Capa da publicação A internação compulsória e o conflito entre os direitos fundamentais do dependente químico

A internação compulsória e o conflito entre os direitos fundamentais do dependente químico

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2. O CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

No Brasil a reforma psiquiátrica deu início na década de setenta, e devido à falta de direitos básicos em várias demandas dos hospitais, sendo pela falta de cuidados básicos, como a higiene ou no tratamento incompatível, com isso, iniciou-se um movimento que questionava sobre esses direitos básicos que leva a dignidade da pessoa humana, com a finalidade de garantir esses direitos aos pacientes.

O grupo em destaque da época se denominava Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), tinham o objetivo de denunciar os casos de violência e tortura nos manicômios, a corrupção do sistema e a mercantilização da loucura, com a finalidade de aumentar a rede de atendimento extra-hospitalar e reduzir os leitos psiquiátricos no Brasil, a favor de uma modificação do modelo de atendimento, (OLIVEIRA, 2013, p. 50):

Apesar dos equívocos e acertos na construção de um novo paradigma para a saúde pública, a loucura ainda é usada como justificativa para a manutenção da violência e da medicalização da vida. É como se a existência pudesse ser reduzida à sua dimensão biológica e para todos os sentimentos existisse um remédio capaz de aliviar sintomas e de transformar realidade em fuga. ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro.

A principal motivação dos antimanicomiais era com relação ao tratamento adequado e humano que deveria ser dado a essas pessoas que até hoje são excluídas da sociedade, porque com isso, até mesmo a sociedade evoluiria, pois existem casos que quando há um tratamento adequado intensivo, traz o dependente químico não só de volta a sanidade mas também a sociedade.

Uma das propostas dos manicômios era controlar e reprimir os trabalhadores que perderam a capacidade de atender a sociedade capitalista de produção, com a intenção de que eles voltassem a produzir da maneira satisfatória, com isso, era utilizada a camisa de força.

A criação dos hospícios tinha, em sua essência, o objetivo de controlar e reprimir trabalhadores que perderam a capacidade de atender aos interesses capitalistas de produção, daí a necessidade de utilização de camisas-de-força alienantes, visando devolver estes trabalhadores à linha de produção. A proposta de Basaglia foi então tratar os portadores de transtorno mental sem excluir, isto é, fora dos hospícios, criando núcleos de atenção psicossocial (NAPS) e centros de atenção psicossocial (CAPS), viabilizando o tratamento sem a internação. Célia Barbosa Abreu e Eduardo Manuel Val (2013, p. 10.569).

O Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (SISNAD) regulamentou a favor do dependente químico para que ele obtivesse respeito sobre os direitos fundamentais, principalmente sobre a autonomia e à liberdade, a partir da nova Lei Antidrogas nº 11.343, entretanto, mantendo as medidas de tratamento para o paciente, contudo, é notória que a Lei da Reforma Psiquiátrica, garantiu ao dependente químico a inviolabilidade de seus direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana, no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, é indicada como fundamento da República Federativa do Brasil. Logo em seguida, no artigo 5º, caput, a inviolabilidade do direito à vida e do direito à liberdade é garantido a todos. Além disso, o direito à saúde também é garantido à todos no artigo 6º e ainda, previsto no artigo 196 da Constituição. É previsto no artigo 23, II, a competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuidar da saúde das pessoas portadoras de deficiência, tendo em vista, que não haja limitações em relação ao tipo de deficiência, incluindo a proteção aos portadores transtorno mental em geral e especificamente, dos dependentes químicos. A competência para legislar sobre a defesa da saúde é da União, dos Estados e do Distrito Federal, previsto no artigo 24, XII, da Constituição Federal de 88:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

Sobre esse tema polêmico que é a internação compulsória, surgem algumas opiniões de estudiosos. Como toda luta, há um lado oposto, existem pessoas que apoiam o lado mais radical, e acreditam que a internação forçada compulsoriamente seja a única alternativa viável para que o indivíduo melhore, ou apenas defendem essa tese para descartar pessoas com transtornos mentais. Essas pessoas colocam o direito à vida como superior ao direito à liberdade com reforço da ponderação. Existem ainda, pessoas que alegam que o dependente químico não se encontra em um estado onde há capacidade para usufruir do seu livre arbítrio, pois chega um momento em que o usuário de drogas está totalmente fora da realidade, fato que prejudicaria a sua escolha, ou divergência da escolha que ele tomaria se estivesse em perfeito estado de sanidade, ou perto disso, com isso, o ideal para o indivíduo seria um auxílio médico, sem tempo para saber a sua decisão. Quando se fala em menor de idade, já é dever do Estado resguardar e dar proteção integral para que o menor saia da zona de risco e vulnerabilidade, para que seja preservada a sua saúde16 e para que o mesmo seja afastado do ambiente prejudicial onde vive.

Há também, quem defende o fim desse tratamento, acreditando que seja contra os direitos fundamentais o indivíduo, tendo como fator lesionado o direito de liberdade de ir e vir, e ainda alegam que o dependente químico por passar um bom tempo internado, acaba ficando alienado, levando em consideração um sentimento de mortificação.17

Segundo Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (PROAD), apenas 2% dos pacientes que foram internados compulsoriamente, conseguiram se recuperar totalmente, sendo 98% reincidentes. (LOCCOMAN, 2012, p. 20).

Existe ainda, estudiosos que defendem que se deve existir o tratamento, sendo ele realizado dentro das normas constitucionais, pelos princípios dos direitos humanos e somente quando houver a possibilidade de um tratamento extra-hospitalar adequado, para que o paciente seja tratado da maneira correta, plena e digna.18

Baseado nesse conflito constitucional é natural que surjam vários questionamentos sobre o que seria ideal, legal e moral para o indivíduo que está excluído da sociedade, sem rumo e dependo dos entorpecentes, e que em muitos dos casos não tem um amparo familiar ou de um terceiro.

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, III da Constituição de 1988, como já mencionado, sendo um princípio fundamental da República brasileira e norma constitucional que atravessa todo o ordenamento jurídico, abrevia bem o espírito constitucional ao elevar o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República. Sendo assim, um dos dois deverá prevalecer para que as medidas corretas sejam tomadas, para a melhor compreensão sobre esses princípios e sobre essa ciência do direito. Como descreve em sua afirmação o Jurista Miguel Reale (2002, p.303) sobre como proceder nesses casos.

Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis.

O que se pode notar é que não é difícil princípios jurídicos entrarem em conflito, eles estão doutrinados para serem úteis em questões práticas de casos concretos. Apesar disso, deve-se mostrar eficiência ao resolver pendências entre os seres humanos, pois cada um está amparado por um princípio jurídico de forma divergente. De acordo com Humberto Ávila19 (2012 p. 139), os princípios são estados ideais a serem promovidos ou conservados o que significa que apesar das incompatibilidades, um princípio não poderá anular o outro. Luís Roberto Barroso20 (2001, p. 27) também se pronuncia sobre as colisões constitucionais:

Princípios e direitos previstos na Constituição entram muitas vezes em linha de colisão, por abrigarem valores contrapostos e igualmente relevantes, como por exemplo: livre iniciativa e proteção do consumidor, direito de propriedade e função social da propriedade, segurança pública e liberdades individuais, direitos da personalidade e liberdade de expressão.

O que comprova que os princípios constitucionais não são absolutos, mas todos têm a sua valoração. O tema fica ainda mais delicado, tendo em vista que ao internar um dependente químico não há um consentimento do indivíduo, gerando o conflito entre os dois direitos do ser humano, pois nem todos os princípios exercem a mesma função, já dizia Humberto Ávila (2012 p.13321).

Em primeiro lugar, nem todos os princípios exercem a mesma função: há princípios que prescrevem o âmbito e o modo da atuação estatal, como os princípios republicano, federativo, democrático, do Estado de Direito, e há princípios que conforma o conteúdo e os fins da autuação estatal, como os princípios do Estado Social, da Liberdade e da propriedade. Se os princípios dizem respeito a diferentes aspectos da atuação estatal, a relação entre eles não é de concorrência, mas de complementação. Metaforicamente eles não se ombreiam uns com os outros, mas se imbricam em relações diversas de forma-conteúdo e gênero-espécie. Não se pode, pois falar em oposição ou em conflito, mas apenas em complementariedade. Em segundo lugar, nem todos os princípios se situam no mesmo nível: há princípios que se igualam por serem objeto de aplicação, mas se diferenciam por se situarem numa relação de subordinação, como é o caso dos sobreprincípios do Estado de Direito relativamente aos princípios da separação dos poderes, da legalidade e da irretroatividade. Se um princípio é uma norma de execução ou concretização de outra, a relação entre elas não é de concorrência, mas de subordinação. Em terceiro lugar, nem todos os princípios têm a mesma eficácia: os princípios exercem várias funções eficaciais, como a interpretativa, em que um princípio será interpretado de acordo com outro, a integrativa, em que um princípio atuará diretamente suprindo lacuna legal, e a bloqueadora, em que um princípio afastará uma norma legal com ele incompatível. Nesses casos, também não se pode falar em conflito horizontal, mas apenas em vínculos de conformidade de um princípio em relação a outro, ou em atuação direta de um princípio sem a interferência de outro princípio.

Desta maneira, é certo que uma regra não irá anular a outra, pois existe uma diversidade de casos, de situações que são um tanto singulares, e elas precisam de uma atenção especial para que se possa usar o princípio mais conveniente, porque como é demonstrado por Ávila, os princípios se complementam, mesmo que seja em um longo espaço de tempo, e existem meios de ponderar esses conflitos entre as normas constitucionais, afinal, todas as pessoas necessitam e de seus direitos individuais e coletivos, a liberdade é uma conquista dos homens, há um longo caminho até que se chegue a liberdade, a privacidade e a dignidade.

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Nesse sentido, também agrega Alexandre de Moraes (2003, p. 50):

A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.


3. A POLÊMICA DA NOVA LEI Nº 13.840/2019

Em 2019, foi sancionada, pelo Presidente da República a nova Lei de Drogas nº 13.840/2019, que transformou as espécies de internação, que antes eram divididas em três, e agora, dividida em duas, sendo elas, tão somente: a internação voluntária, que se manteve igual no conceitual, sendo consentida pelo dependente químico, e a internação involuntária, que é sem o consentimento do paciente, requerida por familiares ou terceiros, e que antes já não havia a necessidade de uma autorização judicial.

A falta de citação da internação compulsória assunto que gerou polêmica durante seu anúncio, pois agilizou para que o indivíduo seja internado com mais facilidade, já que agora a autorização judicial não é mais obrigatória e ao menos citada em alguma das espécies de internação.

Considerando a Lei nº 13.840, de 5 de junho de 2019, aprovada no Senado, sem aprofundamento do debate, desconsiderando emendas de comissões apresentadas, que acaba de retroceder décadas ao prescrever internações involuntárias como estratégia central no cuidado aos usuários de drogas, como outras medidas retrógradas com prejuízo de experiências exitosas e avanços técnico-científicos;

Considerando os vetos presidenciais à Lei nº 13.840/2019 (aprovada no Senado sem que sua versão final acolhesse as contribuições oriundas de prolongado debate e pactuações em diversas comissões do congresso nacional nos últimos anos), que descaracteriza os órgãos fiscalizadores, a participação da sociedade e reduz os recursos/estratégias direcionados a inclusão social, trabalho e geração de renda;22

Essa mudança sobre a internação na nova Lei trouxe questionamentos com relação ao retrocesso, pois a determinação Judicial legal era um fator fundamental para a classificação e diferenciação da internação compulsória, e a chegada dessa nova lei alterou bruscamente o seu conceito, pois acabou ferindo a carta magna com a retirada da internação compulsória.

Em uma análise sobre a nova lei n. 13.840/2019, o psiquiatra Rogério Wolf de Aguiar, membro da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Federal de Medicina e ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e do CREMERS, apontou algumas mudanças que foram feitas23.

Mudanças sobre a Internação Involuntária conforme a lei: A internação involuntária dependerá de pedido de familiar ou responsável legal ou, na faltas deste, de servidor público da área da saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). O texto ainda diz que, a internação involuntária deve ser realizada após a formalização da decisão por médico responsável e indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de alternativas terapêuticas previstas da rede de atenção à saúde. O texto ainda menciona que o tratamento ocorrerá prioritariamente de forma ambulatorial, em unidades de saúde ou hospitais gerais, dotados de equipes multidisciplinares. O médico que autoriza a internação deve estar devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado/unidade federativa onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação. O documento indica que a internação involuntária deverá ocorrer no estrito tempo necessário à desintoxicação do paciente, no prazo máximo de 90 dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável; e que a família ou representante legal, poderá, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento. A lei prevê, ainda, que todas as internações e altas deverão ser informadas, em, no máximo, de 72 horas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização, por meio de sistema informatizado único.24 Dessa forma, Wolf, resumiu algumas das novidades sobre a lei em vigor.

Mudanças sobre a Internação Voluntária conforme a lei: O acolhimento em unidades terapêuticas sempre será por adesão voluntária; Elas devem oferecer ambiente residencial propício à promoção do desenvolvimento pessoal e não poderão se isolar fisicamente a pessoa, dependendo sempre de avaliação médica para o ingresso; usuários que possuem comprometimentos de saúde ou psicológicos de natureza grave não poderão ficar nessas comunidades, pois as comunidades são instituições privadas e sem fins lucrativos.

O psiquiatra considera positiva essa mudança: A avaliação inicial e muito positiva, porque transforma em lei o que já é parte de uma Resolução do Conselho Federal de Medicina. No CFM, há uma previsão de Internações dos tipos voluntários, involuntários e compulsório. diz. No entanto, Aguiar, concorda que a medida é polêmica e que gera discussões, mas defende que essa mudança e necessária: A Internação involuntária tem causado certa polêmica, na medida em que propõe uma internação, apesar da contrariedade do paciente, afirma, ainda, que se trata de uma medida delicada e que as avaliações devem ser feitas de maneira individualizada e criteriosa. Wolf, explica:

O dispositivo certamente não seria bem aplicado se fosse realizado de modo universal, ou seja, internando indiscriminadamente qualquer pessoa com dependência de drogas. Isso tem que ser avaliado individualmente. O que a lei abre é a possibilidade legal de que sejam decididas as internações, por indicação médica, em casos de incapacidade da pessoa de decidir por si mesma. Essa medida é decidida quando a pessoa já não comanda e avalia mais seus atos. É uma ação de proteção

Um tema polêmico gera discussões e opiniões controversas, pode-se perceber como por um lado a medida é bem aceita, entretanto, por outro é chamada de retrocesso constitucional.

3.1. Internação Forçada Como Medida de Segurança ou Punição?

Para que ocorra a internação forçada é necessário que haja irrupção de uma força como forma de medida de segurança, pois os pacientes que são usuários problemáticos de drogas, geralmente não colaboram. A medida é determinada no curso do processo criminal, quando há acusação de prática de ato típico e punível com pena restritiva de liberdade, de pessoa considerada inimputável ou semi-imputável (Código Penal, art. 26). Havendo conduta típica, o princípio da culpabilidade25 será afastado por completo26 a possibilidade de imposição de pena27. Contudo, é denominado de absolvição imprópria. O simples ato de consumir drogas, ou mesmo o uso abusivo de drogas, não são condições para que se possa ensejar a medida de segurança, afirmativa assegurada pelo art. 28. da Lei n. 11.343/2006 (Lei Antidrogas), o consumo pessoal não se submete à pena restritiva de liberdade (prisão simples, detenção, reclusão). As penas previstas por uso pessoal são de advertência, prestação de serviços comunitários e realização de curso educativo. Quando há prática de outras condutas criminalmente tipificadas, o uso problemático de drogas integra as hipóteses de transtorno mental que podem conduzir a inimputabilidade. Ao observar as decisões judiciais, pode-se observar que na determinação de internação em sede de medida de segurança é frequente o embasamento estar ligado à intenção punitiva, o que é uma grave incoerência, configurando uma mistura perigosa. (Foucault, 2001, p.43). No art. 45. da Lei de Drogas n. 11.343/2006, o quadro denominado dependência e o efeito do uso de drogas, são previstos como prognóstico que podem facilitar a autorização do tratamento forçado:

Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

Quanto à duração da internação, prevê o código penal no art. 97, §1º, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos. Ou seja, existe um temor da prática de um novo crime com relação ao agente.

O relatório realizado pelo Conselho Federal de Psicologia28 observou que 70% dos internados em medidas de segurança, sequer passaram por um projeto terapêutico, 18% passaram, e o percentual remanescente sequer não havia dados. O STJ prevê na súmula 52729 que O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, exemplo de que há uma confusão entre o tratamento e a punição.

Existem posicionamentos divergentes sobre como deveria ocorrer a medida de segurança. Para Paulo Queiroz, melhor seria, em atenção ao principio de igualdade, que a medida de segurança tenha uma duração máxima limitada pela pena em concreto, ao invés da pena em abstrato, por constituir uma solução mais protetiva30. Roig já defende o princípio constitucional da presunção de inocência, que exige que o prazo máximo da medida de segurança seja da pena mínima.31

A conclusão e os fundamentos do STJ e STF em síntese rejeitam um caráter punitivo na medida de segurança. O STJ ao fundamentar o HC 121.877 acenou para a distinção necessária entre punição e medida de segurança:

não há falar, no presente caso, em prescrição, mas, sim, em limite máximo de duração da medida de segurança. Isto porque a paciente encontra-se cumprinco a medida de seguranca imposta e a prescrição refere-se à pretensão estatal de punir (quando se levará em consideração a pena in abstrato) ou de executar pena ou medida imposta por sentença judicial transitada em julgado (considerando-se a pena in concreto). A discussão, neste writ, deve desenvolver-se em torno da questão da duração máxima da medida de segurança, no sentido de se fixar uma restrição à intervenção estatal em relação ao inimputável na esfera penal.32

Houve caso em que o cumprimento da medida e segurança já ultrapassa oito anos, em crime cuja pena máxima era a metade. Isto posto, consignou-se que Em razão da incerteza da duração máxima da medida de segurança, está-se claramente tratando de forma mais severa o infrator inimputável quando comparado ao imputável, para o qual a lei limita o poder de atuação do Estado, tendo como exemplo:

  1. O afastamento do inimputável ou semi-imputável por força da medida de segurança encontra fundamento que está mais próximo de razões de política criminal do que motivos de saúde,33

  2. A limitação do tempo da medida de segurança de acordo com a duração máxima prevista para o tipo revela com clareza a preocupação com subterfúgios para prisão perpétua, mas a fundamentação das decisões é reveladora de uma lógica (e/ou de uma ideologia) de matiz punitiva;

  3. Em que se pese seja possível identificar inclusive o Código Penal subsídios para distinção entre pena e tratamento, na medida de segurança se tangencia (ou entrelaçam) tais papéis. (Schulman, 2020, p. 150)

Em sentido diverso, conferindo maior atenção à saúde, o STJ concluiu, ao menos em parte com maior sintonia com os valores constitucionais:

A medida de segurança tem finalidade preventiva e assistencial, não sendo, portanto, pena, mas instrumento de defesa da sociedade, por um lado, e de recuperação social inimputável, por outro. 2. Tendo em vista o propósito curativo, destina-se a debelar o desvio psiquiátrico acometido ao inimputável, que era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.34

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