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Juízo de proporcionalidade entre princípios constitucionais

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24/07/2010 às 14:21
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1.5 Ponderação ad hoc X Ponderação abstrata

Como visto até agora, a ponderação de princípios deve ser realizada diante de um caso concreto, quando se constatar um conflito entre interesses igualmente protegidos pelo ordenamento. Isto porque, como ensina Robert Alexy, citado por Daniel Sarmento, não há, a priori, uma hierarquia entre os princípios; a prevalência de cada um deles na solução do problema jurídico dependerá das circunstâncias específicas do caso analisado. Ao contrário das regras, que incidem sob a forma do ‘tudo ou nada’, os princípios podem ser afastados em razão da sua ponderação com outros princípios. [30]

Filiando-se à posição de Alexy, o professor Daniel Sarmento opõe-se à hierarquização dos princípios constitucionais, afirmando que o resultado de tal operação é o:

total amesquinhamento das normas constitucionais reputadas de hierarquia inferior, que se tornam ‘letra-morta’ sempre que confrontadas com outras que tenham sido situadas, pelo gosto do intérprete, em um plano mais elevado. [31]

Afigura-se-nos acertada esta posição, porém cumpre esclarecer que a hierarquização não se confunde com a ponderação abstrata – definitional balancing –, a qual se contrapõe à chamada ad hoc balancing. Esta descreve a ponderação levada a cabo pelo juiz no caso concreto, livremente, isto é, independentemente de qualquer parâmetro ou standard anterior e abstrato que o vincule; o aplicador é guiado pelo bom senso. Já aquela é empreendida de modo desvinculado de casos concretos; estabelecem-se critérios para a compatibilização de princípios constitucionais potencialmente colidentes. [32]

Assim, se a hierarquização deve ser repudiada, o mesmo não se pode dizer, a nosso ver, da ponderação abstrata. Reputamos desejável que a ponderação desenvolva-se também antes do surgimento do caso concreto, em abstrato ou preventivamente, por meio da discussão de casos hipotéticos ou passados, de maneira que o juiz, ao se defrontar com casos reais, tenha balizas pré-fixadas, [33] embora nem sempre os parâmetros concebidos em abstrato possam solucionar adequadamente um conflito normativo concreto. Ao menos o magistrado contará com um conjunto de standards, cabendo-lhe justificar eventual inadequação destes, ou a necessidade de algum tipo de adaptação, em uma situação específica. [34] Consideramos ser este um eficaz mecanismo contra o subjetivismo inerente ao processo de ponderação, reduzindo a possibilidade de ocorrerem arbitrariedades.


Notas

  1. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.. p. 58.
  2. Ibid. p. 57.
  3. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Relativização da coisa julgada. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 347.
  4. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000. p. 42.
  5. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 80.
  6. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 222.
  7. SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 45.
  8. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 357.
  9. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 23.
  10. Ibid. p. 34-35.
  11. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 358.
  12. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 59.
  13. SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 100.
  14. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 61.
  15. Ibid. p. 64-65.
  16. Ibid. p. 66.
  17. Ibid. p. 72.
  18. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit. p. 279.
  19. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 55.
  20. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 365.
  21. LEAL, Rogério Gesta. As garantias constitucionais do processo no Brasil. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 448.
  22. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 84.
  23. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit. p. 261.
  24. Ibid. p. 322. Cf., por todos, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 64: "A doutrina tem aludido com freqüência àquele que se poderia chamar de princípio dos princípios e que é, na verdade, uma regra para se lidar com os demais princípios: princípio da proporcionalidade."
  25. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit. p. 324-325: "É imperioso, assim, que a restrição ao direito atenda a dois requisitos: em primeiro lugar, que vise a atingir um fim constitucionalmente legítimo; e em segundo lugar, que consubstancie um meio instrumentalmente adequado à obtenção desse fim."
  26. Ibid. p. 339.
  27. Ibid. p. 346.
  28. BERALDO, Leonardo de Faria. A relativização da coisa julgada que viola a Constituição. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 127.
  29. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 138-139.
  30. SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 46-47.
  31. Ibid. p. 39.
  32. Ibid. p. 109-110.
  33. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit. p. 147.
  34. Ibid. p. 152.
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Sobre a autora
Tatiana Konrath Wolff

Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil. Pós-graduada em Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOLFF, Tatiana Konrath. Juízo de proporcionalidade entre princípios constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17050. Acesso em: 3 mai. 2024.

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