A responsabilização civil por abandono afetivo

16/06/2021 às 16:31
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O presente trabalho tem como finalidade a análise da possiblidade de responsabilização civil decorrente do abandono afetivo. Com base nas doutrinas analisaremos a evolução do conceito e do direito de família e aos mais importantes princípios aplicados.

 RESUMO          

O presente trabalho tem como finalidade a análise da possiblidade de responsabilização civil decorrente do abandono afetivo. Com base nas doutrinas analisaremos a evolução do conceito e do direito de família e aos mais importantes princípios aplicados ás relações familiares. Tomamos como base os preceitos constitucionais. O foco primordial deste trabalho é abandono afetivo e a responsabilização civil. Inicialmente, apresenta-se a visão constitucional da família e dos princípios afetos ao tema, destacando-se o princípio da dignidade da pessoa humana, da proteção integral a crianças e adolescentes. Tendo uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, ressaltando mudança substancial do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que atualmente o judiciário vem recebendo ações onde se discutem a responsabilidade dos pais que abandonam afetivamente seus filhos. Por fim, apresentam-se as posições favoráveis e contrárias na doutrina e jurisprudência sobre o tema, demonstrando-se que o assunto é polêmico, e deve ser analisado caso a caso, com cautela, de forma a evitar demandas meramente gananciosas, e ao mesmo tempo não deixar sem resposta as verdadeiras vítimas do descaso paterno/materno.

Palavras-chave: Dignidade humana. Direito de Família. Responsabilidade Civil. Abandono afetivo.

ABSTRACT                     

The present study, has the purpose of the evaluating the possibility of civil responsibility resulting from affective abandonment. Based on doctrines, we will analyze the evolution of the concept and the family’s rights and the most important principles applied to family relations. We base off of constitutional precepts. The main focus of this study is affective abandonment and the civil responsibility. Firstly, it shows the constitutional view of the family and the it’s affection principles, with the the human person’s dignity principles standing out for children and teen’s complete protection. Having a doctrine analysis and a case law about the subject, resulting in a substantial change of the Superior Court Tribunal, which judiciary has been currently receiving shares where the responsibility of the parents who abandon their children’s are discussed. Finally, the favorable and counter positions are presented on the doctrine and case law about the subject, demonstrating that the subject is controversial and it should be analyzed case by case, with caution, avoiding lawsuits merely greedy, and at the same time not leaving the true victims of the paternal/maternal neglect without an answer.

Key-words: Human dignity, Family Right. Civil Respondability. Affective abandonment.

                                                               SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......

1 CONCEITO DE FAMÍLIA......

1.1 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.....
1.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA.....
1.3 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE..
1.4 DEVERES DOS GENITORES NA FORMAÇÃO DOS FILHOS .

2 RESPONSABILIDADE CIVIL.......

2.1 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL....
2.1.1 DA CONDUTA COMISSIVA E OMISSIVA....
2.1.2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA...
2.1.3 NEXO CAUSAL....
2.1.4 DANO MORAL.....

3 RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONO AFETIVO..

3.1 ABANDONO AFETIVO...
3.2 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS AO DEVER DE INDENIZAR.....
3.3 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS AO DEVER DE INDENIZAR.....

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS......

5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA....

INTRODUÇÃO

O princípio da proteção integral da criança e do adolescente está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, da convivência familiar e do afeto, e são nortes que devem pautar a conduta dos genitores na condução da educação e criação de suas proles.

Diante disso Constituição Federal assegura a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a evolução da doutrina da proteção integral, que transformou a criança em sujeito de direitos, destinatária de tratamento especial, o conceito de poder familiar ganhou novo significado, deixou de ter sentido de dominação para se tornar sinônimo de proteção, com mais características de deveres e obrigações dos genitores para com suas proles menores do que de direitos em relação a eles.

O objetivo deste trabalho é estudar justamente a responsabilidade civil por abandono afetivo desde que comprovado o dano aos direitos de personalidade do filho. Pretende-se, com esta pesquisa, contribuir para a discussão sobre quais são efetivamente os deveres dos pais perante a prole e se estas obrigações se esgotam no dever de sustento, de prestar alimentos.

O tema é bastante discutido, há a corrente de juristas que defende a possibilidade de responsabilizar os pais por abandonarem afetivamente seus filhos e, como consequência seja aplicada uma indenização para reparar os danos. Esta corrente aduz que o abandono moral, psicológico e humano poderia ser considerado um ilícito civil previsto no artigo 186 do Código Civil de 2002 ou um caso de perda do pátrio poder previsto no art. 1638 do referido código. Entendem ser possível a existência de danos morais nas relações familiares, pois entendem que o art. 5º, V e X da CF e artigos 186 e 927 do CC/2002 tratam do tema de maneira ampla e irrestrita, podendo regular inclusive as relações no âmbito familiar.

De outro modo, há a corrente de juristas que é contrária a possibilidade de responsabilizar um pai ou uma mãe por abandono afetivo, por afirmarem que o amor não se compra.

O presente trabalho será composto por três capítulos, o primeiro trata o conceito de família e sobre os princípios específicos aplicáveis ao direito de família, quais sejam, princípio da afetividade, princípio do respeito à dignidade humana, princípio da plena proteção das crianças e adolescentes, e por fim, deveres dos genitores na formação dos filhos.

O segundo capítulo consiste em uma análise do instituto da responsabilidade civil, trazendo o conceito de responsabilidade civil, as espécies da responsabilidade civil.

Por fim, o último capítulo tratará sobre a aplicação da responsabilidade civil no direito de família, abordando-se sobre o conceito de abandono afetivo e os entendimentos favoráveis e desfavoráveis no que concerne a possibilidade de indenização por abandono afetivo.

CAPÍTULO 1: CONCEITO DE FAMÍLIA

A família e sem dúvida uma instituição e um agrupamento humano mais antigo, haja visto que todo ser humano, todo indivíduo nasce em razão da família e, via de regra, no âmbito desta associação com seus demais membros.

A sociedade caminha apressadamente à evolução em todos os âmbitos dela fazem parte. E a família como instituição pertencente à sociedade não faz diferente. Atendendo às necessidades sociais, o conceito de família vem passando por constantes modificações que oscilam de acordo com o tempo e o espaço. Na realidade, o conceito de família foi um dos que mais sofreu alterações ao longo dos anos. A maior prova disso é Código Civil de 1916, a Lei Nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que foi revogada pela Lei N° 10.406/02, o atual Código Civil Brasileiro, considerava apenas dois critérios para conceituação de família, sendo o primeiro o casamento e a consanguinidade.

Depreende-se que para o Direito, família é uma organização social que pode ser formada por laços sanguíneos, jurídicos ou afetivos. De forma que os laços afetivos têm que ser priorizados, uma vez que é aceitável o fato de que o afeto surge como elemento essencial para a construção de qualquer tipo de família, seja família monoparental, de união estável, do casamento ou de uma relação homossexual.

Logo, cabe ao Direito de Família abarcar todos os tipos de família que estejam pautados nos princípios básicos para que todos possam viver em harmonia, principalmente, para que as crianças tenham seus direitos resguardados.

Com o passar do tempo, o modelo de família mudou, e foi influenciado pela ideia de democracia, do ideal de igualdade e da dignidade da pessoa humana. A família passou a ser mais democrática, tendo o modelo patriarcal abandonado, sendo empregado um modelo igualitário, aonde todos os membros devem ter suas necessidades atendidas.

A família passou a ser vista como um instrumento de desenvolvimento pessoal para cada indivíduo, e não mais como uma instituição. Não sendo completamente difundida na sociedade atual, porém encontra-se em crescente consolidação. A mudança se deu principalmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que hoje há uma proteção maior a pessoa e aos seus direitos individuais.

Então, temos uma ideia de que a família já avançou consideravelmente, logico que há ainda resquícios de um conceito antigo de família na sociedade atual, pois não se trata de um conceito universal, sendo a família composta por indivíduos, cada qual com uma maneira única de pensar. Porém em um contexto global, percebemos que o ideal de família evoluiu juntamente com a sociedade, evolução esta que ainda não se findou, pois, a ideia de família e variável e está em constante alteração.

Diante de tantas modificações ocorridas em razão do tempo e do espaço, fica difícil chegar a um conceito concreto do que seria família. Quanto a isso Rodrigo da Cunha Pereira (2012, p. 2) se posiciona, afirmando o seguinte:

O conceito de família atravessa o tempo e o espaço, sempre tentando clarear e demarcar o seu limite, especialmente para fins de direito.

Em uma determinada época, concebe-se a família como um organismo mais amplo, em outra, com tendência mais reduzida, como o é atualmente. A ideia de família, para o Direito brasileiro, sempre foi a de que ela é constituída de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado.

Com a Constituição de 1988 esse conceito ampliou-se, uma vez que o Estado passou a reconhecer “como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, bem como a união estável entre homem e mulher (art. 226). Isso significa uma evolução no conceito de família. Até então, a expressão da lei jurídica só́ reconhecia como família aquela entidade constituída pelo casamento. Em outras palavras, o conceito de família se abriu, indo em direção a um conceito mais real, impulsionado pela própria realidade.

O direito de família é personalíssimo e na maior parte das vezes composto de direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis. São também em sua grande maioria imprescritíveis.

O direito é responsável pela tutela da sociedade. Esta sofre modificações de acordo com o tempo, fazendo com que o direito que a regula também se modifique. Isso porque o direito vem para atender aos desejos da sociedade em um dado momento histórico.

Gagliano; Filho (2017, p. 43) ao abordarem sobre o atual conceito de família, afirmam que
Até mesmo por honestidade intelectual, a uma primeira e importante conclusão:

não é possível apresentar um conceito único e absoluto de Família, apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações sócio afetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias. Qualquer tentativa nesse sentido restaria infrutífera e desgarrada da nossa realidade.

Restando saber como a atual Constituição Federal reconhece a família. Ressalvando que o país já possuiu diversas constituições ao longo de sua história, isso também se deu em razão da evolução da sociedade e das novas necessidades que está apresenta ao longo do tempo. Sendo assim, a forma como a Lei Maior do país trata a família também se alterou, chegando hoje ao que está expresso no art. 226 da CF/88:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuito a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Pelo expresso no dispositivo legal supracitado, nota-se uma nítida evolução sobre os papeis do homem e da mulher dentro da instituição familiar. Aqui, o §5° determina que dentro do casamento dos direitos e deveres são os mesmos tanto para homem e mulher. Quanto às modalidades de família, o mesmo dispositivo reconhece a família oriunda do casamento, a união estável (antigo concubinato) e a família formada por qualquer um dos genitores. Por se tratar de um texto legal, é compreensível que ele seja bem conciso ao tratar das entidades familiares.

Mas, no contexto atual, o art. 226 da Constituição Federal de 1988 deve ser interpretado de forma mais ampla. Nesses moldes Pereira (2012, p. 7) diz que:

Apesar de certa timidez no texto quando se diz entidade familiar em vez de família, podemos marcar aí uma evolução. É compreensível que a elaboração de um texto legislativo seja eivada de forças políticas diversas. Mas talvez seja mesmo na diversidade que esteja a democracia. Apesar de alguns resisti- rem ainda em não entender o atual Texto constitucional, ele é a tradução da família atual, que não é mais singular, mas cada vez mais plural. E nele estão contidas todas as novas estruturas parentais e conjugais.

Logo, cabe ao Direito de Família abarcar todos os tipos de família que estejam pautados nos princípios básicos para que todos possam viver em harmonia, principalmente, para que as crianças tenham seus direitos resguardados.

1.1 Princípio da Afetividade


O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não sendo expressamente no Texto Maior a palavra, como um direito fundamental, podendo dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade da pessoa humana.

O princípio da afetividade é o que baseia todo o direito de família moderno, ou seja, prioriza que toda relação familiar seja constituída observando o afeto.

De fato, o amor, ou seja, a afetividade tem diversas faces, mas é fundamental para toda e qualquer relação social, e nada mais evidente que no Direito de Família o afeto é primordial para se construir relações saudáveis e seres humanos de caráter, capazes de se relacionar socialmente fora do âmbito familiar. Segundo Pablo Stolze (2011, p. 90)

“[…] o próprio conceito de família, elemento-chave de nossa investigação cientifica, deriva – e encontra a sua raiz ântica – da própria afetividade. Vale dizer, a comunidade de existência formada pelos membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula, sem aniquilar as suas individualidades. ”
 

Depreende-se que o vínculo afetivo é o propulsor das relações familiares, sem ele não se alcança o real significado da palavra família, sendo o porto seguro, o ambiente de amparo de todo ser humano.

Dessa forma, quando uma criança nasce e cresce em um ambiente desprovido de afeto, de atenção é provável que desenvolva traumas, sendo muitas vezes danos irreversíveis. Sabe-se que no Brasil várias famílias são formadas principalmente por laços afetivos, o que se dá em razão de muitos pais abandonarem afetivamente os filhos, deixando que estes sejam criados por terceiros, nascendo assim um laço muito mais forte do que a o laço sanguíneo, que é o afeto, o amor que nasce através da convivência.

É inerente da dignidade humana a garantia do convívio entre os familiares, para possibilitar a existência de uma relação afetiva e esta relação está abarcada no texto constitucional, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Assim, podemos observar que aqueles que compõem o núcleo familiar possuem um dever, principalmente, de cuidado, que deveria ser revestido de afeto, isto porque, o cuidado com afeto acarreta uma relação mais humana entre os familiares.

Verifica-se que em muitos casos os pais abandonam os filhos não apenas financeiramente, mas também afetivamente, agindo como se não tivessem responsabilidade nenhuma pelos seus descendentes. Sendo necessário colocar a criança em outro seio familiar para que possa garantir um ambiente familiar saudável, elevando a sua dignidade humana.

O afeto é, portanto, sentimento intrínseco ao homem e deve ser respeitado com um princípio fundamental, isto porque, é por meio do afeto que serão constituídas famílias mais saudáveis.

1.2 Princípio da Dignidade Humana

Prevê o art. 1º, insc. III, da Constituição Federal de 1988 que o nosso Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Trata-se daquilo que se denominasse princípio máximo, ou um super princípio, ou macroprincípio, ou princípio dos princípios. Diante desse regramento infestável de proteção da pessoa humana é que está em voga, atualmente entre nós, falar em personalização e despatrimonialização do Direito Privado.

O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos. DIAS, Maria Berenice 2012, p. 62.

Essa denominação se dá devido a sua grande aplicabilidade em diversos ramos do direito, porém, no direito civil sua aplicabilidade é específica no sentindo de que mostra ser inerente ao ser humano a sua qualidade de um ser pensante e, como tal possui vontades e anseios individuais, os quais devem ser respeitados, principalmente, no que diz respeito às relações familiares. Reconhecendo a sujeição de outros preceitos constitucionais à dignidade humana.

É por meio desse princípio, que não se aceitam mais as determinações que antigamente eram feitas, apenas, por um dos membros que compunham a família.

O modelo patriarcal, no qual o homem era tido como superior em detrimento de seus filhos e esposa, hoje não é mais aceito, isto porque, pelo princípio do respeito à dignidade humana, todos aqueles que compõem a família merecem respeito, justamente, porque cada um possui qualidades e defeitos individuais.

Dessa forma, por estar elencado na CF/88 é totalmente inadmissível atitudes que contrariem tal princípio constitucional, pelo fato de que, mais uma vez se ressalta, que a dignidade humana é direito de todo ser humano e, cada um tem o direito de realizar seus projetos de vida, anseios da forma que lhe convier.

1.3 Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente


O Princípio da plena proteção das crianças e dos adolescentes prevê a necessidade de uma proteção especial a eles, isto porque, possuem uma condição de fragilidade e vulnerabilidade.

Dessa forma, é dever do Estado dar um tratamento especial a esses indivíduos, conforme se observa com a criação da Lei nº 8.069/1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, dando o devido reconhecimento aos menores de idade como sujeitos de direito.

Prevê o art.227, caput, da Constituição Federal de 1988 que “ e dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Nesse contexto, o Estatuto é baseado pelos princípios da proteção integral, bem como do melhor interesse da criança. Dessa forma, os membros da família devem sempre estarem atentos ao melhor interesse da criança e adolescente, lhes proporcionando qualidade de vida.

Em reforço, o art. 3º do próprio ECA prevê que a criança e ao adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana sem prejuízo da proteção integral, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e as facilidades, a fim de facultar-lhes o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

O Estatuto assegura, ainda, no art. 5º, que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer tipo de negligência, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Outro direito resguardado foi o da convivência familiar, conforme redação do art. 19, in verbis:

Art. 19: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta,assegurada a convivência familiar e comunitária em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

A criança hoje é vista como sujeito de direitos, pessoa em desenvolvimento, titular de direitos fundamentais previstos na Carta Magna, sendo, por isto, merecedora de especial proteção. Seus interesses devem ser priorizados, pelo Estado na promoção de políticas públicas voltadas a este público, pelos aplicadores do Direito na decisão que melhor satisfaça estes interesses, pela família e sociedade, no respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento (MADALENO, 2009).

Sobre este princípio, discorre Dias (2009, p. 546-547):

A maior atenção a pessoa até os 18 anos de idade ensejou uma sensível mudança de paradigma, tornando-se o grande marco para o reconhecimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Visando a dar efetividade ao comando constitucional, o ECA é todo voltado ao melhor interesse de crianças e jovens, reconhecendo-os como sujeitos de direito e atentando mais às suas necessidades pessoais, sociais e familiares, de forma a assegurar seu pleno desenvolvimento.

Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio do melhor interesse da criança ou “best interest of the child”, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia, que se trata da proteção dos interesses das crianças. O Código Civil de 2002, em dois dispositivos, reconhece esse princípio de forma implícita.

O art. 1.583 do Código Civil em vigor, pelo qual, no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por consentimento mútuo ou pelo divórcio direito consensual, será observado o que os cônjuges acordarem sobre a guarda de filhos. Segundo o Enunciado n. 101 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, a expressão guarda de filhos constante do dispositivo deve abarcar tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, sempre atendido o melhor interesse da criança/ ou do adolescente. Se não houver acordo entre os cônjuges, a guarda deverá ser atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la (art. 1.584 do CC). Certamente, a expressão melhores condições constitui uma cláusula geral, uma janela aberta deixada pelo legislador para ser preenchida pelo aplicador do Direito caso a caso.

Neste caso de dissolução da sociedade conjugal, a culpa não mais influência quanto á guarda de filhos, devendo ser aplicado o princípio que busca a proteção integral ou melhor interesse do menor.

1.4 Deveres dos genitores na formação dos filhos

Conforme analisado, a família sob a ótica constitucional tem conotação afetiva e solidária, tendo a promover o desenvolvimento da personalidade e o respeito aos direitos fundamentais de seus membros. Deve configurar um espaço de concretização da afetividade, no qual seus integrantes sintam-se acolhidos e amados. No tocante às relações paternas/ materno-filiais, o afeto encontra guarida na previsão constitucional do direito a dignidade do menor, da convivência familiar, e da proteção integral de crianças e adolescentes. Não se trata, portanto, de mera recomendação ética, e sim, diretriz que deve pautar as relações entre pais e crianças e adolescentes, que são merecedoras desta atenção especial justamente pela condição de seres humanos em formação de sua personalidade.

O afeto depende de condições para sua efetivação e realização, e é a convivência que permite que estes vínculos possam se desenvolver e que possam sair do plano da subjetividade individual para construir a intersubjetividade. Daí a importância tão grande que deve ser atribuída a convivência, que atende um direito da personalidade do menor, e encontra-se positivada tanto na Constituição Federal, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas questões relativas à guarda dos filhos menores (GROENINGA, 2010).

Conviver não representa apenas o estar perto ou o fisicamente presente, mas possui também um sentido substancial ou qualificado, na direção de propiciar atenção, carinho, amor, enfim, afeto (ROSSOT, 2009).

Eis a lição de Dias (2009, p.415):

O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar seus filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio das pessoas em formação. Não se podendo mais ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável.

Em que pese o dever de prover afeto não constar expressamente do rol previsto no art. 1.634 do Código Civil, que enumera os deveres dos pais em relação aos filhos menores, dentre eles o de dirigir-lhes a criação e educação e tê-los em sua companhia e guarda, outro não deve ser o entendimento em razão da própria missão constitucional dos genitores. Eis a redação do artigo 1.634 do Código Civil de 2002:

Art. 1.634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I- Dirigir-lhes a criação e a educação;

II- Tê-los em sua companhia e guarda;

III- Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV- Nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobrevier, ou sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V- Representar-lhes, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após esta idade, nos atos em que forem parte, suprindo-lhes consentimento;

VI- Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII- Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (grifos nossos).

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O reconhecimento e a importância do afeto no ordenamento jurídico também se encontram exemplificado no art. 28, parágrafo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que ao dispor do pedido de colocação em família substituta, assim determina, in verbis:

“Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida”.

Percebe-se que não basta prover materialmente os filhos, alimentá-los, é necessário proporcioná-los outros componentes tão ou mais importantes para a formação saudável de um ser humano, como o cuidado, o afeto, a atenção (NADER, 2010).

Na condução do papel de genitores, estes devem agir em benefício dos filhos, de forma ética, responsável, de modo a assegurar o respeito aos direitos fundamentais de dignidade, convivência familiar e proteção integral, com vistas a não prejudicarem a formação e o desenvolvimento dos filhos.

De fato, ser genitor exige disposição para educar, disciplinar, conviver, respeitar, conforme ensina Pereira (2011, p. 117): “A paternidade é função na qual se insere a construção do amor materno/paterno-filial, cuja base é o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, cultural e social da pessoa que está em momento de formação. ”

Mesmo chegando o término do vínculo dos genitores não é capaz de alterar as relações entre pais e filhos, permanecendo igual a responsabilidade parental, conforme determina o art. 1.632 do Código Civil, in verbis:

“A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. ”
Este dispositivo reforça a preocupação do ordenamento jurídico constitucional e ordinário em resguardar as relações entre pais e filhos, de modo a preservar e estimular a convivência entre ambos.

Desta forma, com o objetivo de preservar o direito a convivência familiar, resguardando, assim o pleno desenvolvimento físico, mental e psicológico dos filhos, a legislação pátria dispõe de alguns mecanismos que podem ser utilizados em casos de pais que não residam sob o mesmo teto. São elas a regulamentação do direito de visita e o estabelecimento da guarda no melhor interesse da criança/adolescente.

CAPÍTULO 2: RESPONSABILIDADE CIVIL

Responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para restaurar um dano causado pela violação do dever jurídico originário, em outras palavras, é a obrigação pecuniária de reparar um dano causado a outrem, seja ele por ação ou omissão, através da indenização.

A responsabilidade civil está abarcada no Código Civil na Parte Especial, no Livro I, no Título IX, entre os art. 927 ao 954. Mas, tal instituto pode ser encontrado em outros dispositivos da mesma legislação, visto que é inerente ao direito as obrigações e os direitos dos indivíduos, que impõem a eles reparação ou ressarcimento caso tais não sejam cumpridos. Sobre isso, Rizzardo (2015, s.p) diz que:

A bem da verdade, necessário observar que, ao longo do Código Civil, em quaisquer institutos jurídicos encontram-se dispositivos que repercutem na responsabilidade civil. Desde o momento em que se estabelecem regras sobre a totalidade dos campos da conduta, das relações, dos bens e das atividades humanas, está aplicando-se o instituto em questão. Em todos os campos do direito estão inseridos direitos e obrigações, daí decorrendo a imposição para o devido cumprimento e as consequências reparatórias ou ressarcitórias se não honradas as manifestações de vontade.

O conceito de responsabilidade civil está sempre em evolução. Pois, à medida que as pessoas se tornam conhecedoras de seus direitos, tornam-se também atentas às possibilidades de reparação de qualquer dano proveniente da não observância desses direitos. Por essa constante mudança, surgem novos tipos de danos que são amparados pela responsabilidade civil, exigindo assim uma flexibilidade das normas que regem este instituto, dando destaque às jurisprudências.

Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.47) conceituam responsabilidade como:

Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.

No mesmo sentido, o doutrinador Carlos Alberto Bittar (1994, p. 561) diz:

O lesionamento a elementos integrantes da esfera jurídica alheia acarreta ao agente a necessidade de reparação dos danos provocados. É a responsabilidade civil, ou obrigação de indenizar, que compele o causador a arcar com as consequências advindas da ação violadora, ressarcindo os prejuízos de ordem moral ou patrimonial, decorrente de fato ilícito próprio, ou de outrem a ele relacionado.

Há três elementos incidentes da responsabilidade civil trazidos pelo Código Civil, em seus artigos 186 e 937, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O dano pode ser o que é ocasionado pela própria pessoa ou por um terceiro dependente desta relação, como descreve Maria Helena Diniz (2015, p.33) “A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio ou por fato de pessoa ou coisas que dela dependam”.

Diante dos conceitos trazidos pelos doutrinadores supracitados, infere-se que responsabilidade civil obriga um sujeito que causa dano a outrem a ressarcir ou reparar o prejuízo decorrente de ação ou omissão por ele praticado.
Por fim, a responsabilidade civil é a garantia e segurança que o lesado terá de que o seu direito violado será reparado, e que o culpado sofrerá uma punição, seja uma sanção civil, para que não volte a infringir direito de outrem novamente.

2.1Pressupostos da responsabilidade civil

Para a ocorrência da responsabilidade civil deve-se a pessoa praticar um ato ilícito, e a partir dele ocorrer um dano que tenha conectividade entre eles. Assim, toda pessoa que causar ato ilícito a outrem fica obrigado a repará-lo.

O artigo 186, caput, do Código Civil dispõe:

Artigo 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Em conformidade com o artigo acima citado, presentes esses quatro requisitos: ação ou omissão, ato ilícito, dano e nexo causal, quando verificada, estará configurada a responsabilidade civil, imputando ao autor do dano, o dever de reparação.

2.1.1. Da conduta comissa e omissiva

A ação trata-se de uma conduta comissiva, ou seja, um fazer, um agir, uma conduta positiva, já a omissão se caracteriza por uma prática omissiva, sendo assim, um deixar de fazer, uma conduta negativa. Do mesmo modo, a conduta é uma ação ou uma omissão humana, possuem natureza ilícita e que podem atingir algum bem jurídico tutelado causando certos danos ou prejuízos.

Maria Helena Diniz define sobre o tema (2005, p.22):

A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser lícita ou ilícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na ideia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, que se vem impondo na atualidade, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos. O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se.

No mesmo sentido, é certo que a responsabilidade civil pode surgir por meio de uma conduta de terceiros e, para que essa responsabilidade recaia será necessário que aja um vínculo jurídico entre o causador do dano e entre o indivíduo que arcará com a responsabilização civil.

Sendo assim, importante observar que:

A responsabilidade do agente pode defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob responsabilidade do agente, e ainda de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste. A responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém por sua ação, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo. (RODRIGUES, 2002, p.16).

Agente pode agir com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou com culpa, se assume o risco de provocar o dano, mesmo consciente das consequências do seu ato, agindo com imperícia, negligencia ou imprudência.

Na culpa entende-se que há um erro de conduta do agente que acaba por causar lesão a direito alheio. Esta pressupõe um dever jurídico violado e a imputabilidade do agente, que é a capacidade de discernimento (MADALENO, 2010). Deve-se verificar se o agente podia ter agido de outra forma nas circunstâncias do caso concreto. No entanto, atualmente entende-se que não existe um padrão único de conduta correta e diligente, o que existe são vários modelos de conduta e isto deverá ser levado em consideração pelo julgador no momento da apuração da culpa.

2.1.2. Responsabilidade objetiva e subjetiva

A responsabilidade civil surge quando ocorre o descumprimento de uma obrigação, ocasionando assim uma consequência jurídica ou patrimonial, que decorre de lei ou de um contrato.

Deste modo, são duas as espécies de responsabilidade civil, ou seja, a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva.

A responsabilidade civil subjetiva se dá quando estiverem presentes quatro elementos, ou seja, o fato, dano, nexo causal e culpa. Aqui, o elemento da culpa é indispensável para que a pessoa tenha o dever de reparar o dano.

Na responsabilidade civil subjetiva, é obrigatório provar para o juiz a existência de um fato que gerou um dano e, que entre o fato e o dano há a existência de um nexo de causalidade, ou seja, uma conexão entre a conduta e o resultado, além da prova de que o agente agiu com culpa em sentido amplo, seja dolo, negligência, imprudência ou imperícia.

Nesse sentido, define Carlos Roberto Gonçalves (2006, p.52):

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano semente se configura se agiu com dolo ou culpa.

A responsabilidade civil objetiva se dá com a necessidade de que a vítima comprove três elementos como: o fato, o dano e o nexo causal, para que só assim tenha direito a indenização. No entanto, não será imprescindível o elemento da culpa, já que esta responsabilidade independe da culpa.

Para o autor Carlos Roberto Gonçalves (2014, p.56): “Na responsabilidade objetiva prescinde-se totalmente da prova da culpa. Ela e reconhecida, como mencionado, independente de culpa. Basta, assim que haja relação de causalidade entre a ação e o dano”. Já para o autor Silvio Rodrigues (2002, p.10) define:

Na responsabilidade objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois desde que existia relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima, e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.

Na definição do autor em relação a responsabilidade objetiva, não há relevante importância na atitude do agente, pouco importando se sua conduta foi dolosa ou culposa, pois assim não excluirá a responsabilidade do agente de reparar o dano causado.

Sendo assim, podemos concluir que ambas as responsabilidades, ou seja, subjetiva e objetiva, tem o dever de recair sobre o agente causador do dano o direito de indenização, porém, é importante distinguir qual delas recaíra sobre a pessoa. E assim, é insignificante a presença da culpa para o pagamento do título de uma indenização.

2.1.3. Nexo causal

Para que ocorra o ilícito e a consequente responsabilidade civil, faz-se necessária a presença do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Ou seja, antes de apurar se o agente é culpado pelo fato, tem-se que investigar se ele deu causa ao resultado. Assim com a prática da conduta pelo o agente, que deve ter uma conexão com o resultado, ou seja, com o dano que recai sobre a vítima. Sem essa conexão ou qualquer relação entre a conduta e o dano, não há o que se falar em nexo causal. No entanto, responderá pelo dano o agente infrator, devendo ressarcir os prejuízos causados, sejam eles materiais ou até morais. Na visão de Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.613):

Um dos pressupostos da responsabilidade civil é a existência de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. Sem essa relação de causalidade não se admire a obrigação de indenizar. [...] O dano só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e seu autor.

E dentre as teorias que tentam oferecer soluções aos problemas envolvendo o nexo de causalidade, duas se destacam: a teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada.

A primeira não faz distinção entre causa, sendo aquilo de que uma coisa depende quanto à existência e a condição o que irá permite à causa produzir seus efeitos, sendo que se forem várias as causas do evento, todas serão levadas em consideração com o mesmo valor. Logo, todas as condições, antecedentes necessários do resultado, se equivalem, sendo esta teoria também conhecida como da equivalência das condições (CAVALIERI FILHO, 2008)

Já para Sílvio de Salvo Venosa (2003, p.39) o nexo de causalidade:

O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.

Sendo assim, para que decorra o direito de indenização não é apenas necessário que a vítima tenha sofrido um prejuízo, é indispensável que o dano tenha recaído posteriormente a conduta lesiva, além de que deve haver a comprovação de tal dano, seja ele proveniente de uma conduta comissiva ou omissiva. Assim, devidamente comprovado, subsistirá o direito à indenização.

É preciso frisar que há diversos motivos que retiram o elemento do nexo causal da composição da responsabilidade civil. Para Carlos Roberto Gonçalves “As excludentes da responsabilidade civil, como a culpa da vítima e o caso fortuito e força maior (CC, artigo 393), rompem o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade do agente”.

O Código Civil de 2002 prevê o nexo causal no artigo 403, e destaca que sua presença está atrelada a duas funções: verificar a pessoa que recairá o resultado danoso e analisar a extensão do direito de indenização.

É certo que se deve frisar a importância da existência e da comprovação do nexo de causalidade nas hipóteses de responsabilidade civil, sendo este indispensável, já que impossibilita uma responsabilização injusta além de buscar apenas a reparação de um dano existente.

2.1.4. Dano moral

Não há que se falar em responsabilidade civil, sem que haja devidamente a comprovação do prejuízo, ou seja, do dano causado pelo agente. Assim, o dano trata-se de um elemento importante e indispensável para que decorra o direito de indenização ou reparação de fato. Para Maria Helena Diniz (2003, p.112) o dano é como uma “lesão (diminuição ou destruição) que, devido a certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”.

Configura-se o dano moral, portanto, pela violação a direito de personalidade. E as consequências deste dano são: humilhação, dor, sofrimento, vexame, tristeza etc. Não é qualquer dor ou aborrecimento, no entanto, que caracterizam o dano moral, mas somente aquele que cause violação a dignidade de alguém, sob pena de banalização deste instituto. Eis o ensinamento de Cavalieri Filho (2008, p.83):

Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angustias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão de fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.


Nesse sentido, uma das espécies de dano se institui como o dano moral, que é aquele que atinge a personalidade e ofende a moral, a dignidade humana da pessoa. Portanto, o dano moral atinge o animus psíquico, intelectual, moral de uma pessoa, ou seja, afeta sua honra, intimidade, privacidade, imagem, nome e até mesmo o corpo físico.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.359), que define:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, 33 da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.

Com a definição do dano moral, também é importante mencionar que este também recai sobre as pessoas jurídicas, definidos e imputados como os direitos da personalidade e da dignidade.

É certo que para a concretização do dano moral é preciso que ocorra um grande e intenso constrangimento, a ofensa deve atingir bruscamente a vítima para que possa haver realmente a reparação do dano de forma pecuniária. Sendo assim, meros constrangimentos, aborrecimentos ou incômodos não configuram o direito a indenização, pois não atingem a pessoa de forma tão forte e intensa. Deste modo, como já exposto no tópico anterior, que se faz necessário a comprovação do resultado, ou seja, do dano, para que de fato seja analisado um abalo significativo sobre a vítima ofendida.

Maria Helena Diniz (2008, p. 93), destaca sobre o tema:

O dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou o gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III).

Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho (2008, p.78):

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.

O dano moral possui duas espécies: o dano moral compensatório e o dano moral punitivo; os dois são defendidos pela jurisprudência que estipula que em sua aplicação devem-se ponderar critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, além das condições entre ofensor e ofendido sobre o bem jurídico tutelado e que foi lesado.

É nesse sentido:

O dano ou interesse deve ser atual e certo, não sendo indenizável a princípio, danos hipotéticos. Sem danos, ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se 34 corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima. (VENOSA, 2003, p.28)

É perceptível o avanço do nosso ordenamento jurídico brasileiro, sendo que o dano moral vem apresentando certos crescimentos, pois o número de pedidos de indenizações em ações no Brasil vem crescendo cada dia mais, isso é um reflexo importante e significativo, já que se percebe que a sociedade vem cada vez mais se preocupando com seus próprios direitos.

Assim é essencial que haja sempre mecanismos de proteção aos direitos da personalidade, que defendem a honra, a intimidade, a privacidade além da integridade física, moral e intelectual da sociedade. Deste modo, com mecanismos eficazes de proteção não há que se falar em dever de indenização, já que os direitos são devidamente protegidos, porém como nenhum direito é absoluto é preciso que a reparação seja grande e que gere enriquecimento sem causa para o ofendido, pois só assim haverá uma diminuição das condutas, dos danos, pois ocorre a desestimularão do ofensor para a prática de novos danos

CAPÍTULO 3: RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONO AFETIVO

3.1- Abandono Afetivo

Pode-se conceituar o abandono afetivo quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou do adolescente. O abandono afetivo causa clara violação aos direitos da personalidade dos filhos que dependem não só do aspecto material, mas, principalmente, do aspecto afetivo em relação aos pais.

É equívoco considerar que pai e mãe são aqueles que unicamente dão aos seus filhos amparo material, ser pai e mãe vai além do patrimônio, um filho necessita de amparo emocional, de carinho, de afeto, para que possa se desenvolver de forma saudável e com um psicológico sadio. Hoje em dia não se pode aceitar que aqueles pais que só dão apoio material a seus filhos estejam cumprindo com o seu dever de criar e educar seus filhos.

Gonçalves (2015, p. 28 e 29) se posicionou clareando a nova concepção jurisdicional sobre filhos:

Os filhos que não precediam de justas núpcias, mas de relações extramatrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais e espúrios. Os primeiros eram os que nasciam de homem e mulher entre os quais não haviam impedimento matrimonial. Os espúrios eram os nascidos de pais impedidos de se casar entre si em decorrência de parentesco, afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e incestuosos. Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, embora apenas os legitimados pelo casamento dos pais, após sua concepção ou nascimento, fossem em tudo equiparados aos legítimos
(art. 352).

Ratificando o anterior e tratando da transformação do conceito de família e de seus derivados e da evolução legislativa reservada a esse assunto, Dias (2015, p. 32) expõe que:

O antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação do casamento.

Ideias trazidas até então passaram por profunda modificação. Tendo a evolução familiar ocasionando a evolução legislativa. A promulgação da Constituição Federal de 1988 vigente ainda nos dias de hoje sepultou a desigualdade e discriminação entre os membros da família, determinando igualdade aos filhos, nascidos ou não do casamento e confirmou a possibilidade de dissolução do casamento que já tinha sido instituída oficialmente pela emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei 6.515 de 26 de dezembro do mesmo ano.

A dedicação em mostrar a transformação conceitual pela qual a família passou nos serve como parâmetro para tratarmos sobre o nosso real tema, o abandono afetivo. Visto que ele também pode ser considerado fruto das evoluções pelas quais a sociedade foi submetida, incluindo-se nelas as relações interpessoais. Diante disso acontece que alguns relacionamentos contraídos em nosso século não carregam em si a ideia de durabilidade ou da não dissolução, até porque a obrigação de afinidade do casamento, como já vimos, foi extinguida. Podendo este ser dissolvido a qualquer momento por vontade dos cônjuges.

Além dos divórcios, há também a figura dos relacionamentos rápidos que envolvem um curto lapso temporal sem abarcar nenhum sentimento que não seja aquele restrito ao momento da relação. Situação em que os envolvidos não alimentam a intenção de formação de família. Há inúmeros os fatores que distanciam os filhos da presença de um ou de ambos genitores. Além da dificuldade de convivência integral com o pai ou mãe em razão do tipo de guarda e pelos mesmos não conviverem no mesmo ambiente, existem outros fatores que contribuem para a omissão dos pais no que tange à convivência e assistência ao filho no contexto em questão.

DIAS, José de Aguiar (2015, p. 545) ao tratar de alienação parental usa as seguintes palavras:

Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Sentir-se vencido, rejeitado, preterido, desqualificado como objeto de amor, pode fazer emergir impulsos destrutivos que ensejarão desejo de vingança, dinâmica que fará com que muitos pais se utilizem de seus filhos para o acerto de contas com o débito conjugal.

A ausência de um dos genitores é tratada com tanta seriedade e vista como enorme prejuízo à criança, que a alienação parental se tornou crime, passando a ser regulada pela Lei n° 13.431/2017, em vigor desde abril de 2018. Considera os atos de alienação parental como violência psicológica e assegura ao genitor alienado o direito de pleitear medidas protetivas contra o autor da violência. Então percebemos, que o afastamento pode ser por vontade própria ou por imposição do outro genitor. É em casos como esse ou outros em contexto diverso que surge o abandono afetivo, termo que pode ser compreendido como o distanciamento entre pais e filhos alimentado pela falta de cuidado, educação, companhia e afetividade à prole. Situação que demanda atenção e preocupação por parte do direito.

Ainda que a obrigação de prestação de afeto não esteja explicitamente taxada nos textos legislativos, os mesmos trazem obrigações aos pais, tais devem ser obedecidas e colocadas em prática, sob pena de desobediência à lei. A norma básica que protege a criança, o adolescente e o jovem está estampada no art. 227 da Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tal dispositivo traz em sua parte central as obrigações que devem ser asseguradas à criança, ao adolescente e ao jovem, por parte da família, da sociedade e do Estado. Entre elas destacamos a convivência familiar, que como já mencionamos anteriormente é um critério para caracterizar o abandono afetivo, já que este se dá pela ausência de um dos genitores ou de ambos no cotidiano do filho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), por sua vez, destina um capítulo de seu texto ao direito à convivência familiar e comunitária, abarcando alguns artigos que deixam claro a obrigação paterna e materna de conviver com a prole:

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.

É evidente que a obrigação de participar da vida do filho se estende a ambos genitores, devendo estes participar efetivamente da vida da criança, adolescente ou jovem, no tocante as mais diversas esferas. Obrigando-os a convivência entre pais e filhos, oferecendo toda e qualquer assistência resultante dessa relação.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil Brasileiro não se omite a essa questão. Ao tratar da proteção da pessoa dos filhos, a lei prega que:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.

Fica evidente que nas duas hipóteses de guarda trazidas pelos dispositivos supracitados, as figuras paterna e materna são protagonistas da relação pai, mãe e ao filho, ficando os dois sujeitos ao convívio e à supervisão da educação e relacionamento de um e do outro com a criança, o adolescente ou com o jovem.

Ademais, o Código Civil também estabelece em seu art. 1.638, II, que o pai ou a mãe que deixar o filho em abandono, perderá por ato judicial o poder familiar. Essa figura abre margem à interpretação doutrinária do que venha ser o abandono trazido por tal norma.

Não se discute que a legislação brasileira responsável por tratar do cuidado aos filhos por parte dos genitores, defende a ideia da proteção e participação integral na vida na prole. O Estatuto da Criança e do Adolescente lhes garante o direito a serem criados e educados no seio de sua família. Resta-nos entender se o abandono afetivo causa danos à criança, ao adolescente e ao jovem, e se esses danos são passíveis de responsabilidade civil por parte do genitor omissivo. Faz-se necessária então uma análise concernente aos danos suscitados ao filho, pela ausência do pai ou da mãe.

Para melhor entendimento, é de suma importância conhecermos o conceito de responsabilidade civil. Quanto a isso Venosa (2013, p. 22) nos explica:

A responsabilidade civil leva em conta, primordialmente, o dano, o prejuízo, o desequilíbrio patrimonial, embora em sede de dano exclusivamente moral. O que se tem em mira é a dor psíquica ou o desconforto comportamental da vítima. No entanto, é básico que, se não houver dano ou prejuízo a ser ressarcido, não temos porque falar em responsabilidade civil: simplesmente não há porque responder. A responsabilidade civil pressupõe um equilíbrio entre dois patrimônios que deve ser restabelecido.

Reparamos a importância da presença dos pais na vida das crianças desde recém-nascido, inferimos então que a ausência daqueles já causa danos aos últimos desde os primeiros dias de vida, já que a questão da hereditariedade e dos estímulos do meio ficariam em falta pela ausência de um dos genitores, impossibilitando as reações da criança à reação do genitor ausente.

Costa (2009, s/p.) ao tratar do abandono afetivo e dos danos provenientes deste, preconiza que:

O abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material. Ou mais. A carência material pode ser superada com muito trabalho, muita dedicação do genitor que preserve a guarda do infante, mas a carência de afeto corrói princípios, se estes não estão seguramente distintos na percepção da criança. É o afeto que delineia o caráter e, como é passível de entendimento coletivo, é a família estruturada que representa a base da sociedade. É comumente a falta de estrutura que conduz os homens aos desatinos criminosos, ao desequilíbrio social. Não que seja de extrema importância manter os pais dentro de casa, ou obrigá-los a amar ou a ter envolvimento afetivo contra sua própria natureza, mas é de fundamental valoração a manutenção dos vínculos com os filhos e a sua ausência pode desencadear prejuízos muitas vezes irreparáveis ao ser humano em constituição.

Costa (2009, s/p.) faz um diálogo entre o desequilíbrio social gerado por atos ilícitos praticados por pessoas que foram lesadas pela ausência de um dos pais, condicionando-os a uma desestruturação familiar em razão da falta da figura de um dos genitores ao longo da formação de sua personalidade. E ainda diz mais:

A maior parte dos comportamentos do ser humano é adquirida, ou seja, algumas poucas atitudes são provenientes de traços da própria personalidade, enquanto a maioria é construída ao longo da vida, quando o ser humano tem contato com pessoas, objetos e conhecimento, seja este teórico ou empírico. Traumas e maus tratos, mais precisamente o trauma de abandono afetivo parental, imprimem uma marca indelével no comportamento da criança ou do adolescente. É uma espera por alguém que nunca vem, é um aniversário sem um telefonema, são dias dos pais/mães em escolas sem a presença significativa deles, são anos sem contato algum, é a mais absoluta indiferença; podem-se relatar inúmeras formas de abandono moral e afetivo, e ainda assim, o ser humano continuará criando novas modalidades de traumas e vinganças pessoais, próprias de sua vida desprovida de perspectivas e responsabilidades.

Comprovados os possíveis danos causados a filhos que cresceram tendo que lidar com a ausência de pais, podemos finalmente falar sobre a responsabilidade civil desses pais omissivos e da indenização por parte deles a filhos que se consideram lesados em razão do abandono afetivo.

A prestação afetiva, como já vimos, está agregada às obrigações paternas e maternas. Se a lei impõe a assistência afetiva e amorosa aos filhos e essas não são efetivadas, é notório que houve desobediência à norma e dano ao detentor do direito – os filhos. Neste caso, não há de se discutir sobre a não possibilidade de aplicação de indenização. Claro é que se houve dano há responsabilidade civil e, consequentemente, reparação por indenização.

Neste sentido, Dias (2015, p. 542) defende que:

A lei responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, violam a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. E quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização deve ser em valor suficiente para cobrir as despesas necessárias para que o filho possa amenizar as sequelas psicológicas.

Diante do panorama demonstrado, percebe-se que o abandono afetivo pode sim ser considerado ato ilícito, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil e própria Carta Magna estabeleceu que todos têm direito à convivência no seio familiar. Desta forma, ao entrar com pedido de indenização por abandono afetivo, resta comprovar os danos que esse porventura causou.

O abandono material é conduta tipificada no art. 244, do Código Penal Brasileiro, que prevê como empreitada criminosa:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)
Entrega de filho menor a pessoa inidônea.

O crime aponta a infração ao dever de assistência recíproca, o qual se consubstancia em imperativo previsto no art. 229 da Constituição Federal:

"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade."

O abandono material somente pode ser imputado por aquele que tem o dever legal de prover a subsistência do sujeito passivo. Portanto, sujeitos ativos são os cônjuges, genitores, ascendentes ou descendentes. É perfeitamente possível a adoção do concurso eventual de pessoas, mesmo que o participante não reúna a condição especial exigida pela descrição típica (BITENCOURT, 2004, p. 147).

A obrigação de prover o sustento, o cuidado, a saúde e o abrigo para outrem, decorrente da relação de parentesco prevista no âmbito civil, encontra na seara criminal consectário na hipótese de comprovação do descumprimento da referida obrigação. O diploma penal, tendo em vista a vital importância desta obrigação alçou o seu descumprimento ao grau de delito.

Como visto, condutas diversas da parte do obrigado podem ensejar a ocorrência do delito, nos termos fixados na norma. A gravidade que a negativa injustificada ou dolosa daquele que tem o dever de prestar o provimento à subsistência a outrem, notadamente no âmbito do núcleo familiar. Razão evidente de sua inserção no rol dos crimes contra a assistência familiar.

Em tempos tão conflitivos e de tamanha relativização, o preceito em comento objetiva garantir que se cumpra a obrigação em prover a subsistência de outrem ante o vínculo decorrente do parentesco ou na forma legal instituída.

3.2 Posicionamentos contrários ao dever de indenizar

O abandono afetivo é polêmico e, dessa forma, gera opiniões divergentes no meio jurídico. Há defensores de duas correntes, os que afirmam que existe a possibilidade de indenizar os pais
por abandono afetivo e, contrapondo, existem os não defensores dessa possibilidade de indenização.

A evolução das relações familiares, hoje ainda não se prevê juridicamente a responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais, dessa forma, existem doutrinadores e jurisprudências que discordam completamente dessa possibilidade.

Nesse sentindo, a jurisprudência não está pacificada quanto a possibilidade de indenização por abondo afetivo, conforme se observa nas jurisprudências abaixo:

“EMENTA: INDENIZAÇÃO. Danos morais. Abandono afetivo. Filho que afirma ter sofrido graves transtornos psicológicos ante a falta da figura paterna. Ordenamento jurídico que não prevê a obrigatoriedade do pai em amar seu filho. Recurso desprovido.
(Brasil. Tribunal de Justiça do estado de São Paulo. Apelação Cível nº 9199720772009826 SP 9199720-77.2009.8.26.0000. 4ª Câmara de Direito Privado. Relator: Teixeira Leite. São Paulo, SP, data de Julgamento: 16/02/2012, data de Publicação: 24/02/2012).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE VISITA PATERNA COM CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. A paternidade pressupõe a manifestação natural e espontânea de afetividade, convivência, proteção, amor e respeito entre pais e filhos, não havendo previsão legal para obrigar o pai visitar o filho ou manter laços de afetividade com o mesmo. Também não há ilicitude na conduta do genitor, mesmo desprovida de amparo moral, que enseje dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70044341360. Sétima Câmara Cível. Relator: André Luiz Planella Villarinho. Porto Alegre, RS, data de Julgamento: 23/11/201, data de Publicação: 28/11/2011) ”

Os argumentos utilizados para não condenar os pais ao pagamento de indenização é de que no ordenamento jurídico não há previsão legal que obrigue um pai a amar seu filho, manter laços de afetividade ou visitá-lo. Dessa forma, a corrente que é contrária a possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo argumenta, justamente, de que o amor não se compra, não é possível atribuir valor a esse sentimento que deve ocorrer de forma natural.

Assim a corrente negativa do dever de indenizar pela falta de afetividade defende que os deveres decorrentes da paternidade não podem invadir o campo subjetivo do afeto, inexistindo obrigação legal de amar.

A ideia de indenização por abandono civil ainda não é muito defendida. A maioria dos processos que chegam ao conhecimento da justiça são julgados improcedentes e recebem não à reparação por meio de indenização pelo fato de ser considerado que não há ilicitude na não prestação do sentimento do amor entre pais e filhos.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao analisar questão, vem se posicionando no sentido de que o abalo moral causado por abandono afetivo dos pais não é motivo de gerar responsabilidade civil, pois não configura ato ilícito passível de reparação:

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MORAL E MATERIAL – REVELIA – EFEITOS – PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE – COMPENSAÇÃO REQUERIDA PELO FILHO AO PAI – MANIFESTAÇÃO DE AMOR E RESPEITO ENTRE PAI E FILHO – SENTIMENTOS IMENSURÁVEIS – AUSÊNCIA DE ILICITUDE -NÃO CABIMENTO. – Revela-se inconteste a dor tolerada por um filho que cresce sem o afeto do pai, bem como o abalo que o abandono causa ao infante; entendo, no entanto, que a reparação pecuniária além de não acalentar o sofrimento, ou suprir a falta de amor paterno poderá provocar um abismo entre pai e filho, na medida em que o genitor, após a determinação judicial de reparar o filho por não lhe ter prestado auxílio afetivo, talvez não mais encontre ambiente para reconstruir o relacionamento. (Acórdão n° 1014508475498-8, Relator: Osmando Almeida, 30.01.2012) ”

A decisão expõe que a indenização não é capaz de acabar com o sofrimento daquele que foi abandonado afetivamente, e mais, agravaria a situação de uma relação já desgastada por um processo e uma possível indenização não possibilitaria uma aproximação entre pais e filhos, ao contrário isso ficaria ainda mais distante de uma resolução para a aproximação de ambos.

O pleito indenizatório é a reflexão que se faz sobre os eventuais efeitos práticos desta condenação, pois a tendência do direito moderno é a busca de soluções pacíficas e negociadas dos conflitos, principalmente através da mediação, numa tentativa de desafogar o Judiciário e promover a pacificação social, já que não é interesse do Estado incentivar ou promover mais litígios.

Dessa forma, o amor e o afeto são sentimentos que não podem ser quantificados e, tão pouco exigidos, pois ocorrem de forma natural, sendo assim, o seu inadimplemento também não pode gerar o direito à indenização.

3.3 Posicionamentos favoráveis ao dever de indenizar

Entre tantos processos que julgaram improcedente o pedido de indenização por abandono afetivo, podemos também encontrar processos que reconheceram o dano causado pela ausência da figura paterna ou materna, determinando o pagamento de indenização ao filho que sofreu o dano. Os que defendem a tese de que é possível responsabilizar os pais por abandonar afetivamente seus filhos, acreditam numa paternidade e maternidade responsável, e uma vez sendo negado o afeto, gera diversas consequências psicológicas aos filhos, caracterizando um ato contrário ao ordenamento jurídico, sendo cabível a sanção no campo da responsabilidade civil.

Aqueles que defendem essa possibilidade de responsabilizar os pais pelo abandono afetivo, entendem de que seria possível a indenização por abandono afetivo, uma vez que os pais que praticaram a conduta de abandonar afetivamente seu filho, estaria violando o artigo 227 da Constituição Federal de 1998, assim como os artigos 3º, 4º, 5º, 7º e 22º do ECA.

Importa destacar que a criança é um ser incapaz de se proteger-se de forma adequada, portanto, necessitam da figura de um pai ou de uma mãe presente, portanto, cabe aos pais seja biológico ou socioafetivo, dar total amparo aos seus filhos.

Para que uma criança e um adolescente se desenvolvam de forma correta, é necessária a presença de uma família estruturada, abarcada pelo afeto uns com os outros. Sabe-se que promover a educação é dever do Estado, mas é um dever, principalmente, da família, é ela a base para construção do caráter do indivíduo. Neste sentido, o abandono afetivo ao ser concretizado, seria um ato ilícito, gerando assim consequências muitas vezes irreversíveis às crianças e adolescentes, pois estes se tornam indivíduos melindrosos, receosos e em muitos casos revoltados com essa situação.

A doutrina que afirma a possibilidade de indenização por abandono afetivo assevera que o dano moral se configurara pelo fato de um pai ou uma mãe abandonar o filho, privando-o de afeto, à vivência doméstica. Nesse tipo de situação não se trata de ausência de recursos financeiros, isto porque, a obrigação de pagar alimentos já é assegurada por lei.

No caso de abandono afetivo o que se discute, são os danos causados às crianças e adolescentes que se encontram em uma situação de abandono afetivo, não tendo a presença de seu pai ou sua mãe, por livre vontade destes e, portanto, não sendo capaz de compreender tamanha displicência. Tendo o indivíduo que é abandonado afetivamente é prejudicado moralmente, uma vez que lhe é negado direitos essenciais para a formação de caráter de todo ser humano.

Nesse diapasão os autores Pamplona e Gagliano asseveram que (2012, p.747):

“Uma importante ponderação deve ser feita. Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo de sua vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor. ”

Os autores afirmam que esse comportamento é danoso tanto juridicamente, quanto espiritualmente, de forma que a indenização teria caráter punitivo e pedagógico, e não uma forma de comprar o amor dos pais.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem reconhecido a possibilidade de reparação de danos por abandono afetivo, ressalvando que ela exige uma interpretação restritiva e uma avaliação criteriosa de cada caso:

“APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO NÃO DEMONSTRADO. DOUTRINA E
JURISPRUDÊNCIA. A reparação de danos que tem por fundamento a omissão afetiva, no âmbito do direito de família, é sabidamente de interpretação restritiva, pois que, visando a traduzir o afeto humano em valor monetário, é marcada por enorme subjetividade, e não se configura pelo simples fato de os pais não terem reconhecido, de pronto, o filho. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70041619511, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 02/04/2012).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. RECURSO DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70045481207, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/03/2012). ”

O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – TJ-ES, também julgou favoravelmente ao dever de indenizar, sendo este: (TJES, Classe: Apelação Cível, 15096006794, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON - Relator Substituto: FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 21/09/2010, Data da Publicação no Diário: 11/11/2010), que afirmou quanto ao pedido ser juridicamente possível e reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 015096006794 APELANTE: C.D.S.F APELADO: P.C.F.C RELATOR: DES. SUBST. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY EMENTA: PROCESSO CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - GENITOR - ABANDONO MORAL E FALTA DE AFETO - PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL -SENTENÇA ANULADA - PROSSEGUIMENTO REGULAR DO FEITO - RECURSO PROVIDO.1. O pedido de reparação por danos morais sofridos é um pedido juridicamente possível e reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.2. No caso de pedido de indenização por danos moral em decorrência de abandono moral e falta de afeto por parte do genitor, é necessária a caracterização dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam, o dano experimento pelo filho, o ato ilícito praticado pelo pai, e liame causal que conecta os referidos elementos.3. Impõe-se a remessa dos autos à instância de origem, a fim de propiciar a angularização do processo, citando-se o réu/apelado para exercer o contraditório e a ampla defesa, bem como proceder a dilaçãoprobatória necessária ao deslinde da quaestio.4. Recurso conhecido e provido. VISTOS, relatados e discutidos, estes autos em que estão as partes acima indicadas. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, na conformidade da ata e notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, anulando a sentença objurgada e determinando o retorno dos autos à instância de origem, para o seu regular processamento. Vitória (ES), de 2010. DES. PRESIDENTE DES. RELATORPROCURADOR DE JUSTIÇA (TJES, Classe: Apelação Cível, 15096006794, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON - Relator Substituto: FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 21/09/2010, Data da Publicação no Diário: 11/11/2010).104.+

A uma importante ponderação deve ser feita, logicamente, dinheiro nenhum de fato compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo de sua vida. Mas é preciso compreender que a fixação dessa indenização tem um importante caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso, simplesmente a perda do poder familiar, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor.

Aqueles que defendem a possibilidade de indenização por abandono afetivo afirmam que não se busca a compra do amor, busca-se um reparo ao dano causado, alertando outros pais para que não haja dessa forma danosa com seus filhos.

As obrigações parentais para com seus filhos, como dito exaustivamente, vai além do dinheiro, é dever dos pais dar amor, afeto, educação a seus filhos, sendo estes direitos de todo e qualquer filho, seja ele legítimo ou não.

De fato, a problemática envolvendo o abandono afetivo é bastante polêmica, ainda mais no que diz respeito ao papel do Poder Judiciário, pois aqueles que são contra a responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo, afirmam que o Estado estaria interferindo nas relações familiares além do permitido. Ocorre que o Poder Judiciário deve garantir efetivamente os direitos e deveres que envolvem as relações familiares, para impedir que ações de pais que abandonam seus filhos voluntariamente, lhes causando muitas vezes danos irreparáveis à sua personalidade.

A indenização conferida nestes casos não tem a finalidade de compelir os pais ao cumprimento de seus deveres, nem de reaproximar os laços existentes entre pais e filhos, pois muitas vezes estes nunca existiram ou não são almejados pelos genitores. Assim, com esta ação reparatória, não busca o filho o amor que nunca recebeu, e sim, indenização pelo abandono sofrido, que lhe causou danos que precisam ser ressarcidos. Afinal, os filhos não podem ser penalizados pela conduta irresponsável de seus pais, sendo relevante a discussão para a construção de uma cultura de paternidade responsável.

Diante de todo o exposto, juridicamente, entende-se que o afeto é emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à convivência familiar, do princípio da paternidade responsável, e da proteção integral de crianças e adolescentes. Assim, o abandono afetivo é passível de indenização desde que comprovado o dano a integridade física e moral dos filhos, bem como a conduta ofensiva e o nexo de causalidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto conclui-se que o afeto sempre esteve presente na história mesmo que em segundo plano. Hoje, no atual estágio da história em que vivemos, vê-se o direito como um mecanismo para resguardar e punir aqueles que interferem no desenvolvimento de uma sociedade sadia.

Conforme a sociedade evolui, as relações afetivas tornam-se cada vez mais vinculadas ao âmbito jurídico. A evolução da família como instituição fez com que alguns conceitos e parâmetros se alterasse, abandonando a ideia de patriarcalismo, estabilidade e das relações matrimoniais, e se transformando em um grupo social.

Falar de família no âmbito do direito nunca é fácil, pois existem vários caráteres subjetivos e objetivos a serem observados, sejam eles em relação à criança e ao adolescente ou mesmo na área jurídica.

Como dito, o direito de família está sempre em evolução sendo está uma evolução necessária para que possamos pacificar o entendimento desta matéria de suma importância no ordenamento jurídico, a fim de que os direitos da criança e do adolescente sejam resguardados em sua devida proporção.

Nessa transformação, a afetividade, antes natural e espontânea nas relações familiares, passou a ser, em diversas ocasiões, elemento jurídico. Ainda não existe uma legislação específica sobre o abandono afetivo e, por isso, o estudo desse instituto e resolução da problemática concernente a ele se baseiam em jurisprudências e em doutrinas. O que se sabe é que o abandono afetivo pode ser suscetível de indenização, desde que a ausência do afeto, comprovadamente, cause danos ao filho e fira a dignidade da pessoa humana, que é um bem protegido pela justiça.

Com o alastramento da questão nos tribunais, culminado com a visibilidade midiática que foi dada ao tema, buscou-se novas teorias, para pôr fim a esse embate jurídico.

Todas correntes doutrinárias têm seu valor significativo no meio jurídico e estão servindo de base para julgamentos ao longo de Brasil. O que faz com que matéria de extrema importância não seja esquecida. Tendo um ponto de equilíbrio entre as principais teorias que visam ressarcir a criança e ao adolescente a qualquer modo, não importando o grau de lesão a ela criado, e as teorias que defendem que o direito não poderá intervir nas relações pessoais. Tendo então encontrando-se um perfeito equilíbrio entre as duas correntes pode-se assim não descartar que a falta de afeto tem um valor danoso à criança e ao adolescente. E, em contrapartida, analisar o caso concreto para verificar se houve dano psíquico à criança e ao adolescente, a ponto de afetar as relações extremas familiares e até mesmo trazer demais transtornos psicológicos entre outras doenças como rejeição.

Mesmo com o tema já em discussão no âmbito jurídico, ainda são levantadas reiteradas questões, provando há muito que amadurecer sobre o tema. Por isso, a importância de ter prudência ao analisar o caso, pois estes devem ser olhados de forma única.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8ª Edição. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. Volume 6. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: Uma análise psicanalítica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 20150

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Família. Volume 5. 18ª ed., São Paulo: Atlas, 2018.

WALD, Arnold. Direito Civil: Direito de Família. Vol. 5, 17º Ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009.

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