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A natureza jurídica da obrigação alimentar

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14/10/2006 às 00:00
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4 NOVO POSICIONAMENTO DO STJ FACE AO ESTATUTO DO IDOSO

Nasce, então, da pena sensível, inteligente e firme da Ministra NANCY ANDRIGHI o reconhecimento pela Corte Superior responsável pela interpretação da lei federal no Brasil que a obrigação alimentar em referência aos idosos tem natureza jurídica solidária, através do recentíssimo julgado, assim ementado:

Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos filhos. Chamamento da outra filha para integrar a lide. Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso.

- A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária, porque é conjunta.

- A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil.

- O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3º), assegura celeridade no processo, impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos.

- A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores (art. 12). RECURSO ESPECIAL não conhecido. (REsp 775565 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2005/0138767-9, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª.T., julg. 13/06/2006, DJ 26.06.2006 p. 143).

O extrato da fundamentação do voto, por sua clareza e didática, dispensa maiores considerações, como se vê abaixo:

Contudo, esse julgamento ostenta singularidade que afasta a aplicação das disposições do Código Civil acerca da natureza da obrigação de alimentar, porque os credores dos alimentos são juridicamente idosos e, por isso, protegidos por lei especial que sempre prevalece sobre a lei geral.

O Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741, 1º/10/03), disciplina, especificamente, no Capítulo III, a partir do art. 11, os alimentos devidos aos idosos, atribuindo-lhes, expressamente, natureza solidária.

Assim, por força da lei especial, é incontestável que o Estatuto do Idoso disciplinou de forma contrária à Lei Civil de 1916 e 2002, adotando como política pública (art. 3º), a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade a efetivação do direito à alimentação.

Para tanto, mudou a natureza da obrigação alimentícia de conjunta para solidária, com o objetivo de beneficiar sobremaneira a celeridade do processo, evitando discussões acerca do ingresso dos demais devedores, não escolhidos pelo credor-idoso para figurarem no pólo passivo.

Dessa forma, o Estatuto do Idoso oportuniza prestação jurisdicional mais rápida na medida em que evita delonga que pode ser ocasionada pela intervenção de outros devedores.

E concluiu o voto ex cathedra, com a maestria que lhe é peculiar:

Por fim, a Lei Especial, art. 12, permite ao idoso optar entre os prestadores, litigar com o filho que lhe interessar, que no processo sob julgamento foi justificada dita opção em face da incapacidade econômica da outra filha (despejada por falta de pagamento dos locatícios).

Por conseguinte e em conclusão, não há violação ao art. 46 do CPC, por inaplicável na espécie de dívida solidária de alimentos.

Forte nestas razões, e obediente a natureza solidária dos alimentos, ditada pelo art. 12 do Estatuto do Idoso, mantenho o dispositivo do acórdão recorrido, para limitar o pólo passivo da ação ao filho-devedor de alimentos indicado, porém, com fundamento diverso. (grifo nosso).

Através desse julgamento reconheceu-se a especialidade da lei estatutária dos idosos com força suficiente para modificar a natureza jurídica da obrigação alimentar não se podendo a ela opor disposições do Código Civil.

E finca um marco definitivo na interpretação do preceito normativo estatutário: em relação ao idoso a obrigação alimentar é solidária "ex vi legis".


5 CONCLUSÃO

A colocação que fizemos quanto à natureza solidária da obrigação alimentar em relação aos idosos acaba de ser consagrada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, representando mais uma vitória do Estatuto do Idoso na consecução dos direitos nele assegurados aos idosos brasileiros.

Não se pode olvidar que o referido Estatuto fez por derruir todo um arcabouço doutrinário e jurisprudencial construído ao longo do tempo a respeito da natureza jurídica da obrigação alimentar, tornando-a solidária, para beneficiar os idosos.

Sabendo-se que a solidariedade não se presume, vez que resulta da lei ou da vontade das partes, na exata dicção do Art. 265 do Código Civil e sendo claríssima a redação do art. 12 do Estatuto do Idoso (lembrando o brocardo latino: interpretatio cessat in claris), espera-se que os demais tribunais sigam a nova jurisprudência do STJ e os doutrinadores pátrios reflitam e refaçam os comentários quanto à natureza jurídica da obrigação alimentar para reconhecer a solidariedade quando se tratar de alimentário idoso.

Aliás, deve-se observar que a ilustrada Ministra-relatora NANCY ANDRIGHI utilizou como um dos fundamentos jurídicos de seu brilhante voto o art. 3º do Estatuto do Idoso, que "mutatis mutandis" tem inspiração e semelhante redação à do "caput" do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente assim redigido:

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"Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."

Desse modo, parece pertinente ter expectativa de que possam os tribunais evoluir na análise do tema para, em interpretação teleológica, ampliar o conceito da solidariedade da obrigação alimentar para admití-la também em relação aos filhos menores e, quiçá, aos demais parentes.

Na verdade não se vislumbra diferença ontológica entre os necessitados de alimentos, a justificar tratamento diverso no sentido de ficarem os infantes submetidos ao regime do Código Civil e os avoengos ao abrigo do Estatuto do Idoso.

Por premissa conclusiva, entendemos que tornar regra a solidariedade da obrigação alimentar, parece mais consentâneo com o direito a alimentos, a dispensar a formação de litisconsórcio ou outra forma de intervenção de terceiros no processo e assim abreviar a prestação jurisdicional.

Espera-se que tal desiderato possa ocorrer no mais breve espaço de tempo, quer por alteração legislativa do Código Civil, quer por evolução da interpretação doutrinária e jurisprudencial, uma vez que o Estatuto do Idoso possui feições de verdadeiro micro-sistema, perpassando e produzindo modificações no Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de Processo Penal e legislação extravagante.

Afinal, quem necessita de alimentos não pode esperar nem submeter-se a questiúnculas de natureza processual.

E, convenhamos, sem um pouco de ousadia não se aperfeiçoa o direito nem se rompem os obstáculos que travam a marcha processual e dificultam a efetivação da prestação jurisdicional.

Novos tempos, novas concepções. Se melhores ou piores, só o tempo dirá.


REFERÊNCIAS

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Código de Processo Civil Interpretado / Antonio Carlos Marcato, coordenador. São Paulo: Atlas, 2004, 148-153 p,

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 295 p.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante: atualizado até 2 de maio de 2003. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003, 749 p.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Forense, 2004. Vol 2. 80 p.

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TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 545 p.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 6, 378 p.

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Sobre o autor
Clodoaldo de Oliveira Queiroz

juiz de Direito em Vila Velha (ES), pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Clodoaldo Oliveira. A natureza jurídica da obrigação alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1200, 14 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9045. Acesso em: 6 mai. 2024.

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