O direito e a eutanásia: autonomia, dignidade e o testamento vital

24/04/2024 às 17:33
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RESUMO:

Este artigo apresenta uma revisão sistemática da literatura que explora a complexa relação entre eutanásia, dignidade humana, morte e testamento vital. A eutanásia é um tema polêmico e desafiador, levantando questões éticas profundas sobre a autonomia do paciente e o respeito à sua dignidade no processo de tomada de decisões médicas no fim da vida. Por outro lado, o testamento vital surge como uma ferramenta legal que permite às pessoas expressarem suas preferências de tratamento e cuidados em situações de incapacidade, assegurando que suas vontades sejam respeitadas. É necessário realizar pesquisas abrangentes para compreender a relação entre esses temas em diferentes contextos culturais e jurídicos, considerando-se os diversos fatores influenciadores, como cultura, religião, ética, moral e legislação local. A discussão em torno da eutanásia requer uma abordagem cuidadosa, reflexiva e atenta aos princípios éticos e valores envolvidos, a fim de promover um diálogo informado e respeitoso sobre o assunto.

Palavras-chave: Eutanásia, Testamento vital, Morte digna, Autonomia, Dignidade humana.

ABSTRACT

This article presents a systematic review of the literature exploring the complex relationship between euthanasia, human dignity, death, and living wills. Euthanasia is a controversial and challenging topic, raising profound ethical questions about patient autonomy and respect for patient dignity in medical decision-making at the end of life. On the other hand, the living will emerges as a legal tool that allows people to express their preferences for treatment and care in situations of incapacity, ensuring that their wishes are respected. Comprehensive research is needed to understand the relationship between these issues in different cultural and legal contexts, considering the various influencing factors, such as culture, religion, ethics, morals, and local legislation. The discussion around euthanasia requires a careful, reflective, and attentive approach to the ethical principles and values involved, in order to promote an informed and respectful dialogue on the subject.

Keywords: Euthanasia, Living Will, Dignified Death, Autonomy, Human Dignity.

INTRODUÇÃO

A proposta do presente artigo visa discutir a legalização da eutanásia no território brasileiro, tema este que se refere ao direito que visa a legalização para a prática da eutanásia, defendendo a sua autonomia, dignidade e a amplitude do testamento vital, sendo um assunto muito polêmico e pouco debatido, considerada crime no Brasil, a discussão sobre a legalização da prática tem crescido muito ao longo dos anos. Estamos diante de um tema complexo, pois envolve questões éticas, religiosas e morais. No entanto, argumentos são levantados, pois, em certas circunstâncias, esta prática pode ser vista como uma escolha legítima e humana para acabar com o sofrimento físico e emocional de uma pessoa.

É importante que os indivíduos tenham o direito de tomar decisões informadas sobre a sua própria saúde e bem-estar, sendo primordial a discussão e a reflexão sobre a finitude da vida e o direito de escolher o próprio caminho, tornando-as fundamentais para a promoção da autonomia individual e do respeito pela dignidade humana, pois, falar sobre eutanásia requer uma reflexão sobre a morte, para algumas pessoas, a cultura em torno da finitude é inadmissível, e são medidas tomadas para lutar contra, como a distanásia, que têm como objetivo, o prolongamento exagerado da morte. Já para outras, a morte pode ser vista como um alívio ou até mesmo um desejo. O medo da morte é universal e tem sido objeto de inúmeras pesquisas ao longo da história.

No entanto, a morte é uma condição inconvertível e não podemos fugir da realidade que nos cerca. Aceitar a morte é entender o verdadeiro significado da vida, o que há de mais humano. A finitude nos leva a refletir sobre o sentido da vida, para aonde vamos e qual é o nosso propósito aqui.

O testamento vital, é uma reflexão importante que pode levar as pessoas a considerarem seus desejos e preferências em relação a como desejam viver e morrer, tornando-a uma ferramenta importante que permite expressar os desejos de tratamentos médicos e cuidados no final da vida, incluindo a decisão de recusar tratamentos que a prolonguem desnecessariamente. Quando uma pessoa enfrenta condições de saúde incapacitante e incurável que comprometem significativamente sua qualidade de vida, é compreensível que ela considere a possibilidade de optar pela eutanásia, para acabar com seu sofrimento e ter uma morte digna e pacífica. Nesse sentido, é importante que a Constituição brasileira e as leis sejam discutidas para contemplar essas questões e estabelecer regras claras para garantir o direito de autonomia, a amplitude do testamento vital, e proporcionar dignidade de morte ao paciente.

  1. CONCEITO

    1. FINITUDE

O conceito de finitude é usado em diversas áreas do conhecimento como a filosofia, ciência e matemática, e é compreendida como a condição de ser finito, algo determinado, ou seja, ter limites ou ser limitado em termos de tempo, espaço, quantidade, alcance ou capacidade e pode ser aplicada em qualquer coisa que tenha existência definida.

Um exemplo são os seres humanos, que têm, não só o tempo de vida limitado, como também, o espaço físico que ocupa e a sua capacidade cognitiva. Na filosofia, a finitude é usada para descrever limitações da existência humana como a mortalidade, capacidade e conhecimento, sendo ela então um dos definidores da experiência humana e da compreensão do mundo e do nosso lugar nele. (MANNIX, 2019)

O ser-humano diferencia-se de outras espécies por ser munido de consciência o que possibilita a criação de símbolos, sendo assim, a morte passa a ser um acontecimento com dimensões religiosas, filosóficas e antropológicas, deixando de ser apenas um evento biológico, a morte de acordo com a cultura e características únicas de cada ser, pode ser vista de maneiras diferentes, mais ou menos negativas. (MACHADO; LIMA; SILVA; MONTEIRO; ROCHA, 2016)

Anteriormente a ideia de “boa morte” envolvia a presença de familiares e pessoas próximas e ocorria nas residências, como uma forma de suavizar, possibilitando a existência de uma despedida. Atualmente na sociedade a morte passa a ocorrer na grande maioria em ambientes hospitalares, deixando de ser habitual e familiar. Com a evolução da tecnologia, avanços da medicina e aumento da expectativa de vida, criou-se na sociedade uma falsa crença de imortalidade e de controle que seria proporcionado por esse ambiente. Havendo a mitologização da morte não permitindo que essa ocorra de maneira natural, negligenciando os desejos dos pacientes. (MACHADO; LIMA; SILVA; MONTEIRO; ROCHA, 2016)

Segundo o Filósofo Heidegger (1927) “Morrer não é um acontecimento; é um fenômeno a ser compreendido existencialmente”. Para a Dra. Kathryn Mannix, mesmo que a imortalidade seja estudada e almejada por muitos, não lhe parece muito convidativa, pois há certeza de que a cada dia chegamos mais perto da morte e de certa forma a torna uma dádiva a ser experiência. (MANNIX, 2019)

A partir disso podemos presumir que a morte não só deve ser vivida como também experiência, fazendo parte da relação do ser com o mundo e o fornecendo uma relação real com esse “Eu” finito e em constante transformação.

2. EUTANÁSIA

2.1 ETIMOLOGIA

A etimologia da palavra “eutanásia” vem do grego tânatus, que significa: “morte” e da palavra “eu” que significa: “boa” Nesse sentido pressupõe que a tradução etimológica da palavra eutanásia, traz em seu significado a definição do que seria uma morte-boa ou morte sem dor. (EUTANÁSIA, 2023)

O termo “Eutanásia” foi oferecido em 1623 por um dos filósofos empiristas da época e cientista chamado Francis Bacon, ele defendia a busca do conhecimento empírico e a aplicação da razão na tomada de decisões, incluindo questões éticas. A posição de Bacon em relação à eutanásia, portanto, poderia ser inferida a partir de sua filosofia geral, que traz uma expressão muita das vezes usada em contextos completamente diferentes, defronte dos desmembramentos bioéticos e jurídicos (BACON, 1712)

No século XVII, Francis Bacon defendeu a eutanásia como uma opção de "morte doce e pacífica" para pacientes, ressaltando a importância da intervenção médica. O termo "eutanásia" foi usado pela primeira vez por Bacon no século XVIII em sua obra "História vitae et mortis", promovendo a ideia de que a eutanásia poderia ser uma solução eficaz para doenças incuráveis na época. Ele apoiava a realização desse procedimento somente por médicos, quando todos os outros tratamentos já tivessem sido esgotados. (BACON,1712)

Em “O progresso do conhecimento”, assim escreve:

Mais ainda, estimo ser ofício do médico não só restaurar a saúde, mas também mitigar a dor e os sofrimentos, e não só quando essa mitigação possa conduzir à recuperação, mas também quando se possa conseguir com ela um trânsito suave e fácil; pois não é pequena bendição essa Eutanásia que César Augusto desejava para si [...] Mas os médicos, ao contrário, têm quase por lei e religião seguir com o paciente depois de desesperançado, enquanto, a meu juízo, deveriam em vez disso estudar o modo e pôr os meios de facilitar e aliviar as dores e agonias da morte. (BACON, 2007, p. 175)

Acontece que essa não é a única perspectiva do significado de eutanásia, basicamente ela significa em seu contexto mais ético como a abreviação da vida de uma pessoa, a pedido desta por compaixão daquele que pratica tal conduta para dulcificar o processo de sua morte. (RODRIGUES, 2023)

Ela pode ser vista como uma forma de desistir do tratamento e da vida, quando não há opções de cuidados paliativos e de final de vida disponível. A oferta pode ajudar o paciente a lidar com a dor e o sofrimento decorrentes da doença, e permitir que ele morra de forma digna.

2.2 DEFINIÇÕES E INFLUÊNCIA POR FATORES COMO: A CULTURA, RELIGIÃO, ÉTICA E, MORAL

Algumas culturas e religiões podem permitir a eutanásia em circunstâncias limitadas, enquanto outras proíbem completamente a prática. A eutanásia também pode ser vista como uma violação dos princípios éticos e morais, como o respeito à vida humana e à dignidade do paciente. A prática é legal em apenas alguns países e continua sendo um tema controverso em todo o mundo.

Bacon (1927) foi um dos precursores em defender e procurar a definição da eutanásia. No entanto, há evidências de que culturas antigas, como o Cristianismo, praticaram formas de eutanásia ou morte assistida. Um exemplo disso é a história de Saul na Bíblia, em que um amalecita relata ter matado Saul por compaixão, a pedido do mesmo para que não fosse capturado e humilhado pelos seus inimigos Filisteus, o que pode ser interpretado como uma forma de morte assistida. (BIBLIA SAGRADA, 1969)

O cristianismo tem uma forte influência na questão da eutanásia, uma vez que muitos cristãos veem a vida como um dom sagrado de Deus e acreditam que somente Ele tem o direito de decidir quando ela deve terminar. A eutanásia, que envolve a escolha deliberada de acabar com a vida de uma pessoa, pode ser vista como uma violação deste princípio. Além disso, muitos cristãos acreditam que o sofrimento humano pode ter um propósito e que é possível encontrar significado e redenção em meio à dor e ao sofrimento. Nesse sentido, a eutanásia pode ser vista como uma tentativa de evitar a dor e o sofrimento, sem permitir que a pessoa em questão possa ter a oportunidade de encontrar significado ou propósito em sua situação. (MASCARENHAS; GONÇALVES, 2016)

Para Martin Heidegger (1889-1976) o mesmo não segue uma linha empirista como Francis Bacon, mas sim uma defesa seguindo a linha estoica e platóica, defendendo o processo da vida até a chegada da sua morte, e traz em seu entendimento a consciência que tudo faz parte da experiência humana, e negligenciar esse processo, ou alterar, ou até mesmo não dulcificar o processo da finitude seria uma atitude negacionista a si mesmo. (SARTRE, 1998)

Na Índia, algumas pessoas consideradas incuráveis são jogadas no rio Ganges após terem suas bocas e narinas vedadas com lama sagrada, em um ritual chamado "Jal Samadhi". Acredita-se que isso libera suas almas do ciclo de reencarnação. Já os espartanos, conforme relatado por Plutarco em Vidas Paralelas, jogavam recém-nascidos deformados e até mesmo idosos do alto do monte Taijeto, pois acreditavam que somente os filhos mais robustos e fortes poderiam se tornar guerreiros. Embora as práticas culturais antigas sejam interessantes de se observar, são atualmente consideradas desumanas e violam os direitos humanos básicos. É importante lembrar que as normas éticas e legais atuais protegem os direitos e a dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua origem ou cultura. (LEÃO, 2012)

Para Adaister (2018), a eutanásia se torna uma imoralidade por defender o princípio sobre a vida ser valiosa e, que a sua prática seria um vilipêndio à vida humana, que não se torna por convencido ser uma prática moral, e achar a tese fraca de que o ser humano deve possuir essa autonomia, pois cai por terra quando de fronte se analisa as leis de proteção e preservação a vida, como se refere a elas nos seguintes termos.

Escolher de uma maneira que respeite todas essas perfeições humanas, tanto em nós como nos outros, é respeitar as pessoas humanas e escolher moralmente bem. Se a vida é intrinsecamente valiosa é sempre ruim destruí-la, se agirmos a fim de destruir algo que é intrinsecamente bom, então, estamos agindo de maneira errada. (ADAISTER, 2018)

Poderíamos até levantar o questionamento do que é moral em definição por matar ou deixar morrer, e mediante a cada análise, torna-se particularmente impetuoso definir a moralidade no que se diz respeito dos métodos de aplicação da Eutanásia, sendo que pela pluralidade cultural, religiosa e suas diversidades, cada indivíduo deve ter o entendimento e o direito de definir para si o que de melhor, diz a respeito de sua vivência.

3. TIPOLOGIA

3.1 EUTANÁSIA

A eutanásia é o ato de abreviar intencionalmente a vida de um paciente que está em estado terminal ou sofrendo de uma doença incurável e dolorosa, com o objetivo de aliviar seu sofrimento e dor. Os procedimentos para a realização da eutanásia podem incluir a administração de medicamentos, a retirada de suporte vital ou outras medidas que possam abreviar a vida do paciente

Roberto Dias traz em sua defesa o seguinte entendimento sobre a Eutanásia:

[...] eutanásia deve ser entendida como o comportamento médico que antecipa ou não adia a morte de uma pessoa, por motivos humanitários, mediante requerimento expresso ou por vontade presumida – mas sempre em atenção aos interesses fundamentais – daquele que sofre uma enfermidade terminal incurável, lesão ou invalidez irreversível, que lhe cause sofrimentos insuportáveis, do ponto de vista físico ou moral, considerando sua própria noção de dignidade. (DIAS, 2012, p. 148)

O seu entendimento em relação à Eutanásia, é definida por um comportamento médico que antecipa ou não adia a morte, e deve ser realizado a manifestação de vontade visando sempre o interesse do bem-estar do acamado, trazendo para si sua própria noção de dignidade. (DIAS, 2012)

Considerando o vídeo “O QUE É EUTANÁSIA?”. Em seu vídeo a advogada Luciana Dadalto menciona o seguinte:

Os requisitos para a realização da Eutanásia, também são requisitos que variam de acordo com cada País, [...] Então, esse requisito de abreviação da vida não precisa ser para uma pessoa que tenha uma doença é um requisito que vai variar da Lei e não necessariamente do conceito da pratica. (DADALTO, 2019)

Luciana, traz em sua argumentação uma definição mais aprofundada em seu conceito e em seus fundamentos, sobre o direito expresso do indivíduo, como também do requisitos que podem variar de acordo com as Leis de cada País. Em linhas gerais, uma pessoa que por alguma razão não queira continuar mais vivendo, ela pedirá ajuda de terceiros para abreviar a sua vida. (DADALTO, 2019)

3.2. DISTANÁSIA

Distanásia é a prática médica de prolongar a vida de um paciente em estado terminal ou com uma condição incurável, utilizando tecnologias avançadas, os métodos utilizados na distanásia podem incluir a utilização de equipamentos de suporte vital, como ventiladores mecânicos e nutrição artificial, bem como procedimentos cirúrgicos invasivos e a administração de medicamentos que podem prolongar a vida do paciente, mas sem oferecer chances reais de recuperação ou de melhorar sua qualidade de vida. Maria Helena Diniz fala sobre sua visão a respeito da distanasia. Ela diz:

Trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo da morte. Para Jean-Robert Debray, é o comportamento médico que consiste no uso de processos terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que o mal a curar, ou inútil, porque a cura é impossível, e o benefício esperado é menor que os inconvenientes previsíveis. (DINIZ, 2006)

Diniz, argumenta que é uma prática que viola o princípio da dignidade humana, já que não respeita a vontade do paciente em relação ao seu próprio tratamento e prolonga seu sofrimento de forma desnecessária. Ela defende a importância da autonomia do paciente e sua capacidade de tomar decisões informadas sobre sua própria saúde e tratamento, bem como a necessidade de se garantir uma morte digna e sem sofrimento excessivo. Diniz também destaca a importância dos cuidados paliativos, que podem aliviar a dor e o sofrimento do paciente e garantir uma melhor qualidade de vida durante seus últimos dias. (DINIZ, 2006)

O novo Código de Ética Médica brasileiro, em vigor desde abril de 2010, estabelece as normas e diretrizes para o exercício da medicina no Brasil. Ele aborda diversas questões éticas, incluindo a distanásia, sendo considerada uma prática contrária aos princípios éticos da medicina. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010)

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XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.

XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

O código médico enfatiza a importância de respeitar a autonomia do paciente, permitindo que ele tome decisões sobre sua própria saúde e bem-estar. Os médicos devem exercer sua profissão com liberdade e independência, sempre buscando o benefício do paciente. Além disso, destaca-se a necessidade de oferecer cuidados paliativos adequados aos pacientes em estágio terminal ou com doenças incuráveis.

3.4 ORTOTANÁSIA

Ao contrário da eutanásia, a ortotanásia busca respeitar a vontade do paciente e aliviar sua dor e sofrimento. O objetivo é garantir a dignidade do paciente em seus momentos finais de vida, proporcionando conforto e suporte emocional. Defronte as pesquisas ortotanásia busca proporcionar uma morte natural e digna para pacientes terminais ou em sofrimento insuportável, sem prolongar artificialmente o processo de morrer. Algumas das práticas mais comuns são a administração de medicamentos para alívio da dor, a oferta de cuidados paliativos e de suporte emocional e espiritual, além do respeito à vontade do paciente em relação aos tratamentos.

Seguindo a resolução CFM nº 1.805/2006 que diz o que seguinte:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamento que prolonguem a vida do doente, em fase terminal de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

§ 4º Em se tratando de doente incapaz, ausente o representante legal, incumbirá ao médico decidir sobre as medidas mencionadas no caput deste artigo.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social, espiritual, inclusive assegurando a ele o direito da alta hospitalar.

Art. 3º É vedado ao médico manter os procedimentos que asseguravam o funcionamento dos órgãos vitais, quando houver sido diagnosticada a morte encefálica em não doador de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante, nos termos do disposto na Resolução CFM nº 1.489, de 21.08.97, na forma da Lei nº 9.434, de 04.02.97. Parágrafo único. A decisão mencionada no caput deve ser precedida de comunicação e esclarecimento sobre a morte encefálica ao representante legal do doente.

Art. 4º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Em resumo ela estabelece as regras para a prática da ortotanásia no Brasil, com o objetivo de garantir que essa abordagem seja realizada com ética e transparência, respeitando sempre a vontade do paciente e oferecendo-lhe conforto e dignidade em seus momentos finais de vida. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010)

Maria Elisa Villas-Bôas (2008, p. 66) conceitua a ortotanásia da seguinte forma,

A ortotanásia tem seu nome proveniente dos radicais gregos: orthos (reto e correto) e thanatos (morte). Indica, então, a morte a seu tempo, correto, nem antes nem depois. Na ortotanásia, o médico não interfere no momento do desfecho letal, nem para antecipá-lo nem para adiá-lo. Diz-se que não há encurtamento do período vital, uma vez que já se encontra em inevitável esgotamento. Também não se recorre a medidas que, sem terem o condão de reverter o quadro terminal, apenas resultariam em prolongar o processo de sofrer e morrer para o paciente e sua família. Mantêm-se os cuidados básicos.

A ortotanásia é uma prática médica que busca garantir uma morte digna e natural para pacientes em estado terminal ou em sofrimento insuportável, sem prolongar desnecessariamente o processo de morrer. (VILLAS-BÔAS, 2006)

Essa abordagem se baseia nos princípios éticos da beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça, e busca respeitar a vontade do paciente em relação aos tratamentos.

3.5 MISTANÁSIA

A mistanásia também conhecida como "obstinação terapêutica” é a prática de prolongar o sofrimento de um paciente em estado terminal, através da utilização de tratamentos médicos sem benefícios claros. Contrária aos princípios éticos da medicina, essa abordagem não respeita a dignidade do paciente e resulta em sofrimento desnecessário. É importante priorizar o cuidado paliativo e respeitar a vontade do paciente no final da vida.

Trazida em sentido ético, no âmbito da bioética brasileira, o percursor que conduziu foi o brasileiro chamado Márcio Fabri dos Anjos, Suas contribuições ajudaram a levantar questões cognitivas relacionadas à tomada de decisão informada, autonomia do paciente, valores individuais e princípios éticos. Esses pioneiros na área da bioética no Brasil abriram caminho para uma discussão mais aprofundada sobre a mistanásia e sua implicação ética na prática médica (PESSINI, 2021).

Assim também diz Clóvis Constantino (2020).

Evitar a mistanásia agora é mandatório; evitá-la sempre significará a tomada de consciência dos agentes públicos em estabelecer prioridades, como a saúde. Assistência humanitária, financiamento, gestão, valorização e valoração dos profissionais são boa parte do que se espera. Afinal, o cidadão que adoece não é uma máquina avariada que requer reparos; é um ser humano completo.

Dessa forma, é fundamental que os profissionais de saúde e a sociedade em geral estejam conscientes sobre a importância dos cuidados paliativos e do respeito à autonomia do paciente em situações de fim de vida, para evitar a prática da mistanásia e garantir uma morte digna e respeitosa.

4. PISCÍCOLOGIA HOSPITALAR E O TESTAMENTO VITAL

4.1 CONCEITO

Como profissional de saúde mental, um psicólogo hospitalar pode ter um papel importante na discussão e reflexão sobre a eutanásia. É importante que o psicólogo hospitalar tenha uma postura ética e profissional em relação a esse assunto, e esteja ciente dos aspectos legais, sociais e culturais envolvidos na discussão.

A psicologia hospitalar é uma especialidade da psicologia que se dedica a prestar assistência psicológica aos pacientes internados em hospitais e suas famílias, visando a melhoria da qualidade de vida e bem-estar emocional durante o período de internação. (SANTOS, 2018)

Para Simonetti: “A Psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. (SIMONETTI, 2004, p. 15). Além disso, é destacado a importância da colaboração entre a equipe médica e os profissionais de saúde mental, para que o paciente seja visto como um todo, com suas necessidades físicas e emocionais sendo consideradas e tratadas de forma integrada. A psicologia hospitalar, também pode ajudar a equipe médica a entender melhor o paciente e a lidar com as questões emocionais e comportamentais que possam surgir durante o tratamento. (SIMONETTI, 2004).

O diagnóstico dado ao paciente sobre seu estado terminal, muita das vezes traz consequências emocionais, esses diagnósticos são responsáveis por um grande impacto psicológico e faz necessário o atendimento de um psicólogo para auxilia-los nessa fase, buscando também o entendimento do diagnóstico terminal e como ele afeta tanto para o paciente quanto para a família. O que não é muito fácil de ser compreendido, pois, a equipe médica ao analisar e reconhecer que não existe mais a possibilidade de reversão, restando então apenas os cuidados paliativos para diminuir possíveis progressões de dores e sofrimentos. (SANTOS, 2018)

Em resumo, a posição do psicólogo hospitalar em relação à eutanásia deve ser baseada em princípios éticos e profissionais, respeitando a autonomia do paciente e sua família, oferecendo suporte emocional e psicológico, e colaborando com outros profissionais de saúde para garantir o melhor cuidado possível para o paciente em fim de vida.

4.2 A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO HOSPITALAR

A atuação do psicólogo hospitalar envolve várias frentes, tais como: a) Avaliação e intervenção psicológica. O psicólogo hospitalar realiza avaliações psicológicas para identificar as necessidades emocionais e psicológicas do paciente e seus familiares, e desenvolve intervenções adequadas para ajudá-los a lidar com a situação de hospitalização, tais como terapia individual e familiar, intervenções de grupo e psicoeducação; b) Suporte emocional: O psicólogo hospitalar oferece suporte emocional para pacientes e seus familiares durante todo o processo de hospitalização, ajudando-os a lidar com sentimentos como medo, ansiedade, tristeza, solidão, entre outros; c) Aconselhamento: O psicólogo hospitalar aconselha pacientes e familiares sobre as melhores maneiras de lidar com as mudanças na rotina, o processo de adoecimento, o tratamento e os cuidados pós-hospitalares; d) Trabalho em equipe: O psicólogo hospitalar trabalha em equipe com os outros profissionais de saúde para fornecer um atendimento integrado e eficiente ao paciente e seus familiares. (SALDANHA; ROSA; CRUZ, 2013)

Chiattone diz sobre o tema:

[…] a delimitação do papel profissional acompanha as expectativas dos outros membros da equipe quanto ao papel que o profissional em questão deve exercer, acrescidas das próprias expectativas do profissional sobre sua capacidade de realização e de interpretação das expectativas dos outros. (CHIATTONE, 2003, p. 33)

Além disso, a psicologia hospitalar também pode contribuir para a melhoria do atendimento prestado pelos profissionais de saúde, favorecendo um ambiente mais humanizado e acolhedor para os pacientes. (SALDANHA; ROSA; CRUZ, 2013)

Contudo, a psicologia hospitalar é importante porque pode ajudar a minimizar o impacto emocional e psicológico da hospitalização, melhorando o bem-estar e a qualidade de vida do paciente e seus familiares.

4.3. TESTAMENTO VITAL

O testamento vital é uma forma de garantir que os desejos e valores dos pacientes sejam acolhidas, mesmo que ela não possa mais expressá-los. Ele também ajuda a evitar conflitos e incertezas entre familiares e profissionais de saúde e garante que a dignidade e a autonomia da pessoa sejam respeitadas até o fim

O testamento vital é um documento, e seu termo mais conhecido nos âmbitos discutidos se dá por nome: diretivas antecipadas de vontade, que nada mais é do que manifestações dos pacientes, expressando suas vontades sobre os cuidados e tratamentos médicos que passam a ser submetidos. Ele passou a ser criado em meados de 1960 nos Estados Unidos da América, em suas propostas são existentes algumas abordagens de soluções e informações a respeito deste documento. Dado o seu surgimento por volta do século XX, e que muito considerado fosse primeiramente a vontade do médico sobre o paciente e não dele a si mesmo, no que se diz respeito sobre os tipos de cuidados e tratamentos pelo qual este, aceitaria ou não á se submeter. Porém, embora a longevidade do tema o assunto só ganhou força nos últimos quinze anos, na Europa e na América Latina, sendo discutido pela comunidade Médica e Jurídica. (DADALTO, 2015).

Além disso, o testamento vital pode ajudar a evitar conflitos familiares e judiciais, uma vez que as instruções contidas no documento são legalmente vinculantes e devem ser seguidas pelos profissionais de saúde e familiares. Dessa forma, ele também ajuda a reduzir a ansiedade e o estresse dos familiares, que muitas vezes ficam sobrecarregados e incertos sobre quais decisões tomar em nome da pessoa incapaz.

4.4 DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE

São cuidados que objetiva tanto a qualidade de vida do paciente quanto a dos familiares, e são realizadas de fronte a alguma doença, podendo ser ela em estados graves, em progressão, ameaçando a continuidade da vida, oferecendo toda assistência necessária quanto a promoção do alívio a dor e ao sofrimento, podendo advir de uma avaliação psicológica, juntamente com os tratamentos psíquicos, sociais e até mesmo os espirituais.

Esses cuidados buscam promover investigações em como ponderar o final da vida, os motivos do surgimento da doença no exato momento, como ela está intervindo em seu presente, e o que ela pode interferir no seu futuro, tudo isso são preocupações diárias de paciente ao qual se depara com o diagnóstico, logo esses cuidados proporcionariam o controle desse sofrimento e uma melhor qualidade de vida ao processo enfrentado.

Segundo a Organização Mundial de Saúde:

Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007).

Podendo haver semelhanças entre os cuidados paliativos e a eutanásia, haja vista que essas semelhanças consistem na autonomia do paciente para decidir de que forme seria o processo alheio ao fim de sua vida, logo muitas vezes não podendo ser possível à aplicação dos cuidados paliativos em virtude da incapacidade do paciente em poder tomar essas decisões, aplica-se então, as diretivas antecipadas de vontade ou optar pela interrupção.

5. ÂMBITO JURÍDICO

5.1 TIPOS DE EUTANÁSIA COMO DIREITO EM OUTROS PAÍSES

A eutanásia é uma questão complexa que envolve muitas considerações éticas, jurídicas e culturais, e as legislações sobre esse tema variam significativamente em diferentes países. No Brasil, a eutanásia é considerada um crime e pode resultar em pena de prisão, na Holanda e a Bélgica, a eutanásia é legal sob certas condições específicas, como a solicitação voluntária do paciente e a presença de uma doença terminal ou sofrimento insuportável. Agora, na Suíça, o suicídio assistido é legal, mas a eutanásia não.

5.2 URUGUAI

O Uruguai é, de fato, um dos países da América Latina que tem avançado no debate sobre a eutanásia e o suicídio assistido. Em 2012, o Uruguai aprovou uma lei que descriminaliza o suicídio assistido, permitindo que os médicos ajudem os pacientes em fim de vida a morrerem sem serem punidos.

A lei do Código Penal do Uruguai Diz:

37. (Del homicidio piadoso)

Los Jueces tiene la facultad de exonerar de castigo al sujeto de antecedentes honorables, autor de un homicidio, efectuado por móviles de piedad, mediante súplicas reiteradas de la víctima. (URUGUAI, 1934)

No entanto, essa lei não legaliza a eutanásia ativa, que envolve a administração de uma substância letal por um médico para encerrar a vida do paciente. Em 2021, o Uruguai aprovou uma nova lei que permite a morte assistida em casos de doenças terminais ou incuráveis, continua pendente a regulamentação detalhada da lei e sua implementação prática. (WINCK, 2017)

É importante ressaltar que a eutanásia ainda é um assunto altamente controverso no Uruguai e em todo o mundo, envolvendo questões éticas, religiosas, jurídicas e culturais complexas.

5.3 COLÔMBIA

A Colômbia também tem avançado no debate sobre a eutanásia e o suicídio assistido. Em 1997, a Corte Constitucional colombiana emitiu uma decisão histórica, conhecida como "sentença C-239", que descriminalizou a eutanásia em casos excepcionais em que o paciente sofria de uma doença incurável, dor insuportável e solicitava a eutanásia de forma livre e voluntária. Desde então, a eutanásia tem sido praticada de forma limitada e sob supervisão judicial na Colômbia. (CIONATTO, 2021)

A lei do Código Penal da Colômbia diz: Art. 326: “El que matare a otro por piedad, para poner fin a intensos sufrimientos provenientes de lesión corporal o enfermedad grave e incurable, incurrirá en prisión de seis meses a tres años.” (COLÔMBIA, 1997)

Em 2015, a Corte Constitucional colombiana emitiu uma nova sentença, conhecida como "sentença T-970", que permitiu que os pacientes com doenças terminais ou incuráveis que sofrem de dor insuportável recebam cuidados paliativos ou solicitem a eutanásia. (CIONATTO, 2021)

No entanto, a prática é restrita e regulamentada, sendo permitida apenas em casos de doenças incuráveis e dor insuportável, com o consentimento livre e informado do paciente e a supervisão médica rigorosa. Além disso, a eutanásia é um direito individual, ou seja, não pode ser solicitada por terceiros em nome do paciente.

5.4 SUÍÇA

Existem organizações na Suíça que fornecem assistência ao suicídio, como a Exit e a Dignitas. Essas organizações fornecem aconselhamento, assistência médica e suporte emocional para pacientes que desejam acabar com sua vida.

Em 2011, a Suprema Corte Federal da Suíça decidiu que as pessoas que sofrem de doenças incuráveis e padecem de dor grave têm o direito de receber assistência médica para o suicídio, não existe uma lei específica sobre o suicídio assistido na Suíça. A prática é regulamentada principalmente por decisões judiciais, bem como por códigos de ética e conduta médica (DE CASTRO, et al. 2016)

O suicídio assistido, muito embora confundido com a eutanásia, isso porque haja semelhanças entre às duas, podendo relacionar no que diz respeito a vontade do paciente, mas a disparidade ocorre, na verdade, porque na eutanásia a prática decorre de atos de terceiros, e o suicídio assistido decorre do ato do próprio paciente solicitante, apenas tendo auxílio de um terceiro na ocasião. No entanto, o paciente é apenas assistido no processo da morte. (CARVALHO, 2020)

Pessoas do mundo inteiro tem a Suíça como referência quando seu desejo é optado pela prática do suicídio assistido, encontra o interesse de se obter uma estrutura para receber os nativos quanto os estrangeiros “seis instituições em atividade são responsáveis pela maioria dos casos de suicídio assistido no país, com diferentes critérios de seleção de candidatos” (DE CASTRO et al., 2016, p. 360) Isso se dá pela complexidade de seus países de origem terem politicas associando o suicídio assistido como uma prática legal, logo tendo que procurar ONGS e até mesmo instituições fora de seus países para efetivar essa vontade.

É importante ressaltar que as leis e regulamentações sobre eutanásia e suicídio assistido podem mudar ao longo do tempo, à medida que as atitudes públicas e as perspectivas éticas evoluem e mudam. Além disso, mesmo em países onde a eutanásia é legal, o processo é estritamente regulamentado e existem salvaguardas para proteger os direitos e a segurança dos pacientes.

6. AMBITO JURIDICO BRASILEIRO – EUTANÁSIA

6.1 BRASIL

No Brasil, a eutanásia é considerada ilegal e criminalizada. A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 5º, que a vida é um direito inviolável e, ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Além disso, o Código Penal brasileiro estabelece que a prática de induzir, instigar ou auxiliar o suicídio de outra pessoa é considerada crime, com pena prevista de 2 a 6 anos de prisão.

Assim como prevê nossa Constituição Federal.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça. (BRASIL, 1988)

Argumentos contrários são levantados à legalização da eutanásia, incluindo preocupações com a proteção do direito à vida e, a dignidade da pessoa humana, a possibilidade de abusos e a necessidade de se oferecer cuidados paliativos adequados para aliviar o sofrimento das pessoas. Valendo – se questionar que a vida é um direito ou mero dever do cidadão brasileiro.

Ingio Wolfgand Sarlet entende a dignidade da pessoa humana como:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.(SARLET, 2001, p. 60)

No atual Código Penal brasileiro a Eutanásia é tipificada como homicídio simples ou qualificado, sendo ela descaracterizada por completo qualquer de legalidade, logo sendo configurado crime em qualquer hipótese. Conforme o Art. 121 do Código Penal brasileiro que diz:

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado.

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos. (BRASIL, 1940)

Portanto, cabe ao Estado proteger a vida de seus cidadãos, garantindo o acesso a cuidados de saúde adequados, segurança pública e outros direitos fundamentais que protegem a vida das pessoas. Além disso, cada indivíduo tem o direito de decidir sobre sua própria vida, incluindo a sua saúde, logo, o direito à vida não é um dever, mas uma proteção conferida aos indivíduos pela sociedade, representada pelo Estado e a escolha de viver ou não deve ser sempre respeitada.

7. EUTANÁSIA COMO DIGNIDADE DE MORTE NO BRASIL

Para se discutir eutanásia, obviamente estamos falando que no País, a eutanásia é crime, logo, não é permitido, mas numa perspectiva de argumentos, legalizar a eutanásia não pode ser considerada a banalização do direito à vida, e sim trazer sobre consciência o direito de morte digna e, o direito fundamental de escolha do próprio fim, ou seja, o direito de autonomia.

É entendido por George Salomão leite (2017) que existe de forma implícita na Constituição Federal o direito a dignidade de morte digna, George elenca os seguintes princípios como respaldo ao seu entendimento: a) Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, c/c art. 5º, III, CF); b) Vedação de tortura, tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, CF); c) Liberdade e autonomia individual (art. 5º, III, CF); d) Integridade física (art. 5º, III, CF); e) Integridade psíquica (art. 5º, X, CF); f) Integridade moral (art. 5º, X, CF); g) Liberdade religiosa (art. 5º, VI, CF); h) Dever fundamental de solidariedade por parte de terceiros (art. 3º, I, CF) e; i) Direito fundamental à vida (art. 5º, caput, CF. (LEITE, 2017)

Luciana Dadalto (2019) também traz entendimentos análogos a este tema: “[...] Deve-se ter em mente que o chamado direito à morte digna no Brasil, em que pese encontrar guarida da autonomia privada e na dignidade humana, deve ser interpretado sob a perspectiva constitucional.” (DADALTO, 2019, p.8)

Quando falamos sobre à dignidade, e logo sobre o direito à vida, não podemos de grosso modo fazer uma interpretação mitigada, apenas para atender interesses próprios, culturais, ou tanto quanto religiosos, e sim abranger o acesso desse direito a todos numa pluralidade e não no singular. Pode se questionar, porque não se dá a possibilidade de morrer pacificamente, de modo digno, ao paciente se atormenta de uma enfermidade grave, ou incurável, logo sendo certo a sua morte, esgotando-se todos os métodos paliativos, cessando então as possibilidades de reversão, cuja continuidade da vida apenas lhe trará mais sofrimentos e dores. Mas, se dá o direito de matar alguém pela possibilidade de um crime de guerra, legitima defesa, e também da interrupção da gravidez de feto anencefálico ser conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal. (LEITE, 2017)

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso (2015) entende que o direito psíquico e físico do paciente está acima do direito à vida, não sendo considerado este um direito absoluto, testificando sua posição ele diz: “O sacrifício do direito à vida é permitido, pela constituição brasileira, em caso de legítima defesa e em caso de guerra declarada” Logo Barroso entende que o Estado não tem o direito de decidir se a pessoa deve continuar sofrendo.

Sendo assim ele conclui: “A regra da dignidade da pessoa humana é precisamente o direito de fazer suas escolhas existências, inclusive a de morrer pela sua própria religião, como as testemunhas de Jeová”. (BARROSO, 2015)

Não havendo tipicidade no Código Penal Brasileiro, torna-se apenas o subentendimento da configuração do crime comparando-o com outros artigos do código, logo se conclui pela ilicitude da prática, pela falta de respaldo no ordenamento jurídico, apto a validar esse instituto.

Luciana (2019) engrandece seu argumento em tipificar suas teses de Eutanásia como Direito individual, em um ponto de vista de autonomia, de um direito de uma pessoa sobre a sua própria vida. Além disso, ela defende a criação de condições, culturais, éticas, jurídicas e morais para um novo entendimento de conceito de morte, podendo fazer analogia a um paciente que em conceito biológico que já se entende em seu conceito como morto, por ter passando por todos os cuidados paliativos e cessando todos os meios de reversibilidades, experimentando o máximo que a medicina pode proporcionar, a condição de vida, ou seja, com aquela qualidade de vida, para o paciente, ele já não está satisfeito. (DADALTO, 2019)

Em um Estado Democrático de Direito, morte digna deve ser entendida como a possibilidade que o indivíduo portador de uma doença ameaçadora da vida tem de escolher como deseja morrer. Não se trata, a princípio, de legitimar o desejo de morrer, mas de reconhecer que, em estados clínicos em que a irreversibilidade da doença está instaurada, é direito do paciente escolher como deseja vivenciar sua própria terminalidade. (DADALTO, 2019, p.9)

A legalização da eutanásia no Brasil pode aliviar o sofrimento físico e psicológico de pacientes em fase terminal, melhorar a qualidade de vida deles e de suas famílias, reduzir custos com tratamentos prolongados e onerosos e respeitar a autonomia do paciente. É importante regulamentar o procedimento para evitar abusos e garantir a segurança e ética do processo.

8. CONCLUSÃO

A eutanásia é uma opção que permite aliviar o sofrimento físico e psicológico de pacientes em fase terminal, respeitando sua autonomia e direito de escolha sobre o próprio corpo e vida. A legalização dessa prática no Brasil contribuiria para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias, reduzindo o prolongamento de tratamentos dispendiosos e muitas vezes ineficazes. Além disso, a autonomia do paciente é um princípio fundamental que deve ser respeitado, permitindo que indivíduos em condições terminais tomem decisões informadas e conscientes sobre o término de suas vidas.

Ao garantir a legalização da eutanásia, é importante estabelecer políticas que promovam avanços na medicina, bem como considerar as condições e desejos do paciente expressos no testamento vital. Em uma sociedade democrática, é essencial assegurar o direito de escolha sobre a própria vida, incluindo a opção de encerrar o sofrimento e a dor por meio da eutanásia.

A morte é parte inevitável da vida e não deve ser encarada como um problema a ser solucionado, mas sim como um mistério a ser experimentado. É essencial reconhecer e respeitar a autonomia individual, expressa por meio do testamento vital, mesmo diante de interpretações do Código Penal e da Constituição Federal. A morte digna é uma questão pessoal, não cabendo ao Estado determinar o que é digno ou não. A dignidade deve ser compreendida levando em consideração os valores e a história de vida de cada pessoa, assim como sua situação atual. O que é digno para uma pessoa pode ser completamente diferente para outra.

O testamento vital permite você refletir que o belo da vida não é ser imortal, mas sim, que o belo da vida é viver, nascer, se desenvolver, crescer, e envelhecer. Pois, quando negamos a morte, negamos a nossa existência, podemos até tentar fugir da morte, mas um dia, vamos virar a esquina e se encontrar com ela, pois, a grande verdade é que a morte sempre nos surpreende.

É relevante ressaltar que a legalização não impõe a eutanásia, mas sim oferece uma escolha individual que deve ser regulamentada de forma ética e segura, evitando abusos. Dessa maneira, a eutanásia se torna uma alternativa legítima para aqueles que desejam ter controle sobre o momento e as circunstâncias de sua morte, permitindo-lhes viver com dignidade até o fim.

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Sobre o autor
Thiago Turno Vedovati

Olá! Sou um estudante de direito apaixonado por produzir artigos. Com 24 anos de idade, mergulho profundamente no estudo das leis, precedentes judiciais e teorias jurídicas, sempre em busca de expandir meu conhecimento e aprimorar minhas habilidades. Escrever artigos é minha paixão e minha forma de comunicar ideias complexas de maneira clara e persuasiva. Através da pesquisa minuciosa e da argumentação cuidadosa, busco contribuir para o entendimento e o debate de questões legais relevantes. Acredito no poder da escrita para promover mudanças e influenciar positivamente a sociedade. Por isso, dedico-me a produzir conteúdo que não apenas informe, mas também inspire reflexão e ação. Junte-se a mim nesta jornada de descoberta e exploração do mundo jurídico através da escrita

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