A relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying

30/01/2019 às 10:06
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O presente artigo visa reconhecer a relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying, apresentando o risco social como meio de estabelecer a existência da ação-resultado proveniente da conduto da intimidação vexatória.

RESUMO

O objetivo deste estudo é reconhecer a relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying. Cumpre-se observar que o autoextermínio não é tipificado como ato ilícito, pois o legislador, sabiamente, entende que o suicida necessita de ajuda, não punição. No ordenamento jurídico, aquele que incentiva, instiga ou auxilia uma pessoa a retirar sua própria vida, poderá ser enquadrado no art. 122 do Código Penal, que não compreende o cyberbullying - caracterizado por ações de violência psíquica ocorridas no meio virtual. Vale destacar que, na ausência de um dispositivo especifico, o ato é tratado como crime contra a honra. Tratativa inadequada, diante dos danos irreparáveis gerados na vítima, podendo esta chegar ao suicídio. Consoante a esse contexto, objetivando inibir a conduta do agressor virtual, torna-se imprescindível a criação de um dispositivo penal especifico onde se reconheça o nexo de causalidade entre o cyberbullying e o suicídio.

Palavras-chave: Cyberbullying. Nexo de imputação. Suicídio. Causalidade. Bullying.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 2 DO BULLYING 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 3 DO CYBERBULLYING 3.1 PERSONAGENS 3.2 DAS CONSEQUÊNCIAS 3.3 O CYBERBULLYING NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 3.3.1 A necessidade de uma norma especifica 4 O SUÍCIDIO 4.1 SUICÍDIO NO BRASIL 4.2 TIPO PENAL DE INDUZIMENTO, INCENTIVO E AUXILIO AO SUICÍDIO 5. NEXO DE CAUSALIDADE 5.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA 5.2 A TEORIA DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA 5.2.1 Criação do risco não permitido 5.2.2 Aumento do risco permitido 5.2.3 A diminuição do risco 5.2.4 A imputação objetiva de Günther Jakobs 6 O CYBERBULLYING E O SUICÍDIO 6.1 RELAÇÃO DE CAUSALIDADE DO SUICÍDIO DECORRENTE DO CYBERBULLYING CONCLUSÃO 8 REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÂO

O ser humano, em sua porção individual, é uma “grande máquina complexa”, com pensamentos, atitudes e experiências de seus diversos relacionamentos. As relações entre os indivíduos passaram a ter uma grande importância no conhecimento e construção do comportamento humano. Ações de carinho, cuidado, afeto, agressão física, psicológica ou até mesmo um apelido imputado, passaram a serem fatores determinantes na construção psicológica.

As relações dos indivíduos em meio físico, ganharam força em meio virtual, dessa forma, a tecnologia surge como um facilitador destas conexões. O computador exerceu um papel significativo no desenvolvimento destas relações, a chamada “redes sociais” – ambiente virtual dentro da internet, composta de pessoas conectadas através de interesses comuns. Previa a criação destas redes, o uso da internet precisou ser regulado para garantir aos usuários segurança e limites de seu uso, e em 23 de abril de 2014, foi sancionada a lei de nº 12.965/14, chamada “Marco Civil da Internet”.

Na trajetória humana, a conduta no meio social foi regulada através de normas de convívio, as leis foram adaptadas em reflexo de novos fatos, bem como a ideia de certo ou errado. A internet inovou o conceito de crime, onde os sujeitos praticam transgressões tipificadas penalmente, asseguradas pela concepção do anonimato e facilidade que o espaço permite.

O cyberbullying é uma ação ou comportamento, através do ambiente virtual, que possui a finalidade de maltratar, amedrontar ou intimidar, com crueldade, um indivíduo. Agressão essa, que não existe enquadrada penal, trazendo danos irreparáveis para a vida da vítima, como o suicídio. No Brasil, a lei de nº 13.185/16, chamada de Programa de Combate à Intimidação Sistemática, conceitua o cyberbullying, determinando que as escolas fiscalizem esses eventos, a fim de impedir sua ocorrência, porém, a lei não admite punição para os agressores.

O Código Penal (CP) não inclui em seu rol de crimes o cyberbullying, tampouco o suicídio derivado dessa ação. O art. 122, do citado código, aduz como ato criminoso as ações de induzir, instigar ou auxiliar o indivíduo ao cometimento do suicídio, não englobando, em seu suporte fático, o cyberbullying. Nesse diapasão, diante da falta de uma matéria, surge o questionamento: o agressor poderia ser responsabilizado pelo suicídio que decorrer do cyberbullying?

O Objetivo Geral deste estudo é verificar se existe relação de causalidade entre o cyberbullying e o suicídio, como fator de criação de um novo tipo penal.

Já os Objetivos Específicos, serão utilizados para alcançar o determinado propósito, como entender o conceito de bullying e o cyberbullying, explicando sua origem e evolução histórica. Além de identificar os personagens que compõem o cenário, suas consequências, e se existe dispositivo jurídico que englobe a conduta. Explicar o conceito de suicídio e apresentar dados estatísticos sobre a existência da prática. Analisar o nexo de causalidade e a suas teorias, serão vitais para constatar o resultado suicídio decorrente das ações de cyberbullying.

O autoextermínio é uma instabilidade emocional do indivíduo, sendo possível a punição daqueles que satisfazem o art. 122 do CP. Entretanto, existem casos em que as agressões psicológicas criam vulnerabilidade à vítima, que sem qualquer discernimento retira sua própria vida. A ausência de dispositivo que caracterize o crime, ou reconheça sua relação decorrente do cyberbullying, implica na impunidade dos agressores. Logo, torna-se necessário sua tipificação penal.

 No que tange a Metodologia, com referência ao ponto de vista de sua natureza, a pesquisa envolve a investigação aplicada, pois o objetivo é de gerar conhecimento e solucionar o problema, pois a inexistência de uma norma especifica, acarreta a falta de julgamentos, ou enquadramento, dos casos em que o suicídio se deriva do cybebullying.

No que diz respeito à Natureza da Investigação, a pesquisa inicia-se de forma exploratória, que visa aproximar o conhecimento das pessoas sobre a existência do problema. No que concerne acreditar, que a sociedade entende que o suicídio é culpa exclusiva daquele que retira sua própria vida, não cogitando a interferências de outros nesse cenário. No transcorrer do estudo, alguns casos serão utilizados a fim de identificar as razões que levaram o indivíduo a findar sua vida, além dos motivos em que os agressores não são alcançados pela norma. A pesquisa, no desdobrar de sua explanação, tem sua finalidade alterada, passando a exercer um ponto de vista descritivo, reconhecendo o nexo causal entre a causa-consequência dos títulos abordados.

O Método Hipotético da investigação é o indutivo, pois a pesquisa parte de casos específicos, para um contexto geral.

A Técnica de Pesquisa é a bibliográfica, pois tem por objetivo buscar conhecimento cientifico através de periódico, doutrinas, artigos e qualquer material que agregue significado ao tema proposto. A Coleta de Dados ocorrerá através da análise do conteúdo, identificando o material relevante para a solidez da pesquisa, servindo de técnica para qualificar os meios pertinentes que serão utilizados.

A Abordagem é qualitativa, promovendo a compreensão do comportamento entre os personagens envolvidos no cyberbullying, objetivando reconhecer os atos que acarretam o suicídio. Ademais, o estudo aponta uma solução para a redução dos casos de autoextermínio proveniente da violência virtual.

  1. DO BULLYING

A trajetória humana foi marcada por diversos atos de caráter violento, que eram culturalmente aceitos pela sociedade na época. Segundo ROBERT MUCHEMBLE (2014, p. 1), “surge no início do séc. XIII a palavra violência, que deriva-se do latim vis (força ou vigor), [...] definido como uma relação de força que visa submeter ou constranger o outro”. Atualmente, a violência reformulou-se devido às leis criadas para regular o comportamento do indivíduo, em que a brutalidade física foi substituída por atos contra o psicológico da vítima, não apresentando marca física no indivíduo.

Em meio às novas formas de violência, o bullying, que é uma palavra de origem inglesa derivada do verbo “bully”, machucar ou ameaçar alguém mais fraco. Para GÓES (2016), é a conduta de intimidação que se utiliza de violência, seja ela física ou psicológica, havendo ações repetitivas e imotivadas. A conduta poderá ser praticada contra uma ou mais pessoas, objetivando intimidar ou agredir a vítima, causando consequências que vão além de dores físicas. Em sua grande maioria, estas ações ocorrem na fase da infância e/ou adolescência de meninos e meninas, onde em grande proporção, as vítimas são vistas como pessoas mais fragilizadas, seja por sua idade inferior, peso, orientação sexual, interesses ou até mesmo cor da pele.

A ocorrência do bullying normalmente é no meio escolar, em que um aluno tenta intimidar o outro colega, no caso a vítima, mostrando sua força e a oprimindo. O autor de tais ações, cometem apenas na presença de outras pessoas, pois sua satisfação ganha êxito quando alguém presencia o ato. Dentro desse cenário conseguimos isolar três personagens: O autor da conduta, a vítima e o expectador. O autor é quem ataca supostamente outro mais fraco, com o objetivo de causar humilhação, dor ou constrangimento; a vítima é quem sofre às agressões físicas e psicológicas, e o expectador é aquele que assiste ou até mesmo auxilia o agressor na prática.

O gênero não é empecilho para que ocorra a violência, o autor poderá ser de ambos os sexos, diferenciando a forma que se propagada a violência. SILVA (2010 apud GOES, 2016, p. 16) cita que a “prática é realizada tanto por meninos, quanto por meninas, a diferença está no ato em si, pois as meninas desenvolvem a prática com injúria e difamação, já os meninos, agressões físicas [...]”, entretanto, essa diferença torna-se cada vez mais tênue, podendo existir agressões físicas e/ou práticas de injúria e difamação executados por ambos os gêneros.

Um ponto a ser considerado, é a difícil identificação de casos de bullying, pois grande parte das vítimas por medo ou receio de sofrer mais agressões, escondem dos próprios pais ou responsáveis, além de não buscarem algum meio de ajuda. De modo geral, o alvo se vê como indefeso, desencadeando consequências como: baixa autoestima, afastamento dos colegas, tristeza, depressão, autoflagelação ou até mesmo o suicídio. Como destaca GÓES (2016):

[...]é fundamental o papel da segurança pública em situações em que há violência e criminalidade entre jovens. É importante ser considerado o fenômeno do bullying nas investigações, assim, inúmeros casos de suicídios, assassinatos, lesões corporais graves poderiam ser evitadas se existisse um tratamento mais adequado para esse tema. (SILVA, 2010 apud GOES, 2016, p. 16),

O papel da Escola, dos pais e/ou responsáveis, é acompanhar seus filhos/alunos em tarefas diárias, estabelecendo um canal de segurança a fim de auxiliá-los em qualquer dificuldade que apresente. Ao sinal de isolamento ou alteração do perfil conhecido do jovem, deverá existir uma atuação de todos os envolvidos para que evite qualquer desdobramento futuro, como traumas psicológicos.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A existência do bullying já ocorre desde a antiguidade, porém não há indícios do início, mas as primeiras sinalizações começaram a surgir a partir da década de 1970, e a Suécia foi o primeiro país a iniciar as investigações sobre esse comportamento. Detalha FANTE (2005), que em pesquisas realizadas na Escandinávia, era nítida a violência no meio escolar e sua proliferação em outros países. Destaca o fato ocorrido em 1982, na Noruega, sobre suicídio de crianças decorrente do bullying, criando um alerta para as autoridades a fim de reduzir ou erradicar essa violência.

Dan Olweus foi o primeiro a realizar estudos sobre a violência do bullying. O objetivo dessa pesquisa era diferenciar uma simples brincadeira, como por exemplo, uma gozação de uma ação agressiva. FANTE (2005) relata sobre pesquisa apontada por Olweus, identificando que a cada grupo de 7 (sete) alunos, 1 (um) era envolvido em situações de bullying.

O Brasil, em 1997, passou por diversas pesquisas sobre bullying escolar. LEÃO (2010, p. 122) relata, que a Prof. Marta Canfield foi a primeira a iniciar a exploração sobre esse assunto no país. Entre 2000 e 2001, Israel Figueira e Carlos Neto seguiram com as pesquisas. E a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência desenvolveu estudo revelando que 40,5% dos alunos entrevistados já tiveram envolvimento em episódios de violência.

No Brasil, após alguns debates, foi sancionada a Lei 13.185/16 chamada de Programa de Combate à Intimidação Sistemática, conceituando o bullying. O objetivo desta norma, é determinar que os estabelecimentos de ensino, impeçam quaisquer tipos de violência entre os alunos, sendo de responsabilidade da entidade, conscientizar e prevenir tais condutas adversas. Contudo, não atribui a ação do autor como crime, tampouco a possibilidade da aplicação de sanção.

  1. CYBERBULLYING

Conceituado anteriormente, o bullying apresenta-se de diversas formas, e, através da criação da internet e sistemas informatizados, a agressão passou a ser propagada no meio digital, chamada de cyberbullying. O termo foi criado pela junção de dois termos: o “cyber”, que se associa a internet ou espaço virtual, e o “bullying”. Desse modo, o cyberbullying pode ser conceituado como uma ação em que um indivíduo busca intimidar a vítima, de forma reiterada, por meio da internet ou qualquer dispositivo móvel.

MENDONÇA (2016) afirma que:

O cyberbullying pode ser considerado pior que o bullying, porque a vítima pode ser perseguida por horas, podendo chegar a todos os dias da semana, através de redes sociais, mensagens no celular, contendo filmes ou fotos da vítima em situações constrangedoras e até mesmo a publicação destes arquivos nas redes através de perfis falsos.  Inclusive, é bastante comum, o uso de fotos adulteradas com conteúdo difamatório. (p. 47-50).

A velocidade de processamento que a internet possibilidade, implica no alcance de grande quantidade de pessoas e curto espaço de tempo. Logo, o ato violento produzido pelo cyberbullying, amplia o sofrimento vítima. Pode-se citar como exemplo, a “pornografia de vingança”, em que no âmbito da relação, uma das partes decide expor vídeos íntimos da outra, com intenção de humilhar perante a sociedade, incluindo seus familiares, satisfazendo seu desejo de vingança pelo fim do vínculo afetivo. Ocorre que, a exposição é tamanha, ao ponto da vítima cometer suicídio.

3.1 OS PERSONAGENS

A violência apresentada pelo cyberbullying ocorre num cenário composto de três personagens: o autor, a vítima e o espectador.

O agressor tem por objetivo humilhar ou menosprezar a vítima, apresentando-se como parte mais forte daquela relação, e tornando-se popular aos demais que convivem junto ao mesmo. A reação de sofrimento da vítima possibilita a redução da conduta do autor, mas causa satisfação. Existem possíveis fatores desencadeadores que podem explicar o motivo da conduta dos agressores, como conflitos entre membros da família, maus tratos associados a algum abuso, ou baixa autoestima. Com isso, estas pessoas tendem a descontar a sua raiva em outras mais fragilizadas.

Muitos estudantes vivenciam esta realidade, onde a internet faz-se cada vez mais presente no ambiente escolar. Meio social em que as crianças estão muito mais suscetíveis a brincadeiras, que muitas vezes podem ser consideradas hostis e machucam de forma severa o outro.

Através de dispositivos moveis estas crianças disseminam apelidos, ofensas e até mesmo mentiras sobre outros jovens com o único objetivo de atingir hostilizar.

A vítima normalmente é escolhida pelo perfil tímido, introspectivo ou que apresente alguma característica divergente do que o agressor acredite ser o correto. Podendo ser apontado pelo seu estereótipo, inclinação religiosa, opção sexual e etc. Geralmente a vítima é aquela:

Pouco sociável, que sofre repetidamente as consequências dos comportamentos agressivos de outros; possui aspecto físico frágil, coordenação motora deficiente, extrema sensibilidade, timidez, passividade, submissão, insegurança, baixa autoestima, alguma dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspectos depressivos. Sente dificuldade de impor-se ao grupo, tanto física quanto verbalmente. (SILVA, 2006 apud LEÃO, 2010, p. 125).

Um sujeito, que é vítima dessa conduta, poderá ser identificado pelo seu comportamento, tal como a dificuldade de estabelecer uma relação interpessoal, ficar isolado, faltas constantes ao colégio, possuir dores de cabeça e mudança de humor, etc. Existem casos da prática de autolesão, ou até mesmo o suicídio.

O último personagem desse cenário é o Espectador, e sua existência é necessária para satisfação do agressor. Esse sujeito tem por função testemunhar o fato ou repassar o conteúdo difamatório. Geralmente não defende a vítima, tampouco tem envolvimento com a prática agressiva, mas é sujeito fundamental, atuando como plateia e expandindo a prática iniciada pelo agressor.

3.2 DAS CONSEQUÊNCIAS

As agressões poderão gerar consequências psíquicas ao indivíduo que sofre por tais atos, não deixando qualquer marcar no corpo do sujeito, mas danos irreparáveis em sua mente. As consequências do cyberbullying afetam todos os envolvidos, desenvolvendo problemas físicos e emocionais, sejam de curto ou longo prazo.

Ademais, acarreta sequelas, quanto criança, que poderão se estender até a vida adulta, como dificuldade de relacionamento no trabalho, formação de família e criação dos filhos. Segundo FANTE (2005), a intensidade do sofrimento e sua absorção poderão se manifestar na vítima de várias formas, apresentando sintomas psicossomáticos como:

[...] enurese, taquicardia, sudorese, insônia, cefaleia, dor epigástrica, bloqueio dos pensamentos e raciocínio, ansiedade, estresse, depressão, pensamentos de vingança e suicídio, bem como reações extras psíquicas, expressos por agressividade, impulsividade, hiperatividade e abuso de substâncias químicas. (FANTE, 2005, p. 80).

As pessoas que são submetidas a qualquer violência desse gênero, poderão desencadear transtornos mentais. Geralmente transtornos de humor como a depressão, acarretam isolamento e desinteresse em tarefas comuns no dia-a-dia. Existem casos que o indivíduo já tem predisposição para tais transtornos, razão essa que poderá agravar ou fragilizar o quadro.

Os danos gerados por essas violências psicológicas são curáveis, mas podem ser letais caso não sejam tratadas em tempo hábil. Casos de suicídio para pessoas acometidas com depressão são comuns, além das ações de autolesão.

3.3 O CYBERBULLYING NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A evolução tecnológica ocasiona um novo conceito de sociedade, sendo construídas concomitantemente ao seu avanço, as informatizações. O Direito, como regulador do comportamento do indivíduo na sociedade, não acompanha essa rápida evolução social, a Lei 12.965/14, também conhecida como Marco Civil da Internet - objetiva disciplinar os brasileiros na utilização da internet, traz em seu escopo, garantias constitucionais, direitos e deveres. Entretanto, os artigos da referida lei, não estabelecem punições ou sanções aos usuários que praticarem atos ilícitos, devido a ausência de tipificação penal dos crimes cibernéticos.

Os delitos praticados em meio físico, passaram a serem efetuados no espaço virtual. Destaco o crime de furto, art. 155 do CP - o ato de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (BRASIL, 1940), ou seja, a lesão ao patrimônio ocorre quando o agente afana algo que não o pertence. A consumação, segundo GRECO (2017), ocorre quando a coisa furtada sai da esfera de vigilância da vítima. Considerando o mesmo crime, mas realizado em meio virtual, o agente não necessita do contato com a coisa para realizar a subtração, poderá este praticar em qualquer lugar, como por exemplo: os dados copiados de contas eletrônicas, que possibilite a retira ou transferência de valores em dinheiro para outras contas.

Com a transformação da sociedade, surge a necessidade das normas acompanharem essa evolução, adaptando a mudança do novo perfil criminológico do individuo, pois a ausência de dispositivo que enquadre essa contemporânea forma de crime, provoca impunidade dos agressores e a continuidade delitiva.

O Código Penal Brasileiro, em seu Capítulo V, aduz os crimes contra a honra: calúnia, injúria e a difamação. Esses injustos penais, são utilizando como fundamentação das práticas de cyberbullying, como destaca notícia veiculada no PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS (2016), em que a advogada especialista em direito digital. Gisele Truzzi, afirma que nosso ordenamento já tipifica o cyberbullying como crime. Segundo a advogada, a conduta analisada, trata-se apenas de crime contra a honra, por meio do computador ou dispositivo móvel. Ressalta ainda, que o próprio Decreto-Lei 2.848/40 define a majoração da pena quando o crime for praticado na presença de várias pessoas.

A conduta de cyberbullying, como já explicado no decorrer do estudo, é caracterizada por agressões intencionais e repetitivas sem motivação aparente. Razão essa, que a ideia apresentada pela advogada não poderá ser aceita, pois os crimes contra a honra, como exemplo o difamação, art. 139 do CP, determina que - “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação” (BRASIL, 1940), não apresenta características determinantes do comportamento da violência virtual.

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A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LNDB) em seu art. 4ª, traz a ideia que, na omissão da norma, o Juiz poderá utilizar da analogia, costumes e princípios para o julgamento de casos sem norma específica, entretanto os dispositivos elencados do Capítulo V do Código Penal Brasileiro não são análogos ou se satisfazem para enquadrar a prática do cyberbullying. O art. 1ª do CPB aduz que: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940), desse modo, na ausência da norma jurídica o ato é considerado atípico, não sendo imputado uma punição pela conduta.

3.3.1 A tipificação penal do cyberbullying

O estudo acerca do tema vem sendo analisado em todo o mundo. Os Estados Unidos, que através de JUVONEN e GROSS (2008 apud WENDT, 2012) expuseram dados surpreendentes obtidos da pesquisa de campo realizada, onde os pesquisados responderam perguntas como: se já sofreram ou conhecia quem sofreu, ou participaram de ações de bullying/cyberbullying. O resultado da investigação constatou que 77% das pessoas que responderam à pesquisa, com idade entre 12 a 17 anos, confirmaram que foram vítimas de insultos e mensagens ameaçadoras, sendo que 90% desse montante afirmaram que não comunicaram o caso para seus pais ou responsáveis.

Com o aumento dos crimes ocorridos no ambiente virtual, e a ausência de legislação que puna ações nesse espaço, algumas associações surgiram para auxiliar os usuários a se protegerem desses ataques. Uma dessas organizações é a SAFERNET (2018), fundada no ano de 2005, atua no território nacional, focando na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet. O grupo mantém uma central nacional de denúncias de crimes cibernéticos, com o apoio de empresas privadas, públicas, organizações internacionais e a sociedade civil, como por exemplo, o Ministério Público Federal, Ministérios dos Direitos Humanos, Policia Federal, Unicef, Facebook, etc.

A SaferNet recepciona casos de violência no meio virtual, apoio aos pais e vítimas de intimidações, chantagem, tentativa de violência sexual, exposição forçada de fotos e filmes sensuais. O HelpLine Brasil é um canal de registros de denúncias e assistência às pessoas que sofreram violência cibernética. Indicadores apresentados pelo site constam que nas 27 unidades da Federação, no período de 2007 a 2017, foram 15.983 pessoas atendidas, dentre elas, 2.269 eram crianças e adolescentes, 1.751 pais e educadores e 11.963 outros adultos.

Em 2016, o site registrou cerca de 312 casos de cyberbullying e ofensas, e desse total, 202 foram do sexo feminino e 110 do sexo masculino. Em 2017, houve o aumento dos casos para cerca de 359, com 242 do sexo feminino e 117 do sexo masculino. O Estado de São Paulo, no mesmo ano, apontou maior índice de denúncias, cerca de 95, seguido do Estado da Bahia com 31 e o Rio de Janeiro com 25 casos registrados. É necessário ressaltar que os dados expostos no site não correspondem ao percentual real das agressões, pois, pela falta de conhecimento, orientação ou até mesmo identificação da conduta violenta, usuários não fazem os registros.

Em 2016 foi sancionado o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, Lei 13.185/16, conhecido como Lei Anti-bullying. O aludido programa, determina que às escolas criem ações contra esse tipo de violência, além de fiscalizarem e monitorarem o ambiente escolar, a fim de incluir práticas preventivas. Na presente lei, no art. 2º, parágrafo único, traz os aspectos e características do cyberbullying a fim de identificar a conduta:

Parágrafo único.  Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. (BRASIL, 2015).

A necessidade de uma tipificação especifica para julgamento dos casos sobre este tema, atrelado ao aumento de vítimas e ausência de dispositivo de punição, gera uma sensação de impunidade por parte dos autores. Projetos são criados com o intuito de tipificar penalmente o bullying e o cyberbullying no Brasil, é o caso do Projeto de Lei (PL) 1011/11.

O PL apresentado em 12/04/2011, tem por objetivo definir como crime a intimidação escolar (bullying). A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou, em 20/11/2013, texto que substitui a redação do PL1011/11. Segundo o site da Câmara dos Deputados, HAJE (2013) relata que a composição determina ações em que o agente será enquadrado como praticante do tipo penal, dentre elas, o fato de intimidar, ofender, castigar alguém, a um sofrimento físico ou moral, de forma reiterada. Inclui também no dispositivo criado, a conceituação da prática de cyberbullying e as penas relativas à postura do autor.

Sobre a punição determinada no projeto, aduz ainda que será imputada a pena de detenção de 1 a 3 anos e multa, caso ocorra no meio escolar, poderá ser elevada até 50%, e, já nos casos de cyberbullying, a pena terá o aumento de 1/3. Nas situações que a vítima for deficiente, menor de 12 anos, ou se o crime ocorrer devido a questões de raça, etnia, cor, etc., a pena será aplicada em dobro.

Nas ações que resulte em lesão corporal ou sequela psicológica grave, a pena será de reclusão de 1 a 5 anos. A lesão sendo permanente, a pena passará a ser de 2 a 8 anos. Quando ocorrer morte, será atribuída a pena de 4 a 12 anos.

Em 08/05/2018, a PL trouxe novos desdobramentos, o relator Dep. Mandetta, partido Democratas do Mato Grosso do Sul, opinou pela aprovação e conversão em lei. No dito parecer, o deputado reafirma a necessidade de uma tipificação penal, ressaltado as consequências da conduta do agressor:

[...] possível isolamento ou queda do rendimento escolar, crianças e adolescentes que passam por humilhações racistas, difamatórias ou separatistas podem apresentar doenças psicossomáticas e sofrer de algum tipo de trauma que influencie traços da personalidade. Em alguns casos extremos, a intimidação chega a afetar o estado emocional do jovem de tal maneira que ele opte por soluções trágicas, como o suicídio [...]. (BRASILIA, 2018).

Diante dos dados apresentados ao decorrer deste capítulo, embasado em números alarmantes sobre as denúncias de cyberbullying, a conduta deverá ser tipificada, pois na ausência de uma norma que auxilie nas tratativas desses casos, o percentual de vítimas só aumenta e os agressores continuam impunes.

  1. O SUICÍDIO

Chamado de autoextermínio ou autocídio, o suicídio é o ato de colocar fim em sua própria vida, ou seja, matar-se. A palavra tem sua origem no latim, suicidium, em que sui significa “próprio” e o cidium “matar”. A ação de suicidar-se passou por diversas transformações no decorrer dos tempos. KOVÁCS (2016) relata que na antiguidade greco-romana, aqueles que ceifavam sua própria vida não teriam direito ao sepultamento, e suas mãos eram cortadas e enterradas separadas do corpo. No século XIX, na Europa, a prática era atribuída como crime, e os que sobreviviam eram aprisionados.

Para a religião, o suicídio possui diversos significados, e, em alguns destes, acredita-se que o cometimento desse ato é um crime espiritual, pois aquele que deu a vida é o único que poderá tirá-la. Em outras religiões, a condenação para a pessoa é o próprio motivo que o levou à pratica, pois caso tenha sido por razões ruins, a sua alma retornará triste, ou qualquer situação negativa. Ainda existem crenças, que não admite que o julgamento por esse mérito, pois somente cabe ao criador da vida.

Na busca de entender os motivos que levam uma pessoa ao autoextermínio, surgem diversos pontos de vista. A sociologia através de Émile Durkheim, atribui a ideia dessa prática ser fundamentada em questão social. DURKHEIM (1982, apud TORO et el, 2013), em seu livro “Le Suicide”, define que o suicídio é “todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado”. Ademais, classifica o suicídio em três tipos: egoísta, altruísta e o anônimo.

O primeiro tipo, tem relação com a depressão ou sensação de abandono moral, causando desinteresse no convívio social. O segundo, é aquele em que se motiva sobre uma causa importante para sociedade ou comunidade, seu não cometimento é entendido como uma desonra e deverá ser punido. E o último, se caracteriza pelo reflexo de um estado desorganizado em que a ordem social se encontra em colapso.

A psicologia traz o entendimento fundamentado na individualização do ser, em que o ato é consequência de uma eliminação de dor psíquica. Ou seja, o indivíduo encontra no suicídio a única forma de eliminar a dor, seja ela não física, um sofrimento mental aparentemente sem solução, acreditando que a única forma para interromper tudo isso é a morte.

4.1 SUICÍDIO NO BRASIL

O sentimento suicida tem sua ligação em diversas causas que geralmente não são isoladas, o indivíduo procura solução para seus problemas e como lidar com o fracasso, remorso, rejeição, humilhação ou até mesmo a depressão, encontrando assim solução na sua própria morte. Transtornos mentais como a depressão, esquizofrenia, ansiedade ou até mesmo fantasias negativas, geram mudanças ou oscilações de humor, em que o possuidor do transtorno mental admite uma vulnerabilidade, pois existem outros fatores que auxiliam no gatilho para a prática do ato suicida. Em dados apresentados pela ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (2017), dos 33.269 casos de tentativa de suicídio do sexo feminino, cerca de 25,5% possuíam algum transtorno/deficiência mental; e dos 14.931 casos do sexo masculino, cerca de 27,7%.

Segundo MANUAL PARA PREVENÇÃO AO SUICÍDIO (2017), elaborado pelo Ministério da Saúde, existem sinais emitidos pelo indivíduo que possui sentimento de acabar com a própria vida. Lembrando que não existe um cronograma ou manual para confirmar a crise suicida, contudo alerta que:

As pessoas sob risco de suicídio costumam falar sobre morte e suicídio mais do que o comum, confessam se sentir sem esperanças, culpadas, com falta de autoestima e têm visão negativa de sua vida e futuro. Essas ideias podem estar expressas de forma escrita, verbalmente ou por meio de desenhos. Alguns indivíduos começam a formular um testamento ou fazer seguro de vida. (BRASIL, Ministério da Saúde, 2017, p.3).

Ademais, expressões como “vou desaparecer”, “vou deixar vocês em paz”. “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar”, não deverão ser tratadas como chantagem emocional. Como também o isolamento habitual, deixar de interagir, ficar em casa ou fechado em seu quarto, são comportamentos de evasão social. O manual explora outros fatores que podem auxiliar no comportamento suicida:

A exposição ao agrotóxico, perda de emprego, crises políticas e econômicas, discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, agressões psicológicas e/ou físicas, sofrimento no trabalho, diminuição ou ausência de autocuidado, podem ser fatores que vulnerabilizam, ainda que não possam ser considerados como determinantes para o suicídio. Sendo assim, devem ser levados em consideração se o indivíduo apresenta outros sinais de alerta para o suicídio. (BRASIL, Ministério da Saúde, 2017, p.3).

O suicídio poderá afetar qualquer classe, idade ou gênero. Esse fenômeno de autodestruição é a 15ª causa de mortalidade do mundo, representando 1,4% de todas as mortes no mundo, dado apresentado através do BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (2017). O boletim traz o estudo do perfil epidemiológico dos indivíduos que cometeram suicídio, dividindo nas tentativas e os que chegaram ao óbito no Brasil. O período apresentado no periódico foi de 2011 a 2016.

O estudo analisou o perfil do autoextermínio no Brasil, trazendo o comparativo do gênero, raça/cor, escolaridade, idade, zona de residência, local de ocorrência, repetição, relação com o trabalho, o meio utilizado para autoprovocar a lesão (enforcamento; intoxicação exógena; arma de fogo; e outras formas). Em relação as tentativas, os dados definiram que as mulheres são:

53,2% eram brancas e 32,8% negras (pardas + pretas). Quanto à escolaridade, 28,5% delas apresentavam ensino fundamental incompleto ou completo e 25,5% ensino médio incompleto ou completo. A ocorrência de tentativa de suicídio se concentrou nas faixas etárias de 10 a 39 anos, representando 73,1% dos casos [...]; A grande maioria delas, 92,1%, residia na zona urbana, e os casos se concentraram nas regiões Sudeste (44,8%) e Sul (33,4%). Evidenciou-se que 88,9% dos casos ocorreram na residência, seguidos de 2,3% em via pública. Chamou a atenção o fato de 31,3% das lesões terem caráter repetitivo, embora fosse elevada a proporção de dados ignorados (27,9%). (BRASIL, Ministério da Saúde, 2017, p. 4).

Enquanto os homens foram:

52,2% eram brancos e 34,8% negros (pardos + pretos). Com relação à escolaridade, 30,1% deles apresentavam ensino fundamental incompleto ou completo e 22,6% ensino médio incompleto ou completo. Em 71,1%, os casos ocorreram nas faixas etárias de 10 a 39 anos. [...]; A grande maioria deles, 89,9%, residia na zona urbana, e os casos se concentraram nas regiões Sudeste (42,8%) e Sul (34,9%). A análise das características das ocorrências mostrou que 82,0% dos casos ocorreram na residência, seguidos de 5,4% em via pública. Apesar da elevada proporção de dados ignorados (29,6%), 26,4% das lesões tinham caráter repetitivo. (BRASIL, Ministério da Saúde, 2017, p. 4).

O Brasil registrou 55.649 óbitos por suicídio no período de 2011 a 2015. A taxa geral de 5,5/100mil habitantes, variando de 5,3 em 2011 a 5,7 em 2015. O boletim apresenta que:

O risco de suicídio no sexo masculino foi de 8,7/100 mil hab., sendo aproximadamente quatro vezes maior que o feminino (2,4/100 mil hab.). Em ambos os sexos, o risco aumentou, ao longo do período, passando de 8,4 para 9,1/100 mil hab. no sexo masculino e de 2,3 para 2,5/100 mil hab. no feminino. Assim, o crescimento da taxa foi de 0,7/100 mil hab. No sexo masculino e de 0,2/100 mil hab. no feminino. (BRASIL, Ministério da Saúde, 2017, p.6).

Os resultados expressos no boletim, traçam perfis de homens e mulheres que cometeram ou tentaram o suicídio no ano de 2017. Dados que são necessários para implementação de políticas que buscam impedir o aumento dos suicídios.

4.2 TIPO PENAL DE INDUZIMENTO, INCENTIVO E AUXILIO AO SUICÍDIO

A sociedade, com o passar do tempo, necessitou de uma regulamentação do comportamento, e nesse contexto, surgiu o Direito. A interferência do Estado, através de normas jurídicas traz a finalidade de controle e regimento da conduta do homem no meio social. Nesse diapasão surgiu o Direito Penal, ilustrando ação e consequência em que se o indivíduo praticar, será punido. ANÍBAL BRUNO (1967 apud MASSON, Cleber, 2017, p. 57).) conceitua o Direito Penal com:

O conjunto das normas jurídicas que regulam a atuação estatal nesse combate contra o crime, através de medidas aplicadas aos criminosos, é o Direito Penal. Nele se definem os fatos puníveis e se cominam as respectivas sanções – os dois grupos dos seus componentes essenciais, tipos penais e sanções. É um Direito que se distingue entre os outros pela gravidade das sanções que impõe e a severidade de sua estrutura, bem definida e rigorosamente delimitada.

O Código Criminal de 1830, já tipificava o crime de auxílio ao suicídio em seu artigo 196, nele que aduz que: “ajudar alguém a suicidar-se, ou fornecer-lhe meios para esse fim com conhecimento de causa. Penas - de prisão por dois a seis anos”. Como a revogação do Código Criminal de 1930, surgiu o Código Penal de 1940, que aumenta o tipo elencados no artigo do antigo código. O artigo 122, do CP, aduz que:

Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. (BRASIL, 1940)

As ações apresentadas no tipo penal poderão ocorrer isoladamente ou cumulativamente. Entender-se por induzimento o agente que incutir, inspirar ou apresentar ideia de suicídio àquele que não possua, poderá responder pelo presente tipo penal. O artigo também engloba ações como instigar ou prestar auxílio para que alguém retire sua própria vida.

Na doutrina existe controversa acerca do auxílio pela modalidade omissiva. Segundo NUCCI (2017) existem duas correntes: a) a que não admite o auxílio por omissão, pois a ação de “prestar auxílio” é do tipo comissivo; b) a que admite e afasta o entendimento da primeira corrente, pois, o tipo comissivo admite a omissão, ressaltando que o agente será punido quando teria o dever de impedir e não o fez. Para ilustrar, o autor exemplifica:

O pai que, sabendo da intenção suicida do filho menor, sob poder familiar, nada faz para impedir o resultado e a enfermeira que, tomando conhecimento da intenção suicida do paciente, ignora-a por completo, podem responder pela figura do auxílio, por omissão, ao suicídio (NUCCI, 2017, p.464).

Para tanto, todas estas teorias deverão ser respaldadas à luz do direito, em que omitir-se, será o agente responsável por sua omissão, podendo esse ter evitado a consumação do tipo, pela autor do ato.

  1. NEXO DE CAUSALIDADE

A conduta praticada pelo agente e o resultado produzido, chama-se nexo causal ou relação de causalidade. GRECO (2017) esclarece que é o elo que une a ação praticada e a produção do resultado, gerando fatores necessários para a atribuição ao agente a responsabilidade pelo ato. Segundo Bitencourt (2014), o fato delituoso apresenta-se como tipo objetivo de forma externa, como por exemplo, os crimes que são de mera conduta, em que o ato se satisfaz pelo tipo legal, já os que possuem resultado, torna-se necessário a análise do nexo de causalidade. Diante disso, não havendo essa relação, não existira possibilidade do agente ser responsabilizado.

O art. 13, do Código Penal, traz o entendimento de que a causa é a ação ou omissão que possibilitou o resultado, e que sem ele, não poderia ocorrer. Já o resultado que determina o crime, só poderá ser atribuído a quem deu a causa.

A causa pode ser conceituada como qualquer ação ou até mesmo a omissão, sendo tais fatores substanciais para a existência do resultado. Guilherme Nucci (2017) explica que: “não há qualquer diferença entre causa, condição (aquilo que permite à causa produzir o seu efeito) e ocasião (circunstância acidental que favorece a produção da causa), para fins de aplicação da relação de causalidade” (p. 482). Nesse contexto, para investigar se o fato foi a causa de um determinado crime, retira-o do cenário, e se mesmo com sua ausência, produzir o resultado, esse fato não é considerado causa do crime.

O resultado poderá ser analisado em dois critérios, podendo ser expresso na sua forma naturalista ou jurídica. Consoante aos critérios apresentados, NUCCI (2017) explica que o resultado naturalístico:

O resultado naturalístico é a modificação sensível do mundo exterior. O evento está situado no mundo físico, de modo que somente se pode falar em resultado quando existe alguma modificação passível de captação pelos sentidos. Exemplo: a morte de uma pessoa é um resultado naturalissimamente comprovável. Já o resultado jurídico é a modificação gerada no mundo jurídico, seja na forma de dano efetivo ou no de dano potencial, ferindo interesse protegido pela norma penal. Sob esse ponto de vista, toda conduta que fere um interesse juridicamente protegido causa um resultado. Exemplo: a invasão de um domicílio, embora possa nada causar sob o ponto de vista naturalístico, certamente provoca um resultado jurídico, que é ferir o direito à inviolabilidade de domicílio do dono da casa. (p. 483).

O nexo de causalidade é uma discussão bastante antigo, e com o passar do tempo, surgiram várias teorias acerca do nexo de causalidade, trazendo soluções para o entendimento dessa ferramenta para o ordenamento jurídico, além de críticas em sua aplicação.

5.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

No passar do tempo sugiram várias teorias de causalidade, onde foram criados meios para a configuração da existência de crime, imputando-o ao agente causador. Nessa evolução, destacamos as três teorias mais importantes para a construção da ideia causal: Teoria da Condição ou Equivalência; Teoria da Adequação e a Teoria da relevância jurídica.

A teoria da condição ou equivalência, também é conhecida como a teoria da equivalência dos antecedentes causais. Tal teoria é conceituada como a causa, ou tudo aquilo que que tenha agregado, mesmo em menor potencial, a produção do resultado, eliminando, de uma forma mental, e mesmo que esse resultado tenha ocorrido, aquela causa não é constituída como fator de produzir o resultado. A presente teoria também é conhecida como teoria da conditio sine qua non (condição sem a qual não), Segundo CONSTANTINO (2017):

A causa é toda a condição sem a qual o evento não teria ocorrido, do modo como ocorreu. Para a constatação do nexo causal, a corrente doutrinária ora examinada utilizasse de uma fórmula ou procedimento, denominado procedimento de eliminação hipotética, através do qual uma suposta causa é mentalmente suprimida de uma cadeia causal, para se saber se tal fator é causa ou não-causa do evento. (p. 44).

A teoria das condições foi bastante criticada por diversos estudiosos, o critica pairava pelo chamado “regressus ad infinitum” (retorno ao infinito), em que determina como causa tudo aquilo que contribuiu para o resultado. A exemplo, CONSTANTINO (2017) cita:

Um atropelamento efetuado com veículo automotor, dirigido por um indivíduo ébrio, que cause a morte da vítima, deve-se concluir que a ação culposa (imprudente) do motorista é causa, mas também são causas da ocorrência: o automóvel, quem fabricou as autopeças e montou o veículo, quem vendeu o veículo ao perpetrador do atropelamento, quem extraiu os minérios da Natureza para a confecção das autopeças; a bebida alcoólica, bem como quem industrializou e vendeu a citada bebida ao motorista; os pais do motorista, que o geraram, etc. (p.48).

A teoria da adequação surge como uma análise pessoal do Juiz, pois o magistrado utiliza-se das suas experiências da vida ou do cotidiano como meio de enquadramento da causa ao resultado. Contudo, essa teoria foi bastante comentada, pois se utilizava de causas prováveis, sem nenhuma base sólida de enquadramento, razão essa, que não foi aceita pelo ordenamento jurídico.

A seguir, surge a terceira teoria, a teoria da relevância jurídica. Os doutrinadores dessa corrente estabelecem que a identificação do nexo de causalidade deverá ser realizada pela Teoria da Condição, porém a imputação do resultado ao agente deverá ser sustentada pela relevância à norma jurídica. CONSTANTINO (2017) traduz o entendimento através do seguinte exemplo:

O indivíduo F tem consciência de que seu conhecido J sofre de uma grave enfermidade cardíaca e, portanto, não pode experimentar emoções fortes; mas querendo matá-lo, F conta uma piada extremamente engraçada a J, sendo certo que este último é tomado de uma crise incontrolável de riso, devido à piada, e sofre um ataque cardíaco fulminante, que o leva a óbito; pois bem: no tocante à causalidade física (analisada segundo os postulados da teoria da condição), obviamente a piada contada por F foi causa da crise de riso irrefreável em J, decorrendo daí seu ataque cardíaco e morte; entretanto, analisando-se a conduta de “contar uma piada” e observando-se a finalidade da norma jurídica e os caracteres do tipo penal correspondente (homicídio – “matar alguém”), há que se negar a relevância jurídica da respectiva causa (piada). (p.51)

Entretanto, a teoria apresenta problema na sua análise, pois utilizando a teoria da condição, cria-se a dificuldade em interromper o regresso, por ser a causalidade medida pelas Leis da Física.

5.2 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVO

A teoria da imputação objetiva foi desenvolvida por Claus Roxin na década de 1970, trazendo uma complementação das teorias causais anteriores, bem como uma solução para o regressus ad infinitum. A imputação objetiva visa limitar a responsabilidade do agente que pratica uma determinada ação, apresentando critérios, que serão analisados a fim de atribuir o resultado ao responsável pela conduta.

Destarte, para atribuir um resultado a um sujeito, não será necessário determinar seu nexo de causalidade, mas sim a existência de um nexo que seja possível analisar se houve a criação de um risco proibido, ou elevou aquele permitido.

A teoria determina que, para imputar um resultado na conduta de um agente, será imprescindível avaliar se esta conduta prosperou para a criação ou aumento de um risco. ROXIN (2002), simplifica dizendo que

Um resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação, quando o risco se realiza no resultado concreto, e este resultado se encontra dentro do alcance do tipo. ( p.11).

A imputação objetiva de Claus Roxin utiliza critério para atribuição da responsabilidade ao agente, supostamente, responsável pelo resultado. GRECO (2014) resume que “a imputação objetiva enuncia o conjunto de pressupostos genéricos que fazem de causação, uma conduta objetivamente típica”.

Além disso, o autor destaca que a teoria traz uma posição secundária ao tipo subjetivo e a finalidade, trazendo prioritariamente o tipo objetivo para a imputação. GRECO (2014) salienta que “esse tipo objetivo não pode, porém, esgotar-se na mera causação de um resultado”, sendo necessário que preencha as ideias aduzidas na presente teoria, como a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste no resultado.

5.2.1 Criação do risco não permitido

A criação do risco não permitido tem por finalidade analisar o comportamento do autor, sendo influenciado por circunstâncias subjetivas. O risco não permitido é aquele no qual a ação é ilícita, e que sendo praticada, poderá ocasionar um risco de perigo ao objeto da ação, e nesse contexto, o dolo encontra-se de forma secundária para imputar o resultado ao agente. PRADO (2005) apresenta como exemplo:

"A", sobrinho e herdeiro de "B", o envia em uma viagem de avião com a esperança de que sofra um acidente e que, em consequência, morra.  Também seria aplicável tal critério às hipóteses de desvio do curso causal (p. ex., "A", atropelado por "B", morre ao ser levado ao hospital em razão de um acidente com a ambulância que o transportava).

O autor enfatiza que nos exemplos citados não seria possível atribuir a imputação objetiva, pois em tais exemplos, a ação do agente não criou um risco juridicamente proibido, apenas utilizou-se da pretensão que o resultado ocorra, no caso a morte, não criando risco de morte juridicamente relevante. Logo, para que seja imputado o resultado ao autor da ação, é indispensável a existência de um risco desaprovado que se materialize em uma consequência provável.

5.2.2 Aumento do risco permitido

O risco permitido é aquele tolerável e comum na vida em sociedade, a exemplo o avião, onde existe uma possibilidade de acidente, mas esse meio de transporte é essencial para a locomoção, na mesma ideia, existe o trânsito, em que os deslocamentos de carros ou qualquer automóvel, possuem risco de acidente, mas por precisarmos destes meios para percorrer longos trajetos, tornam-se tais riscos toleráveis.

PRADO (2005), apresenta mais um exemplo, em que:

"A", industrial, infringindo o dever de cuidado, entrega a seus trabalhadores matéria-prima não desinfetada para manejo, o que provoca a morte de quatro deles. Ao depois, constata-se que tampouco a desinfecção aconselhada teria eliminado a possibilidade de as mortes virem a ocorrer.

Diante do exemplo, torna-se possível o reconhecimento do nexo de imputação, que no caso “A” encontra-se no dever de cuidar, sendo que sua negligência e falta de observação implica no aumento do risco, intensificando-o. Ações essas que são relacionadas aos delitos culposos, em que o autor da ação não deseja o resultado, mas assume o risco por negligência ou imperícia.

5.2.3 A diminuição do risco

Na teoria objetiva, existe possibilidade em que impossibilita responsabilizar, ou reconhecer, o agente como causador do injusto, podendo existir o nexo causal, mas não o da imputação. Tavares (2000 apud CONSTANTINO, 2017, p. 54) apresenta critérios que afastam o nexo de imputação, sendo que tais critérios são: “que o risco, no caso, era tolerável ou permitido; o agente diminuiu o risco para o bem jurídico; [...]”.

Quando o agente diminui o risco também não se enquadra a imputação objetiva, como no caso apresentado por ROXIN (2002)  que:

Quem convence o ladrão a furtar não mil, mas somente cem marcos alemães, não é punível por participação no furto, pois sua conduta não elevou, mas diminuiu o risco de lesão. O mesmo vale para a redução de lesões corporais em rixas, bem como para vários casos análogos” (p.11).

O exemplo citado pelo autor admite a existência do nexo causal, mas afastar a Teoria da Imputação Objetivo, pois o agente não criou o risco, tampouco aumentou, mas diminuiu. Dessa forma, a redução da lesão possibilita o exaurimento da presente teoria.

5.2.4 A imputação objetiva de Günther Jakobs

Na visão de Gunther Jakobs, a imputação objetiva se estrutura pelo papel do indivíduo dentro da sociedade, ou seja, as relações desenvolvidas, bem como o convívio no meio social são necessárias para a análise da teoria. A vida torna-se complicada diante dos diferentes indivíduos que compõem o corpo social, as lesões surgem pelo convívio entres esses seres.

O papel que cada pessoa desempenha na sociedade torna-se essencial para análise da imputação. Logo, caso o agente viole seu papel, será atribuído o resultado gerado, diferente se a pessoa agiu dentro do limite, que desta maneira, será considerado um mero acidente. Entretanto, se o ato foi omisso em sua totalidade ou parcialidade, passar-se-á imputar o resultado.

JAKOBS (2000, apud PRADO, Luiz, 2005, p.6) ressalta a necessidade de analisar alguns requisitos para que se impute o resultado aquele que deu causa, tais como: o risco permitido; o princípio da confiança; a proibição de regresso; e a competência ou capacidade da vítima.

Considera-se risco permitido as ações aceitas e válidas no meio social, baseadas no contato entre os indivíduos que fazem parte da sociedade. As relações já geram um risco de lesão, contudo são aceitas pela necessidade de convívio. O princípio da confiança determina que o agente confiará que outro fará seu papel, ou cumprirá com sua obrigação perante a sociedade. Já a ideia da proibição de regresso tem relação com o princípio da confiança, envolvendo a figura de um terceiro indivíduo, no qual o agente não poderá ser responsabilizado pela conduta deste, como a exemplo: um vendedor de punhal, que vende para aquele que utiliza para assassinar uma pessoa, e, nesse contexto, o vendedor não poderá ser responsável pelo assassinato.

Quanto a competência ou capacidade da vítima, suas ações acarretará o afastamento da imputação objetiva ao agente causador, nas situações em que consente na prática do ato, ou assume o risco.

Das teorias desenvolvidas ao longo tempo, a imputação objetiva trouxe a solução acerca do regresso ao infinito, limitando a responsabilidade ao agente que cria um risco juridicamente proibido, ou aumento um risco permitido. Gunther Jakobs desenvolve uma visão divergente da teoria principal, em que, a solução para a limitação do regresso, é a identificação do risco determinante do resultado:

[...] dentre os antecedentes causais, deve-se selecionar aqueles determinantes, definidos pelo autor como risco determinante, que pode consistir em conduta de um ou de vários dos intervenientes, até mesmo da própria vítima, que neste caso deve suportar a título de fatalidade ou acidente. (GUNTHER, Jakobs. 2000, p.17 apud SOUZA, Valéria, 2006. p.68):

Desse modo, analisando o lapso temporal da relação causal, será necessário identificar a causa determinante para o resultado, que por consequência ocorre a vedação do regresso ao infinito. Ou seja, o agente que agiu fora de seu papel social ou omitiu-se em alguma parte integrada do ato, sendo essa ação determinante para o resultado, será imputado a este a responsabilidade.

6. O CYBERBULLYING E O SUICÍDIO

O suicídio, como já explanado, trata-se do ato em que o agente elimina sua própria vida, que no âmbito penal não se tipifica, apenas ocorre o enquadramento nas situações em que o agente auxilia, instiga ou induz alguém a cometê-lo. Alguns fatores impulsionam na prática do autoextermínio, tais como distúrbios de humor, em que a existência torna-se insignificante e a morte é a solução. A emoção é um fator a ser considerado, pois poderá desencadear esse ato, como nas situações de raiva, dor, e etc., que implique na falta de discernimento do indivíduo.

 A figura do cyberbullying aparece como fator impulsionador da ausência de discernimento. É uma agressão imotivada, em que utiliza das características físicas ou gestuais do indivíduo para atacá-lo, causando vergonha e ridicularizando a vítima dessa agressão. Os ataques ocorrem pelo meio virtual, alcançando uma massa de telespectadores em poucos minutos, aspecto esse que difere do bullying e evidencia a crueldade dessa violência.

Em julho de 2018, a REVISTA EXAME (2018) veiculou matéria com dados apresentados pelo Instituto IPSOS, através de um levantamento ocorrido entre 23 de março a 6 de abril, com 20,8 mil pessoas, trazendo o Brasil na segunda posição do ranking global de ofensas realizadas pela internet, ou seja, o cyberbullying. O estudo destaca que: “29% dos pais ou responsáveis brasileiros consultados relataram que os filhos já foram vítimas de violência online. Na sondagem anterior, divulgada em 2016, esse índice era de 19%”. As consequências geradas pela prática dessa violência virtual são irreparáveis ou de difícil reparação, causando no vítima isolamento, podendo evoluir para a depressão, chegando até ao suicídio.

A mídia anuncia casos concretos agressões virtuais, dentre vários, surge o da adolescente Dielly Santos, em que no dia 16/05/2018, cometeu suicídio decorrente das constantes agressões que sofria. Em matéria divulgada pelo site de notícias AMAZONAS1 (2018), destaca que a adolescente recebia comentários como “lixo, porca imunda e gorda”, pelo seu tipo físico, em que os agressores consideravam fora do padrão. Ainda na matéria, os familiares relataram que Dielly tentava desesperadamente emagrecer, motivada por um fim nas agressões. No dia fato, a adolescente chegou em silêncio do colégio, dirigiu-se ao banheiro, encontrada posteriormente enforcada. Ademais, mesmo após o óbito da adolescente, as agressões não cessaram nas redes sociais, suas fotos continuaram sendo alvos de ataques, como por exemplo: “agora ela finalmente conseguirá emagrecer, parabéns, venceu na vida”.

O caso apresentado ratifica a existência do suicídio que decorre do cyberbullying, em que as agressões criam uma confusão mental na vítima, trazendo como resultado a morte.

6.1 RELAÇÃO DE CAUSALIDADE DO SUICÍDIO DECORRENTE DO CYBERBULLYING

O nexo causal é a relação entre a conduta do indivíduo e o resultado que ele produz, sendo que a causação é a ação ou omissão que o acarrete. A relação de causalidade tem uma fundamental importância no decorrer da história, pois para que se impute a alguém a responsabilidade por algo, é necessário avaliar o seu nexo. As teorias apresentadas, surgiram como meio de incrementar a ideia do nexo, deixando-a mais aplicável nos diversos casos.

A ausência de tipificação do suicídio como crime não veda a possibilidade de atribuir ao agente o resultado, como o próprio artigo 122, do CP, que enquadrado penalmente aquele que auxilia, instiga ou induz à vítima ao cometimento do suicídio, sendo ela a própria autora do autoextermínio. Práticas de cyberbullying, como já apresentada, pode ocasionar várias consequências, dentre elas a depressão, que faz com que o indivíduo acredite que sua existência seja insignificante, agredindo seu psicológico, ao ponto de retirar sua própria vida.

Diante desse contexto, apresenta-se a dúvida: poderia imputar o resultado ao agente causador, reconhecendo, dessa forma, o nexo entre sua conduta e o resultado produzido? De acordo com a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais a resposta é afirmativa, sendo possível imputar o resultado aquele que deu causa, pois na ausência deste, o resultado não se materializaria. Logo, aquele que prática o cyberbullying seria responsabilizado pelo suicídio, pois caso não praticasse a conduta, não ocorreria a morte da vítima, reconhecendo assim o nexo.

Entretanto, a teoria apresenta algumas críticas acerca do regresso ao infinito, pois determina como causa tudo aquilo que contribuiu para o resultado, ou que o tenha agregado. Em razão disso, seria responsável desde a mãe do autor da ação, até mesmo o criador da internet, computador, e tudo aquilo que corroborou para o resultado.

A fim de eliminar essas críticas surge a Teoria da Imputação Objetiva, criada por Claus Roxin. Nela, será reconhecido o nexo de imputação ao agente que cria um risco juridicamente proibido ou aumenta o risco permitido. A teoria é um atributo de defesa, limitando o reconhecimento da relação causal apenas nos injustos já tipificados penalmente. Ou seja, não poderá a imputação objetiva reconhecer os resultados que não estão previstos código penal.

Nesse diapasão, Günther Jakobs dispõe sobre o papel do indivíduo dentro da sociedade, se desvinculando de qualquer injusto tipificado penalmente, mas baseando-se no convívio entre os indivíduos, que na própria relação já contém riscos. O autor determina que poderá imputar o resultado ao agente que violou o seu papel social, ou aquele que aumentou ou incrementou o risco, ultrapassando assim sua função.

JAKOBS (2000) admite que dentre as situações que acarreta o resultado, deverá ser identificado o ato determinante, ou mais relevante, que corroborou para a consequência. Desse modo, utilizando a visão do autor sobre a relação do cyberbullying e o suicídio, o nexo de imputação é reconhecido, pois, se o agente não transcendesse seu papel, no que pese as agressões reiteradas contra uma pessoa, não ocorreria nenhum descontrole emocional que resultasse no suicídio. Logo, a conduto do agente nesse tipo de violência, é determinante para o resultado.

Além disso, o autor deveria cumprir seu papel, respeitando o convívio de forma harmonizada e respeitando o outro no meio social. Assim, aquele que não age com seu dever, será responsabilizado pelo resultado gerado, como ocorre no cyberbullying. Por isso, deverá ser reconhecido o nexo de imputação entre o suicídio e a violência virtual.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente estudo, possibilitou uma análise de como o cyberbullying influencia na vida das pessoas, bem com as consequências que esse ato resulta. A elaborada pesquisa tem a finalidade de reconhecer a relação de causalidade do suicídio decorrente das práticas de cyberbullying, identificando sua relevância na sociedade e a ausência de discussões acerca do tema.

Dados demonstrados no site SarferNet, traz a identificação da existência do cyberbullying como ato violento, destacando percentuais consideráveis. Notícias veiculadas em fontes confiáveis, promoveram o conhecimento de casos concretos de suicídios que decorreram de agressões psicológicas do cyberbullying. No que concerne as pesquisas bibliográficas, oportunizaram o entendimento e aplicações de teses de reconhecimento do nexo de causalidade, permitindo assim, que os objetivos propostos fossem realmente alcançados.

O nexo entre a conduta e o resultado morte, são condecorados através da causa determinante do resultado, baseada na visão de Gunther Jakobs, diante do papel social violado pelo indivíduo. Em razão disso, deverá ser reconhecido o nexo de imputação entre os diplomas estudados.

Diante disso, fica evidente que os objetivos foram realmente alcançados. E, dada a importância do tema, torna-se necessário a tipificação penal dessa conduta. Vale também ressaltar, que durante a elaboração do presente trabalho, foi sancionada a Lei de nº 13.718/18, incluindo no atual Código Penal, o artigo 218-C - o agente que divulga fotografias, vídeos e qualquer registro audiovisual, contendo cenas de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima, a fim de puni-la, terá pena de reclusão.

A citado artigo possui características do cyberbullying, como a humilhação da vítima pelo meio virtual, mas não diverge pela a ausência de ações reiteradas que o tipo caracteriza. A importunação sexual configura por um único ato. Entretanto, a lei surge como um marco para os crimes cibernéticos, ressaltando a importância da tipificação dessas condutas, como no caso do cyberbullying.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Luciano Sousa Moreno

10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II.

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Artigo científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Liberato Menezes e coorientação de Raul Mangabeira.

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