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Um breve estudo sobre as alterações trazidas pelo advento da Lei nº 12.403/2011

29/07/2011 às 12:44
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Embora ainda tenham sido efetuados poucos estudos sobre as recentes inovações no Código de Processo Penal trazidas à baila com a entrada em vigor da Lei de nº 12.403, de 4 de maio de 2011, ousamos, com brevidade, no presente estudo, demonstrar a nova feição imprimida pelo legislador à prisão cautelar e institutos correlacionados.

Antes do advento da citada legislação, ao processado pela justiça pública, havia três situações possíveis com relação à sua liberdade ambulatorial:

a)Sendo preso em flagrante delito, estando presentes os fundamentos da prisão preventiva, o magistrado oficiante determinaria sua manutenção cautelar, até nova deliberação judicial;

b)Sendo preso em flagrância, ausentes os requisitos da prisão cautelar, ser-lhe-ia concedida liberdade provisória, sem fiança, bastando que o acusado comparecesse aos atos processuais regularmente;

c)Sendo preso em flagrância, ausentes os requisitos da prisão cautelar, mediante fiança, seria lhe concedida liberdade provisória, contudo, sujeita à diversas restrições gravosas, como impossibilidade de se ausentar da comarca etc.

Ora, das situações legais apontadas acima, percebe-se que ou o acusado era mantido em cautela, ou liberto sem maiores restrições, conforme os itens a e b, pois a fiança constituía instituto pouco usado em virtude de sua rigidez em comparação à liberdade provisória sem fiança, portanto, inexistia um situação intermediária que preservasse a liberdade do acusado e a eficiência da lei penal.

Contudo a nova legislação alterou esse panorama, tornando a prisão preventiva em exceção, conforme determina nossa Constituição, e permitindo que o magistrado criminal, objetivando a prevenção do crime, empregue medidas intermediárias, denominadas de medidas cautelares.

Vejamos.


1.DA PRISÃO EM FLAGRANTE NA FASE DO INQUÉRITO

Sendo alguém surpreendido cometendo fato tipificado pela lei penal, a autoridade policial deverá lavrar o auto de prisão em flagrante, mantendo o conduzido sob custódia até que o juiz criminal delibere.

O atual panorama das prisões em flagrante:

A)Com relação às formalidades do inquérito policial, mantiveram-se todas elas, salvo os seguintes pontos:

I)A prisão, obrigatoriamente, deverá ser comunicada ao Ministério Público. Embora isso já fosse praxe nos meios policiais, afinal, o "parquet" possui o prazo de cinco dias para ofertar denúncia contra o investigado preso, sob pena de relaxamento da cautelar, a nova lei deixou tal obrigação expressa, expungindo quaisquer questionamentos nesse sentido.

II)Caso o crime praticado pelo detido seja afiançável, ou seja, não constitua racismo, tortura, tráfico de entorpecentes, terrorismo, crime hediondo, crime contra o Estado de Direito, que o investigado não tenha quebrado fiança anteriormente, violado as restrições de direito da fiança, sido detido por mandado cível ou militar, que não haja causas para a determinação da prisão preventiva, e, por fim, que a pena cominada ao crime não seja superior a quatro anos, deverá a autoridade policial conceder fiança ao averiguado.

Com relação ao citado ponto, é oportuno salientar que, via de regra, a autoridade terá poucas oportunidades para fixar fiança, pois, caso o crime praticado seja classificado como de menor potencial ofensivo, o autor se livrará da detenção apenas assumindo o compromisso de comparecer ao juizado especial criminal. Assim, a autoridade concederá fiança nos crimes apenas entre dois e quatros de pena, seja ela e reclusão ou detenção.


2.DOS AUTOS NA JUSTIÇA CRIMINAL E SUAS MEDIDAS POSSÍVEIS

Recebendo os autos do inquérito policial, o magistrado criminal se verá com três possibilidades de decisão quanto à liberdade do acusado:

A)Relaxar a prisão ilegal, nas hipóteses em que tiver ocorrido vício formal nos autos inquisitoriais;

b)Conceder liberdade provisória ao investigado, aplicando medidas cautelares penais, previstas no art. 319 e seus incisos, de forma cumulativa ou isolada, com fiança ou não;

c)Converter a prisão em flagrante em preventiva, desde que preenchidos seus requisitos, fundamentos, hipóteses de admissibilidade, e que as medidas cautelares não surtam o efeito preventivo desejado.

Como já afirmamos acima, a nova lei deixa a prisão provisória como a "ultima ratio" do Poder Judiciário, passemos a hipótese do item b.

São medidas cautelares diversas da prisão, segundo o art. 319 do Código de Processo Penal:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; 

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; 

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; 

IX - monitoração eletrônica. 

Da leitura dos incisos acima, pode-se concluir que as medidas cautelares serão sempre restritivas de direito do acusado, e que o magistrado criminal está em poder de um variado leque de medidas aplicáveis.

Contudo, a aplicação das medidas cautelares está sujeita ao preenchimento de requisitos, a saber:

a)necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; 

b)adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado

Em síntese, os critérios norteadores da aplicação das medidas cautelares serão a proporcionalidade entre a medida escolhida, a prevenção da prática de novos crimes e a adequação aos fatos passados.

Isso se dará tanto na escolha da medida adequada, quanto na quantidade delas, eis que elas poderão ser aplicadas cumulativamente.

Importante se destacar que as medidas cautelares não serão aplicáveis em crimes sem previsão de pena de prisão, por razões óbvias.

As medidas cautelares poderão ser aplicadas de ofício pelo juiz, por meio de requerimento do ministério público, do querelante, por meio de representação da autoridade policial, no curso da investigação.

De regra, antes de sua aplicação, o magistrado deverá intimar o sujeito das medidas, com cópia do requerimento, para que este se manifeste sobre o pleito.

A exceção será nos caso de urgência ou perigo na demora, nos quais as medidas serão impostas sem a oitiva da parte prejudicada.

Sendo imposta a medida, caso seja descumprida, qual será a conseqüência do investigado?

No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.

Expostos os pontos relevantes sobre as medidas cautelares, passemos à prisão preventiva, consoante a nova lei.

A prisão preventiva poderá ser decretada de ofício, por requerimento do ministério público, do querelante, do assistente, por representação da autoridade policial, em qualquer fase da investigação e da ação penal, desde que presentes:

a)Requisitos: elementos da autoria e a materialidade do crime;

b)Fundamentos: Garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução processual penal, garantia da aplicação da lei penal e descumprimento de medidas cautelares;

c)Hipóteses de admissibilidade: Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior à 4 (quatro) anos; reincidência, caso o crime envolva violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Por fim, destacamos novamente que a natureza da prisão preventiva se tornou "ultima ratio", devendo ser aplicada apenas na insuficiência de outras medidas, de forma fundamentada.

Discorramos sobre a revigoração do instituto da fiança.

O instituto da fiança, nos últimos tempos, tratava-se de instituto jurídico de uso restrito, uma vez que a liberdade condicional com fiança impunha que o acusado se sujeitasse à diversas medidas de restrição de direitos, muito mais gravosas que a única exigida para a concessão da liberdade condicional do revogado art. 310, parágrafo único, do C.P.P.

Na prática, o emprego da fiança se destinava a garantir a liberdade provisória de acusados que, tivessem denegado se pleito da liberdade provisória sem fiança denegado.

Todavia, a nova lei soprou nova vida ao instituto da fiança.

Atualmente, a fiança se constitui em um depósito de valor, oferecido pelo acusado, ou terceiro, até o trânsito em julgado, destinado como medida cautelar a assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

É de relevância salientar que não somente o acusado poderá prestar fiança, mas qualquer terceiro poderá oferecer a cautela para obter a liberdade do citado, por meio de simples petição.

Como já se expôs acima, superadas as proibições à sua concessão, deverá ser concedida, em crimes apenados até quatro anos, pela autoridade policial.

Na hipótese da autoridade negar a fiança, ou não se manifestar sobre o requerimento, o pedido deverá ser dirigido ao juiz, que o decidirá em 48 horas.

O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:  

I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; 

II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. 

§ 1º  Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: 

I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; 

II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou 

III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes. 

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O "quantum" da fiança será determinado pela autoridade concedente com fundamento na gravidade do crime praticado, natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.

Já quanto às hipóteses de perda de eficácia da fiança, pode-se afirmar as seguintes possibilidades:

a)caso o beneficiário deixe de comparecer aos atos processuais, obstruir o andamento processual, descumprir medida cautelar cumulativa com a fiança, resistir aos comandos judiciais, mudar de residência ou ausentar-se da comarca por mais de oito dias, sem que seja autorizado pelo juízo, ou praticar novo crime, haverá o quebramento da fiança, impondo-se o perdimento de metade do valor caucionado, em prol do fundo penitenciário, fundo além de ser impedida a concessão de nova fiança no processo penal;

b)Em não se apresentado o acusado para o cumprimento da pena, haverá o perdimento total da fiança caucionada;

c)Sendo concedida erroneamente, a fiança poderá ser cassada pela autoridade concedente, caso não seja reforçada.

Era o que havia de importante sobre o tema da fiança.


3.DA INOVAÇÃO TRAZIDA PELA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

Embora, tenham sido tecidas críticas aos novos dispositivos legais, sob o argumento de que a novel legislação trará a impunidade, pois a prisão preventiva se tornou uma hipótese formal de difícil configuração, cremos que a alteração foi salutar.

Sociologicamente, vivemos em um país marcado por um exibicionismo penal, no qual, no mais das vezes, a posição adotada pelos órgãos persecutórios é amplamente endossada pela população, sem qualquer ulterior reflexão.

A retribuição penal se torna um objeto de satisfação da população que está, muitas das vezes, imbuída de em "voyeurismo punitivo".

Somado a isso, nossa Administração Pública, historicamente, estruturada sob os influxos de autoritarismo, muitas das vezes, emprega os códices para criar processos "kafkianos", culminando em prisões excessivas.

A prisão é sempre a solução que sibila por entre os lábios de todos nós para combater o crime.

Clamamos por prisão como um remédio para os "inimigos da sociedade", quando, em verdade, encarceramos pessoas sem esperança de uma vida melhor, criando uma curiosa população carcerária.

Exemplificativamente, em 2008, segundo os dados do Ministério da Justiça, majoritariamente, a população carcerária nacional é, quanto ao sexo masculino, aproximadamente, composta, em 61% de criminosos que perpetraram crimes de natureza patrimonial, sendo que a maior concentração etária, estimada em 31%, estava situada entre os 18 e os 24 anos de idade, de pessoas com escolaridade no ensino fundamental incompleto.

Ora, é essa a necessidade de prisão que sentimos? A de encarcerar criminosos que cometem crimes patrimoniais? São estes os celerados que mais prejudicam a nação? E é assim que solucionaremos o problema de criminalidade?

A instituição prisional está falida, e sua agonia já vem desde o século passado, ninguém, seriamente, crê que a prisão solucione a criminalidade.

A prova disso são os dados acima, que de forma pungente, demonstram que, talvez, uma política educacional sólida, aliada a materialização do direito constitucional do emprego plena, fossem mais eficazes no combate ao crime do que inúmeros decretos de prisão, sobretudo as cautelares.

Assim, talvez seja a hora de tentarmos uma nova política criminal com relação às prisões cautelares, oportunizada pelas modificações trazidas pela nova lei, equipando o poder público com a estrutura necessária para a efetiva execução das medidas cautelares restritivas de direito.

Afinal de contas, da forma que estamos, é certeza cabal, que não será possível resgatar a segurança da sociedade e a dignidade dessas miríades de brasileiros que, por prisões cautelares, tornam-se párias em nome de uma justiça que detêm nos cárceres criminosos de pouca monta.


RÊFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BOTTINI, PIERPAOLO CRUZ, Medidas cautelares penais (Lei 12.403/11). Novas regras para a prisão preventiva e outras polêmicas, disponível em http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/541437/?noticia=MEDIDAS+CAUTELARES+PENAIS+LEI+1240311+NOVAS+REGRAS+PARA+A+PRISAO+PREVENTIVA+E+OUTRAS+POLEMICAS. Acesso em 10 de julho de 2011.

DE SOUZA, PERCEVAL. 12.403, uma lei que pode mudar tudo, Tribuna do Direito, São Paulo, p. 20-21, Julho de 2011.

PEREIRA, Marcelo Matias. Comentários à lei das prisões (Lei nº 12.403/2011). Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2890, 31 maio 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19229>. Acesso em: 13 jul. 2011.

POLÍCIA FEDERAL, Relatório Anual de Atividades 2008, disponível em http://www.dpf.gov.br/institucional/relatorio-anual-pf/. Acesso em 10 de julho de 2011.

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Sobre o autor
Lucas Ferreira Felipe

Bacharelando do curso de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Integrante do corpo jurídico de Rosan Coimbra Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELIPE, Lucas Ferreira. Um breve estudo sobre as alterações trazidas pelo advento da Lei nº 12.403/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2949, 29 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19644. Acesso em: 2 mai. 2024.

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