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Caso Zelaya.

Um estudo sobre a crise hondurenha, a concessão de asilo político e as imunidades diplomáticas concernentes ao Estado brasileiro

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6. DA CRISE DIPLOMÁTICA ENTRE HONDURAS E BRASIL

6.1. DO ASILO DIPLOMÁTICO CONCEDIDO EM TEGUCIGALPA

Ao retornar a Honduras, Zelaya buscou refúgio na Embaixada brasileira em Tegucigalpa, fato que resultou em inúmeras divergências entre os dois países, revelando um confronto entre o princípio da não intervenção entre os Estados soberanos no que se refere à matéria de cunho interno e o direito ao asilo político.

Insta esclarecer que o caso em tela se refere à hipótese de asilo diplomático, este, como já exposto, constitui modalidade provisória e precária do asilo político, pois abarca a proteção política de um Estado no território de outro, através de suas repartições diplomáticas, tendo em vista a sua imunidade de jurisdição e inviolabilidade territorial.

O instituto do asilo não se confunde com o do refúgio, pois este não ocorre em situação de perseguição política, mas por outras motivações, quer seja por raça, religião ou nacionalidade. No entanto, o asilo político se destaca pela garantia àqueles que são alvos de perseguição por crimes de opinião.

In casu, Zelaya praticou crime de “extrema gravidade” contra o sistema democrático de Honduras, considerado como traição à pátria. Portanto evidente o caráter político de suas condutas ilícitas.

No entanto, apesar de o instituto do asilo político se encontra previsto tanto no ordenamento jurídico brasileiro (art. 4º, inciso X, da CRFB/1988) quanto em inúmeras convenções internacionais, dentre elas a Convenção Americana de Direitos Humanos, deve-se atentar ao princípio da não intervenção, salvaguardando a soberania entre os Estados.

Ocorre que o princípio da não intervenção não é absoluto, admitindo exceções em situações excepcionais. O caso Zelaya configura situação extraordinária, uma vez que o governo de Micheletti não havia sido reconhecido até então pelo Estado brasileiro, assim como pela grande maioria das nações internacionais.

Nesse sentido, entende-se que o asilo concedido pela Embaixada brasileira foi legítimo, não se tratando de hipótese de usurpação da autoridade local, nem de intervenção arbitrária ou violação à soberania da República de Honduras.

6.2. DAS REPRESÁLIAS DO GOVERNO LOCAL À EMBAIXADA BRASILEIRA E A VIOLAÇÃO DAS IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS

É sabido que após a concessão do asilo diplomático pela Embaixada brasileira, houveram levantes e manifestações contra a atitude do governo brasileiro, chegando a níveis extremos de hostilidades entre as duas nações quando as tropas militares do governo Micheletti passaram a cercar o prédio da Embaixada, cerceando o fornecimento de serviços básicos à sobrevivência dos membros da missão diplomática, bem como do asilado, tais como água, energia elétrica e alimentos. Ademais, houve episódios em que os militares lançaram bombas de gás lacrimogêneo nas imediações, alegando o terem feito para reprimir as manifestações populares no local.

Resta evidenciado que as prerrogativas e imunidades diplomáticas outorgadas aos agentes diplomáticos foram terminantemente violadas, impedindo não apenas o exercício de suas funções regulares a serviço do governo brasileiro, mas também representou grande risco à integridade dos agentes que ali se encontravam isolados.

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas serviu como marco positivador das regras e postulados axiológicos do costume internacional e da prática diplomática, prevendo em seus arts. 20. a 43, as diversas imunidades e prerrogativas de que os agentes diplomáticos são dotados, bem como a extensão destas imunidades às embaixadas e locais das missões diplomáticas.

Consoante previsto no art. 22, 1 e 2, da Convenção de Viena, os locais da missão são invioláveis, tendo o Estado acreditado a obrigação de adotar todas as medidas apropriadas para proteger tais locais “de qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas às sua dignidade”.

Ainda, o art. 29. dispõe que a pessoa do agente diplomático é inviolável, devendo o “Estado acreditado trata-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade”.

Embora tendo a obrigação de proteger e resguardar a integridade dos agentes diplomáticos e dos locais da missão, o Estado hondurenho não tomou qualquer medida para impedir, remediar ou sancionar as represálias direcionadas à Embaixada brasileira, adotando o comportamento contrário, dado que as tropas militares leais ao governo interino participaram dos ataques.


7. CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo analisar os pormenores de um recente e interessante conflito diplomático envolvendo dois países latino-americanos: Brasil e Honduras. O caso em si é repleto de incidentes, já que a conduta de ambos os países é questionável, repleta de atos contrários ao direito internacional e arbitrariedades, como por exemplo, intervenção em assuntos internos de outro Estado, banimento de um nacional, violação de imunidade diplomática, intervenção militar para deposição de um presidente ainda no curso de um mandato e a concessão de asilo diplomático baseado em delito penal comum.

Voltando a análise fática desenvolvida no início do presente trabalho, tem-se que o presidente Manuel Zelaya, a poucos meses de concluir o único mandato presidencial que a que teria direito de acordo com o disposto na Constituição Hondurenha, tentou, para se manter no poder, convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, com o fim de mudar a Constituição para permitir uma recondução. Temos aqui, portanto, um ilícito de origem política, visto que violava à carta magna do Estado hondurenho, tendo por pretensão instituir um novo momento constitucional e, desse modo, adotar uma nova ordem jurídico-política.

Diante disto, as cortes de justiça daquele país interviram, reputando como ilegais os atos cometidos pelo então presidente. Tudo ainda dentro da legalidade. Mas não satisfeito com o que foi determinado pelo Judiciário, o chefe do executivo insistiu com a tentativa de promover a constituinte, fato que, após grave crise política, culminou, alguns meses depois, com a sua deposição, e posterior banimento. Até temos o primeiro ato ilegal cometido pelo novo governo de Honduras, já que os modernos Estados democráticos de direito vedam esse tipo de atitude.

Até aí, essa crise era apenas Hondurenha, dizia respeito apenas a assuntos internos daquele país. Todavia, as intervenções da Venezuela, e principalmente do Brasil, transformaram esse conflito em uma grave crise diplomática, de repercussão Mundial, já que houve por parte do governo Hondurenho violações de convenções internacionais, com o desrespeito à imunidade diplomática, devido aos danos causados pelos militares de Honduras ao prédio da Embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Em decorrência de todos esses fatos, constata-se que ambos os lados cometeram ilícitos e abusos. O que era pra ser resolvido no âmbito interno de um país, se expande ao banimento ilegítimo de seu próprio nacional, o que resultou à concessão de asilo diplomático por outro Estado soberano, chegando até mesmo a Corte Internacional de Justiça, em 2010. De qualquer forma, os fatos aqui relatados foram expostos de maneira lógica e mais abrangente possível. Também merece ser ressaltado a análise do instituto do asilo político, fundamentada em importantes nomes do direito internacional brasileiro, e os principais dispositivos da legislação, nacional e internacional, que tratam do tema.

Por fim, é importante frisarmos que neste trabalho acadêmico procuramos desenvolver um diálogo entre várias áreas do conhecimento jurídico, como o direito internacional, direito constitucional e direitos humanos. E o presente caso foi analisado sob os pontos de vista jurídico, político, social e diplomático, da forma mais completa possível, com a inserção de trechos da legislação e da estrutura jurídico-política estrangeiras, quando necessário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

3 MAZZUOLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 715.

4 MAZZUOLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 722.

5 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 13ª ed. ver. aumen. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 215.

6 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 15ª ed. Saraiva: São Paulo, 2014, p.256.

7 Ibidem, p.256.

8 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.257.

9 Ibidem, p.258.

10 MAZZUOLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 733.

11 MAZZUOLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. 5ª ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 734.

12 MAZZUOLI, Valério. Curso de direito internacional público. 5ª ed., Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 734.

13 Ibidem, p.735.

14 REZEK, Francisco. Direito internacional público – Curso elementar. 15ª ed., Saraiva: São Paulo, 2014, p.258.

15 MAZZUOLI, Valério. Curso de Direito internacional público. 5ª ed., Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p.735.


Abstract: This production is scope to analyze the Honduran political crisis occurred in 2009, which culminated in the deposition and banishment of President Manuel Zelaya. This is a critical analysis on the constitutionality of President deposition act, and the possibility of banning nationals in the Democratics States of Law. In addition, this essay aims to examine the political shelter provided by the Brazilian Embassy to the former Honduran president and the diplomatic implications between the Republic of Honduras and the Federative Republic of Brazil.

Key words: Honduran political crisis. Deposition. Banishment. Political asylum. Diplomatic immunities.

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Sobre os autores
Natália de Jesus Silva Reis

Graduanda no Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, estagiária do Núcleo de Execuções Penais da Defensoria Estadual do Maranhão – NEP/DPE, e monitora da disciplina de Direito Constitucional na Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

João Batista Pinheiro Junior

Graduando na Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; Estagiário da Justiça Federal na Seção Judiciária do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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