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Petições eletrônicas no processo civil brasileiro

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15/09/2007 às 00:00
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As peças comumente produzidas no meio informático acabam por ser impressas e remetidas da mesma maneira como se faz há séculos: com o transporte físico de folhas de papel.

RESUMO

Trata o presente trabalho das possibilidades trazidas pela informática de se levar a Juízo petições elaboradas por meio de um computador, com o uso da internet. As peças comumente produzidas no meio informático acabam por ser impressas e remetidas da mesma maneira como se faz há séculos: com o transporte físico de folhas de papel. No entanto, as infra-estruturas de chaves públicas, cujos mecanismos serão aqui objeto de análise, vieram para mudar esse panorama, firmando a segurança de uma nova modalidade de peticionamento. E assim fazem ao garantir a autenticidade e a integridade das peças processuais eletrônicas, por meio de assinaturas e certificados digitais, com elevados níveis de segurança, permitindo às partes ter confiança de que suas informações não serão interceptadas, indevidamente lidas ou alteradas após deixarem seus equipamentos e adentrarem a grande rede. As assinaturas e certificados digitais, produto da criptografia assimétrica, já são objeto de debates na seara jurídica nacional, estando atualmente reguladas por medida provisória de que se trata neste estudo. Para além disso, experiências apontando no sentido da virtualização do processo em território nacional não faltam: o tema da informática jurídica – isto é, os computadores servindo ao direito – é fértil e suscita grandes questionamentos, tais como a instituição de um processo completamente virtual, a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova e o próprio conceito de documento, passagens que se visitará com brevidade – por pertinentes, porém periféricas – para clarificar a problemática da viabilidade fática de se utilizarem petições eletrônicas. Trazem-se à tona, ainda, indagações processuais carecedoras de resposta, buscando, outrossim, traçar visão geral da legislação e das instalações pátrias no que concerne ao tema.

Palavras-chave: informática jurídica; petições eletrônicas, assinaturas digitais, certificados digitais, autenticidade, integridade, processo virtual, criptografia, infra-estruturas de chaves públicas.


INTRODUÇÃO

A informática já é perenemente aplicada no dia-a-dia da prática jurídica. Textos são processados por meio de computadores, mensagens são enviadas igualmente através deles e os bancos de dados são ferramentas de que se valem inúmeros profissionais do direito. Mas há muito mais a se aproveitar. Quando um arquivo é produzido em um equipamento e, depois de impresso, passa tão-somente a jazer no disco rígido, seu potencial é precocemente ceifado. [01]

A presença crescente do mundo digital, mesmo entre as classes menos favorecidas, é um fato. Tome-se também por base a necessidade de se agilizarem as tarefas dos profissionais do direito e as facilidades que as novas tecnologias permitem, podendo ser implantadas em vários procedimentos do processo civil com mais vantagens que prejuízos. Configura-se o cenário para que a implantação dessas novas técnicas seja desejável, em que pese a resistência contra o emprego de meios eletrônicos no processo civil já apontada por Dinamarco. [02]

Em face da complexidade do mundo moderno, que força uma perene revisão de nossos conceitos, as pessoas já adquiriram uma maior flexibilidade em relação a mudanças, sejam elas procedimentais ou de comportamento.

Com o direito, apesar de se desejar sua adaptação às transformações na velocidade destas, forçoso reconhecer que tal não ocorre de maneira tão fácil. A estrutura do mundo jurídico necessita de alguma tenacidade, o que implica em verificação de conformidade, em face do sistema vigente, para as novidades que surgem. Até que se sedimentem entendimentos sobre novas realidades, muito há de se discutir. E, quando se pensa em justiça, não poderia ser de outro modo. Silva bem sintetiza esse raciocínio:

...o meio jurisprudencial, pela natureza mesma das funções que exerce – extremamente voltadas à segurança e à certeza do direito das pessoas –, tende a ser naturalmente conservador e, portanto, pouco permeável às novidades tecnológicas que possam apresentar qualquer possibilidade de dúvida quanto à fidedignidade dos dados que fornecem. [03]

Se é certo que a tenacidade do ordenamento deve ser respeitada, igualmente é certo que o direito não pode se imobilizar diante de inovações de relevo. Sendo inevitável a adoção do crescente aparato tecnológico, extremamente conveniente, acaba este por se instalar muitas vezes baseando-se em analogias, antes mesmo de regulação legal específica. Tanto é assim que algumas dessas novidades já são ferramentas de que se valem os profissionais do direito, por força de pioneiras experiências.

Desafio como poucos é a internet para o direito. Se de um lado permite a prática de vários atos ilícitos, igualmente habilita a consecução de legítimos interesses, cujos detentores desejam de todo modo suplantar os riscos da Grande Rede que prejudiquem a realização de seus negócios. Segundo Silva, [04] além de não existir uma autoridade que controle a internet – característica sua da maior relevância –, o ambiente desta é contaminado pela volatilidade, pela mutabilidade e pelo anonimato, caráter este criador de obstáculos à aplicação do ordenamento. Como contraponto, há custos reduzidos, precisão, alta velocidade e facilidade de acesso, sem falar na falta de barreiras financeiras, temporais e espaciais, que aliás trazem consigo a necessidade de reavaliar certos conceitos processuais, como o de territorialidade.

No Brasil, as declarações de imposto de renda são hoje quase em sua totalidade entregues em meio digital. As eleições se valem de urnas eletrônicas. E agora a informática vem para revolucionar o processo civil: com o processo que se virtualiza, os profissionais do direito terão maior facilidade na elaboração de peças processuais, podendo buscar informações necessárias de maneira automatizada – não são raros os casos em que, diante de ser indispensável absoluta certeza de um dado encontrar-se ou não nos autos, eles precisem ser folheados página a página. O número de idas e vindas dos cadernos processuais poderá ser drasticamente reduzido – ou mesmo eliminado, no caso do processo integralmente virtual. Todas as partes do processo poderão usufruir de notável mobilidade, podendo exercer suas funções de onde estiverem.

A aceitação de meios eletrônicos pelas repartições públicas implicará em verdadeira transformação no mundo jurídico. Entre os resultados dessa mudança situam-se protocolos e contratos eletrônicos, a publicação dos atos (que importará em notável acréscimo de sua publicidade fática, com conseqüente democratização da informação), a intimação por meio eletrônico e a transformação da atividade advocatícia.

Importa destacar que, em termos de economia e sustentabilidade, a eliminação de parte dos documentos impressos e de muitos deslocamentos físicos de que carecem os profissionais do direito colaborará, de modo bastante direto, para a perpetuação do sistema e à manutenção dos recursos do planeta. [05]

A tecnologia permitirá que autos sejam arquivados por prazos ainda mais longos; as informações processuais poderão ser mais minuciosas e facilmente consultadas, com a agilidade e a precisão que só os novos mecanismos podem proporcionar. [06]

Tais vantagens da comunicação eletrônica, de um modo geral, já são bem conhecidas. Faltavam a segurança e a autenticidade, que segundo preleciona Guedes são verdadeiros pressupostos da existência da comunicação eletrônica. Na primeira, englobar-se-iam a confiabilidade dos sistemas dedicados à recepção e ao envio de dados, bem como a possibilidade de se confirmar a concretização dos atos praticados. Já a autenticidade responderia, no âmbito objetivo, pela correspondência entre o conteúdo enviado e aquele recebido; na seara subjetiva, de outra parte, pela certeza de que o emissor e o receptor são aqueles que deveriam ser, de fato, os participantes da relação processual. [07]

Esses dois pontos eram suficientes para abalar a credibilidade da prática de atos processuais por meio eletrônico, em razão de os profissionais do direito, no envio de instrumentos processuais por essa via, não se importarem somente com suas vantagens, mas também – e prudentemente – com a segurança de que suas peças sejam remetidas de maneira segura e sem interceptações, com uma probabilidade razoável de inexistirem fraudes.

Se antes não se vislumbravam meios eficientes e totalmente eletrônicos de documentos nesse meio terem validade jurídica, com autenticidade e integridade garantidas, a criptografia, ao permitir a feitura de assinaturas e certificados digitais, é o fundamento desse novo processo que se anuncia.

No presente trabalho, após sucinta introdução histórica ao notável avanço da informática sobre as atividades de nossos dias, observar-se-á a composição dos documentos eletrônicos, passando-se a seguir ao modo de operação dos mecanismos criptográficos na aposição de assinaturas e certificados digitais sobre esses documentos. Será igualmente examinada a estrutura da ICP-Brasil, infra-estrutura de chaves públicas estabelecida por medida provisória que pretende fundamentar a utilização dessas inovações no Brasil.

Também sob o aspecto legislativo, revisitar-se-ão normas que permitiram historicamente a utilização de instrumentos processuais eletrônicos no processo civil brasileiro, sendo ainda objeto de reflexão as pertinentes normas em vigor e os projetos de lei em trâmite.

Questionar-se-á, além disso, a viabilidade de um processo integralmente virtual, anotando-se as experiências já realizadas nesse sentido no Brasil e os desafios que advêm da virtualização dos trâmites processuais.


1. HISTÓRICO

1.1 A DESCOBERTA DO VIRTUAL

Lévy leciona que "a palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado, por sua vez, de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. (...) A árvore está virtualmente presente na semente". [08] Prossegue o autor afirmando que o virtual sempre existiu, [09] apesar de se apresentar como algo novo. Consiste na possibilidade existente em todas as coisas, não se contrapondo ao real, mas sendo instrumento de aperfeiçoamento de uma dada realidade por meio da solução de problemas. Nessa linha, o ciberespaço permitiria a virtualização da escrita, libertando-a do papel e permitindo sua livre circulação. Oliveira, [10] valendo-se do entendimento de Lévy, anota que a possibilidade de uma pessoa ter acesso a um processo em tempo real significa a virtualização da distância entre ela e o juízo. O processo virtual igualmente virtualizaria a informação, atingindo-se um elevado grau de publicidade anteriormente inatingível.

Enquanto a digitalização implica somente na transferência de um determinado conteúdo para o computador, [11] a virtualização vai além, atribuindo a esta máquina as funções mecanizadas exercidas pelos chamados servidores burocráticos, cabendo então ao ser humano apenas as atividades envolvendo a criatividade. [12]

No direito, a aplicação da cibernética foi vislumbrada inicialmente por Norbert Wiener, considerado "pai da cibernética". [13]

1.2 DOS ÁTOMOS AOS BITES

No início, as pessoas se valiam de expressões corporais para expressar sua vontade, sendo a comprovação dos negócios feita por meio de testemunhos, como nas assembléias realizadas na Roma Antiga para a realização dos atos jurídicos. Em momento posterior, a escrita e o papel viriam a se prestar para a materialização das provas, juntamente com a assinatura, traço identificador da autoria das declarações. O documento em papel serviu então de fundamento ao desenvolvimento do direito, que dele se vale para a formulação de inúmeros conceitos. [14] A relação entre o direito e o papel é, destarte, muito estreita, razão pela qual desvincular este daquele soa extremamente desafiador.

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Durante algum tempo, a civilização teve por unidade estrutural os átomos, naturalmente palpáveis, característica essa da qual o mundo jurídico obviamente se valeu. De fato, até os anos 80, o direito – apesar de regular a propriedade intelectual informática – vislumbrava o computador como apenas mais uma máquina. Mas uma nova unidade estrutural começou a se estabelecer: o bite, que, atualmente, alcança espaço cada vez maior no cotidiano. [15]

Uma rede de computadores em especial pode ser considerada a responsável pelo enorme trânsito de bites que se estabeleceu: a internet, criada diante das necessidades militares que se impuseram nos Estados Unidos da América como uma rede de computadores interligada sem central, de modo a resistir à perda de frações suas sem prejuízos ao seu funcionamento, peculiaridade esta particularmente útil diante de possíveis ataques militares. [16] Hoje, a internet já alçou papel de indispensabilidade na vida dos cidadãos – mesmo daqueles que com ela não interagem diretamente –, sendo objeto de designação em texto normativo (Norma 004/95, item 3, "a" do Ministério do Estado das Comunicações) como

nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o software e os dados contidos nestes computadores. [17]

Na legislação pátria, o uso de meios eletrônicos foi primeiramente referido no art. 10, § 2º da Lei Federal nº 6.404/1976 (Lei de Sociedades por Ações), dada a autorização de se substituírem os livros sociais por registros eletrônicos. [18] Já no que se refere à prática de atos processuais, em termos legislativos, a Lei Federal nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), em seu art. 58, IV, passou a prever o uso de fac-símile. Todavia, tratava a hipótese legal da citação do réu, não sendo muito bem aceito esse mecanismo. Marcacini [19] anota que tal fato provavelmente se deu por ter sido implantado esse meio eletrônico logo de início em tão importante ato processual, sendo que a forma de comunicação tampouco foi regulada adequadamente.

No início daquela década de 90, em sentido contrário à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a interposição de recursos por fac-símile passou a ser aceita nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais Estaduais, desde que posteriormente juntados os originais. [20]

1.3 CAMINHOS ABERTOS PELA LEI FEDERAL Nº 9.800/1999

A Lei Federal nº 9.800/1999 suscitou discussões acerca do uso de meios eletrônicos no processo civil brasileiro. O art. 1º da referida lei permite "às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita". A interpretação de que o correio eletrônico estaria compreendido na expressão "outro similar" deu azo a que muitas varas judiciais estaduais e tribunais (como o TJPR, por meio de seu Decreto nº 46/2001) validassem a recepção de peças processuais por esse meio. [21] Nessa seara, alerta Atheniense [22] que a aferição da autenticidade do remetente não foi objeto de grande atenção, para o que provavelmente colaborou a necessidade expressa no art. 2º da lei e em seu parágrafo único, determinando a juntada do original em papel até cinco dias após a remessa eletrônica ou após o término do prazo (nos atos sujeitos a ele), o que desprestigia a validade do remetido eletronicamente.

No Superior Tribunal de Justiça há julgados – notadamente da Primeira Turma – atribuindo eficácia à petição remetida por correio eletrônico, como o seguinte:

PROCESSUAL CIVIL - RECURSO - APRESENTAÇÃO - CORREIO ELETRÔNICO - INTERNET - POSSIBILIDADE - LEI 9.800/99.

I - O art. 1º, da Lei 9.800/99, outorga às partes a faculdade de utilizar sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita.

II - É plenamente eficaz, como ato processual, a petição remetida por correio eletrônico (Internet), quando os originais, devidamente assinados, são entregues até cinco dias da data do término do prazo recursal. Inteligência da Lei nº 9.800/99. (...)

(EDcl no AgRg no Ag 389.941/SP, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 27/05/2003, DJ 16/06/2003, p. 263)

Se de um lado a aludida lei foi inovadora, permitindo, conforme Marcacini [23], uma gradual assimilação da tecnologia por parte dos profissionais do direito, há limitações em seus dispositivos que impedem a aplicação de um verdadeiro processo virtual, como aquela do art. 5º, que estabelece a não-obrigatoriedade de os órgãos judiciários disporem de equipamentos receptores. Fundamentalmente, porém, na esteira do pensamento de Wambier, Wambier e Medina, [24] é a imprescindibilidade de ser feito o procotolo dos originais no prazo da lei que afasta a efetivação de um autêntico processo virtual fundamentado na Lei Federal nº 9.800/1999.


2. O DOCUMENTO ELETRÔNICO

Apesar das referências que fazem a documento, nem o Código Civil nem a respectiva carta processual o definem, razão pela qual tal tarefa ficou a cargo da doutrina. [25]

Carnelutti [26] compreendeu documento como "uma coisa representativa de um fato", sendo, portanto, resultado da atividade do Homem, dado que representativa. Chiovenda, [27] por sua vez, o definiu como: "toda representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento". Já para Pontes de Miranda, documento é "toda coisa em que se expressa, por meio de sinais, o pensamento". [28]

Tais entendimentos concebiam o documento como uma "coisa" representada pela fusão do pensamento e do meio sobre o qual este era registrado. [29]

Ocorre que, como preleciona Cabral, [30] na representação eletrônica as informações que constituem o documento não se confundem com a mídia em que estão gravadas. Os documentos eletrônicos não se prendem ao meio em que estão armazenados, e é exatamente isso que os torna surpreendentemente flexíveis. De fato, compreender o documento eletrônico exige um pouco de abstração, como alerta Marcacini, [31] que definiu esse tipo de documento como "uma seqüência de bits que, traduzida por meio de um determinado programa de computador, seja representativa de um fato". [32]

Bite (ou bit, no idioma de origem), acrônimo do inglês binary digit, [33] é a unidade de contagem de um sistema binário em que os dígitos podem ter o valor zero ou um. É nessa linguagem binária que se baseia o código-fonte dos documentos eletrônicos. Sendo os computadores, rigorosamente, máquinas de cálculo muito possantes, é essa arquitetura que permite o processamento de informações por eles. [34] Lembra Cabral que os bites são usualmente agrupados em conjuntos, [35] tais como as letras são agrupadas para formar palavras. Havendo uma dada ordem de dígitos para a constituição de um documento eletrônico, reproduzir-se tal ordem implica em cópia perfeita do original, pois inexistem bites falsos. [36] Como eventual adulteração nessa seqüência de dígitos é dificilmente verificável, apesar de ser facilmente possível, é imprescindível o uso de criptografia de dados para preservá-la.

Não se questiona que os documentos eletrônicos sejam indiretamente representativos, [37] por ser necessário recorrer-se a aparelhagem adequada para perceber seu conteúdo. Entrementes, o mesmo se dá em relação a fitas cassete, discos e outros materiais que, curiosamente, não têm sua validade e materialidade questionada no direito brasileiro da mesma maneira com que são desafiados os documentos eletrônicos.

Um dos grandes mitos que dizem respeito ao documento eletrônico colocam em dúvida a sua materialidade. Ora, os problemas de espaço nos computadores, nas mídias e a velocidade de transmissão de dados bem revelam que os bites são materiais. Ainda que não sejam tangíveis e possam ser – mediante comando humano, em regra – rapidamente apagados, duplicados ou transmitidos, isso não quer dizer que não existam. Explica Greco que os bites "são entidades magnéticas e, portanto, à sua maneira, realidades materiais, ainda quando não perceptíveis pelos sentidos humanos". [38]

Na seara da segurança documental, muitos vêem a sua representação eletrônica como mais segura que o tão defendido documento tradicional. Se as seqüências de bites requerem cuidados, diferente não é com o papel, que, frágil e único em sentido material, não pode ser exposto à água e agentes biológicos, requerendo ainda, geralmente, o manuseio direto, tornando-o mais vulnerável. O problema é que a memória em que os bites componentes do documento eletrônico são armazenados é geralmente adulterável, daí a importância de meios garantidores da integridade da seqüência, como assinaturas e certificados digitais.

Em que pesem todas as diferenças explicitadas, os documentos eletrônicos não deixam de ser meios reais de representar fatos, [39] assim como aqueles tradicionais. Trata-se, inclusive, de núcleo da conceituação de documento informático adotada pelo Decreto nº 513/1997, do Presidente da República Italiana: "representação informática dos atos, fatos e dados juridicamente relevantes". [40]

Para que, conforme o exposto, um documento possa representar também no futuro os fatos que registra hoje, deve ele ter por características a durabilidade e a inalterabilidade. Assim como o papel em sua forma primitiva, o documento eletrônico despido de proteção pode ser alterado não só por atos humanos (estes dolosos ou não, sendo que na primeira hipótese haverá fraude [41]), mas também por fatores externos ou por problemas técnicos. [42]

Dentre as alterações possíveis de se fazer em um documento, calha relevar a antedatação. Antedatar um documento é possível tanto no meio tradicional como na representação eletrônica. Para forjar uma data nesta, basta modificar a data do sistema no momento da assinatura. Há meios, porém – como se verá à frente –, para certificar a data no documento eletrônico, evitando essa ardilosa fraude. [43] Além disso, no peticionamento eletrônico, mais especificamente, os documentos emitidos pelo juízo – tais como recibos de protocolo, na forma do art. 160 da carta processual civil –, presumir-se-ão verdadeiramente datados, diante da fé pública do agente emissor. [44]

Outra fraude imaginável seria a reprodução espúria de um documento. De início, esclareça-se que por original, do latim originalis, denota-se, no conceito de De Plácido e Silva, o primeiro, o primitivo, o que vem da origem. [45] Complementa Rêgo que o original, independentemente do número de vias, é uno, consubstanciando-se no instrumento que materializa a vontade humana ensejadora do ato ou negócio jurídico, e tão somente manterá a condição de original no meio em que se aperfeiçoar. [46]

Ocorre que, no caso específico do documento eletrônico, a informação reproduzida a qualquer tempo – no mesmo meio, sublinhe-se – será igualmente o original, pois o documento é a seqüência de bites, independente do meio em que armazenada. Não há meios para distinguir o original da cópia sem vincular o documento a uma mídia física, o que seria desnaturar esse tipo documental. Poderá haver cópia de um documento eletrônico, no entanto, se for transcrita a sua versão em outro meio, como o papel. O contrário é igualmente verdadeiro. Quanto a essas duas hipóteses, algumas peculiaridades merecem menção: primeiramente, a cópia eletrônica de um documento físico, se for assinada digitalmente, deve ser compreendida como certidão, pois em via de representação distinta do original; a cópia impressa de uma seqüência de bites, por outro lado, deverá conter apenas a imagem gráfica visualizável desse documento, sem o código da assinatura digital, uma vez que a conferência desta só é possível em confronto com os bites do documento armazenado digitalmente. [47]

Por derradeiro, em sentido indicativo da receptividade dos documentos eletrônicos, note-se que as informações disponibilizadas na Grande Rede pelo Poder Judiciário merecem confiança, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: [48]

PROCESSUAL - PRAZO - JUSTA CAUSA - INFORMAÇÕES PRESTADAS VIA INTERNET - ERRO - (...) - DEVOLUÇÃO DE PRAZO - CPC, ART. 182.

- Informações prestadas pela rede de computadores operada pelo Poder Judiciário são oficiais e merecem confiança. Bem por isso, eventual erro nelas cometido constitui "evento imprevisto, alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato". Reputa-se, assim, justa causa (CPC, Art. 183, § 1º), fazendo com que o juiz permita a prática do ato, no prazo que assinar (Art. 183, § 2º).

(STJ, REsp 390561/PR, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 18/06/2002, DJ 26/08/2002, p. 175)

RECURSO ESPECIAL. Divergência. Precedente do STJ. Diário da Justiça. Site na internet.

Indicado como paradigma acórdão do próprio STJ, com referência ao Diário da Justiça da União, órgão de publicação oficial, e com a reprodução do inteiro teor divulgado na página que o STJ mantém na Internet, tem-se por formalmente satisfeita a exigência de indicação da fonte do acórdão que serve para caracterizar o dissídio. (...)

(STJ, REsp 327687/SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 21/02/2002, DJ 15/04/2002, p. 225)

Também prestigiou as informações fornecidas no ambiente virtual o Tribunal de Justiça de São Paulo, [49] como se vê a seguir:

INVENTÁRIO – Certidão negativa quanto à dívida ativa da União, obtida por meio da internet. Não aceitação, com ordem de juntada de outra, fornecida pela Secretaria da Receita Federal. Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que concede a esse documento os mesmos efeitos da certidão negativa comum. Aplicação do disposto na Lei Federal nº 9.800/1999. Recurso a que se dá provimento.

(TJSP, 1ª Câmara de Direito Privado, Agravo nº 139.645-4, Relator Luís de Macedo, julgado em 16/11/1999)

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Sobre o autor
João Luiz Pianovski Vieira

bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, assessor do Ministério Público Federal em Curitiba (PR), pós-graduando lato sensu em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, João Luiz Pianovski. Petições eletrônicas no processo civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1536, 15 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10415. Acesso em: 4 mai. 2024.

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