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A construção de sujeitos sociais.

A educação das crianças no Movimento dos Sem Terra

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23/12/2010 às 18:01
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3 O MOVIMENTO DOS SEM TERRA

Movimentos sociais referem-se à ação dos homens na história, a qual envolve um fazer e um pensar coletivo, por meio de um conjunto de idéias que motivam e dão fundamento à ação. Herkenhoff ( 2004, p.15) explica que

Na Sociologia Acadêmica, o termo " movimentos sociais" surgiu com Lorenz Von Stein, por volta de 1840. Lorenz Von Stein defendeu a pertinência de uma ciência da sociedade que se dedicasse aos "movimentos socias", tais como ele os percebeu então – o movimento operário francês, o Comunismo e o Socialismo emergentes.

É importante destacar que estes movimentos, fazem parte dos movimentos denominados de "velhos movimentos sociais" e conforme refere Herkenhoff, ( 2004, p. 15), a partir da segunda metade do século XX, os movimentos sociais, na Europa e nos Estados Unidos, assumem nova fisionomia. Estes foram chamados de "novos movimentos sociais". Nesse sentido, surgem como forma crítica ao capitalismo dominante.

Como os movimentos socialistas são movimentos contestatórios dentro da sociedade capitalista, eles se originam com a crítica ao capitalismo. São movimentos para os quais o pensamento teórico exerce um papel fundante, apesar de sua origem real ser a experiência da exploração vivida pelas camadas populares no sistema capitalista. ( HINKELAMMERT, 2003, p. 10)

Destarte, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é um destes movimentos. Contestam, portanto, a sociedade capitalista e privilegiam em seus discursos, a educação cultural e uma política por igualdade na participação social. Hinkelammert (2003, p. 11) fala que "por esse motivo, elaboram teorias da sociedade, da economia e da democracia. Esperam uma sociedade diferente e a formulam de modo que possam alcançá-la como força política." Nesse sentido, o MST, é fruto de um processo histórico de resistência do campesinato brasileiro. É, portanto, parte e continuação da história da luta pela terra, por milhares de trabalhadores que não tem ou tiveram acesso à terra. Neste sentido Fernandes (2000, p. 49) explica que

[...] os fatores econômicos e políticos são fundamentais para a compreensão da natureza do MST. Na década de 1970, os governos militares implantaram um modelo econômico de desenvolvimento agropecuário que visava acelerar a modernização da agricultura com base na grande propriedade, principalmente pela criação de um sistema de créditos e subsídios. Esse sistema financiou a modernização tecnológica para alguns setores da agricultura, de forma que esta passou a depender menos dos recursos naturais e cada vez mais da indústria produtora de insumos. Esse modelo causou profundas transformações no campo. De um lado, aumentou as áreas de cultivo da monocultura de soja, da cana-de-açúcar, da laranja entre outras; intensificou a mecanização da agricultura e aumentou o número de trabalhadores assalariados. De outro lado, agravou ainda mais a situação de toda a agricultura familiar: pequenos proprietários, meeiros, rendeiros, parceiros, etc.,que continuaram excluídos da política agrícula. Essa política ficou conhecida como modernização conservadora promoveu o crescimento econômico da agricultura, ao mesmo tempo que concentrou ainda mais a propriedade da terra, expropriando e expulsando mais de 30 milhões de pessoas que migraram para as cidades e para outras regiões brasileiras.

É neste sentido que o MST é o mais importante movimento social no Brasil contemporâneo, pois, segundo Grzybonwski, (1987, p. 22) "o movimento dos trabalhadores sem terra é o que apresenta maior grau de articulação interna entre os movimentos de luta pela terra em nível nacional". Fundado na década de 80, é fruto de uma questão agrária que é estrutural e, também histórica no Brasil, especialmente na região centro-sul do país (MELUCCI, 1994, apud Gohn 2007, p.160) "os movimentos sociais vistos como fenômeno simultaneamente discursivos e políticos, localizados na fronteira entre as referencias da vida pessoal e política." Ainda, Herkenhoff ( 2004, p. 21) explica que:

As marchas do MST, ao meu ver, são marchas de luta pela justiça, são marchas cívicas de salvação nacional. Quando assusta a migração do campo para a cidade, num país que, por sua imensa extensão territorial, tem vocação agrícola, o que o MST pretende é a migração da cidade para o campo.

O Movimento dos Sem Terra existe desde 1979. Neste sentido, explica Grzybowski (1987), que a origem do MST está associada às ações de resistência e às ocupações de terras por grupos de trabalhadores rurais de algum modo excluídos da sociedade. Teve seu principal pólo aglutinador o estado do Paraná, irradiando-se com força para Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, estendendo-se para todo o país ao longo dos anos 80. Segundo Rua e Abramovay ( 2009, p. 39) "desde o final dos anos 50, os partidos políticos e os movimentos sociais começaram a questionar a situação fundiária no Brasil". Percebe-se, então, que o MST é mais forte no sul e sudoeste do Brasil, chegando ao apogeu em meados da década de 1980 quando, em forma de luta, realizou vários acampamentos coletivos e ,com isso, chamou a atenção da sociedade.

Pode-se perceber que um acampamento do MST não é um lugar desorganizado, com um amontoado de barracos e gente, e sim um espaço de esperança onde concentram a vontade de viver com dignidade, onde há uma lição humana e política a se aprender. Neste sentido explica Gorgen ( 1989, p.17) "que estes acampamentos são uma forma teimosa e organizada de lutar pela terra e reivindicar a imediata concretização da Reforma Agrária." Destaque-se que, normalmente, esses acampamentos são a continuidade de uma luta após a ocupação da terra, pois funciona como uma forma permanente de reivindicação de direito à terra. Gorgen ( 1989, p. 17) aponta que

O acampamento existe como forma de pressão e uma maneira de tornar pública para toda a sociedade a situação dos sem terra. No acampamento fica visível a dura realidade de miséria vivida pelos sem terra. No interior, nas comunidades rurais, esta realidade fica escondida, dividida e sem força política.

Os movimentos sociais e as organizações populares têm suas raízes históricas nas reivindicações e nos embates do período ditatorial. Para Warren (2005, p.52) "no Brasil, o período ditatorial, com seu regime, restringiu e constrangeu a atuação das camadas populares nos planos econômico, político e cultural/ideológico. Foi o espaço para que antigos grupos de pressão se organizassem em novos moldes, como por exemplo, o novo sindicalismo, novas associações de bairro, etc.

Conforme Fernandes (2000) construir o MST foi um grande desafio dos sem terra em todos os estados. Para tanto, foi fundamental tomar para si a responsabilidade do processo de luta que sempre fizeram. Essa condição foi e é determinante na construção da identidade desse movimento. Destarte, o autor aborda as bases de formação do MST:

Nesse período-1985 a 1990- O MST se territorializou por dezoito estados, tornando-se um movimento nacional, estando presente na luta pela terra em todas as grandes regiões. Ocupação por ocupação, estado por estado, lutando pelo direito à terra por meio das negociações e enfrentamentos, os sem terra espacializaram a luta, construindo o movimento, desde seu nascimento à sua consolidação, dimensionando e transformando as suas realidades. Assim, prosseguiram com o processo de formação do MST, ressocializando famílias de trabalhadores excluídos pela territorialização do capital e do latifúndio, lutando pela reforma agrária e pela transformação da sociedade. (FERNANDES, 2000, p. 170)

Percebe-se que estas mudanças na democracia brasileira contribuíram para a formação desses movimentos nas camadas populares, já que se reunindo faziam com que a ação coletiva fosse possível. Desta forma inseriam suas exigências na agenda nacional, participavam das tomadas de decisão e criavam um relacionamento mais amplo entre democracia e estratégias de desenvolvimento.

O comportamento e a trajetória dos movimentos sociais deve ser o relacionamento entre movimentos e elites políticas. As reivindicações dos movimentos são feitas contra as elites políticas, e a resposta da elite determina não apenas se essas exigências são traduzidas em políticas públicas, mas também se o movimento é reconhecido como um ator legítimo, e se a ele é concedido o acesso aos centros de tomada de decisão dentro do Estado. (HOUTZAGER 1996, p. 133)

Neste sentido, destaca-se que um movimento social, adquire legitimidade quando é reconhecido pelo Estado. Passando a exercer e obter mudanças na esfera social e cultural, desenvolvendo ações relacionadas às condições humanas e socioeconômicas do cidadão, buscando a construção de uma realidade que está sempre além da realidade vivenciada. Conforme Amann (2003) afim de que lhe sejam asseguradas a homogeneidade e a consciência de suas funções, quer no campo econômico, político ou social.

Os movimentos sociais, influenciam na formação do cidadão, atuando em coletividade, fazendo com que cada indivíduo ali presente, contribua para o crescimento individual e coletivo de seus integrantes. Segundo Hinkelammert (2003, p. 19) "fala-se agora da sociedade na qual caibam todos os seres humanos, mas igualmente a natureza externa ao ser humano." Neste sentido, Gohn (2001, p. 16) afirma que "o cidadão coletivo presente nos movimentos sociais reivindica baseado em interesses de coletividade de diversas naturezas." Dessa forma, entende-se que, conforme Gohn (2001), o cidadão é homem civilizado que participa de uma comunidade de interesses, solidário aos seus companheiros, a fim de se formar uma cidadania coletiva.

A construção da cidadania coletiva se realiza quando, identificados os interesses opostos, parte-se para a elaboração de estratégias de formulação de demandas e táticas de enfrentamento dos oponentes. Este momento demarca uma ruptura com a postura tradicional de demandatários de bens de consumo coletivo: não se espera o cumprimento de promessas, organiza-se táticas e estratégias para a obtenção do bem por ser um direito social. ( GOHN, 2001, p. 18)

Verifica-se que a convivência coletiva, proporcionada pelos movimentos sociais, possibilita aos seus integrantes um acúmulo de experiências. Para Bobbio (2000, p. 30) "todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência." Nesse sentido, explica Gohn (2001) que as experiências vivenciadas no passado, por cada sujeito, são resgatadas no imaginário coletivo e fornecem elementos para a leitura do presente. Verifica-se que, a questão do acampamento influi na formação do sujeito, já que é neste espaço que se concentram as diversidades e interesses em comum, em prol da transformação da realidade.

Na luta pela terra, acampar é determinar um lugar e um momento transitório para transformar a realidade. Quando os sem terra tomam a decisão de acampar, estão desafiando o modelo político que os exclui da condição de cidadãos. A resistência no acampamento não é façanha. A persistência é o desafio. Para sobreviver, os acampados dependem de sua organização, do trabalho e do apoio dos que defendem a reforma agrária. ( FERNANDES, 2000, p. 55)

Faz-se importante destacar, também, que o MST, após serem assentadas as famílias, continuam a reivindicar a regularização de suas necessidades e interesses. Segundo Medeiros (2003, p.85),

[...] a presença demográfica dos assentamentos certamente tem desdobramentos sobre o contexto político, uma vez que tendem a gerar um acréscimo na pressão das demandas em torno da infra-estrutura e equipamentos sociais, já que os assentados reivindicam escolas, postos de saúde, condições de transportes e escoamento da produção. Isto coloca os assentados numa relação direta com as autoridades públicas (locais, estaduais, federais). Os assentamentos tenderam a representar mudanças nas formas de ocupação do espaço, transformando áreas onde predominavam pastagens, criação extensiva, monoculturas decadentes e em crise.

É através destas exigências que vão se construindo os espaços para a formação humana destas pessoas. À medida que o MST avança como movimento, verifica-se que seus projetos vão se completando. Explica Falkembach (2007, p. 150) que

Na trajetória do MST, a relação com o sofrimento passou a se constituir como uma técnica entre si, que não subtraiu o indivíduo do convívio, pelo contrário, o manteve necessitado, solidário e ocupado com o outro coletivo, este último que é a própria forma de existência criada num cotidiano renascido. Associada a outras técnicas de relação consigo e com outros, como a formação permanente, a relaçãom com o sofrimento transformou-se em quase-norma, fez-se socializadora no interior do MST. Relembrando palavras de um assentado, "a formação e o sofrimento" marcaram as personalidades e deram força aos trabalhadores sem terra na sua trajetória de resistência e luta.

A identidade dos Sem-Terra configura-se de forma coletiva, baseada na luta, na organização e desenvolvimento social. Segundo Vendramini (2007, p.1405), ainda que suas trajetórias sejam determinantes no processo de organização nos acampamentos e nos assentamentos, os sem-terra constroem uma identidade na relação entre si, na luta política. Algo os identifica, os une em torno da bandeira do movimento.

Estas lutas podem ter pouco impacto, economicamente falando, ou resultados imediatos, mas têm uma grande importância política. À medida que os problemas dos sem terra, dos sem-trabalho, dos sem-rendimento, estão cada vez mais politizados, as vitimas que tem que reagir politicamente. Seus problemas passam cada vez mais pela política nacional e mundial. (VENDRAMINI, 2007, p. 1405)

O MST, através de seu trabalho coletivo, está construindo uma sociedade sobre outras bases, que não permite a desigualdade social. Assim, a autora reforça a idéia de que, o MST, está construindo uma luta radical que se manifesta no questionamento das idéias libertadoras para a construção de uma sociedade idealizada por eles. Neste sentido Vendramini (2007, p.1407) fala que

Ao analisarmos as ações do MST, observamos que ele se move num emaranhado de relações contraditórias entre si. Ele se constitui num contexto em que predominamos velhas relações de produção, mas ao mesmo tempo defende e busca implementar novas formas de organização material da vida. Isso significa dizer que ele se move entre o velho e o novo, num movimento dinâmico, só possível de ser aprendido tendo em vista a percepção das contradições sociais.

Verifica-se que o movimento acredita no poder da força comunitária para construir a história do grupo. Assim, o MST cria uma nova forma de fazer política e vida societária, os acampamentos coletivos. Deste modo, se operam dentro dos acampamentos, os ideais de mudança, através da solidariedade e ajuda mútua.

A transformação de necessidades e carências em direitos, que se opera dentro dos movimentos sociais, pode ser vista como um amplo processo de revisão e redefinição do espaço de cidadania [...]. Parece que estamos vivendo um processo de construção coletiva, de uma nova cidadania, definida por um conjunto de direitos, tomados como auto evidentes, que é pressuposto da atuação política e fundamento de avaliação da legitimidade do poder. (DURHAN, 1984, apud WARREN, 2005, p. 54)

Os acampamentos do MST são um exemplo de uma forma de redefinição da sociedade, pois adquirem através da resistência e organização, a atenção da sociedade para a construção de um modelo social ideal.

Ser acampado é ser sem terra. Estar no acampamento é resultado de decisões tomadas a partir de desejos e de interesses, objetivando a transformação da realidade. O acampado é o sem terra que tem por objetivo ser um assentado. Os acampamentos são espaços e tempos de transição na luta pela terra. São por consegüinte, realidades em transformação. São uma forma de materialização da organização dos sem terra e trazem em si, os principais elementos organizacionais do movimento. Predominantemente, são resultados de ocupações. São portanto, espaços de luta e resistência. Assim sendo, demarcam nos latifúndios os primeiros momentos do processo de territorialização da luta. As ações de ocupar e acampar interagem com os processos de espacialização e territorialização. Podem estar localizados dentro de um latifúndio ou nas margens de uma estrada, conforme a conjuntura política e a correlação de forças. Também podem ser as primeiras ações das famílias ou podem ser a reprodução dessa ação por diversas vezes. (FERNANDES, 2001, p. 75)

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Verifica-se que a ocupação se faz necessária no sentido de pressionar o governo para a desapropriação de terras. Os sem terra compreendem que acampar sem ocupar, dificilmente levará à conquista da terra. Essa ação é política e se efetiva como ato de luta e resistência.

Os assentamentos conquistados ao longo dos últimos vinte anos foram implantados de forma precária. Os governos não implementaram verdadeiras políticas de reforma agrária, mas compraram terras de fazendeiros falidos e jogaram lá os sem terra para se livrar do conflito social e do desgaste da opinião pública. Assentamentos sem estradas, sem energia, sem parcelamento racional dos lotes, com terra insuficiente, longe dos centros de consumo, sem assistência técnica adequada, sem políticas de apoio é crédito, isolados entre si, etc. (GÖRGEN, 2004, p.52)

Destaque-se que a ocupação coloca como questão central a propriedade capitalista da terra, no processo de criação da propriedade familiar. Assim, pode-se compreender que a ocupação da terra, em forma de protesto, chama a atenção para aquilo que não é justo. Vieira (2004, p. 114) explica que, "nem toda sociedade é sociedade democrática. Sociedade democrática é aquela na qual ocorre real participação de todos os indivíduos." Diante disso, o autor quer dizer que todos os cidadãos devem ter acesso à cidadania, de forma igualitária para que possam participar da sociedade e viver com dignidade.

O processo de desenvolvimento, para que conduza ao bem estar e para que atenda às exigências do homem como pessoa humana, abrangendo "cada homem e todos os homens" deve ser harmônico, autêntico, democrático e solidário. Um desenvolvimento é harmônico quando se processa "em sentido global e equilibrado"; é autêntico se respeita as características do país; democrático, se realizado com a participação consciente e livre do povo"; e finalmente, solidário, quando objetiva a promoção "de todos" e não de "uns poucos". (AMANN, 2003, p. 76)

Compreende-se que os acampamentos são uma forma de pressão para reivindicar o assentamento, uma prática exclusiva do MST. Esta prática visa garantir o assentamento até que todas as famílias estejam organizadas. (FERNANDES, 2000, p. 297) fala que

A organicidade é uma característica dos movimentos socioterritoriais. É representada na manifestação do poder político e de pressão que os sem terra possuem no desenvolvimento da luta, tanto para conquistar a terra, quanto para as lutas que se desdobram nesse processo

Entende-se que os movimentos criam a sua identidade política específica, o MST, por exemplo, tem sua identidade ligada ao campo, ao trabalhador rural, a vida rural, representando através da sua identidade uma nova consciência de direitos.

Mas como chegar ao reconhecimento de um direito? A simples situação de miséria, de discriminação ou mesmo exploração não produz automaticamente este reconhecimento. E, mais ainda, como reconhecer o direito de lutar por um direito? Nesse sentido é fundamental a existência de um fator subjetivo, ou seja, o reconhecimento de sua dignidade humana, que sempre foi solopada nas classes subalternas e tem raízes no sistema escravocrata e colonial. Para a descoberta de dignidade humana dos camponeses, os trabalhos da Teologia da Libertação e respectivas pastorais têm sido fundamentais. Criam-se, assim, a consciência não apenas do direito a um direito, mas o direito e o dever de lutar por este direito e de participar em seu próprio destino. ( WARREN, 2005, p .69)

É importante ressaltar que os movimentos sociais, conforme explica Herkenhoff (2004) não se submetem aos padrões do Direito estabelecido pelo Estado. Segundo o autor, uma sociedade como a brasileira, onde milhões de pessoas estão a margem de qualquer direito, num estado de permanente negação da cidadania, o indivíduo está sempre em busca de seus direitos, para garantir sua dignidade.

Os movimentos sociais tendem a buscar a construção de uma realidade que está sempre além da realidade posta. Se a realidade posta contentasse a percepção do que é justo e bom, quer por parte do conjunto da sociedade, quer por parte de seus elementos integradores, não haveria razão de luta, e conseqüentemente, não haveria "movimento social". O que anima e da razão de ser aos "movimentos sociais" é justamente a divergência entre o "mundo posto" e um "projeto de mundo". (HERKENHOFF, 2004, p. 23)

Destaque-se, então, que os movimentos sociais, existem para questionar a realidade vivenciada e contribuir para a transformação social, contribuindo, assim, para o seu fortalecimento. Nesse sentido (Grzybowski, 1987, p. 59) afirma que

enquanto espaços de socialização política, os movimentos permitem aos trabalhadores, em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração de uma identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente a apreensão crítica de mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais.

Desta forma, verifica-se que através desta práxis, vão se constituindo novos sujeitos sociais, que auxiliam na construção de uma nova sociedade, mais justa e igualitária, para o exercício da cidadania, para que os trabalhadores rurais, adquiram consciência de cidadãos, de seus direitos. Para Grzybowski, 1987, p. 60) "aprendem a conhecer seus adversários, suas táticas, suas organizações. Todos estes aspectos são muito enfatizados pelos trabalhadores rurais de diferentes movimentos quando falam de suas histórias de luta e de sua participação." Desta forma, compreende-se, que a luta pela terra ensina a viver. Cada família que participa desta luta pela terra, têm sua história rica em acontecimentos que marcarão por toda a vida. Para eles, não há como esquecer o que vivenciaram, tanto pelo sofrimento da caminhada, quanto pela alegria da conquista da terra.

3.1 A evolução do movimento e a luta pela escola

Durante a sua caminhada, o MST constituiu uma estrutura de organização para facilitar o trabalho e a divisão das atividades, pois destaca-se que a luta pela terra é uma luta de resistência e que durante seu desenvolvimento, existia muito trabalho a fazer, desde o momento da organização de um acampamento, até depois da ocupação da terra. Segundo Fernandes (2000, p. 222) "os sem terra não são apenas excluídos da terra, também são excluídos de outros direitos básicos da cidadania. Para conquistar seus direitos, dimensionaram a luta pela terra em luta pela educação." Verifica-se que pressionam o governo, também, por moradia, por saúde, por politica agrícola, enfim por tudo que caracterize uma vida digna. Neste sentido, Cardoso ( 1985, p. 83) fala que "a relação dos MST, com a educação é uma relação baseada na luta e na busca da cidadania e da humanização do sujeito." Neste sentido, explica Gohn (1992, p.11) que, historicamente a relação movimentos sociais e educação tem um elemento de união que é a questão da cidadania.[...] no liberalismo, a questão da cidadania aparece associada à noção dos direitos."

É neste sentido que o direito coloca a educação no terreno dos grandes valores da vida e da formação humana, pois o movimento social no campo representa, segundo Arroyo (2004) uma nova consciência do direito à terra, ao trabalho, à justiça, à igualdade e a educação. Conforme Arroyo (2004, p. 73) "o conjunto de lutas e ações que os homens e mulheres do campo realizam, os riscos que assumem, mostram o quanto se reconhecem sujeitos de direitos."

Um dos traços especiais que fundamentam a luta pela escola é a identidade do movimento que busca uma educação no campo. Desta forma, explica Caldart (2002, p. 26), "somos herdeiros e continuadores da luta histórica pela educação como direito universal, de todos: um direito humano, de cada pessoa em vista do seu desenvolvimento mais pleno, e um direito social, de cidadania e de participação mais crítica e ativa na dinâmica da sociedade." Percebe-se que o MST tem uma preocupação prioritária com a escolarização da população que vive no campo. Desta maneira, que a educação para o MST, sempre teve sentido de luta na mesma intensidade que a luta pela terra. A necessidade da educação e a luta que ela ocasiona, pode gerar uma transformação da realidade social. Neste sentido, ressalta Freire (2005, p. 41)

[...] que a realidade social objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, "inversão da práxis", se volta sobre eles, e os condiciona a transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens.

O MST tem chamado a atenção dos diversos segmentos da sociedade, por trazer na sua ideologia, a luta pela terra e, juntamente com isso, a luta pela escola, tendo como base fundamental, a própria norma constitucional, garantidora do direito. Assim, percebe-se que as famílias "sem terra", se mobilizaram para conquistar a escola no campo, lutaram pela possibilidade de uma escola que assumisse a tarefa de produzir uma proposta pedagógica específica para as escolas organizadas pelo e no movimento. Destaque-se que um exemplo disso são as escolas itinerantes do movimento.

O Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, segundo Morissawa (2001, p. 243) "aprovou, em 19 de novembro de1996, a Escola Itinerante, proposta do MST para a Educação das crianças acampadas no Estado." Esta foi que foi uma conquista histórica, obtida às custas de um longo e sofrido processo de reivindicações, como as demais propostas do Movimento.

Verifica-se que a Escola Itinerante nos acampamentos do MST estão organizadas em etapas, que correspondem ao ensino fundamental de 1ª a 5ª séries, com objetivos e conteúdos próprios de cada etapa, priorizando aqueles considerados socialmente necessários, e com sentido concreto para as vidas dos alunos.

As etapas previstas na Proposta Pedagógica da Escola Itinerante caracterizam-se por flexibilização pela integração. A organização curricular prevista a cada etapa possibilita a apreensão e a sistematização de conhecimentos conforme o processo de cada aluno, aluna. No momento em que a criança construir as referências correspondentes a cada etapa, ela passará para a seguinte, ficando claro que o ingresso ou a passagem das etapas poderá acontecer em qualquer época do ano letivo, a partir de avaliação realizada pelos professores. (MORISSAWA, 2001, p.247)

Ainda, Morissawa ( 2001) destaca que durante o ano de 1996, o MST realizou um programa de alfabetização de adultos nos assentamentos em convênio com o Ministério da Educação. Foram alfabetizados sete mil adultos e o programa recebeu premiação do UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, destacando a educação do movimento em nível nacional.

Foi inaugurada no final de 1997 a Escola de Ensino Supletivo Josué Castro, em Veranópolis, Rio Grande do Sul, única no país que ensina Administração em Cooperativismo para assentados. Credenciada para desenvolver ensino supletivo de 1ª e 2º graus, já havia formado duas turmas em meados de 2000. Em julho de 1997, o MST realizou o 1ª Enera (Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária) em convênio com a Unb ( Universidade de Brasília), a Unesco ( Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) e o Unicef. O Encontro reuniu 700 delegados de 30 universidades de 19 estados e do Distrito Federal, além de 200 convidados. Sob o tema " Escola, terra e dignidade", o evento serviu para o intercâmbio das diversas experiências pedagógicas desenvolvidas nos acampamentos e assentamentos dos trabalhadores rurais. ( MORISSAWA, 2001, p. 244)

Durante os primeiros anos de luta, os sem terra tinham como prioridade a conquista da terra. Mas logo se compreendeu que isso não era o bastante. Verificou-se que a terra representava a possibilidade de trabalhar, produzir e viver dignamente, mas faltava-lhes um instrumento fundamental para a construção do conhecimento necessário à continuidade da luta. Deste modo, a educação tornou-se prioridade do Movimento.

É possível dividir a história das lutas em favor da escola pública, em pelo menos, quatro fases: a primeira foi o conflito entre católicos e liberais-escolanovistas, ocorrido no período que vai de 1931 a 1937, sobre as linhas que deveria assumir a política nacional de educação; a segunda gira em torno do conflito entre escola pública e escola particular e vai de 1956 a 1961, culminando com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei 4.024; a terceira corresponde ao surgimento dos "movimentos de educação popular" que vai de 1969 a 1964; finalmente a quarta, que iniciou na década de 80 e se caracteriza pela mobilização da sociedade em torno da universalização e democratização da escola. (LIBÂNEO, 1984, p. 57)

Neste sentido pode-se compreender que para o MST, a continuidade da luta exigia conhecimentos tanto para lidar com assuntos práticos (como financiamentos bancários), quanto para compreender assuntos relacionados a política e à economia. Essa preocupação abrangia principalmente os acampamentos, ( MORISSAWA, 2001, p.239) que, "ao fazer um plano de ocupação, o MST inclui nele a escola para as crianças e adultos. Os pais ficam mais estimulados pela certeza de que seus filhos teriam onde estudar, material escolar, merenda e atenção dos professores." Destaque-se que o barraco da escola no acampamento é chamado de itinerante e é construído antes do barraco de moradia, pois tem a função, também, de centro de encontros.

Há ainda, um ponto fundamental que merece aprofundamento. Segundo Grzybowski (1987) "é o que se refere ao modo como, através dos movimentos, os trabalhadores rurais se constituem em sujeitos com identidades próprias, afirmando e acentuando a sua diversidade." Verifica-se que é através do coletivo que a luta une forças. Assim, explica Rodrigues (2004, p.70) que

Sujeitos sociais organizados em entidades de classes e nos movimentos sociais utilizam-se do sindicato, do partido, da música, do teatro e da cultura popular para se contrapor às ações antidialógicas e ideológicas contidas no ensino oficial, construindo rompimentos da linha reprodutivista na educação formal. Essas ações de classe e para a classe, a que, sistematizadas e organizadas, chamamos de "educação popular", ao serem trabalhadas na escola, na comunidade, nos movimentos sociais, desencadeiam inúmeras interações educativas, produzindo novos conhecimentos e, frequentemente, opostos aos desenvolvimentos da escola formal.

Desta maneira o autor destaca que a educação pública deve servir a todos, por isso a escola assume um papel de destaque na formação do indivíduo, assumindo a tarefa de contribuir para a formação social da criança. Neste sentido, pode-se dizer que o MST luta pela escola pública.

O movimento em favor da escola pública, enquanto direito fundamental de todos os brasileiros terem acesso à educação e instrução, difunde-se hoje, por todo o país e representa, sem dúvida, um momento de amadurecimento político da geração de educadores que vem atuando nas escolas, nestes últimos tempos. ( LIBANEO, 1984, p. 57)

Verifica-se que um dos maiores desafios do Movimento foi perceber que educação estava sendo oferecida no meio rural e de que forma a implantação de uma escola mais democrática contribuiria para a formação dos Sem Terra. Segundo Arroyo (1999, p. 24) a educação no campo deve ser uma educação específica e diferenciada, isto é, alternativa. Mas, sobretudo, deve ser uma educação, no sentido amplo de "processo de formação humana."

Faz-se importante destacar que a interação campo-cidade faz parte do desenvolvimento da sociedade brasileira, só que em forma de submissão. Conforme a idéia do autor, o homem do campo foi esteriotipado pela ideologia dominante, como uma pessoa fraca e atrasada, que precisaria ser redimido pela sociedade para se integrar à totalidade do sistema social.

Há uma tendência dominante em nosso país, marcado por exclusões e desigualdades, de considerar a maioria da população que vive no campo como a parte atrasada e fora de lugar no almejado projeto de modernidade. No modelo de desenvolvimento que vê o Brasil apenas como mais um mercado emergente, predominantemente urbano, camponeses e índios são vistos como espécies em extinção. Nessa lógica, não haveria necessidades de políticas públicas específicas para essas pessoas, a não ser do tipo compensatório à sua própria condição de inferioridade e/ou diante de pressões sociais. ( KOLLING; NERY ; MOLINA, 1999, p.21)

Desta forma, que a educação existe no campo como uma importante ferramenta, promotora de desenvolvimento humano e social das crianças, visto que há um preconceito a ser quebrado e o MST, busca, através da educação, a produção de conhecimento a partir de sua própria realidade. Assim, para Caldart (2002, p.33) "a educação do campo precisa extrair as lições da pedagogia das lutas sociais que estão em sua origem e com os quais se vincula e ter intencionalidade na formação dos sujeitos destas lutas."

Verifica-se que o Movimento dos Sem Terra, sempre tratou a educação com prioridade. Segundo Morissawa (2001, p. 239) "no período 1979-1985, início do movimento social que se iniciou no Rio Grande do Sul, ao lado da luta pela terra impôs-se outra: a do desenvolvimento humano dos sem terra." A preocupação era com o futuro das crianças acampadas e de que forma se daria a educação nos acampamentos. Posteriormente, outra luta se daria para a efetivação deste direito: a conquista da escola legal e, também, o tipo de ensino a desenvolver nessa escola, que precisava ser diferente em vista das circunstâncias e do tipo de aluno.

O surgimento do setor da educação no MST deu-se no Rio Grande do Sul, mais precisamente no acampamento da Fazenda Anonni, onde se foi formada a primeira escola no campo. No que se refere a sua formalização, pode-se dizer que

O setor Nacional de Educação do MST foi formalizado em 1987, no 1ª Encontro Nacional de Educação, em São Mateus, Espírito Santo. Educadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito santo e Bahia, estados onde o MST estava se organizando, discutiram a implementação de escolas públicas da 1ª a 4ª série, e a formação de professores para escolas de assentamentos. (MORISSAWA, 2001, p.240)

Neste encontro foram debatidas várias questões. Fernandes (2000) destaca as mais importantes para a construção do ensino no campo, entre elas: o que se pretende com as escolas dos assentamentos? Como deve ser uma escola de assentamento? Pode-se verificar que as escolas de assentamentos e acampamentos devem ser espaços de formação humana dos sujeitos que as conquistam. Desta forma explica Fernandes (2000) que não basta lutar pela escola: é preciso, também, construí-la, no sentido de elaborar experiências pedagógicas voltadas para as suas necessidades e interesses.

Insta destacar, também, outro projeto implantado pelo MST nos acampamentos e assentamentos em prol da educação das crianças. A creche idealizada pelo MST, chamada de Ciranda de Pedra, não é apenas um local para cuidar das crianças de zero a quatro anos, mas segundo explica Morissawa (2001) é um espaço educativo dirigido à garotada, no qual se aprende a cantar, desenhar, brincar, escrever e fazer teatro de acordo com a faixa etária. Também, neste sentido, é importante salientar que

A rede de creches se ampliou graças às demandas de movimentos sociais organizados que, ao final dos anos 70 e início dos 80, reivindicaram creches públicas e gratuitas nos bairros periféricos. Creche passou a ser sinônimo de atendimento à população, particularmente às vésperas dos pleitos eleitorais. Elas passaram a ter a mesma importância que tiveram as escolas primárias de subúrbios, nas décadas de 40/50. A rede pública de pré-escola, iniciada nos anos 70, também se expandiu. Infelizmente o teor predominante nas justificativas destas expansões sempre foi a educação compensatória, ou seja, para compensar carências e desvantagens sócio-culturais, sem atentar para um caráter realmente educativo dos equipamentos adequados à faixa etária (0-6 anos). ( GOHN, 1992, p. 72)

Verifica-se que a luta pela escola é uma dimensão da luta pela terra. A educação é um setor de atividade do MST, com organização deste setor, o movimento deu os primeiros passos para superar os desafios referentes ao analfabetismo e à baixa escolaridade das crianças no início de sua formação. A elaboração teórica da proposta de educação no MST, que continua sendo um desafio até hoje, teve por base essas duas questões.

Como resultado desse 1ª Encontro, o Movimento criou em 1988 o setor de Educação em vários estados, como resposta às necessidades educacionais em seus diversos assentamentos e acampamentos. Isso correspondia também à decisão do 4ª Encontro Nacional dos Sem Terra, realizado no início daquele ano, de intensificar o programa popular de educação primária e implementar a alfabetização de adultos. (MORISSAWA, 2001, p. 240)

Compreende-se que era notória a preocupação do MST, com a educação e com a formação política de seus integrantes, segundo afirma Morissawa (2001) paralelamente ao esforço de alfabetização de crianças, jovens e adultos, e à luta pela conquista da escola, verificam-se nos estados, diversos cursos de formação dirigida ao trabalho nos assentamentos. (STEIN, 1982, p. 66) a escola foi transformada na grande esperança dos pobres e subdesenvolvidos, a grande esperança dos políticos responsáveis, a esperança de justiça social, de paz, de superação da miséria material.

O problema permanece, pois, em aberto. E pode ser recolocado nos seguintes termos: é possível encarar a escola como uma realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana? Evitemos de escorregar para uma posição idealista e voluntarista. Retenhamos da concepção crítico-reprodutiva a importante lição que nos trouxe: a escola é determinada socialmente; a sociedade em que vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é dividida em classes com interesses opostos; portanto a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Considerando-se que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola ( ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação). (SAVIANI, 1989, p.41)

Neste sentido percebe-se que a luta por uma escola democrática, se arrasta por vários anos, já que como afirma o autor, a escola foi criada durante o modo de produção capitalista, ou seja, atendia apenas aos interesses da elite. A luta por uma educação no campo então, tornou o MST alvo de repressão política, o que, segundo Morissawa (2001) obrigou o movimento a centrar esforços no trabalho e na formação e organização internas. Desta maneira, fez-se importante a criação de um Coletivo Nacional de Educação, onde foi o responsável, no período, por uma reflexão mais profunda em torno do trabalho educacional ocasionando assim, avanços pedagógicos. Conforme a idéia de Stedile (1999, p. 74) "A nossa luta é para derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital."

A criação de um Coletivo Nacional de Educação foi responsável por vários avanços, dentre eles pode-se destacar, o primeiro curso de Magistério voltado a escolas de assentamentos. O curso foi realizado no departamento de Educação Rural da Fundep ( Fundação de Desenvolvimento Educação e Pesquisa) na Região Celeiro. A Fundep foi criada em agosto de 1989 pelos diversos movimentos sociais do campo para atender às demandas de escolarização alternativa do meio rural. Com sede atualmente no Iterra (Instituto Técnico da Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária), em Veranópolis, RS, o curso estava formando em 2000, sua sexta turma, com alunos de 18 estados. ( MORISSAWA, 2001, p. 241)

A proposta do MST, busca reorganizar o meio rural no Brasil, busca-se democratizar a terra e o conhecimento. Segundo Stedile, pela primeira vez aparece o acesso à educação e a organização das escolas como uma meta necessária, como parte de um programa agrário e de uma reforma agrária.

Para nós, tão importante quanto distribuir terra é distribuir conhecimento. Somos parte de um processo mais amplo de desenvolvimento do meio rural, para que consequentemente as pessoas se desenvolvam, sejam mais felizes e mais cultas, mesmo morando na roça. O Brasil tem essa visão das elites de quem mora no meio rural é atrasado. Nossa visão, com esse programa agrário, é justamente o contrário: só é possível desenvolver o Brasil, fazer com que os pobres tenham uma vida melhor, se desenvolvermos o meio rural. ( STEDILE, 2001, p.76)

É importante destacar que a escola precisa se libertar dessa ótica capitalista de educação, onde apenas e elite recebe qualidade na educação. Segundo Mello (1993, p.81) "As escolas dos países em desenvolvimento como o Brasil, podem tornar-se instituições mais comprometidas com a aprendizagem de seus alunos, desde que atuem de forma igualitária". Verifica-se que a escola pode tornar-se um lugar privilegiado de formação de conhecimento e cultura, valores e identidades das crianças. De modo que, não feche os horizontes, mas para abra-os ao mundo, desde o campo, ou desde o chão em que pisam para um novo projeto de vida.

O MST carrega a bandeira da luta popular pela escola pública como direito social e humano e como dever do Estado. Nesse sentido, ( Arroyo; Caldart; Molina, 2004, p.14) Nas últimas décadas os movimentos sociais vêm pressionando o Estado e os diversos entes administrativos a assumir sua responsabilidade no dever de garantir escolas, profissionais, recursos e políticas educativas capazes de configurar a educação no campo.

Neste sentido, os autores destacam algumas questões relativas ao ensino no campo, que faz-se importante destacar: (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 73) "Porque educar um trabalhador no campo, a trabalhadora, os sem terra, por quê? Porque são sujeitos de direitos. Os direitos aqui estão destacados nas paredes, destacados nas músicas nas bandeiras, na mística: terra, justiça e igualdade." Destaque-se que o MST, como um movimento social do campo, representa uma nova consciência de direitos e que a universalização da consciência dos direitos foi sempre o caminho para a universalização da educação básica no campo.

Uma primeira condição para construirmos esta escola do campo é a clareza do lugar social que a educação pode ocupar na construção de um projeto de desenvolvimento. A educação não resolve por si só os problemas do país, nem tão pouco promove a inclusão social. Ela pode ser um elemento muito importante, se combinada com um conjunto de ações políticas, econômicas e culturais, que mexam diretamente no modelo econômico. A educação não levará ao desenvolvimento do campo se não for combinada com reforma agrária e com transformações profundas na política agrícola do país. É preciso ter claro isto para não cair na antiga falácia de que a educação, por si só, pode impedir o êxodo rural, por exemplo. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 53)

Destaca-se que para que haja uma boa educação no campo, faz-se necessário a aplicação de uma política agrícola capaz de dar sustentação às famílias de trabalhadores rurais, para que ocorra o desenvolvimento completo da criança no campo. Possibilitá-las escrever suas próprias histórias, é uma das tarefas da alfabetização.

Portanto, num trabalho de alfabetização, tomar o assentamento como um tema gerador implica em olhar a sua historicidade e os seus sujeitos. Implica, também, em criar situações que motivem os alfabetizandos e alfabetizandas a refletirem e rememorarem a história que construíram. E isso pode ser feito com fotos, místicas, teatros, notícias de jornais, depoimentos, fitas de vídeo, músicas, poesias. O resgate e o registro da história do assentamento pode ser feito também a partir da reflexão e análise dos diferentes momentos em que as histórias das trabalhadoras e dos trabalhadores assentados se cruzam no espaço e no tempo. É importante então que sejam criadas perguntas que ajudem os alfabetizandos a refletir sobre momentos que envolvem a formação do assentamento, que têm a ver com sua origem, sua história e sobre a construção de uma identidade, a identidade Sem Terra (VARGAS; SCHWENDLER, 2003, p. 17 )

Desta forma, pode-se compreender que a história dos assentamentos, está ligada à história dessas mulheres e desses homens, com a trajetória que elas e eles viveram mesmo antes da sua organização e participação no MST.

Neste sentido, verifica-se que no início da história do Movimento, não haviam escolas, as crianças ficavam sem estudar. Com o decorrer do tempo, foram feitas reuniões e os acampados decidiram bancar a escola. Segundo Vargas e Schwendler ( 2003, p. 103) "os pais eram quem pagavam os professores e as aulas eram nas casas. Em algumas comunidades foram feito barraco de lona ou folhas de taquara e palmeira, e até de madeira lascada". Assim, o movimento iniciou sua trajetória em busca da educação no campo. O desafio para eles é continuar ocupando a escola, para fazer dela um ambiente agradável e um espaço de formação humana.

3.2 A primeira escola fundada pelo MST no Rio Grande do Sul.

Esta escola está situada no campo, sendo resultado da luta pela terra. Verifica-se que a luta pela terra proporcionou a luta por escola, e conjuntamente com a organização de um projeto político pedagógico para o campo, onde a educação deve ser de qualidade para todos.

A primeira escola do MST, segundo Caume (2006, p. 43) "foi construída em 1986, no acampamento 15 de março, em Pontão, no Rio Grande do Sul. A Escola Estadual de Ensino Fundamental 29 de outubro, está localizada hoje, na área 09 do assentamento da antiga Fazenda Annoni", onde foram assentados os sem terra após a desapropriação da Fazenda, interior do município de Pontão. A escola pertence a 7ª Coordenadoria Regional de Educação – Passo Fundo-RS.

Verifica-se que o exercício da docência era feito por pessoas acampadas, que possuíam o curso de Magistério, licenciatura ou apenas o ensino primário completo. Destaca-se que foram estas pessoas que atuaram decisivamente para a formação da escola, que leciona apenas o ensino fundamental. A escola trabalha com a pedagogia do Movimento, o qual define que a escola deve produzir a consciência da necessidade de aprender, participando do processo educativo de forma organizada, unindo a teoria com a prática do conhecimento. Esta educação ensina para que as crianças continuem na luta e que tenham consciência do direito e o dever de estudar, para assim, poder compreender a realidade vivida e poder transformá-la.

Verifica-se que a prática pedagógica da escola, busca desenvolver ações práticas, que tem como suporte, o saber organizar-se. Neste sentido, as ferramentas usadas como suporte, são as que tem como valor básico o diálogo, a vivência do sujeito individual e coletivo, contribuindo para tornar o aluno da escola um cidadão.

Este projeto ainda firma como uma de suas especificidades a "pedagogia da terra", compreendendo que há uma dimensão educativa na relação do ser humano com a terra: terra de cultivo da terra, terra ambiente, planeta. A educação no campo é intencionalidade de educar e reeducar o povo que vive no campo na sabedoria de se ver como "guardião da terra", e não apenas como seu proprietário ou quem trabalha nela. Ver a terra como sendo de todos que podem se beneficiar dela. Aprender a cuidar da terra e aprender deste cuidado algumas lições de como cuidar do ser humano e de sua educação. ( CALDART, 2002, p.33)

Conforme o Projeto Político Pedagógico da escola, destaque-se que este segue uma metodologia que é discutida e elaborada com a comunidade escolar, conselho escolar e docentes para obter uma perfeita formação integral do aluno na construção de sua cidadania. Passa-se, agora, à discussão acerca do processo pedagógico presente no movimento, com especial atenção ao seu papel diferenciado, enquanto promotor da cidadania.

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Sobre a autora
Ana Paula Schmidt Favarin

Bacharel em Direito e Pós graduanda em Direito Previdenciario

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVARIN, Ana Paula Schmidt. A construção de sujeitos sociais.: A educação das crianças no Movimento dos Sem Terra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2731, 23 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18098. Acesso em: 5 mai. 2024.

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