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Previdência x violência: MP 2029/00 e o Fundo Nacional de Segurança Pública

01/07/2000 às 00:00
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O Governo Federal editou em 21 de junho de 2000, a Medida Provisória nº 2.029/2000, que instituiu o Fundo Nacional de Segurança Pública -FNSP, recebido pela sociedade em geral como a grande panacéia para a violência urbana que assola o País. Segundo pensam alguns, a quantidade de dinheiro investida em armas e equipamentos para o Estado é diretamente proporcional à redução dos crimes.


Mais uma vez demonstrou o Brasil uma profunda imaturidade política e social. Depositou em soluções legislativas e financeiras as esperanças em um mundo melhor; alimentou a decantada ilusão de que o Direito pode modificar os fatos com enorme intensidade e de que o dinheiro é o todo-poderoso artífice da humanidade.

Não negamos ser possível, daqui a dois ou três meses, reduzirem-se as estatísticas da criminalidade urbana — a solução de força tem a virtude de produzir resultados tão imediatos quanto efêmeros. Mas, ousamos afirmar que este Plano Nacional de Segurança Pública ataca os efeitos do fenômeno violência, não as causas, por isso não representa resposta definitiva a este flagelo social.

Uma solução que prime verdadeiramente pela redução real (e não apenas virtual ou episódica) da criminalidade em um país, deve concentrar-se antes nas instâncias pré-penais de combate ao crime. Ao Estado não é dada competência somente para rechaçar a força da delinqüência, mas sim e sempre que possível para impedir que ela nasça.

A Família, a Religião, a Educação, o Trabalho e a Previdência são os grandes pilares desta solução. O fortalecimento destas Instituições produz, em relação à violência e às demais degenerações sociais, efeitos incrivelmente superiores às respostas policialescas, pois atacam as causas geradoras desses fenômenos, não os seus resultados. Absorvem a força que seria criminosa, e faz delas algo socialmente útil.

Das quatro instituições citadas, apenas uma (a Previdência) está predominantemente a cargo do Estado — sem embargo do reconhecimento de que a ingerência pública pode e deve, em certa medida, alcançar toda a dimensão da vida social. É neste campo (o previdenciário) que o Poder Público demonstra, em grau macroscópico, o seu nível de integração social e de responsabilidade política. Nos países cujas taxas de criminalidade são baixas, invariavelmente tem-se uma Previdência forte, o que é perfeitamente explicável se se tiver em conta o papel que este Serviço Público desempenha no meio social.

Historicamente, dos Estados embrionários e imperialistas evolui-se para os Estados Absolutos, daí para os Liberais e do Bem-Estar Social, e destes para o Estado-Providência. No auge da evolução política, o homem viu-se obrigado a reconhecer, em toda a sua plenitude, a necessidade de convivência harmônica com o próximo. De um individualismo pobre e mesquinho saltou o ser humano, a pouco e pouco, para um solidarismo fecundo e generoso.

Lamentavelmente, no entanto, essa evolução restringiu-se territorialmente a uns poucos privilegiados, contradizendo de forma irônica a própria essência universal do solidarismo. Mas isso é compreensível.

Como a verdade revelada, na doutrina Cristã, é algo que só aparece aqueles que estão devidamente preparados para recebê-la; também em matéria de progressão política e social, a solidariedade só se manifesta perante os Povos devidamente instruídos e cônscios da sua necessidade.

O princípio da solidariedade social está na base conceitual Previdência Social. A captação dos recursos, de um lado, e a prestação dos benefícios, de outro, não são uma simples contingência da equação receita-despesa, como ocorre com a arrecadação dos tributos e as despesas estatais — embora tenha sido essa a sua origem histórica. Na verdade, em matéria de Previdência, existe como que um sincretismo ineliminável entre os diversos componentes do conteúdo humano do Estado, de forma que se pode pensar nela como se fosse a mão que alimenta o próprio corpo. É por isso que quando a sociedade vai mal, a Previdência deve ser o sustentáculo imensurável da Nação.

Nos Estados de mentalidade política serôdia, como o nosso, são sempre mais rápidas e de maior impacto nos índices de popularidade as repostas em ato-reflexo, aos anseios sociais: se alguém está a agredir a sociedade, devolve-se a agressão em igual intensidade, mas com a côdea da oficialidade, e pronto — tollitur quaestio. Isso, no entanto, tem um elevado preço: o definhamento da já combalida Democracia, que, se algum dia existiu entre nós, caminha a largos passos no sentido de seu desaparecimento, pois não se compreende que o Povo, titular da soberania do Estado, seja vilão de si próprio, a ponto de apresentar-se o Estado em posição de franco ataque à população.

Um desempregado que percebe uma prestação pecuniária razoável da Previdência, assim entendida a que é capaz de manter a ele e a sua família, é um cidadão que passa por dificuldades. Ele vê no Estado a mão amiga, a ampará-lo da desgraça. Um desocupado, sem dinheiro e perspectiva de vida, alijado da sociedade e renegado pelo Poder Público, é um potencial criminoso (estranho à comunidade oficial) e um ônus para a sociedade. Ele enxerga o Estado como seu maior inimigo e não medirá esforços para mostrar o desdém que alimenta em relação ao seu Povo.

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Estas e muitas outras situações podem figurar as causas profundas da criminalidade, e como elas podem ser minimizadas ou até suprimidas, com o fortalecimento das Instituições Sociais de que falamos. A Previdência, repetimos, é apenas uma das instâncias pré-penais de absorção dos potenciais delitos — sobre a qual discorremos especificamente em razão da nossa limitação pessoal. Se todas elas forem devidamente alimentadas e estimuladas, seguramente não precisará o Brasil declarar guerra aos seus patrícios.

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Sobre o autor
Nazareno César Moreira Reis

juiz federal da Seção Judiciária do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Nazareno César Moreira. Previdência x violência: MP 2029/00 e o Fundo Nacional de Segurança Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1602. Acesso em: 2 jun. 2024.

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