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Da morosidade do Poder Judiciário e algumas possíveis soluções

09/06/2004 às 00:00
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Uma explicação inicial se faz necessária. Este artigo não é um trabalho acadêmico. Considerou-se que o excessivo academicismo, em se tratando da morosidade da Justiça, representaria um contra-senso. Na realidade, talvez um dos problemas da Justiça seja o academicismo com que são tratadas as questões a ela submetidas.

Partindo-se do pressuposto que a morosidade é uma constatação, embora não possa ser generalizada, buscar-se-á indicar algumas causas e possíveis soluções para a morosidade da Justiça.

A morosidade ou demora na outorga efetiva da prestação jurisdicional, com sua efetivação no mundo dos fatos, talvez tenha por origem remota a perda do caráter humano do processo. Quando a sociedade era menos complexa e as relações mais pessoais, as decisões refletiam essa filosofia, havendo uma maior preocupação com a rapidez e o resultado. Embora pudesse haver, em alguns casos, parcialidade, a pressão social era mais direta, imediata e próxima, tornando-a mais difícil.

Se o direito é o objeto da ciência jurídica, a justiça é a humanização do direito; é a colocação do homem como a medida de todas as coisas, como o fim do Estado e da sociedade. Quando o Estado perde esse indicativo, desumaniza-se e perde o escopo do bem comum, para proteger classes, categorias ou corporações.

O direito nasceu para trazer a paz social, mas tornou-se um instrumento tão complicado, tão complexo e tão erudito que o homem comum, que é o seu destinatário final, o vê como um ritual secreto, exercido por sacerdotes togados, a falar um idioma incompreensível e rebuscado e que ficam felizes diante de uma causa complexa, por suas implicações acadêmicas, mesmo que para isso o foco humano necessariamente precise ser desprezado. O incomum torna-se tão atraente que, não raro, questões singelas tornam-se complexas pela sobreposição de teorias e mais teorias que desprezam a física constatação de que a menor distância entre dois pontos é a linha. No templo da justiça, os advogados trazem as oferendas, os juízes as colocam no altar e ao homem comum é colocado como sacrilégio imiscuir-se no ritual, mesmo que nesse ritual seja ele a vítima a ser imolada ou mesmo que o ritual em si torne sua vida um inferno (por vezes, a pressão psicológica exercente durante o curso processual é tão intensa que, dependendo da duração, o próprio resultado é menos pernicioso, ainda que injusto).

O direito está em crise, porque a ética e a moral também estão. O Judiciário, como instituição, está em crise porque o próprio Estado também está. A Justiça é morosa e sua demora é, em si, causadora da injustiça; porém, a injustiça generalizada é a causa da morosidade judiciária. Contam-se com as dificuldades no acesso à Justiça e a morosidade decorrente do excesso de processos para não se cumprir, voluntariamente, com as obrigações. O "vá procurar os seus direitos" tornou-se lugar comum. Perdeu-se a vergonha de se ver reconhecido pelo Judiciário o abuso no pedir ou no resistir, como se fizesse parte de um jogo e como se não estivesse em discussão a própria postura ética das partes. O processo tornou-se um jogo de astúcias, em que o ganhador sentir-se-á mais vitorioso quanto menos razão possuía ao início.

Assim, o processo (ou o temor de sua deflagração ou desfecho) que deveria persuadir as partes a cumprir as obrigações ou dissuadi-las de resistir produz efeito contrário. Conta-se com a morosidade para postergar, e o processo serve a esse propósito nefasto, com perfeição, principalmente por causa de um dogma que o reveste e que apenas recentemente vem sendo sacudido: a presunção de que o réu tem razão em resistir à pretensão.

Com base nesse dogma, busca-se, de todos os modos, garantir-se ao máximo o direito de defesa, permitindo-se a antecipação de tutela ou a concessão de liminares apenas em casos extremos. Juízes e cortes cultuam o primado do direito de defesa, chegando ao cúmulo de reconhecer que o uso de recursos legais, por exemplo, é mero exercício de direito. Não é possível, no processo, resistir senão por meios previstos, sendo falacioso o argumento. Ninguém cria, em sua má-fé, um instrumento processual, e sim abusa de um instrumento existente. O uso de meios recursais em muitos casos não traduz o uso de um direito, mas o abuso de um direito e, como tal, deve ser perseguido, sob pena de incentivar-se o desrespeito pela lei e pelo próximo e o descrédito na Justiça, como instituição.

Criou-se um círculo vicioso. As obrigações não são cumpridas porque a prestação jurisdicional tarda; a prestação jurisdicional é tardia porque o volume de processos é desproporcional à capacidade de julgar, volume ocasionado pelos que contam com a morosidade do Judiciário e deixam, por causa dela, de cumprir, voluntariamente, com suas obrigações.

Para se quebrar esse círculo é preciso não só facilitar o acesso à Justiça, mas também o atingimento do término. Hoje o acesso é relativamente fácil; o difícil é a saída, o desfecho. É preciso tornar vantajoso tanto o cumprimento imediato das obrigações quanto a solução rápida dos litígios, ampliando-se a oneração decorrente da demora causada pelo réu ou o abuso do direito de petição pelo autor. O resistir à pretensão deve se tornar desvantajoso e, para isso, o caminho mais curto é a outorga de uma interpretação menos conservadora aos dispositivos legais que tratam da litigância de má-fé. Em termos de política jurídica, o ideal seria o acréscimo de um plus, dependendo da fase processual, como uma reprimenda ao réu e uma compensação ao autor pela resistência à pretensão. Por exemplo: o condenado em primeiro grau pagaria 20% a mais; se confirmada a decisão em sede recursal, 50% a mais; se acessada sem sucesso a via extraordinária, 100% a mais. Poderia haver um decréscimo na condenação se o autor insistisse sem razão nos pedidos rejeitados e assim por diante.

Outro fator agravante é o excesso de leis, a ocasionar dúvidas no seu cumprimento. As leis são muitas e muitas vezes mal feitas (principalmente as processuais, editadas sem a ouvida de especialistas). O descumprimento da lei, em muitos casos, não deriva de má-fé ou de intenção deliberada de frustrar sua aplicação; resulta da ignorância ou do seu conteúdo dúbio. As leis precisam ser simplificadas em número e conteúdo e é preciso que seu conhecimento não seja apenas uma presunção: o direito usual deveria fazer parte dos currículos escolares e ensinado às crianças ao invés de rudimentos de idiomas estrangeiros (imprestáveis para quem não descobriu a própria cidadania). As leis devem ser, portanto, reduzidas, simplificadas e efetivamente conhecidas da população. Para o conhecimento os Tribunais devem incentivar palestras em escolas, igrejas, clubes etc, dando ciência à população das leis que mais lhe afetam e da atuação do Judiciário. É preciso desmistificar a instituição. Boa iniciativa nesse sentido são as cartilhas que vêm sendo distribuídas pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pelo Tribunal Regional do Trabalho e pela Justiça do Trabalho de Londrina – PR.

Se por um lado não podemos desprezar as tradições jurídicas desta terra, que, em muitos casos, representam esse amálgama cultural sedutor que é a união de tantas raças, credos, sangues e culturas, misturados num cadinho de tolerância, devemos nos desvencilhar das amarras da burocracia estatal, que na Europa se identificam, principalmente, com Portugal, Espanha e Itália, países em que fincamos nossas raízes culturais. Essa burocracia é a única explicação para que se exijam documentos, guias, recolhimentos, carimbos, chancelas e autenticações, quando uma simples declaração, sob as penas da lei, deveria surtir o mesmo efeito.

Essa burocracia se projeta no processo em que a instrumentalidade serve como doutrina, mas está divorciada da prática. A burocracia, o apego excessivo à forma, ainda apresenta pérolas como a de um juiz de direito que deixou de receber uma petição por ter sido nominado juiz federal (ou vice-versa), e o fato, veiculado na INTERNET, traduziu seis meses de atraso no andamento do processo. Os juízes, principalmente os tribunais, ainda se escondem por detrás das formalidades, para adequar o número de processos à capacidade de julgar. Extinguem sem julgamento de mérito e não conhecem de recursos, com enorme facilidade, considerando homônimas as soluções da lide e do processo, embora inconfundíveis. As primeiras (soluções da lide) trazem algum apaziguamento social; as segundas (soluções do processo) podem representar apenas a perpetuação da lide e o aumento do descrédito da Justiça ou, o que é pior, aumentar a audácia dos maus, por reconhecida a impunidade e institucionalizada a sua ocorrência.

Alguns advogados se vangloriam do número de preliminares que conseguiram suscitar e preferem, por exemplo, arcar com os custos de longas viagens a abrir mão de incompetência territorial, mesmo que economicamente isso seja melhor para seu cliente, com o único fito de dificultar ou impedir o acesso à Justiça. O acesso à Justiça e nele o direito de petição precisa ser preservado; sem ele, o direito de defesa, nem sequer se justifica.

O Judiciário é um poder elitizado. É uma falácia a afirmação de que o processo trata a todos de forma igual. O sistema recursal atende, principalmente, aos que detêm o poder econômico e ao próprio Estado (este com 80% dos recursos nas instâncias superiores). Quem tem crédito para a contratação de advogados com excelente know how e possui meios materiais para tal (custas, despesas etc.) logra levar qualquer processo até o Supremo Tribunal Federal. Um exame superficial das súmulas dos Tribunais Superiores deixa clara a primazia de acesso das instituições financeiras e da Fazenda Pública a essas Cortes, bem como a necessidade de se repensar o sistema processual. Constata-se, na Suprema Corte, que 90% dos processos são meras repetições. Ainda assim, cada Ministro deve julgar cerca de 14.000 processos por ano, o que, evidentemente, não é possível.

O primeiro grande passo é a restrição à via extraordinária, que culminou por converter-se em ordinária tal a facilidade que causas corriqueiras ou de nenhuma importância social ascendem. O Supremo Tribunal Federal deve tornar-se uma Corte Constitucional e deixar de ser um 4º grau de jurisdição. Para tal, precisa seguir a experiência das Cortes Européias, com mandato determinado (8 a 12 anos) e competência unicamente constitucional, com monopólio nessa matéria, vinculando os juízes e Cortes não constitucionais. Esse sistema desafogaria o Judiciário e permitiria a cada instância julgar dentro de sua capacidade de apreciação e dar respostas rápidas à sociedade.

É preciso restringir ainda o acesso ao duplo grau. O juiz de primeiro grau, por seu contato direto com as partes, possui muito mais condições de compreender os fatos que originaram a lide. Não há nenhuma garantia de que quem julga por último julga melhor; aliás, o assoberbamento dos órgãos recursais e até a composição colegiada não lhes permitem dar a cada processo a mesma atenção. Constatando-se que a clientela recursal não é da maioria, mas da minoria aquinhoada, a restrição do acesso representaria a democratização do poder, e não sua elitização. Talvez porque privilegie as elites e sua grande representação legislativa é que as mudanças no sistema recursal sejam tão difíceis.

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Enquanto essa restrição não vem, os Tribunais podem estabelecer Turmas e Câmaras especializadas, por exemplo, no julgamento de empresas públicas ou de economia mista, Fazenda Pública etc., para que a repetição seja causa, pelo menos, de julgamentos mais céleres. Poder-se-ia inclusive criar determinadas classes de processo, de acordo com temas, para facilitar a distribuição. Um mesmo tema, não raro, pipoca em toda uma região e chega aos Tribunais, mas a falta de especialização dos órgãos recursais faz com que os recursos aguardem longos períodos até que cada órgão do Tribunal faça o mesmo estudo. A mera especialização não fere o princípio do juiz natural.

Não pode ser desprezada, dentre as causas, a falta de aparelhamento estatal. Nestes tempos, não se permite mais que a informática e outros avanços tecnológicos não estejam colocados a serviço da Justiça. Não se pode admitir que fichas de processo amarelem em fichários e processos nos escaninhos quando a informática é cousa corriqueira até nos mais distantes grotões deste País. É preciso, contudo, democratizar e disseminar a informação. Não se justifica tanto do ponto de vista econômico como de interatividade que cada Tribunal crie seu próprio sistema e pretenda se comportar como o direito autoral que possui sobre o invento e não possa ser adquirido por seus co-irmãos (isto sem falar no custo de licença dos programas geradores pagos pelos Tribunais). É necessário criar programas com base em sistemas abertos e permitir que cada Corte aperfeiçoe ou adapte o conteúdo, trocando informações e aperfeiçoamentos, de forma constante. O que se verifica é que enquanto alguns Tribunais caminham a passos largos outros engatinham na tecnologia. A Justiça é um todo. Não pode haver direito autoral resguardado aos compartimentos do Estado como se fossem empresas concorrentes.

Se para aprimorar os meios materiais forem necessários recursos financeiros é lícita até a fixação de taxas judiciárias altas e multas por abusos, desde que umas e outras sejam cobradas ao final e não traduzam, elas próprias, entraves no acesso à Justiça. As custas devem ser cobradas porque o serviço (judiciário) é divisível e quem deu origem à sua ocorrência deve por ele responder, e não toda a sociedade. Contudo, o Judiciário não pode tornar-se um mero agente arrecadador, um caça-níquel estatal. Nesses tempos de fiscalismo, em que a ânsia arrecadatória complementada por uma política de desinvestimento caracteriza o Estado, o Judiciário não pode se contaminar e se transformar em coletoria, deixando de exercer suas funções, por causa das moedas que não tilintaram no cofre. Nessa ótica, o sistema de custas da Justiça do Trabalho, com o pagamento após a sentença, é o mais indicado, embora o atual sistema de emolumentos (prévios) tenha representado um retrocesso. É necessário ainda abrir-se ao auxílio das empresas privadas, desde que esse auxílio não torne duvidosa a isenção. Algumas instituições bancárias inclusive obtêm grandes lucros com os depósitos judiciais, aplicações de longo prazo. Nada impede que dêem uma contrapartida, com a doação de equipamentos, cessão de edifícios, de tecnologia etc. A par disso, a justiça é uma causa que interessa a toda sociedade, de forma que não pode ser encarada como uma obrigação exclusiva do Estado. Não se pode admitir, entretanto, casos como os de alguns juizados especiais constituídos por corporações de comércio a transformar o Judiciário em empresa de cobrança, inclusive com reversão parcial das custas a favor da corporação.

O Brasil precisa de mais juízes, muito mais juízes. Não pode haver celeridade sem que o número de magistrados seja adequado às demandas propostas. Os processos vêm crescendo em proporção geométrica e o número de magistrados mantido estagnado ou com pouca evolução. O Brasil apresenta uma grande desproporção no número de juízes por habitantes (cerca de um para cada 25 mil habitantes, enquanto na Alemanha, por exemplo, a proporção é de um para cada 3 mil habitantes; sendo a proporção mundial de cerca de um juiz para cada 9.000 habitantes). A par disso, o excesso de serviço ou a falta de juízes justifica apenas em parte a morosidade.

Não se pode admitir mais discussões acerca de competência material senão por exceção, ante a impossibilidade de a lei prever tudo. Há de se estabelecer critérios claros de competência, facilitando-se alterações legislativas por iniciativa do próprio Judiciário, que solucionem as questões que lhe são postas. Quando determinada dúvida de competência começa a se apresentar, o ideal seria a manifestação, por exemplo, do STF (ou de outra Corte Superior a quem a competência de dirimir conflitos fosse atribuída), de forma vinculante e genérica. A partir dessa decisão todos os processos em curso deveriam ser redistribuídos às Cortes consideradas competentes. As partes não conseguem entender a anulação de um processo, anos após a propositura com desgaste físico e financeiro irreparável, por vício de competência. A morosidade por incompetência posteriormente reconhecida deve ser jugulada.

A rigidez das normas de competência territorial, que impõe a exigência de lei para criação de Varas ou sua extinção ou remoção, impede que os Tribunais reformulem a competência territorial ou distribuam suas unidades judiciárias de acordo com a demanda. Há Varas ociosas, instaladas em Comarcas assim elevadas por razões políticas, enquanto em outras o número de processos é excessivo. Os Tribunais deveriam ter o poder de estabelecer a competência territorial de acordo com a demanda de processos, redistribuir a jurisdição das Varas de acordo com a necessidade, para que, ao final, na medida do possível, se garanta tanto uma distribuição eqüitativa do número de processos por juiz quanto se facilite o acesso à Justiça. Enquanto isso não ocorre constitui medida sábia a utilização de juízes substitutos com a mesma finalidade. Nada impede que uma determinada Vara possua duas ou três salas de audiência e quadro de pessoal também redimensionado para outorgar uma resposta célere aos pedidos. Poder-se-ia criar ainda mutirões de juízes e servidores para baixar os processos de unidades em situação crítica. Romper-se-ia, desse modo, um círculo vicioso, a medida que a celeridade costuma incentivar a transação, sendo a inversa verdadeira.

A Justiça precisa ser aperfeiçoada e isso passa também pelos juízes. O ato de julgar é, ainda, para alguns, uma concessão, e não um dever. Os que afirmam que o Judiciário está encastelado e perdeu a noção de que também seu poder emana do povo e é em seu nome exercido têm razão ao menos em parte. O rigor com que esses magistrados anotam os prazos e as formas não costuma balizar seus próprios atos. Processos adormecem nos escaninhos e tida por suprema injúria a reclamação da parte por um julgamento, não raro sucedida por uma decisão desfavorável para puni-la pela ousadia. O sono da Justiça perturba o sono dos justos. Se o juiz não pode fazer o que deve, deve fazer o que pode: priorizar os processos que precisem de prioridade, seja pela urgência, seja pelo clamor popular, seja para não causar prescrição (intercorrente), seja para que a decisão não chegue após o falecimento do ancião, nunca por sentimento pessoal. Aliás, é exatamente na rápida decisão dos processos submetidos ao clamor, com divulgação ampla do resultado, que o Judiciário avisa que é uma instituição que funciona e que os que contam com sua inércia serão surpreendidos com o seu célere rigor. Não se justifica, por exemplo, que as questões constitucionais de ampla aplicação fiquem adormecidas nos escaninhos da Suprema Corte que dá ao caso a mesma prioridade do interesse individual ou que um processo criminal como o originário do recente homicídio de dois jovens seja colocado em uma fila e julgado daqui a alguns anos, como recado aos criminosos de que a Justiça tarda e não falha. Processos que envolvam interesses coletivos ou que estejam sendo objeto de controvérsia freqüente senão generalizada devem ser colocados em pauta preferencial. A segurança jurídica depende desse fato. Os próprios regimentos internos das Cortes poderiam prever a possibilidade de o Juízo a quo ou o Ministério Público suscitarem julgamento preferencial e conjunto de questões cruciais, visando à paz social. Quantos processos teriam sido poupados se o STF tivesse, por exemplo, julgado a (in)constitucionalidade das URPs, IPCs e gatilhos, de forma imediata, ao invés de esperar anos e ensejar inúmeras ações rescisórias! Agora mesmo, discutem-se, em vários tribunais, a possibilidade do empregado público continuar a prestar labor após a aposentadoria, sem a prestação de novo concurso público e outras matérias que afetam milhares e milhões, sem que a Suprema Corte entenda o fato como relevante a indicar preferência de julgamento.

A democratização do Judiciário envolve ainda o direito e o dever do magistrado de receber o povo, embora isso não signifique antecipar julgamentos pelo dever de isenção. O juiz não pode encastelar-se nos gabinetes e negar-se a receber partes ou advogados. É seu dever recebê-los, pois o contribuinte é que mantém e justifica a existência da instituição. Essa abertura não pode, contudo, converter o juiz em consultor, ou ferir o princípio da bilateralidade da audiência, permitindo que os chamados embargos auriculares se sobreponham às alegações dos autos.

Fala-se em controle externo do Judiciário como uma panacéia para a solução da grave crise que o afeta. Nenhum Poder sofre maior controle que o Judiciário. Todos os seus atos estão sujeitos a recursos imediatos às Cortes Superiores; suas decisões administrativas estão sujeitas ao crivo judicial; suas decisões financeiras sujeitam-se ao controle dos Tribunais de Contas que não costumam ter com ele a mesma tolerância que mostram com outros Poderes. O Judiciário paga um alto preço por seu ostracismo político, embora seja um preço que deva pagar em face de suas funções institucionais. É necessário que o Judiciário preste contas de suas ações, que esteja submetido a correições dos órgãos superiores, que seja obrigado a publicar as estatísticas de seus juízes, deixando de tratá-la como documento reservado. O controle externo é perigoso, porque o principal atributo da magistratura é a independência, sem a qual não há isenção e corre-se o risco da pressão indevida sobre o juiz, a retirar-lhe a isenção (por amor ou temor). O controle externo pode ainda ser inócuo porque, ao final de contas, suas decisões não podem ser excluídas do crivo do próprio Poder controlado. Se a sociedade chegar à conclusão de que será necessário um controle externo (e o simples aperfeiçoamento do interno seria suficiente), que se faça um controle da justiça e não do Judiciário. Que um Conselho de Justiça possa apreciar, em grau de recurso, os processos disciplinares da OAB, Judiciário e Ministério Público e mesmo instaurá-los é uma necessidade. Se há corporativismo é preciso assumir que ele pode contaminar (ou contamina) não apenas o Judiciário. A OAB, com exceções gloriosas, comporta-se, em muitos casos, como se fosse a Corregedora-Geral da Nação. Entretanto, quando instada a tomar providências contra seus próprios membros, invoca sua condição privada, como se não fosse autarquia que cobra contribuições compulsórias de todos os que pretendam exercer a advocacia, monopolizando o mais essencial dos serviços públicos, sem contrapartida. No processo ninguém tem mais responsabilidade que o advogado, já que seus erros não podem ser corrigidos por embargos declaratórios ou recursos, e isso deve ser considerado para se manter imaculada essa instituição essencial (pesquisa recente mostra que o povo confia muito na advocacia como instituição, mas pouco nos advogados). A Ordem dos Advogados (assim como qualquer conselho profissional) deve servir a ordenar a advocacia, não sendo uma associação de classe que deva defender seus membros a qualquer custo; a defesa é da instituição da advocacia, inclusive contra os membros faltosos. O Ministério Público também tem suas mazelas e não pode ficar imune ao controle; alguém tem de controlar o fiscal. Até que se criem mecanismos para pôr fim ao corporativismo de parte do Judiciário, OAB e Ministério Público, é preciso que o Ministério Público ou mesmo promotores e procuradores corajosos denunciem por prevaricação os membros de Tribunais de ética de todas as instituições que julguem contra a lei ou as provas para proteger o membro espúrio. O juízes, procuradores, partes e advogados podem também oferecer notícia ou representação com esse fim. Essas atitudes poderiam ser tomadas de imediato, independentemente de qualquer reforma legislativa.

O abuso de direito de petição é um sério problema no Processo do Civil e do Trabalho (quase ou tão grave quanto o abuso do direito de defesa). No Processo do Trabalho, a sucumbência recíproca representaria um grande avanço para a redução do abuso do direito de petição. Para implementá-la há de se pôr fim ao jus postulandi. O Processo do Trabalho tornou-se tão complexo (ou mais) como o processo civil. A postulação por quem desconhece suas peculiaridades, de regra, é desastrosa ou impõe ao juiz a perda da imparcialidade, praticamente auxiliando a formulação da resposta, sendo a inicial feita por um servidor do Estado que também deve ser imparcial. O número de advogados hoje é suficiente para garantir a representação de todos os cidadãos. Os que não puderem pagar devem ter o advogado pago pelo Estado, mesmo que, para isso, seja necessária a criação de um fundo, formado, por exemplo, por parte das multas aplicadas aos litigantes de má-fé. Essas medidas dependeriam de alterações legislativas; até que venham, urge que o Juiz seja rigoroso na punição do improbus litigator, não permitindo abusos, principalmente dolosos. No Processo Civil deve ser rompido o conservadorismo que permite toda espécie de chicana, em nome da ampla defesa. A amplitude da defesa está balizada pelo interesse público na solução da lide e pela probidade processual.

Se, por um lado, a citação em execução deve ser pessoal, além de não haver nulidade onde não haja prejuízo, a parte deve ser tida por citada, no momento em que comparece em Juízo e alega, com razão, vício de citação. Isto poderia ser utilizado tanto no Processo Civil, quanto no Processo do Trabalho. A citação postal em execução pode e deve ser tentada. Tentativa nesse sentido na 1ª Vara do Trabalho de Florianópolis durante a greve dos Oficiais de Justiça apresentou ótimo resultado, com o pagamento direto de valores, em muitos casos. Os TRTs da 3ª e 4ª Regiões incluíram essa determinação em provimento das Corregedorias. Quanto às notificações postais, urge que se imponha, por alteração legislativa, o repasse dos ônus correspondentes às partes sucumbentes. Os Tribunais gastam verdadeiras fortunas em despesas postais, sem poder repassá-las às partes. Por exemplo: um SEDEX dentro do Estado de Santa Catarina, com até 1Kg e aviso de recebimento, sai por preço próximo às custas mínimas de todo um processo (R$ 10,20 - o SEDEX; R$ 10,64 - custas mínimas para todos os atos processuais). Uma carta registrada, com AR e peso mínimo, custa cerca da metade, sendo que, no processo, serão remetidas pelo menos a notificação inicial e a da sentença, ou seja, as custas do processo não cobrem sequer as despesas postais, quando o valor da causa for igual ou inferior a R$ 532,00. O repasse poderia ser total, colocando-se, no ato de expedição, o patamar tarifário ou então estabelecido em regimento próprio, pela média (o que dispensaria pesagem).

Devem ser privilegiadas as sentenças líquidas. A prática de remeter as sentenças antes da publicação ao contador e publicá-las líquidas, quando possível, costuma evitar uma série de discussões na fase de execução, principalmente porque o recurso ordinário terá de tratar tanto das preliminares e da matéria de fundo quanto das contas que integram a fundamentação, tudo no prazo de oito dias (quando em execução contam longos meses). Os Tribunais poderiam conceder estágio remunerado a estudantes de Ciências Contábeis, tanto para ampliar a capacidade de cálculo de suas Contadorias Judiciais quanto para formar contadores ad hoc e mesmo futuros contadores integrantes do quadro.

Às Corregedorias deveriam estar vinculados Cartórios modelos. Não raro apontam as Secretarias vários vícios, mas o ideal seria que pudessem manter, durante algum tempo, toda uma estrutura nas Varas com maiores problemas, seja para saná-los, seja para treinar, na prática, os servidores, seja ainda para colocar em ordem o serviço dos Cartórios com labor acima da capacidade. Enquanto a lei não criar cargos para essa atividade, podem os Tribunais efetuar remanejamento de pessoal, retirando-o das Varas de menor movimento e lotando-o na Corregedoria.

Unidades móveis também podem facilitar o acesso à jurisdição. A Justiça do Trabalho possui Varas com jurisdição sobre dezenas de Municípios, alguns há mais de uma centena de quilômetros da sede. É uma falácia acreditar, por exemplo, que a pequena empreitada de R$ 100,00 que tem caráter nitidamente alimentar será ajuizada. Nesses casos as unidades móveis poderiam levar a justiça ao povo e permitir que também as pequenas causas, que não são ajuizadas por causa da relação custo-benefício, cheguem ao Judiciário. O Tribunal Regional do Trabalho de Recife colocou um quiosque no principal Shopping da cidade, contendo um terminal de consulta processual. As partes sempre acham que não têm direito a consultar o seu processo e muitas vezes desconfiam da Justiça e dos advogados, sem qualquer fundamento. A informação é o único jeito de se acabar com o preconceito.

O Ministério Público, principalmente o Ministério Público do Trabalho deveria (e acredita-se poderia) atuar contra os litigantes habituais. A empresa que sistematicamente é demandada e nos processos se apura o descumprimento das leis trabalhistas, por exemplo, deveria ser demandada para adequar-se à lei, também em relação aos empregados ainda laborando. Não se pode aceitar que a insalubridade seja paga apenas ao término do contrato, persistindo tanto os vícios do meio-ambiente do trabalho quanto a sonegação do adicional. Também no desrepeito ao direito do consumidor se indicaria idêntica solução. Os juízes devem oficiar o parquet informando acerca dos fatos para que tome providências sempre que verificar a reincidência no ilícito civil ou trabalhista. Em específico, a Justiça do Trabalho precisa deixar de ser uma Justiça dos desempregados.

Outra sugestão para aplicação imediata é a reformulação dos regimentos internos para permitir que principalmente nos casos em que o recurso não deva ser conhecido o julgamento se faça direto pelo relator. É uma constatação e, em matéria de conhecimento, é muito rara a divergência, não se justificando longo aguardo de pauta para assim se decidir. Aliás, os agravos de instrumento contra despachos que negaram seguimento a recurso deveriam ser remetidos de plano ao relator, para julgamento.

Essas são algumas considerações sobre a morosidade da Justiça e algumas idéias para reduzi-la. Buscou-se, na medida do possível, apontar um virtual defeito e uma possível solução, embora se ressalte que as posições aqui retratadas são polêmicas (e os vícios institucionais colocados genericamente, sendo, por óbvio, inaplicáveis a determinados órgãos ou setores) e que não se pretende deter o monopólio da verdade.

Sabe-se que a morosidade da Justiça causa a defunção dos direitos e que possui causas concretas, não se admitindo mais seu tratamento como um problema acadêmico ou filosófico.

A sociedade anseia por um Judiciário que atenda a seus reclamos de forma célere. A justiça deve ser cega, mas não pode mais ser surda, nem manca, pois com as três incapacidades terá que ser amparada, e não amparar (que é sua função).

As reclamações contra a ineficiência das leis de nada servem. Os operadores jurídicos devem formular propostas concretas de reformulação legislativa, pressionar os legisladores, informar a opinião pública e, enquanto não conseguem seus intentos, buscar soluções práticas para fazer com que a justiça não tarde, para que também não falhe. Recorda-se, para tanto, o antigo bordão da engenharia militar: Ante o impossível, tentaremos!!!

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Sobre o autor
José Ernesto Manzi

Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza – Roma), Processos Constitucionais (UCLM – Toledo – España), Processo Civil (Unoesc – Chapecó – SC – Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI – Itajaí – SC – Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM – Ciudad Real – España). Bacharel em Filosofia (UFSC – Florianópolis – SC – Brasil), tendo recebido o prêmio Mérito Estudantil (Primeiro da Turma)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANZI, José Ernesto. Da morosidade do Poder Judiciário e algumas possíveis soluções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 337, 9 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5312. Acesso em: 28 mar. 2024.

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