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Tributação dos créditos de carbono transacionados no exterior

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IV – CSLL

Entendemos também sustentável que a imunidade tributária mencionada no item III seria aplicável à CSLL, no que tange às receitas do exterior advindas das cessões de créditos carbono, pois não deveria haver, segundo dispositivo constitucional, incidência de contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação.

Nesse passo, é de se registrar a existência de precedente oriundo do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a imunidade agasalhada no inciso I, do §2º, do art. 149 da CF/88, também é aplicável à CSLL, conforme se dessume da leitura da ementa abaixo colacionada, in verbis:

"TRIBUTO. Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL. Incidência sobre as receitas e o lucro decorrentes de exportação. Inadmissibilidade. Ofensa aparente ao disposto no art. 149, § 2º, inc. I, da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 33/2001. Pretensão de inexigibilidade. Razoabilidade jurídica, acrescida de perigo de dano de reparação dificultosa. Efeito suspensivo ao recurso extraordinário admitido na origem. Liminar cautelar concedida para esse fim. Aparenta ofender o disposto no art. 149, § 2º, inc. I, da Constituição da República, incluído pela Emenda nº 33/2001, a exigência da Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSSL calculada sobre as grandezas específicas que decorram de receitas de exportação" (Ação Cautelar nº 1738/SP, DJ de 18.10.2007).

Do voto proferido pelo Relator Ministro Cezar Peluso, devem ser extraídas as seguintes lições, in verbis:

"A Emenda Constitucional nº33, de 12 de dezembro de 2001, modificou o texto do art. 149 da Constituição da República, afastando, no §2º, inciso I, sobre as receitas decorrentes de exportação, incidência de todas as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, entre as quais a de que cuida esta ação, a CSLL.

Tal imunidade implicou verdadeira limitação ao poder de tributar com estender, sem restrição nem distinção alguma, o campo da não-incidência ou da incompetência tributária às ‘receitas decorrentes de exportação’, genericamente consideradas, as quais já não podem ser alvo de contribuições sociais de nenhuma espécie, quer incidam, formal e nominalmente, sobre a receita (art. 195, inc. I, ‘b’, como o PIS/COFINS), quer atinjam o lucro (art. 195, inc. I, ‘c’).

É que o lucro, como entidade e vantagem provinda das receitas de exportação, não pode ser atingido, de maneira transversa, por nenhuma contribuição social, vedada, que está, a incidência desta sobre aquelas. Se se não pode tributar o mais (as receitas), a fortiori não se pode gravar o menos (o lucro).

Não deixa dúvida a respeito de sua natureza, a conceituação do lucro, qualquer que seja o fim que se considere, fiscal, contábil ou econômico. A CSLL incide sobre o resultado do exercício, ajustado por adições e exclusões previstas no art. 2º, §1º, ‘c’, da Lei Federal nº 7.689/88. Mas esse lucro nada mais é do que o resultado positivo do exercício, ou seja, o valor das receitas da empresa, descontados os custos e despesas operacionais e não-operacionais:

‘O objetivo básico da Demonstração de Resultados do Exercício é fornecer (...) os dados básicos e essenciais da formação do resultado (lucro ou prejuízo) do exercício. (...) A demonstração é iniciada com o valor total da receita apurada em suas operações de venda, da qual é deduzido o custo total correspondente a essas vendas, apurando-se a margem bruta, ou seja, o lucro bruto.

(..) deduzindo-se as despesas operacionais do lucro bruto, apresenta-se o lucro operacional, outro dado importante na análise das operações da empresa.

Após o lucro operacional, apresentam-se as receitas e despesas não operacionais, (...) apurando-se, então, o resultado antes do imposto de renda.

Deduz-se, a seguir, a provisão para o imposto de renda e contribuição social (...), chegando-se, assim, ao lucro (ou prejuízo) líquido do exercício’".

O lucro, portanto, embora se não confunda com a receita, desta depende estruturalmente, como uma elaboração do seu conceito mesmo:

"ao referir-se a lucro, a Constituição, em seu artigo 195, I, c, quis que a contribuição ali prevista recaia sobre um resultado final, que leve em conta as receitas da pessoa jurídica, ajustadas pelos ditames legais acima apontados. Em suma, que leve em conta modalidade qualificada de receita. Mas sempre receita".

A base de cálculo da CSLL compõe-se, portanto, de elemento econômico haurido, diretamente, das receitas de exportação, de modo que, imunes estas, não há como aproveitá-las na definição da base de cálculo e da própria hipótese de incidência (fattispecie) daquele tributo. Inconcebível admitir-se a existência de receitas de exportação ‘redivivas’, que, resgatadas da zona inerte da imunidade, pudessem integra, a final, elementos da regra-matriz de incidência da CSLL" (grifos do original).

Malgrado o precedente favorável do Supremo Tribunal Federal em sede de liminar em ação cautelar, frise-se que as autoridades fiscais possuem entendimento diverso, conforme se observa nas ementas dos processos de consulta abaixo citadas:

"Processo de Consulta nº 83/04

Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF / 2ª Região Fiscal

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL

Ementa: IMUNIDADE. RECEITA DE EXPORTAÇÃO. A imunidade conferida pelo art. 149, § 2º, inciso I, da Constituição Federal alcança apenas as contribuições sociais que possuem como base de incidência as receitas decorrentes de exportação, estando fora desse rol a contribuição social incidente sobre o lucro da empresas."

"Processo de Consulta nº 64/04

Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF / 4ª Região Fiscal

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL

Ementa: A Constituição imuniza as receitas decorrentes de exportação da sujeição às contribuições sociais cuja hipótese de incidência seja a receita, deixando de fora a CSLL, já que esta incide sobre o lucro."

Diante disso, não há como negar a possibilidade do Fisco autuar as empresas que não oferecerem à tributação, pela CSLL, as receitas relativas às cessões de crédito de carbono no exterior, em que pese entendermos serem boas as possibilidades de êxito em uma demanda judicial.


Notas

  1. Também conhecidos com Reduções Certificadas de Emissões (RCEs).
  2. "Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ.

    Ementa: A receita relativa à cessão para o exterior de direitos relativos a créditos de carbono (Protocolo de Quioto) está sujeita ao percentual de presunção de 32% (trinta e dois por cento) para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ pela sistemática do lucro presumido.

    Dispositivos Legais: RIR/1999, art. 518, § 1º, III e § 3º.

    Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep.

    Ementa:Está isenta do PIS/Pasep a receita relativa à cessão para o exterior de direitos relativos a créditos de carbono (Protocolo de Quioto) cujo pagamento represente ingresso de divisas.

    Dispositivos Legais: MP nº 2.158-35, de 2001, art. 14, III, § 1º.

    Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins.

    Ementa: Está isenta de Cofins a receita relativa à cessão para o exterior de direitos relativos a créditos de carbono (Protocolo de Quioto) cujo pagamento represente ingresso de divisas.

    Dispositivos Legais: MP nº 2.158-35, de 2001, art. 14, III

    ."
  3. "Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981 de 20 de janeiro de 1995.

    § 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:

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    ...

    III - trinta e dois por cento, para as atividades de:

    ...

    c) administração, locação ou cessão de bens imóveis, móveis e direitos de qualquer natureza.."

  4. "Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:

    ...

    III - dos serviços prestados a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas;

    ...

    § 1º São isentas da contribuição para o PIS/PASEP as receitas referidas nos incisos I a IX do caput."

  5. Não se considera prestação direta de serviços aquela realizada no exterior por intermédio de filiais, sucursais, agências, representações, coligadas, controladas e outras unidades descentralizadas da pessoa jurídica que lhes sejam assemelhadas.
  6. Cf. Flávio Augusto Marinho Vidigal. "Formas de Comercialização de MDL". Aquecimento global e créditos de carbono. Coordenador Raphael Pereira de Souza. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 258.
  7. Cf. Flávio Augusto Marinho Vidigal, op. cit., p. 259.
  8. DJ de 29.10.1999. No mesmo sentido é a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 39.605-SP.
  9. "... A rigor, mercadoria e designação genérica dada a toda coisa móvel, apropriável, que possa ser objeto de comércio." (De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 530)
  10. ICMS Teoria e Prática. São Paulo: Dialética, 2004, p. 16.
  11. RMS nº 8874 / DF, DJ 03.05.1999, p. 97. No mesmo sentido, vide REsp nº 253.882.
  12. "3.1 Aspecto material. O núcleo da materialidade da hipótese de incidência do ISS expressa-se por uma conduta humana, sintetizada no binômio: verbo e respectivo complemento, no dizer de Paulo de Barros Carvalho. A essência da hipótese de incidência do ISS não está no termo ‘serviço’ isoladamente considerado, mas na atividade humana que dele decorre, vale dizer na prestação de serviço." ("ISS – Construção Civil – Pseudo-Serviço e Prestação de Serviço – Estabelecimento Prestador – Local da Prestação". Revista de Direito Tributário nº 40, p. 91 – grifos dos autores).
  13. Grifos do autor.
  14. ISS na constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 243-244 - grifamos.
  15. Trecho do voto do Ministro Celso de Mello no RE 116.121-3-SP.
  16. O Protocolo de Kyoto e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL): as Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), sua natureza jurídica e a regulação do mercado de valores mobiliários, no contexto estatal pós-moderno (in www.cvm.gov.br//port/Public/publ/CVM-ambiental-Daniel-Clovis.doc - grifamos).
  17. Op. cit., p. 262.
  18. No caso do lucro presumido, o percentual de presunção aplicável às cessões de direito seria o de 32%, nos termos do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.249/1995. O Conselho de Contribuintes, no acórdão nº 107-08.410/06, decidiu que o coeficiente de 32% é aplicável ordinariamente ao aluguel de bens e à cessão de direitos.
  19. Artigo 37 da IN SRF nº 93/97 e IN SRF nº 104/98.
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Sobre o autor
Gilberto de Castro Moreira Junior

Doutor em Direito Tributário pela USP. Professor de Direito Tributário. Advogado em São Paulo (SP). Autor do livro "Bitributação Internacional e Elementos de Conexão" (Aduaneiras, 2003). Coordenador do livro "Direito Tributário Internacional" (MP Editora, 2006). Co-autor de livros e autor de artigos em revistas especializadas e periódicos. Membro do Comitê Científico da Associação Paulista de Estudos Tributários - APET. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. Membro do Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento - IDCID. Membro Examinador do Exame de Ordem e do Tribunal de Ética (OAB-SP). Diretor da Ernst & Young.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA JUNIOR, Gilberto Castro. Tributação dos créditos de carbono transacionados no exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1845, 20 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11511. Acesso em: 4 mai. 2024.

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