Pública e para o Ministério Público. Contudo, a internação compulsória será legítima se houver motivação cabível, o procedimento da sua efetivação, e tempo determinado sobre a permanência da internação. Vale frisar que internar alguém fora dos parâmetros de proteção dos direitos humanos e das normas internas é crime de tortura, ou seja, fora desses requisitos só poderá trazer prejuízos ainda mais agravados para o dependente químico.


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Notas

  1. LOUVEM, Amanda. Da internação compulsória de dependentes químicos e os direitos humanos. out, 2017. pg. 10. Monografia. FACULDADE DE DIREITO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM Cachoeiro de Itapemirim- ES.

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  3. Barreto, Lima. O cemitério dos vivos. Brasília: Ministério da Cultura. Disponível em <https://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/o_cemiterio_dos_vivos.pdf> Acesso em 15 abr. 2020

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  5. CRACK chama atenção para dependência química. Revista de Audiências Públicas do Senado Federal, Brasília: Senado Federal, ano 2, n. 8, p. 7, ago. 2011.

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COMPULSORY ADMISSION AND THE CONFLICT WITH THE CHEMICAL DEPENDENTS FUNDAMENTAL RIGHTS

Abstract: The article main objective is to analyze using the hypothetical deductive method how the compulsory admission works in Brazil and how the citizen who suffers of mental illness is treated by the society and Brazilian judicial system. We demonstrate the clash of this type of intervention with the individual constitutional rights, in particular personal freedom and the right to healthcare, and how this affects reaching reasonable solution for the interested parties. The law number 13,840 signed in 2019 made easier the compulsory admission of individuals with mental illness by the state. Finally, we will address positive and negatives aspects of this law with intent of finding which measure is more effective in dealing with drug addiction. The deductive method was used, through an interview with a specialist in the subject, bibliographic research, scientific articles and the federal constitution.

Key words: Compulsory hospitalization, chemical addiction, fundamental rights, human rights, constitutional right.

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