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Dispensa de licitação: uma exegese principiológica do instituto jurídico da contratação direta

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02/09/2011 às 13:19
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A Lei de Licitações demonstra inadequação sintática. Sob a mesma rubrica de "dispensa de licitação", encontram-se hipóteses de contratação indireta, quer dizer, mediante licitação prévia e obrigatória.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Licitação e procedimento: 2.1 Princípio da obrigatoriedade de licitação e seu caráter pétreo, 2.2 Princípio da necessidade de contratação, 2.3 Distinções necessárias, 2.4 Síntese das definições – 3. Modalidades licitatórias: licitação em sentido estrito – 4. Inadequação sintática do art. 24: 4.1 procedimento licitatório simplificado, 4.2 contratação direta – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas.


1.Introdução

A atual dogmática jurídica do Direito Administrativo brasileiro adota o entendimento de que a contratação direta constitui verdadeira exceção ao princípio constitucional da obrigatoriedade de prévio procedimento licitatório nas contratações realizadas pelo Poder Público. A Carta Magna adotou a obrigatoriedade de licitação no sentido de princípio condicionado ao dispor que o conhecimento de tal fenômeno jurídico, num caso concreto, depende da inexistência de previsão legal que especifique hipóteses onde a sua realização não é devida, é o que prescreve o art. 37, XXI, in verbis:

Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A lei 8.666/93, Lei de Licitações e Contratos Administrativos (LLC), especifica as situações em que a Administração Pública está autorizada a não realizar a licitação, seja em decorrência de sua inviabilidade (os casos de licitação dispensada – art. 17, I e II e licitação dispensável art. 24 e incisos) [01] ou por não existir possibilidade de competição (inexigibilidade de licitação – art. 26). Porém, o Estatuto Licitatório não contemplou a disposição constante do seu diploma antecessor, o Decreto-Lei 2.300/86, o qual estabelecia expressamente hipótese em que a licitação era vedada.

O instituto jurídico da contratação direta, por sua vez, é tido como a súmula que engloba os casos em que a lei prescreve a dispensabilidade ou inexigibilidade de licitação. Convém ratificar que essas hipóteses configuram uma excepcionalidade a uma regra (obrigatoriedade de licitação). Com isso, a boa hermenêutica jurídica impõe que tais normas devem ser interpretadas restritivamente.

Todavia, a LLC demonstra visível atecnia ao dispor acerca da dispensabilidade a que o art. 24 faz menção. Ao utilizar-se indiscriminadamente do termo "licitação", o uso do instituto tornou-se motivo de incerteza e ambigüidade na prática administrativa. Ocorre, na verdade, uma inadequação sintática [02], isto é, sob a mesma rubrica de "dispensa de licitação" encontram-se hipóteses de contratação indireta, quer dizer, mediante licitação prévia e obrigatória.

Dessa maneira, o presente trabalho realiza uma abordagem principiológica da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, analisando o atual entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito do instituto jurídico da contratação direta, delimitando-o com a finalidade de fornecer sua correta aplicação.


2.Licitação e procedimento licitatório

Etimologicamente, o termo "licitação" advém da construção latina "licitatio onis", venda em leilão, como referência ao modo mais vantajoso de realizar um certame, abrindo-se ao público a possibilidade de ofertar propostas.

A lei de licitações e contratos (LLC) traz um conceito finalístico do instituto ao definir que:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Não obstante a esta definição trazida pela LLC, é certo que a licitação, em sua natureza jurídica, é o procedimento pelo qual a Administração Pública e os entes por ela controlados selecionam, dentre as ofertadas, a proposta que melhor agracie o interesse público. Em síntese, licitar é o meio para obter a melhor proposta.

Entrena Cuesta elucida o caráter instrumental da licitação, a qual seria a motivação de que a contratação realizada operou-se da maneira mais vantajosa possível para Administração, segundo ele o procedimento licitatório consiste num:

Conjunto ordenado de documentos e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como às providências necessárias para executá-la. [03]

Ademais, não há de confundir o conceito licitação com as suas modalidades. Esta é forma procedimental criada por lei para atender determinadas hipóteses (p.ex.: concorrência, tomada de preços, etc.), enquanto aquela é o procedimento de obtenção da proposta mais vantajosa. O conceito de licitação engloba o de suas modalidades. O procedimento licitatório não tem como pressuposto uma de suas modalidades e sim a demonstração de vantajosidade [04] na escolha da proposta, é o entendimento preconizado na prática jurídica administrativista e consolidado pelo egrégio Tribunal de Contas da União:

O processo administrativo pelo qual a Administração Pública – sem escolher uma das modalidades de licitação previstas no art. 22 da Lei n° 8.666/93 – realiza pesquisa de preços no mercado é também um procedimento licitatório, pois objetiva a contratação da empresa que oferecer a melhor proposta. [05]

Tal entendimento leva em consideração que o princípio da obrigatoriedade de licitação é, antes de tudo, um mandamento de otimização. Isto é, sua maior ou menor incidência dependerá do contexto fático. Sobre o tema Alexy nos ensina que princípios são:

normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. [06]

Destes entendimentos extraímos o postulado para o desenvolvimento deste trabalho. A licitação, no direito administrativo brasileiro, pode ser realizada por procedimentos típicos: concorrência, tomada de preços, pregão, e demais modalidades do art. 22. E também poderá ser realizada por um procedimento atípico, onde a Administração, agindo discricionariamente, realiza procedimento com a finalidade de contratar da forma mais vantajosa possível. A este procedimento atípico é cabível a nominação de procedimento licitatório simplificado. [07]

Ocorre que, por vezes, a LLC utiliza o vocábulo "licitação" num sentido mais estrito, fazendo referência às suas modalidades e, outrora, denotando meio de obtenção da proposta mais vantajosa de forma mais ampla. Em atenção a isso, o anteprojeto da nova lei de licitações e contratos é titulado de "Lei Geral de Contratações da Administração Pública" e não faz mais referência, em nenhuma linha de seu texto, ao termo licitação, e sim ao "procedimento de contratação". [08]

Assim, julgamos prudente, para os devidos fins deste trabalho, estabelecer que o termo comporta dois níveis de significação: um amplo e outro estrito.

Licitação em sentido amplo é o procedimento de contratação para obter-se a proposta mais vantajosa, seja por meio típico (art. 22) ou procedimento licitatório simplificado. Em sentido estrito, por sua vez, seria o procedimento cujas etapas são definidas em lei e que visa à obtenção da proposta mais vantajosa, são as modalidades licitatórias presentes no art. 22 e o Pregão, instituído pela Lei 10.520/02.

Releva notar que a obrigatoriedade tratada no Texto Maior é de prévia licitação em sentido amplo. Destarte, não há de falar que viola diretamente a Constituição a utilização de certa modalidade quando a lei prescreve o uso obrigatório de outra.

Por fim, cabe ressaltar que o início de todo procedimento licitatório é marcado por um ato administrativo que tem como suporte fático a necessidade de realizar a contratação, vale dizer: não há que se contratar o que não é necessário ou em quantidade desnecessária. Usualmente a necessidade ou demanda por determinado bem, obra ou serviço é exteriorizada mediante representação contendo justificativa, vulto da contratação e modalidade procedimental que será adotada, projeto básico e projeto executivo nos casos de contratação de obras. Em seguida, encaminha-se à autoridade superior do órgão, a qual, ratificando-a, autorizará o início do procedimento, este é o ato administrativo inicial da licitação.

2.1.O princípio obrigatoriedade de prévia licitação e seu caráter pétreo.

Como dito anteriormente, é de cunho constitucional o princípio da obrigatoriedade de prévia licitação. A realização de procedimento licitatório tem o condão de prevenir, ao menos em tese, possíveis inobservâncias aos princípios norteadores da atividade administrativa: moralidade, legalidade, publicidade, etc. Marçal Justen Filho corrobora o entendimento ao afirmar que:

A Constituição acolheu a presunção (absoluta) de que prévia licitação produz a melhor contratação – entendida como aquela que assegura a maior vantagem possível à Administração Pública, com observância do princípio da isonomia. [09]

A obrigatoriedade de licitação reflete, antes de tudo, a preocupação do Estado de Direito com a gestão e a transparência dos gastos públicos. Por isso, adotamos o entendimento que defende o caráter pétreo da obrigatoriedade da licitação, o qual deriva do fato dela ter como um dos seus principais escopos o princípio da isonomia, conforme esclarecedora lição de Alexandre de Moraes:

Ora, o administrador público deve pautar-se em suas condutas na Constituição e nas leis, para garantir o princípio da legalidade e o da igualdade de possibilidades de contratar com o Poder Público. Dessa forma, exigível sempre é a realização do procedimento licitatório, com o fim de afastar o arbítrio e o favorecimento... Consoante esta interpretação, em regra, qualquer contratação, sem prévia e necessária licitação, não só desrespeita o princípio da legalidade, como vai mais além, pois demonstra favoritismo do Poder Público em contratar com determinada empresa, em detrimento de todas as demais, que nem ao menos tiveram oportunidade de oferecimento de propostas e verificação de condições, em frontal desrespeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5°, caput e inciso I, da Constituição Federal) [10]

No que tange a sua excepcionalidade, a própria Constituição põe a salvo os casos os casos especificados em lei. O verbo "especificar" significa indicar com precisão, descrever pormenorizadamente, dar instruções minuciosas e precisas capazes de impedir qualquer juízo ampliativo do sentido de algo.

Sobre o tema, Toshio Mukai ensina que:

Verifica-se que a Constituição de 1988 somente exige a observância do princípio da isonomia quando houver licitação; nos casos em que está for dispensável, não há falar neste princípio ("ressalvados os casos na legislação", vem antes de "que assegure igualdade de condições...", que, por sua vez, vem depois de "processo de licitação"). [11]

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Data vênia, discordamos do entendimento do eminente doutor por duas razões. Primeiramente, é necessário levar em consideração o momento de produção da norma: o legislador constituinte a redigiu em conformidade com o sistema licitatório vigente à época (o Decreto-lei 2.300/86 – o qual prescrevia hipótese em que a licitação era proibida.), de tal forma, a "especificação" mencionada é relativa à vedação do procedimento licitatório e não à sua dispensabilidade. A segunda é que a ordem dos termos não é de grande relevância para tal exegese, a moderna interpretação das normas constitucionais é guiada por princípios de ordem instrumental (o da supremacia da constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e dos atos do Poder Público, interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade) [12] e não apenas pela ordem das expressões textuais (interpretação gramatical).

Em decorrência, consideramos mais abalizado o ensinamento de Jose dos Santos de Carvalho Filho:

A lei de licitatória anterior – Decr. –lei nº 2.300/86 – previa, ao lado da dispensa e da inexigibilidade, hipótese de vedação ao procedimento de licitação, quando houvesse comprometimento da segurança nacional. Resulta da norma que a Administração teria que celebrar contratação direta. O vigente Estatuto, porém, não reproduziu o preceito, criado, aliás, em outro contexto jurídico, de modo que atualmente a licitação pode ser inviável (inexigibilidade), mas não haverá hipótese de vedação. [13]

Corroboramos o entendimento de que a ressalva realizada na Constituição não tem aplicabilidade na atual LLC, uma vez que a excepcionalidade ao princípio da obrigatoriedade decorre da situação concreta. A contratação direta é fruto de atividade ponderativa entre o princípio da obrigatoriedade e os demais princípios norteadores da Administração Pública em face de uma "hipótese-limite".

2.2.Princípio da necessidade de contratação.

Em decorrência da conjugação dos diversos princípios que regem a atividade administrativa, pode-se afirma a existência de um verdadeiro princípio-axioma norteador dos gastos públicos provenientes das aquisições de obras, bens e serviços: a real necessidade de contração. À Administração Pública é vedado contratar por mero desejo ou superstição. Toda despesa deve ser realizada quando necessária. Daí a idéia da necessidade com um verdadeiro princípio-axioma regente do procedimento licitatório.

A necessidade de contratar configura um verdadeiro juízo de demanda que precede a licitação. Este juízo ocorre com o levantamento, realizado pelo próprio órgão, das necessidades de contratação: o que precisa ser contratado e em qual quantidade/qualidade. A este respeito é consentânea a lição de Marçal Justen Filho:

A mens legis consiste precisamente em impor à Administração o dever de abster-se de licitar impensadamente, descuidadamente. Caracteriza-se infração séria aos deveres inerentes à atividade administrativa a ausência da adoção das providências indispensáveis à avaliação precisa e profunda das necessidades e das soluções que serão implementadas posteriormente. [14]

Um efetivo juízo de demanda realiza-se, antes de tudo, com a sinergia entre setor patrimonial (emissor do sinal de demanda) e setor de licitações e contratos (receptor da demanda e executor do procedimento de aquisição). Àquele incube elaborar a especificação do objeto e, nos casos de aquisição de material, das unidades e quantidades a serem adquiridas, e a este incube, posteriormente, satisfazer a demanda da forma mais vantajosa possível. O próprio TCU ressaltou a indispensabilidade dessa fase prévia da licitação:

A ausência de cumprimento da fase interna da licitação inviabiliza o conhecimento integral do objeto que se pretende contratar e as estimativas de custos a ele inerentes. A realização da fase interna da licitação é condição prévia essencial à contratação, inclusive nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação. [15]

A não observância desta fase [16] pode acarretar: (i) aquisição de obra, bens ou serviços desnecessários; (ii) aquisição de obra, bens ou serviços em quantidade maior do que a necessária, causando dispêndios evitáveis, e (iii) aquisição de obra, bens ou serviço em quantidade inferior à necessária, não suprindo parte da demanda, haverá necessidade de realizar outro procedimento licitatório para a aquisição do mesmo bem, o que poderá resultar em fracionamento da despesa – expediente expressamente vedado pela LLC, como já advertiu a Corte do Tribunal de Contas da União:

Realize planejamento de compras a fim de que possam ser feitas aquisições de produtos de mesma natureza de uma só vez, pela modalidade de licitação compatível com a estimativa da totalidade do valor a ser adquirido, abstendo-se de utilizar, nesses casos, o art. 24, inciso II, da Lei nº 8.666/1993 para justificar a dispensa de licitação, por se caracterizar fracionamento de despesa. [17]

Infelizmente, a realidade nos mostra casos de total inobservância do princípio em epígrafe por parte da Administração Pública. Obras paralisadas tornaram-se parte da paisagem urbana em várias regiões do país, as contratações realizadas pelo Poder Público carregam o estereótipo social de "instrumento de desvio de verba pública".

É interessante comentar, neste momento, a recém criada Medida Provisória que se encontra em tramitação no Congresso Nacional. Ela instituiu o Regime de Contratação Diferenciado (RDC), o qual transfere a responsabilidade da confecção do projeto executivo das licitações para obras destinadas à Copa do Mundo de Futebol de 2014 para as empreiteiras, tornando o processo licitatório sigiloso já que, somente ao final da obra, a sociedade terá noção dos gastos realizados.

2.3.Distinções necessárias

É de bom alvitre realizar algumas distinções entre a obrigatoriedade de licitação e necessidade de contratar. A primeira diferença é de ordem técnico-jurídica, trata-se aquele de uma norma-princípio e este de um princípio-axioma.

Além do mais, um objetiva, precipuamente, agraciar o interesse público primário e o outra o interesse público secundário ou interesse do Estado. Dentre as diversas colocações doutrinárias acerca da divisão do interesse público em primário e secundário, citaremos a síntese elabora por Luis Roberto Barroso:

O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. [18]

Tal distinção é influência do direito administrativo italiano e foi adotado pela nossa dogmática jurídica administrativista. Vale lembrar que a LLC possui, além normas que tem como requisito de validade o interesse público primário, normas que se fundamentam no interesse público secundário. Bem adverte Alice Gonzalez Borges:

(Aliás, a propósito, lembre-se que por isso mesmo teve a Lei 8.666/93 a salutar cautela de exigir, no caso da rescisão contratual ‘por motivo de interesse público’ (art. 78, XII), e no da revogação da licitação por ‘por razões de interesse público’, que a existência de tal interesse público seja devidamente justificada, demonstrada sua pertinência, e mediante parecer jurídico favorável). [19]

A observância dos princípios que regem o procedimento licitatório configura um interesse público primário em decorrência de sua indisponibilidade e de suas características exigirem a sua promoção de modo imperioso.

A necessidade de contratar, por sua vez, fundamenta-se no interesse público secundário porque envolve o gerenciamento das necessidades e gastos do órgão, tem como finalidade evitar despesas com desperdícios resultantes da contratação de bens desnecessários ou em quantidade distinta da realmente necessária.

Na oportunidade, é conveniente ressaltar uma peculiar distinção entre a obrigatoriedade de licitação e a obrigatoriedade de modalidade de licitação (licitação em sentido estrito). A obrigatoriedade de licitação é, como visto, cláusula pétrea só podendo ser modificada por outra Constituição. Por sua vez, a obrigatoriedade de licitação em sentido estrito para determinado caso concreto tem mero amparo legal, podendo ser extinta ou alterada por lei posterior, na forma do art. 2º, §2º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro:

A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

2.4.Síntese das definições

O ordenamento jurídico brasileiro impõe a obrigatoriedade de licitação em sentido amplo, a qual poder ser realizada mediante modalidades tipificadas em lei ou por meio de procedimento não previsto em lei desde que objetive a seleção da proposta mais vantajosa. Todavia o princípio da obrigatoriedade é excepcionado pelo instituto jurídico contratação direta, o qual pode decorrer de uma imposição legal ou da lógica ponderativa em face de uma situação concreta.

Com o intuito de otimizar o entendimento acerca da temática, consideramos conveniente sistematizar, de forma sucinta, as definições acima explanadas:

Licitação em sentido amplo: é princípio constitucional consagrado no inciso XXI do art. 37 da CF/88, impõe à Administração Pública o dever selecionar a proposta mais vantajosa para a contratação de obras, bens e serviços.

Licitação em sentido estrito: são as modalidades dispostas no art. 22 da Lei 8.666/93 e na Lei do Pregão, são procedimentos vinculados em que a lei define uma hipótese – quase sempre referente ao vulto econômico da contratação – e obriga o Poder Público a fazer uso de tal modalidade.

Procedimento licitatório simplificado: é o procedimento licitatório discricionário em que a Administração, não fazendo uso de uma das modalidades previstas no art. 22 da LLC, seleciona a proposta mais vantajosa.

Contratação direta: é a exceção ao princípio da obrigatoriedade em sentido amplo, pode ocorrer por disposição legal ou mediante ponderação de princípios diante do contexto fático, quer dizer, o princípio da obrigatoriedade pode ser afastado diante das peculiaridades do caso concreto em favor de outros princípios. Estando o Decreto-lei 2.300/86 revogado, não há de falar em contratação direta por imposição legal no ordenamento jurídico pátrio.

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Sobre o autor
Leonardo Silva Batista

Acadêmico do curso de ciências jurídicas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Estagiário da Receita Federal do Brasil atuante com ênfase no setor de Licitações e Contratos Administrativos. Estagiário do escritório Abreu & Batista advocacia e consultoria jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Leonardo Silva. Dispensa de licitação: uma exegese principiológica do instituto jurídico da contratação direta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2984, 2 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19918. Acesso em: 27 abr. 2024.

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