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No país das maravilhas: Direito Constitucional de Família, sexo, silêncio, verdade, poder e (homos)sexualidade.

Para entender os descaminhos e desafios do Direito de Família moderno

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18/05/2011 às 14:49
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EXPRESSÕES FINAIS

As palavras, na lição de Michel Foucault, jamais esgotarão o sentido das coisas. O ilustre J. J. Calmon de Passos ensinava que nada está prévia e definitivamente dado, o hoje e o amanha são frutos da atividade humana. Assim, nenhum pensamento é conclusivo, mas diversamente, inclusivo, pois abre o espaço do diálogo à atuação do outro. Nesta linha, abandonamos à expressão conclusão, comum na maioria dos trabalhos, suplantando-a por expressões finais, vale dizer, nossas expressões finais, abrindo o espaço do discurso às outras manifestações. [16]

Este trabalho fora destinado a, antes de criar conclusões, questionar a maneira "alice" com que se vem estudando o Direito de Família, ignorando as questões que são impostas pelo mundo da vida, notadamente no que respeita à tutela do sexo e da sexualidade, para concluir sobre a necessidade de quebra destes paradigmas, na ótica de uma hermenêutica inclusiva, centralizando os microssistemas deste ramo ao lado dos pilares do Código Civil e da Constituição Federal de 1988.

Superar estas perspectivas é, em última análise, afastar os dogmas históricos provenientes do Direito Canônico e do Direito Romano, ainda pujantes na doutrina moderna, que busca privilegiar à pessoa humana em lugar do patrimônio, à afetividade em lugar da idéia de laços sanguíneos, à fruição dos sentimentos em lugar da separação com culpa e demais institutos anacrônicos.

Os desafios que se apresentam não são facilmente superados, mas exigem seriedade e compromisso, por parte do legislador e do aplicador do direito, no sentido de promover esta necessária quebra de paradigma, que tão necessária se faz.

Este é o motivo pelo qual nossa reflexão prescinde de conclusões, porque elas devem ser tiradas pelo leitor, pelo jurista, pelo legislador, intérpretes e ao mesmo tempo criadores do direito, este objeto cultural que se manifesta de forma tão vívida na realidade concreta.

Enfim, o Direito, enquanto fonte de conhecimento, não deve ser o palco de uma erudição inútil, que em nada se aplica à vida cotidiana. Como bem lecionou Habermas, é papel de toda e qualquer teoria crítica, propor reformas voltadas a promover a integração no Estado Democrático de Direito.

Assim, mister criticar, estudar, rever as imperfeições que se manifestam no sistema jurídico. Trabalho constante e incansável, ao qual não podem olvidar os aplicadores do direito moderno.

As questões se impõem. Resta-nos tentar respondê-las da melhor forma possível, a fim de alcançarmos "um direito que se respeite, uma justiça que se cumpra", fazendo o direito abandonar uma postura daquele que:

"estava ali e era como se não estivesse, tão seguro de si como se fosse, de facto e de direito, uma real pessoa, a quem, por ser tudo isto um deplorável mal-entendido, não tarda que venham restituir a coroa, o ceptro e o manto." [17]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA. Miguel Vale de Almeida. O casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sobre gentes remotas e estranhas numa sociedade decente. Disponível em: http://pwp.netcabo.pt/0170871001/MiguelValedeAlmeida.pdf. Acesso em 10/02/2009.

BAUMAN. Zigmut. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1943.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

COULANGES, Fustel. A cidade antiga. São Paulo: EDAMERIS, 1961.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: RT, 2007.

______. União homossexual: o preconceito e a Justiça! 3. ed. Porto Alegre: Livraria do

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994.

IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. São Paulo: J. G. editor, 2003.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do Numerus Clausus. Revista Brasileira de Direito de Família, IBDFAM. Porto Alegre: Síntese, n. 12, p. 40-55, jan./mar. 2002.

______. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.

MORAES, Maria Celina Bodin de. "O princípio da solidariedade", in Manoel Messias Peixinho et al (org.), Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.

PEREIRA, Lafayete Rodrigues. Direito de Família. Adaptado por José Bonifácio da Andrada e Silva. Rio de Janeiro: Francisco Alves Livraria, 1930.

RAGO. Margareth. Feminismo e Anarquismo no Brasil. A audácia de sonhar. 01. ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007. v. 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed São Paulo: Malheiros, 2007.

ZANNONI, Eduardo. BOSSERT, Gustavo. Manual de derecho de família. 6 ed.. Buenos Aires: Ástrea, 2004.


Notas

  1. "Sexual Choise, Sexual Act"; entrevista com J. O’Higgins; trad. F. Durant-Bogaert). Salmagundi, n. 58-59: Homosexuality: Sacrilege, Vision, Politics, automne-hiver 1982, pp. 10-24. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, pp. 320-335 por Wanderson Flor do Nascimento.
  2. SOLLA, Paulo Ramon da Silva. Para além do arco-íris: a família constitucional e a união homossexual. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2269, 17 set. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13519>. Acesso em: 5 abr. 2011.
  3. Paidéia, segundo os gregos, representava a completa formação do indivíduo. Compreende a formação cultural, religiosa, acadêmica, militar, sexual, emocional. Enfim, é a própria personalidade, o conjunto de elementos educacionais, sociais e diversos outros que se aderem no ser. (LOBO, 2008, P. 22).
  4. A idéia é trabalhada em "HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. de M. Márcia Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1999." "HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa I - Racionalidad de la acción y racionalización social. Madri: Taurus, 1987".
  5. PEREIRA, Lafayete Rodrigues. Direito de Família. Adaptado por José Bonifácio da Andrada e Silva. Rio de Janeiro: Francisco Alves Livraria, 1930, p. 36.
  6. "Sexual Choise, Sexual Act"; entrevista com J. O’Higgins; trad. F. Durant-Bogaert). Salmagundi, n. 58-59: Homosexuality: Sacrilege, Vision, Politics, automne-hiver 1982, pp. 10-24. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, pp. 320-335 por Wanderson Flor do Nascimento.
  7. BAUMAM, Zygmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
  8. A idéia é, novamente, de Foucault. "Sexual Choise, Sexual Act"; entrevista com J. O’Higgins; trad. F. Durant-Bogaert). Salmagundi, n. 58-59: Homosexuality: Sacrilege, Vision, Politics, automne-hiver 1982, pp. 10-24. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, pp. 320-335 por Wanderson Flor do Nascimento
  9. Boswell (J.), Christianity, Social Tolerance and Homosexuality: Gay People in Western Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century. Chicago: The University of Chicago Press, 1980. Apud: de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, pp. 320-335.
  10. COLARES, Marcos. O que há de novo em Direito de Família, RBDFam, 1999, p 46
  11. TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
  12. Para uma análise mais contundente do tema, veja-se CARNEIRO, Wálber. Hermenêutica e o fato compreendido como jurídico. Salvador: UFBA, 2004.
  13. Com o julgamento da ADI 4277 e a ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal reconheceu às uniões homoafetivas o reconhecimento enquanto uniões estáveis, atendidos os requisitos pertinentes. Para mais sobre o tema, veja-se SOLLA, Paulo Ramon da Silva. E, finalmente, para além do arco-íris: a nova face da família constitucional. São Paulo: Portal Direito Homoafetivo, 2011. Disponível em: http://www.direitohomoafetivo.com.br/ArtigoList.php acesso em 16/05/2011.
  14. Muito embora esta competência não esteja constitucionalmente definida.
  15. Para mais sobre o tema, leia-se: FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, bem como JEREMY, Bentham, Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Civita, 1974.
  16. SOLLA, Paulo Ramon da Silva. Mínimo existencial e patrimônio mínimo. O equívoco da pré-constitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2446, 13 mar. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/14508. Acesso em: 14 maio 2011.
  17. SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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Sobre o autor
Paulo Ramon da Silva Solla

Assessor Técnico do Governo do Estado da Bahia, na área de Licitações, Contratos Administrativos, Convênios e Contratos de repasse destinados a execução de obras e serviços de engenharia.<br>Pós Graduando em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal da Bahia.<br>Avaliador de diversos periídicos, tais como: Revista Jurídica da UERJ, Revista Jurídica da UNISINOS, Revista Jurídica da PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOLLA, Paulo Ramon Silva. No país das maravilhas: Direito Constitucional de Família, sexo, silêncio, verdade, poder e (homos)sexualidade.: Para entender os descaminhos e desafios do Direito de Família moderno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2877, 18 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19135. Acesso em: 29 abr. 2024.

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