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Ação rescisória e suspensão cautelar da decisão rescindenda

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22/07/2005 às 00:00
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4 PROCESSO CAUTELAR

            4.1 Princípios gerais

            O processo cautelar, embora autônomo por seu objeto, não justifica sua existência por si mesmo, mas pela relação necessária que guarda com outro processo dito principal, de cognição ou de execução, ao qual serve como instrumento de segurança de atuação eficaz.

            A tutela cautelar se assenta no poder geral de cautela inerente ao exercício da função jurisdicional, privativa do juiz.

            Nos termos da lei, "poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação" (art.798, do CPC).

            Está-se a ver que as providências cautelares são sempre provisórias, modificáveis e revogáveis.

            O manejo da ação cautelar surge numa situação de ápice de crise de uma relação jurídica entre sujeitos cujos interesses entram em conflito.

            No campo das relações jurídicas diz-se que se instaura a crise quando alguém vê sua situação jurídica relativamente a um bem saindo do estado de letargia ou tranqüilidade em que repousava, ingressando numa situação conflituosa que lhe pode ser extremamente desfavorável, a ponto de poder vir a perdê-la.

            É à crise no seu ápice que se liga a idéia de perigo ("periculum"), que com ela se confunde, condicionando o manejo da ação cautelar.

            4.2 Preventividade

            Decorrendo da crise ou da conflitividade, e dela nascendo como corretivo, a preventividade marca a medida cautelar.

            Tanto que a pretensão à medida é afastada de pronto, se estiver configurada a consumação do direito.

            Nasce daí a finalidade precípua da cautelar que é impedir que a lesão se consume, obstando um evento iminente ou declarado.

            Como conseqüência dessas assertivas, tem-se que nas expressões "ação cautelar preventiva" e "ação cautelar incidente", os termos "preventiva" e "incidente" indicam um momento processual relacionado com as regras de pedir, e não a situação crítica ou conflituosa da relação jurídica em questão.

            Em face desta, o caráter preventivo é a constante: a ação cautelar é preventiva sempre.

            4.3 Transitoriedade

            Das características da ação cautelar, a transitoriedade perfila com a sua própria finalidade.

            De tal sorte, já surge com a previsão de seu fim. Essa transitoriedade significa que as medidas cautelares têm duração temporal limitada àquele período de tempo que deverá transcorrer entre a sua decretação e a superveniência do provimento principal.

            Dissertando sobre a "instrumentalidade como caráter típico dos procedimentos cautelares", à qual empresta o sentido de transitoriedade, PIERO CALAMANDREI [96] assinala que tais procedimentos não são um fim em si mesmos, buscando um procedimento definitivo posterior.

            Por ser assim, as medidas cautelares têm sobrevida precária, cujo limite extremo chega com a atuação efetiva da tutela do direito a ser deferido de forma definitiva, em processo dito principal.

            São várias as decorrências dessa transitoriedade. E uma delas é que, por ser provisório o provimento, não se exige a exposição estendida e a demonstração contundente do direito cuja efetividade a medida pleiteada visa tutelar.

            Basta a mera indicação de indícios ("fumus") suficientes para comprovar que se está diante de pretensão afastada de leviandades, antes, firmada em alguma perspectiva plausível de direito, quiçá nem esse "fumus".

            Corolário outro dessa transitoriedade, e não menos significativo, o mesmo PIERO CALAMANDREI [97] aponta que os procedimentos cautelares conciliam duas exigências da justiça: a celeridade e a ponderação.

            4.4 Requisitos Processuais

            Embora as suponha, a lei processual (art. 801, IV, do CPC) não inclui a demonstração de todas as características da ação cautelar entre os requisitos para o seu exercício.

            Atém-se apenas a dois requisitos, mas, reconheça-se, de preponderante valia, básicos: a) exposição sumária do direito ameaçado ("fumus boni iuris"); b) receio da lesão ("periculum in mora").

            4.5 Fumus boni iuris

            O art. 801, IV, do CPC, determina que da inicial da cautelar indicará "a exposição sumária do direito ameaçado e o receio de lesão".

            A expressão "exposição sumária" integrou-se na doutrina e na jurisprudência, onde aparece sob a forma e significado de "fumus boni iuris".

            O termo "sumária" deve ser tomado no seu significado literal: resumido, breve, conciso.

            Marca-se o "fumus boni iuris" como um mero e rápido juízo de probabilidade, ao qual chega o juízo à vista de uma "exposição sumária", portanto, não exaustiva.

            Não é tanto, pois, mas não se exige mais, nem seria necessário, porque, anota PIERO CALAMANDREI [98], "basta que a existência do direito pareça verossímil".

            É certo que a moderna doutrina não reputa a singela aparência do direito ("fumus") como requisito maior ou mesmo como requisito do processo cautelar, como assinala HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [99], ao perfilar ensinamento precursor de seu mestre RONALDO CUNHA CAMPOS.

            Quanto a essa aparência do direito, o mesmo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [100] ensina que deve corresponder à "verificação efetiva de que, realmente, a parte dispõe do direito de ação, direito ao processo principal a ser tutelado".

            Em que pese esse entendimento, quer a lei processual pátria que se proceda a uma "demonstração sumária do direito", isto é, que mostre o autor a presença do "fumus boni iuris". É quanto basta e mais não se pede.

            4.6 Periculum in mora

            O douto HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [101] ensina que o "periculum in mora" é o receio de que, "concretizado o dano temido, o processo principal perderia sua utilidade para a defesa do possível direito do litigante".

            Assim se diz porque o apelo ao procedimento cautelar ocorre em um momento de alto risco para o direito de uma das partes.

            Alto risco ante a possibilidade de uma mutação no estado de fato em favor da outra, de modo que o processo cautelar destina-se, especificamente, a evitar essa indesejável mutação.

            A cautelar destina-se, pois, a ter efeito tão só até que advenha a prestação jurisdicional pedida como tutela definitiva do direito subjetivo material.

            Ainda uma vez, PIERO CALAMANDREI [102] enfatiza que o "periculum in mora", como elemento fundamental e condicionador do procedimento cautelar, agrega um outro aspecto qualificador, que é o da urgência.

            Portanto, o requisito da urgência é elemento que se agrega e passa a magnetizar a idéia de perigo.

            Não há perigo sem urgência. Ou se previne oportunamente e com a presteza exigida, ou o mesmo se deflagra.

            Nesse passo, conclui-se que só é eficaz a medida que chega a tempo de evitar essa deflagração.

            À sua vez, ao perigo prende-se a idéia de dano. Aliás, o perigo só é preocupante porque carrega em si a síndrome do dano em um bem da vida de quem seja o seu alvo.

            Por isso mesmo, pode-se definir o perigo afirmando ser uma situação na qual um bem da vida vê-se na conjuntura de vir a sofrer perda ou ameaça de perda, deterioração ou ameaça de deterioração, se ocorrer determinada mutação em uma dada situação de fato.

            A situação de risco ou de perigo tanto pode estar na necessidade de ser preservada uma relação de direito material, como na premência de se dar eficácia a uma relação processual.

            E isso se conseguirá mediante a provisão cautelar oportuna, que impedirá aconteça determinado fato, ou se consuma a omissão.

            É dentro desse quadro de perigo, de urgência e de dano iminente que se posicionam e se legitimam as medidas cautelares no seio do processo cautelar.

            4.7 Processo cautelar e antecipação de tutela: distinção

            A despeito de algumas divergências, a maioria dos doutrinadores se inclina pela distinção entre medida cautelar e tutela antecipada.

            Enquanto isso, uma minoria não faz distinção, vendo na tutela antecipada uma simples extensão da tutela cautelar no processo de conhecimento.

            As medidas cautelares podem ser ajuizadas tanto antes, assumindo feição antecipatória, quanto no curso do processo principal, assumindo natureza incidental.

            São sempre dependentes do processo principal de conhecimento ou de execução, ao qual servem como instrumento de segurança de atuação eficaz.

            Assim, as medidas tomadas no processo cautelar são providências assecuratórias da efetividade processual, ou seja, têm caráter instrumental, porque não são fins em si mesmas, existindo para garantir a eficácia de outras medidas judiciais.

            Assentam-se no poder geral de cautela inerente ao exercício da função jurisdicional privativa do juiz, condicionando-se à demonstração da existência de um direito ameaçado ("fumus boni iuris"), e o receio de lesão ("periculum in mora") em decorrência da demora na obtenção do provimento jurisdicional definitivo.

            Por sua vez, a tutela antecipada, não possui a característica da instrumentalidade, pois objetiva antecipar para o autor, de forma satisfativa, total ou parcialmente, o bem da vida que ele persegue com a demanda.

            Nota-se, então, que uma das características da antecipação de tutela, que a distingue da medida cautelar, é a sua satisfatividade, uma vez que, desde logo, será adiantada pelo juiz a providência que resultará da sentença.

            Não obstante, vários doutrinadores, a exemplo de ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, REIS FRIEDE e OVÍDIO A.BAPTISTA DA SILVA, noticiam a existência de medidas cautelares satisfativas, as quais constituiriam uma distorção de seu uso.

            Contudo, esses mesmos autores sustentam que o instituto da antecipação de tutela supriu lacuna então existente, de modo a não haver mais espaço para a adoção de medidas cautelares satisfativas.

            O art. 273, I e II, do CPC, admite a antecipação, total ou parcial, dos efeitos do pedido diante de prova inequívoca da verossimilhança da alegação e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

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            Importante notar que, por força do § 7º, do art. 273, do CPC, acrescentado pela Lei nº 10.444/2002, se, a título de antecipação de tutela, o autor requerer providência de natureza cautelar, presentes os respectivos pressupostos, o juiz poderá deferi-la em caráter incidental do processo ajuizado.

            De qualquer modo, os institutos da tutela antecipada e da medida cautelar possuem pontos comuns, a exemplo da provisoriedade (artigos 273, § 4º, e 807, do CPC) e do requisito do "periculum in mora".

            Do exposto, a despeito das diferenças entre os institutos, é possível concluir que a parte poderá valer-se tanto da medida cautelar quanto da antecipação de tutela, visando a suspensão da execução da decisão rescindenda.


5 DECISÃO RESCINDENDA

            5.1 Suspensão da execução

            O dispositivo do art. 489, do CPC, determina que "A ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda".

            Entretanto, apesar dessa vedação, o art. 71, § único, da Lei nº 8.212/91, determina que "Será cabível concessão de liminar nas ações rescisórias e revisional, para suspender a execução do julgado rescindendo ou revisando, em caso de fraude ou erro material comprovado".

            Na mesma esteira, a Medida Provisória nº 1.577-4, de 02.10.97, posteriormente reeditada – MP nº 1.658-13, de 05.06.98, e 1.798-3, de 08.04.99 -, inseriu o art. 4º A, na Lei nº 8.497, que disciplina as medidas cautelares em face do Poder Público.

            O aludido art.4º A, da Lei nº 8.497, determina que nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, encontrando-se "caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o Tribunal conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda".

            A vedação legal de que o manejo da ação rescisória não suspende a execução da decisão rescindenda é regra tradicional em nosso direito processual.

            Assim já se posicionava o Código de Processo Civil de 1939, ainda que não contivesse disposição expressa nesse sentido.

            Outro não é o entendimento de COQUEIJO COSTA [103] ao assegurar que o ajuizamento da ação rescisória não tem o condão de converter em provisória execução definitiva de decisão transitada em julgado.

            Adverte ainda o referido jurista que "seja definitiva, seja provisória a execução, a rescisória intercorrente não a suspende".

            No mesmo sentido LUIZ EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL [104], para quem a ação rescisória não impede "a execução da sentença, visto que a lei nega esse efeito até mesmo a alguns recursos, como é o caso dos recursos ordinário e especial".

            A ilustre TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER [105] anota que o princípio da segurança jurídica é elemento essencial ao Estado Democrático de Direito.

            Anota mais que, segundo JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, esse princípio desenvolve-se em torno dos conceitos de estabilidade e previsibilidade das decisões dos poderes públicos.

            Estabilidade, porque as decisões judiciais somente podem ser alteradas em casos relevantes, através dos procedimentos legalmente exigidos, e previsibilidade, que se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade por parte dos cidadãos.

            Entretanto, vários doutrinadores são unânimes em admitir o ajuizamento do processo cautelar visando suspensão da decisão rescindenda.

            Entre esses respeitáveis juristas favoráveis ao exercício da ação cautelar na pendência da ação rescisória cita-se GALENO LACERDA, JOSÉ ROGÉRIO LAURIA TUCCI, JOSÉ ROBERTO DE BARROS MAGALHÃES e J.J.CALMON DE PASSOS.

            O fundamento da discórdia, além da norma proibitiva contida no art. 489, do CPC, amparava-se em afronta ao princípio assentado em fundamentos de índole constitucional que protege a intangibilidade da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF).

            Não obstante, é sabido que vários doutrinadores de peso defendem uma interpretação em sentido estrito da regra proibitiva do art. 489, do CPC, ou seja, se o mero ajuizamento da rescisória não tem o condão de suspender a execução rescindenda, isso não significa a impossibilidade do emprego da ação cautelar incidental para esse fim.

            Assim recomendam, de modo a não inibir a eficácia da ação cautelar, se revestida, desde logo, de "fumus boni iuris" e, ainda, se houver "periculum in mora", em virtude da execução atual e virtual do julgado rescindendo.

            Esse o pensamento, por exemplo, de GALENO LACERDA [106], ponderando, quanto ao princípio constitucional, que a ação rescisória também tem sede constitucional (art. 102, I, letra "j", da CF).

            Por sua vez, ao comentar o art.489, do CPC, NELSON NERY JÚNIOR [107] alerta que "a presunção da coisa julgada é relativa", vale dizer, "iuris tantum", admitindo, portanto, prova em contrário.

            JOSÉ MARIA TESHEINER [108] assegura que a ação rescisória não ofende a Constituição "pois não há retroatividade quando se rescinde sentença, proferindo-se novo julgamento, com base na mesma legislação existente ao tempo da sentença rescindida".

            Quanto ao tema, vários juristas de peso, a exemplo de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER [109], defendem uma certa desmistificação da coisa julgada, sustentando que o instituto, tal qual era concebido pela doutrina tradicional, já não corresponde às expectativas da sociedade.

            É que a segurança, valor que está por trás da construção do conceito de coisa julgada, já não mais se consubstancia em valor que deva ser preservado a todo custo, à luz da mentalidade que vem prevalecendo.

            É o que se denomina "relativização" da coisa julgada que, para TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, é a "expressão que pode sugerir que a coisa julgada se opere em relação a uns e não a outros, quando não é esse o fenômeno a que a doutrina vem querendo referir-se".

            Portanto, em que pese vedação legal de que a ação rescisória não suspende a execução, considerando a desmistificação da coisa julgada, assentada na evolução do entendimento doutrinário, e, ainda, que o dispositivo legal não deve merecer interpretação restritiva, é plenamente cabível o manejo da ação cautelar incidental visando suspender os efeitos da decisão rescindenda.

            Com efeito, em sendo, desde logo, demonstrado no bojo da ação rescisória o efetivo descompasso entre a exigência da justiça e o resultado do provimento judicial, vislumbrando-se com isso a possibilidade de êxito da ação, não se há de coibir a suspensão da execução da decisão rescindenda.

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Sobre o autor
Nestor Pereira

Advogado, Pós-graduado em Direito Público pela Anamages/Unicentro Newton Paiva – Belo Horizonte-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Nestor. Ação rescisória e suspensão cautelar da decisão rescindenda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 748, 22 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7052. Acesso em: 19 mai. 2024.

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