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As ilegalidades das regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no julgamento dos prefeitos municipais

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28/02/2011 às 17:56
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Partindo da análise histórica da competência para julgamento de Chefes do Executivo Municipal, analisa-se o tratamento dos Tribunais sobre o tema, enfocando, em especial, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

RESUMO: O presente estudo, partindo da análise histórica da competência para julgamento de Chefes do Executivo Municipal, visa analisar o tratamento dado pelos Tribunais pátrios acerca do tema, enfocando, em especial, as regras contidas no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, haja vista as flagrantes ilegalidades por parte das mesmas.

Palavras-chave: inconstitucionalidade, julgamento, ação penal originária, prefeito.

ABSTRACT:

This present essay, based on the historical analysis of the competence for trial of the Municipal Executive Chief, intends to scrutinize the treatment given by the patriotic courts about the theme, focusing, especially, in rules contained in the Internal Regiment of the Court of Justice of the State of Bahia, considering the flagrant violations of the constitutional text by themselves.

Keywords: unconstitutionality, judgement, original prosecution, mayor.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 COMPETÊNCIA; 2 COMPETÊNCIA NO PROCESSO PENAL; 2.1 EM RAZÃO DO LOCAL DO CRIME; 2.2 EM RAZÃO DO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU; 2.3 EM RAZÃO DA NATUREZA DA INFRAÇÃO; 2.4 EM RAZÃO DE DISTRIBUIÇÃO; 2.5 EM RAZÃO DA CONEXÃO OU CONTINÊNCIA; 2.6 EM RAZÃO DA PREVENÇÃO 2.7 EM RAZÃO DA FUNÇÃO; 3 A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA FUNÇÃO NOS TRIBUNAIS SUPERIORES; 3.1 AS REGRAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; 3.2 AS REGRAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; 4 AS REGRAS DE COMPETÊNCIA NOS TRIBUNAIS DE SEGUNDO GRAU; 4.1 HISTÓRICO DA ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR OS PREFEITOS MUNICIPAIS NO ESTADO DA BAHIA; 4.2 A ATUAL COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA; 5 AS ILEGALIDADES DAS REGRAS REGIMENTAIS; 5.1 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA; 5.2 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente estudo, partindo de premissas normativas e doutrinárias, em confronto com as regras de competência dos Tribunais pátrios, visa retratar as violações cometidas pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) ao dispor, em seu Regimento Interno, regras de competência para processar e julgar os Prefeitos Municipais.

Após freqüentes mudanças na legislação estadual, sendo estas acompanhadas pelo Tribunal de Justiça, quando da elaboração do seu Regimento Interno, decidiu-se, por fim, ditar regras de excepcionalidade nos julgamento dos Chefes dos Executivos Municipais, violando garantias e direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988, sendo a discussão de tais transgressões o cerne da problematização deste trabalho.

Basicamente, as regras consistem em tratamento diferenciado dado aos membros do Executivo Municipal, único cargo julgado por uma das Câmaras Criminais do TJ-BA, sendo, o julgamento dos demais – tais como Secretários de Estado, o Vice-Governador, etc. – de competência da composição máxima da Corte, o Tribunal Pleno.

Afinal, não resta dúvida, que a aplicação de tal sistema viola o princípio da igualdade, pois conferir competência ao Tribunal Pleno para julgar todas as funções que possuem foro por prerrogativa de função perante o TJ-BA, em detrimento exclusivo dos Prefeitos Municipais, que deverão ser julgados por uma das Câmaras Criminais, contraria princípios basilares da Constituição Federal (CF/88).

O trabalho a seguir apresentado visa ainda trazer à tona a antinomia existente entre o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (RITJBA) e a Lei Estadual nº. 10.845/2007 (Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia) nos critérios de atribuição de competência para processo e julgamento dos Prefeitos Municipais, levantando as eventuais hipóteses de resolução do conflito entre as normas.

Será também identificada a flagrante discrepância entre o papel social idealizado pelo legislador brasileiro ao dispor acerca das regras de competência no foro por prerrogativa de função e as diretrizes edificadas pelo TJ-BA nas definições de tais regras no âmbito de sua competência.

O presente trabalho não tem o intuito de esgotar as discussões acerca das ilegalidades existentes nas regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no tocante ao julgamento dos Prefeitos Municipais, mas, sim, oportunizar aos operadores do Direito, em especial advogados militantes na área, e também aos próprios alcaides, reflexões acerca da atual conjuntura jurídica de tais regras.


1 COMPETÊNCIA

Para Oliveira (2008, p.58), "a competência seria parcela em que estaria subdividida a jurisdição, sendo aquela derivada do próprio texto constitucional, reunida sob a proteção da cláusula constante no art. 5º, LIII, da Constituição Federal (CF)".

De maneira objetiva, mais acertada parece ser a definição adotada por Mirabete (2006, p. 156) ao afirmar que "a competência é, assim, a medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional".

Diante da unicidade do direito, cumpre ainda destacar as sábias palavras de Theodoro Júnior (2008, p. 186) ao afirmar que "a competência interna divide a função jurisdicional entre os vários órgãos da Justiça Nacional, levando em conta os seguintes pontos fundamentais de nossa estrutura judiciária."

O fato é que seria humanamente impossível que um só juiz, ou um só órgão do Poder Judiciário, fosse responsável pelo julgamento de todas as lides, razão pela qual, a distribuição de competência é inerente à atividade jurisdicional, seja pela materialização da razoável duração do processo, seja pela eficácia na prestação jurisdicional.

Diante das respectivas colocações, é possível concluir que a competência, seria, portanto, o limite instituído pela lei à jurisdição de determinado magistrado ou qualquer outro órgão do Poder Judiciário com o intuito de tanto proteger o processado, garantindo-lhe o direito de ser julgado por autoridade competente, previsto no art. 5º, LIII da Constituição Federal, quanto operacionalizar de maneira coerente o julgamento dos litígios em todo o território nacional.


2 COMPETÊNCIA NO PROCESSO PENAL

O legislador brasileiro, visando a proteção ao princípio do juiz natural, que confere ao cidadão o direito de ser processado por autoridade competente, optou pela adoção de rol exaustivo acerca dos critérios utilizados para a atribuição de competência no âmbito do processo criminal.

As regras de determinação de competência estão dispostas nos incisos do art. 69 ao art. 91 do Código de Processo Penal (CPP), passando, cada uma delas, a serem tratadas detalhadamente em tópicos posteriores.

2.1 EM RAZÃO DO LOCAL DO CRIME

Também denominada rationae loci [01], leia-se, em razão do lugar, esta regra de competência é o foro comum no Processo Penal, ou seja, aquele adotado como regra, em contrapartida com o processo civil, onde o foro comum é o do domicilio do réu, encontrando escopo no disposto pelo inciso I do art. 69 do CPP; todavia, em que pese a objetividade que lhe é inerente, merece algumas considerações.

Visando suprimir ainda mais o posicionamento jurisprudencial acerca do tema, o legislador, atento aos anseios da sociedade, prevê, no bojo dos parágrafos incisos do art. 70 do CPP, casos especiais, estabelecendo regras para a fixação da competência.

Nos casos de crime tentado, a competência será fixada pelo local onde se deu o último ato de execução, por força do art. 70 do CPP.

As hipóteses em que ocorrerem crimes iniciados em território nacional e consumados fora dele serão julgados na Comarca onde se praticou o último ato de execução (§1º do art. 70), ou, ainda, quando este último ato for praticado também fora do território nacional, será competente o juiz do local onde o crime tenha produzido ou deveria ter produzido seu resultado, consoante leciona o §2º do mesmo dispositivo.

Quando tratar-se de jurisdição incerta, ou a infração tenha sido consumada ou tentada em divisas de duas ou mais jurisdições, a competência será fixada por prevenção, haja vista, neste caso, a ocorrência do instituto jurídico da competência concorrente, sendo qualquer um dos foros competentes, de início. É o que se depreende do disposto pelo §3º do mencionado enunciado normativo.

Por fim, nas infrações de caráter continuado ou permanente, praticadas em dois ou mais territórios ou jurisdições, adotar-se-á a regra da prevenção, ou seja, será competente o Juízo que praticar o primeiro ato decisório (art. 71).

2.2 EM RAZÃO DO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU

Como já dito, diferentemente da legislação processual civil, a fixação de competência tendo como fator determinante o domicílio ou residência do réu não é a regra geral do processo penal, todavia, não foi absolutamente descartada pela legislação pátria.

Prevalecerá a aludida regra quando for desconhecido o local da infração pelas autoridades competentes. Nos casos em que o réu possuir mais de uma residência, mais uma vez, a prevenção será o critério utilizado para definir a competência a ser atribuída entre um destes Juízos.

Caso desconhecido o local da residência do réu, ou não conhecido o seu paradeiro, será competente o juízo que primeiro tomar conhecimento do fato. Insta salientar que, neste caso, o legislador não utilizou a expressão "prevenção", o que nos leva a concluir que o ato processual não precisa ser necessariamente praticado pela autoridade judiciária, bastando que a mesma tenha conhecimento da ocorrência do fato.

Em hipótese final, o caput do art. 73 do CPP, nos casos de ação penal privada, facultou ao querelante a propositura da mesma no local do domicílio do réu, ainda que conhecido o local da infração.

Na ausência de disposição legal do legislador penal, utilizam-se como conceito de domicílio as disposições previstas nos arts. 70 a 78 do Código Civil de 2002.

2.3 EM RAZÃO DA NATUREZA DA INFRAÇÃO

As regras de competência tendo como critério a natureza da infração praticada encontram-se dispostas no art. 74 do CPP.

Via de regra, as atribuições de competência pela natureza do delito praticado encontram-se elencadas na Lei de Organização Judiciária de cada Estado-membro, visto que, o legislador constitucional atribuiu a cada um deles a organização do Poder Judiciário no âmbito da Justiça Comum Estadual.

Com efeito, poderiam os Estados criar diversos órgãos judiciários com competência a ser designada pela Lei de Organização Judiciária vigente, como, por exemplo: Varas de Infância de Juventude, Varas de Tóxicos, Vara de Repressão de Crimes Contra a Mulher, etc.

Entretanto, o Código de Processo Penal, mais precisamente o §1º do art. 74, optou por tutelar expressamente a competência do Tribunal do Júri, não deixando a cargo do legislador estadual as disposições acerca da mencionada instituição, na esteira do disposto pelo inciso XXXVIII do art. 5º da CF/88.

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Já no §2º, o dispositivo impõe que, caso no curso do processo haja desclassificação da infração praticada que enseje competência de outro juiz, deverá o feito ser imediatamente remetido ao juiz competente.

O último dos parágrafos trata da hipótese da ocorrência da desclassificação, por parte do juiz da pronúncia, da infração, para outra de competência do juiz singular. Neste caso, ocorrerá o disposto pelo art. 410 do CPP [02], devendo o magistrado passar à fase de instrução processual. Todavia, ocorrendo a desclassificação em plenário do Tribunal do Júri, caberá ao próprio magistrado presidente a prolação da sentença.

2.4 EM RAZÃO DE DISTRIBUIÇÃO

A fixação da competência por distribuição não apresenta qualquer complexidade. Pelo termo distribuição, entende-se que a demanda judicial, seja ela ação ou simples petição dirigida ao órgão do Poder Judiciário, será protocolizada perante o setor responsável e, posteriormente, distribuída entre os juízes competentes.

Ao que parece, a adoção de tal critério somente se justifica nas comarcas onde exista mais de um juiz competente para processar e julgar o feito, pois, nas comarcas onde houver apenas um juiz ou Vara, o correto seria afirmar que a ação será simplesmente protocolizada, haja vista que não existirá qualquer sorteio posterior para atribuição de competência.

Nesse contexto, utilizando a nomenclatura adequada, o legislador processual penal dispõe que a distribuição também é critério para fixação da competência. É o que se depreende da leitura do art. 75 do CPP:

Art. 75.  A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente.

Parágrafo único.  A distribuição realizada para o efeito da concessão de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa prevenirá a da ação penal.

Pela interpretação da norma, constata-se que, por questões lógicas, a distribuição somente fixará competência nos casos onde houver mais de um magistrado competente, visto que, nas Comarcas que possuam vara com jurisdição plena, por exemplo, a distribuição resta absolutamente prejudicada, devendo o feito ser remetido, de logo, à autoridade judicial.

O parágrafo único, por sua vez, confere competência ao magistrado que atue em qualquer diligência – tais como pedido de liberdade provisória com ou sem fiança, prisão preventiva, medidas assecuratórias e etc. –, mesmo que em fase de inquérito policial, para processar e julgar o feito quando terminada a conclusão do inquérito, estando, portanto, já prevento o juízo.

Insta salientar que esta regra de competência deverá e, por vezes, é utilizada em harmonia com as demais regras de atribuição de competência. Por exemplo, caso ocorra crime na cidade de Salvador, haja vista que nesta Comarca existem diversas varas criminais, deverá ocorrer a distribuição da ação penal para fixar a competência e determinar a Juízo responsável para processar e julgar o processo criminal.

Portanto, no caso em exemplo, caminham em convergência os critérios da atribuição de competência por local da infração e por distribuição. Nos casos de competência em razão da função, esta determinará somente o órgão colegiado, sendo a distribuição o critério utilizado para escolha do Ministro ou Desembargador competente para figurar como relator do feito.

2.5 EM RAZÃO DA CONEXÃO OU CONTINÊNCIA

Embora parte da doutrina não considere os arts. 76 e 77 como critérios de fixação de competência, inegável é o fato de que as hipóteses descritas nos mesmos merecem abordagem no presente estudo.

Em verdade, a conexão e a continência visam a atrair para um determinado juízo crimes ou infratores da norma penal que poderiam, facultativamente, ser julgados por órgãos diversos do Poder Judiciário.

A utilização de tal critério pelo legislador ocorre em prol da celeridade processual, bem como com o intuito de evitar decisões conflitantes e facilitar a produção de prova em busca da reconstrução da verdade real.

Assim, segundo o art. 76 do CPP, a competência será determinada pela conexão: a) se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; b) se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; c) - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Por sua vez, o art. 77 prevê as hipóteses em que a competência será determinada pela continência, ou seja, quando "duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração" ou "no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal".

Entretanto, há que se ressaltar que a união dos processos nem sempre será possível, estabelecendo o próprio legislador hipóteses de impossibilidade da unicidade de processo e julgamento, estas elencadas nos incisos do art. 79 do CPP.

Em verdade, tais critérios, em regra, sucumbem perante o foro por prerrogativa de função, haja vista as disposições constitucionais acerca da matéria; todavia, algumas considerações relevantes devem ser tecidas acerca do tema.

No tocante aos referidos critérios de fixação de competência, em análise sistemática com o foro por prerrogativa de função, objeto do presente estudo, insta salientar a possibilidade de separação de processos para os que possuem foro por prerrogativa de função e os que não o possuem.

Muito embora haja divergência doutrinária acerca da impossibilidade de separação processual, adota-se a tese explicitada de que a atração do processo ao foro por prerrogativa de função de um dos acusados, mesmo que o outro não o possua, não gera ofensa às normas constitucionais, conforme orientação explicitada na Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal (STF) [03].

Em caso de concorrência entre órgãos de hierarquia distinta, prevalecerá a de maior hierarquia. A título de exemplo, na hipótese de Prefeito Municipal praticar crime em concurso com cidadão comum, ambos serão julgados pelo Tribunal de Justiça, órgão competente para julgar o Prefeito, que também prevalecerá para julgar o cidadão comum. Neste caso, a continência implica reunião de julgamento. Ademais, na hipótese em tela, caso os processos se iniciem separados, por força do art. 82 do CPP, deverá o Tribunal de Justiça avocar para si a competência para julgar o cidadão comum, salvo se o juízo singular já tiver proferido sentença definitiva.

Em que pese o órgão judiciário de maior hierarquia ser prevalente no julgamento de processos que envolvam um cidadão que possua foro por prerrogativa de função e um que não a detenha, tal entendimento não deverá prosperar nos casos em que ambos os processos possuam foro por prerrogativa de função, sob pena de ferir os preceitos esculpidos na Carta Maior. Acerca da hipótese, Távora e Antonni (2009, p. 217) entendem que

se ambos os infratores possuem foro privilegiado previsto na Constituição Federal, impõe-se a separação de processos, pois a aplicação das regras de foro prevalente, em razão da conexão ou continência, desaguaria na violação da própria Carta Magna.

Assim, na hipótese de um Governador praticar um crime em concurso com um Deputado Federal, caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o julgamento do Governador, sendo, por sua vez, competente o Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o Deputado Federal.

A separação deverá também ocorrer nos casos de competência do Tribunal do Júri, pois o art. 5º, inciso XXXVIII, da CF/88, consagra às demais pessoas tal instituição como juiz natural para processar e julgar crimes dolosos contra a vida. Tal entendimento também já é pacificado no âmbito da Súmula 721 do STF: "A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual."

2.6 EM RAZÃO DA PREVENÇÃO

Em que pese a competência por prevenção ser elencada pelo legislador no rol expresso do Código de Processo Penal, em verdade, esta somente possui caráter suplementar. O art. 83, do CPP, impõe que se torna prevento o juiz quando, concorrendo dois ou mais juízes competentes, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato decisório no processo ou medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia.

Acerca da referida espécie de fixação de competência, apenas deve-se registrar que esta somente ocorrerá nas Comarcas onde houver mais de um juiz competente para julgar o feito, podendo ainda ser aplicada em órgãos colegiados, ocorrendo, neste caso, a competência concorrente, passando a ser competente aquele que primeiro praticar qualquer manifestação, ainda que esta ocorra na fase de inquérito policial.

Ademais, por razões metodológicas, entendeu por bem o legislador explicitar as hipóteses em que a prevenção determinará a competência do órgão judiciário, assim fazendo nos arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c, aos quais nos remete o art. 83 que dispõe acerca da aplicação de tal instituto jurídico.

2.7 EM RAZÃO DA FUNÇÃO

No Código de Processo Penal, as disposições acerca do foro por prerrogativa de função estão elencadas nos arts. 84 a 87; todavia, algumas delas não foram recepcionadas pela CF/88. É o caso, por exemplo, do art. 87 que conferia aos Tribunais de Apelação o julgamento dos Governadores, e, entretanto, estes, a partir da vigência da atual Constituição Federal, são julgados pelo STJ, por força do dispositivo constante do art. 105, I, "a" da CF/88.

Neste critério de atribuição de competência, optou o legislador brasileiro por suprimir os demais critérios de fixação, fazendo com que a função pública exercida pelo cidadão processado seja caráter determinante para fixação da competência, afastando os demais critérios.

Isso significa dizer que, por exemplo, se um Juiz de Direito no Estado da Bahia comete crime no Estado de Sergipe, o mesmo não será julgado pelo tribunal sergipano, e sim pelo Tribunal de Justiça ao qual está subordinado, ou seja, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Desta forma, resta descartada a competência em razão do lugar.

Há ainda a hipótese de usurpação da competência em razão da matéria. Em tese, os crimes eleitorais deveriam ser julgados pela Justiça Eleitoral, haja vista o grau de especialidade ostentado pela mesma. Todavia, ao dispor acerca do foro por prerrogativa de função do Presidente da República, o legislador constitucional atribuiu competência ao Supremo Tribunal Federal para processar o Chefe do Executivo em qualquer crime, até mesmo nos militares e eleitorais.

Outra não é a intenção do legislador senão atentar-se ao gravame político-social que implicarão e repercutirão as aludidas decisões judiciais que tenham eficácia perante os ocupantes das funções tuteladas.

Este é também o entendimento doutrinário, bem explicitado nas palavras de Feitoza (2009, p. 318) ao afirmar que

A competência especial pela prerrogativa de função significa que as pessoas que estejam no exercício de determinados cargos públicos serão processadas e julgadas diretamente nos tribunais especificados (2º grau). [...] É competência rationae personae [04], determinada pela função da pessoa e dignidade do cargo respectivo. Não se trata, assim, de privilegio pessoal, pois a Constituição Federal proíbe foro privilegiado, juízes ou tribunais de exceção.

Assim sendo, severas são as críticas doutrinárias quanto ao uso da expressão "foro privilegiado", uma vez que a real intenção do legislador não é criá-lo, até porque há expressa vedação por parte do texto constitucional, mas tutelar o interesse público, aqui presente pelo processamento de cidadãos ocupantes de relevantes cargos públicos.

Assim, para o referido autor (FEITOZA, 2009, p. 318), portanto, inadequada seria a utilização da expressão "foro privilegiado", ao doutrinar que

Podemos denominar a competência especial pela prerrogativa de função de maneira mais sintética como competência hierárquico-funcional. O tribunal que tem a competência por prerrogativa de função é denominado juízo especial, no sentido de ser o órgão jurisdicional especifico para exercer tal competência. Contudo, utiliza-se muito mais a expressão correlata foro especial por prerrogativa de função, bem como, em menos medida foro privilegiado, que é mais inadequada ainda.

Todavia, nem sempre foi este o posicionamento adotado pelo STF, haja vista o enunciado constante na já cancelada Súmula 394 [05] desta Corte, que mantinha o foro por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou ação penal tivesse se iniciado após o fim do exercício da função, desde que o crime tivesse sido cometido durante o exercício do cargo.

No ano de 1999, ao proceder ao julgamento do ex-Deputado Federal Jarbas Pinto Rabelo, a Corte Suprema decidiu por não admitir o foro especial aos ex-ocupantes de cargos e ou funções públicas, determinando, a partir de então, o cancelamento da Súmula 394.

A partir de então, o foro em razão da função busca beneficiar o cargo ocupado, e não a pessoa que o ocupa, pois, se assim o fosse, estaria o legislador indo de encontro ao próprio princípio da impessoalidade (art. 37, caput, da CF/88), também norteador da Administração Pública. Neste sentido, assim já decidiu o STF:

EMENTA: COMPETÊNCIA – AÇÃO PENAL – EX-PREFEITO – PRERROGATIVA DE FORO.

A prerrogativa de foro, prevista em norma a encerrar direito estrito, visa a beneficiar não a pessoa, mas o cargo ocupado. Cessado o exercício, tem-se o envolvimento, no caso, de cidadão que se submete às normas gerais. (HC nº 88537/GO- GOIÁS. Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 25/09/2007. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJE 15/02/2008)

Desta forma, o privilégio não é dispensado à pessoa do infrator da norma penal, mas em razão do exercício da função pública relevante. Tal premissa encontra-se pacificada na jurisprudência pátria, sendo, inclusive, matéria tratada pela Súmula 451 [06] do STF, atualmente em vigor.

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Sobre o autor
David Roldan Vilasboas Lama

Bacharel em Direito pela Fauldade Ruy Barbosa/BA. Advogado. Especializando em Direito público pela UNIBAHIA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAMA, David Roldan Vilasboas. As ilegalidades das regras de competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no julgamento dos prefeitos municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2798, 28 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18595. Acesso em: 26 abr. 2024.

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