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O Ministério Público no Brasil e na Argentina

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O Ministério Público do Brasil, após a conquista da plena autonomia e da ampliação de seu papel, graças à Constituição de 1988, tornou-se uma das instituições mais importantes para o resgate da cidadania dos brasileiros.

RESUMO

O Ministério Público do Brasil, após a conquista da plena autonomia administrativa e financeira, e da ampliação de seu papel no contexto do Estado Democrático, graças ao perfil que lhe deu a Constituição Federal de 1988, tornou-se uma das instituições mais importantes para o resgate da cidadania dos brasileiros. Sua menor relevância no período que antecedeu a Constituição vigente não despertava o interesse dos doutrinadores locais que, na maior parte das vezes, tratavam do Ministério Público apenas como tópico do direito processual, em curtas abordagens. Cabe à doutrina, portanto, saldar o débito para com o Ministério Público, dedicando-lhe estudos particularizados e mais profundos. Esta monografia nasce com a pretensão de contribuir para tais estudos, bem assim, de compor um trabalho maior, que vem sendo elaborado pelo mestrando ao longo do curso de Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Versa, precisamente, um estudo comparativo do Ministério Público do Brasil com o da Argentina, abrangendo os aspectos da definição, natureza jurídica, organização (divisões, cargos, carreira e investidura nos cargos), funções e garantias da instituição e dos seus membros.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA, 1.1 O Ministério Publico do Brasil, 1.2 O Ministério Publico argentino, 1.2.1 O Ministério Publico da Nação, 1.2.2 Ministérios Publicos das Províncias; 2 ORGANIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA: DIVISÕES, CARGOS, CARREIRA E IN-VESTIDURA NOS CARGOS, 2.1 O Ministério Público do Brasil, 2.2 O Ministério Público da Argentina, 2.2.1 O Ministério Público Federal da Argentina, 2.2.2 Os Ministérios Públicos das Províncias argentinas; 3 FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA, 3.1 No Brasil, 3.2 Na Argentina, 3.2.1 Órbita federal, 3.2.2 Nas Províncias; 4 GARANTIAS DA INSTITUIÇÃO "MINISTÉRIO PÚBLICO" E DOS SEUS MEMBROS, 4.1 No Brasil, 4.2 Na Argentina, 4.2.1 Órbita federal, 4.2.2 Nas Províncias, CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA .


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o Ministério Público tem se revelado como uma das instituições mais importantes no cenário jurídico-político brasileiro, mercê de notórios resultados positivos de sua atuação, quer seja no campo da moralidade administrativa, quer seja em outras matérias como a exigência de políticas públicas no campo social, a cobrança do respeito aos direitos dos trabalhadores etc.

Importa que sejam ampliados, tanto quanto possível, os conhecimentos acerca dessa instituição, principalmente porque, pelo menos quanto ao exemplo do Brasil, ela tem ajudado a proporcionar uma transformação no padrão moral, com diminuição da sensação, que tem estado presente na sociedade deste país, de se estar vivendo uma situação de anomia social.

O ensejo da conclusão da disciplina "Teoria do Direito Comparado", para o que se exige a produção de uma monografia, se constitui numa ótima oportunidade para trazer a lume mais alguma contribuição científica sobre o Ministério Público.

O estudo levado a efeito nos itens seguintes do presente texto consiste numa comparação entre o Ministério Público do Brasil e o da vizinha Argentina, observando-se os aspectos da definição, natureza jurídica, organização (divisões, cargos, carreira e investidura nos cargos), funções e garantias da instituição e dos seus membros. Outrossim, na pretensão de se configurar como um efetivo estudo de Direito Constitucional Comparado [1], não se restringe a monografia ao simples lançamento dos textos legais que regem a matéria, adentrando, principalmente, na compreensão que a doutrina de cada um dos países envolvidos manifesta sobre a instituição examinada.

Por fim, deve-se advertir que os textos legais e de doutrina argentinos que constam transcritos ao longo deste trabalho, embora colhidos das fontes originais, foram concomitantemente traduzidos para o Português, pelo próprio autor. Ressalvam-se, dessa observação, apenas alguns trechos de lei ou doutrina, em relação aos quais, eventualmente, se considerou conveniente manter a versão original.


1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA

Conceituar o Ministério Público constitui uma tarefa para a qual há uma histórica dificuldade. Com efeito, a noção de Ministério Público, naturalmente, deve corresponder ao desenho que os Estados lhe dão, seja pela via constitucional ou legislativa, e isso não se dá de modo uniforme no Direito Comparado. A propósito disso, há inclusive um setor da doutrina sobre o Ministério Público, para a qual "nem sua natureza nem sua função podem ser determinadas ou estabelecidas apriorística ou dogmaticamente"... Em tal sentido, aliás, "a legislação constitui a respeito um amplo mostruário" [2].

A configuração da instituição Ministério Público é sempre uma "criação histórica singular" que se apresenta, iniludivelmente, "(...) vinculada ou ajustada às tradições, às necessidades e aos ideais de cada povo e regulada pela inteligência dos legisladores", de modo que "(...) a instrumentação normativa de tal regime deveria responder a critérios aptos para o cumprimento permanente de suas funções e pô-la a coberto das contingências próprias da rotação do poder político" [3].

Em síntese, não é possível firmar uma definição de Ministério Público que seja válida universalmente, pois essa instituição varia ao sabor de fatores históricos e das legislações de cada Estado.

Com essa prévia advertência, os tópicos seguintes visam ao traçado de uma definição e dos contornos da natureza jurídica do Ministério Público no Brasil e na Argentina, tendo como base a legislação e a doutrina vigentes em cada um desses países.

1.1 O Ministério Público do Brasil

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, define o Ministério Público, no "caput" do seu artigo 127, traçando suas demais características nos respectivos parágrafos 1º e 2º, a saber:

"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento".

Referindo-se às Cartas Constitucionais anteriores, Vigliar e Macedo Júnior [4] observam que (...) de uma maneira mais ou menos precisa, as diversas Constituições estabeleceram como era, nas não disciplinaram o que era e para que era o Ministério Público. Faltou sempre estabelecer quais eram as características fundamentais da instituição, dando-lhe uma definição precisa e determinando suas atribuições próprias".

A Constituição Federal de 1988 superou todas as anteriores, quanto ao tema "Ministério Público", pois, além de ter dado uma definição para a Instituição, cuidou de traçar cuidadosamente suas características fundamentais.

Um dos pontos mais marcantes do atual Ministério Público do Brasil é que ele não integra mais a estrutura de nenhum dos três tradicionais Poderes da União, ou seja, uma posição da qual, no passado, somente teve o prestígio de gozar com a Constituição de 1946. A Constituição de 1967, posterior a esta e anterior à vigente, o inseria no Poder Judiciário; e após essa Carta ter sido alterada pela Emenda nº 01, de 17/10/1969, passou a integrar o Poder Executivo. Assim, o Ministério Público do Brasil é, antes de tudo, uma instituição independente, o que a coloca, quanto a esse aspecto, em condição equivalente à dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário [5].

Tendo-se em consideração a referida peculiaridade, mais as particularidades de seu ofício, a forma de desempenhá-lo e a sua definição no texto constitucional, pode-se afirmar, acompanhando Sawen Filho, que o Ministério Público brasileiro tem a natureza jurídica de um "órgão institucional autônomo, de caráter permanente, essencial à função jurisdicional do Estado" [6].

Semelhante é o conceito de Leite [7], para quem o Ministério Público, na Constituição do Brasil de 1988, tem a natureza de "(...) um órgão especial não subordinado a nenhum dos Poderes, mas de natureza estatal, cujo fim precípuo repousa na defesa dos interesses mais relevantes do cidadão e da sociedade, ainda que a violação a tais interesses provenha dos representantes dos Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) da República".

Convém aduzir alguma explicação acerca de cada um dos elementos que integram o conceito e qualificam a natureza jurídica da instituição em referência.

Inicia-se a explicação pela autonomia do Ministério Público, enquanto instituição. Sob esse aspecto, a autonomia ministerial abrange a autonomia funcional, a autonomia administrativa e financeira, bem assim a iniciativa do processo legislativo.

Dispondo de autonomia funcional, a instituição é desvinculada dos demais Poderes tradicionais do Estado; e seus membros, graças a tal autonomia, não estão vinculados aos seus pares na carreira, ainda que mais graduados, ou a quaisquer agentes públicos ou políticos externos, no desempenho de suas atribuições, para cujo exercício gozam de inteira liberdade.

A autonomia administrativa reside no fato de poder o Ministério Público propor ao Poder Legislativo, observado o disposto no princípio do orçamento público, a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público, bem como dar início ao processo legislativo visando à organização da própria instituição (CF, art. 128, § 5º). E aí reside, pois, também a terceira característica acima referida, corolário da autonomia do Ministério Público, ou seja, a iniciativa do processo legislativo.

Por fim, no que concerne à autonomia financeira, embora não explicitamente mencionada na Constituição, ela decorre da interpretação sistemática dos arts. 127, §§ 2º e 3º, 168 e 169 da Constituição Federal de 1988. Significa que ao Ministério Público é dado implementar toda a infra-estrutura indispensável ao seu regular funcionamento. No sentido da autonomia financeira, foi expressa a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993), no art. 3º.

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Quanto à expressão "o Ministério Público do Brasil é uma instituição permanente", significa que "(...) o Constituinte, partindo do pressuposto de que o Estado atual é permanentemente compelido a realizar o cidadão na sociedade por ele organizada, reconhecendo-lhe direitos, defendendo seus legítimos interesses, preservando a ordem jurídica e o próprio regime democrático (...), reconheceu ao Ministério Público o caráter de órgão governamental permanente, através do qual manifesta sem solução de continuidade a sua soberania para atender a esses misteres" [8].

O Ministério Público brasileiro é uma instituição "essencial à função jurisdicional do Estado" porque é indispensável para que a função Jurisdicional do Estado possa cumprir, efetivamente, o seu papel de fazer atuar concretamente o Direito quando com base nele as partes não se compõem espontaneamente, sobretudo na pretensão punitiva dependente de ação penal pública e nas ações civis que visam à defesa de interesses difusos ou coletivos.

A expressão "essencial à função jurisdicional do Estado", segundo Mazzilli [9], diz menos do que o Constituinte deveria dizer, mas, paradoxalmente, também o diz mais. Diz menos, porque o Ministério Público não oficia em todos os feitos submetidos à prestação jurisdicional; porém, diz mais, porque essa instituição exerce inúmeras funções independentemente da prestação jurisdicional, tais como na direção dos inquéritos civis, na tomada de termos de compromisso de ajustamento de conduta, na expedição de recomendações, no atendimento ao público, nas funções de ombudsman etc.

Por fim, dizer que o Ministério Público brasileiro é uma instituição a quem incumbe a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", significa, de uma maneira simplificada, que lhe cabe zelar pelas principais formas de interesse público [10]. Como fiscal da lei ou como órgão agente, promotor de ações, a missão do Ministério Público deve sempre se orientar no sentido da defesa das instituições que fazem do Brasil um Estado Democrático, e de Direito. Sobretudo, cabe ao Ministério Público, a defesa dos interesses sociais através da ação civil pública.

1.2 O Ministério Público argentino

O Brasil e a Argentina adotam em comum, nas respectivas Constituições, o modelo federalista de Estado. Isso implica na existência de uma Constituição rígida, onde as competências entre as unidades da Federação estejam claramente delimitadas; devem ter, também, poder Constituinte próprio (no Brasil, os Estados-Membros), seu próprio território, um povo próprio; os poderes de cada unidade autônoma devem derivar de sua Constituição; a vontade do povo deve estar representada proporcionalmente a cada unidade federativa no órgão legislativo federal e a supremacia da Constituição Federal deve ser garantida por uma Corte Constitucional [11].

Os mencionados traços, definidores da autonomia das unidades de uma federação, são muito mais marcantes na Federação Argentina do que na Federação Brasileira. A debilidade do federalismo brasileiro é perceptível, por exemplo, na exagerada participação da União na arrecadação tributária dos Estados, gerando completa dependência dos Estados em relação àquela; assim como nos seus monopólios e estatais [12].

Essa diferença entre as duas federações em referência é nítida, também, quando se observa a organização do Poder Judiciário e do Ministério Público nos dois países: no Brasil, embora a Constituição Federal outorgue aos Estados a competência para organizarem suas Justiças e seus Ministérios Públicos, subordina o exercício desse poder a certas regras básicas previstas na própria Constituição Federal, revelando a tendência limitadora da autonomia dos Estados-membros [13]. Assim, ao organizarem seus Ministérios Públicos, os Estados-membros brasileiros devem observar os princípios inscritos na Constituição Federal, nos arts. 127 a 130.

É possível, por isso, dizer da natureza jurídica do Ministério Público do Brasil a partir de uma análise da Constituição Federal, sem necessidade de exame das normas dos Estados, pois as regras da primeira valem, indistintamente, para o Ministério Público organizado e mantido pela União e para os organizados e mantidos pelos Estados-membros. O mesmo, todavia, não se pode dizer do Ministério Público na Argentina, eis que nesse país a "Constituição da Nação" não contém princípios aos quais as Províncias devam obediência quando da estruturação dos seus Ministérios Públicos.

Por essa razão, enquanto um único tópico foi suficiente para o exame do Ministério Público do Brasil, são necessários dois para o trato do Ministério Público da Argentina, sendo um sobre o Ministério Público na órbita Federal e o outro sobre o Ministério Público na esfera das Províncias.

1.2.1 O Ministério Público da Nação

A vigente Constituição da Argentina trata do Ministério Público no seu art. 120, in verbis:

Art. 120. O Ministério Público é um órgão independente com autonomia funcional e autarquia financeira, que tem por função promover a atuação da justiça na defesa da legalidade, dos interesses gerais da sociedade, em coordenação com as demais autarquias da República....

A Constituição em referência é a mesma que foi sancionada pelo "Congresso Geral Constituinte" em 1º de maio de 1853. Todavia, o texto originário da citada Carta foi reformado pela "Convenção Nacional ad hoc" em 25 de setembro de 1860, pelas Convenções de 1866, 1898, 1956 e, finalmente, pela Convenção Nacional Constituinte em 22 de agosto de 1994.

Antes da última reforma constitucional, conforme assinala Díaz, verificava-se uma "(...) situação de perigosa indefinição normativa e teórica que, na prática, estava claramente perfilhada em direção à dependência do Ministério Público ao Poder Executivo Nacional, mediante uma inadmissível intromissão deste nas funções específicas do instituto que nos ocupa" [14].

Na doutrina Argentina, mesmo bem antes da reforma levada a efeito pela Convenção Nacional de 22 de agosto de 1994, muito já se discutia sobre qual seria o melhor desenho para o Ministério Público, havendo quem defendesse desde a posição doutrinária dos que o localizam no âmbito do Poder Executivo, passando pela que o insere na órbita do Poder Legislativo e a que o inclui na esfera do Poder Judiciário, até a que o concebe como "órgão extrapoder".

Mas, de consonância com a definição Constitucional que restou corporificada no atual art. 120, da Constituição da Nação Argentina [15], superou-se a indefinição anterior e prevaleceu a última tese referida, ou seja, o Ministério Público, à luz da Constituição vigente, tem a natureza de um órgão extrapoder. Com efeito, "(...) um dos logros mais aplaudidos da reforma constitucional do ano de 1994, foi a consolidação no sistema constitucional do poder do Ministério Público Federal como um órgão extrapoder ou, para dizê-lo com maior precisão, com a autonomia funcional de um órgão que não depende de forma exclusive, excludente ou protagônica, de alguns dos outros poderes constitucionais [16]".

O Ministério Público Federal da Argentina, portanto, é um órgão extrapoder, mercê de sua independência, que tem como corolários a autonomia funcional e a autarquia financeira. Aliás, outra não poderia ser a posição do Legislador da reforma de 1994, dado que a Lei nº 24.309, que autorizou a empreitada da reforma constitucional, "(..) habilitou a Convenção Reformadora da Constituição Nacional para debater a inclusão na mesma ‘do Ministério Público como órgão extrapoder’ [cf. art. 3º, inc. G]", de maneira que aquela, "ou se negava a constitucionalizar o Ministério Público ou aceitava a proposta de ser um órgão extrapoder" [17].

Para Díaz, (...) a metodologia utilizada para seu tratamento dentro da estrutura correspondente às autoridades da Nação (Governo Federal), distinguindo-o claramente dos três restantes órgãos supremos do ordenamento constitucional argentino, permite concluir que se lhe instituiu como um ‘quarto poder’ " [18]. Relembre-se, conforme referido antes [19], que há quem veja o Ministério Público do Brasil, igualmente, como o quarto poder do Estado.

A natureza do Ministério Público Federal argentino, ou seja, de um órgão extrapoder, vem a ser, mutatis mutandis, a mesma do Parquet do Brasil.

Essa identificação da natureza dos Ministérios Públicos do Brasil e da Argentina não vale, todavia, quando se cogita dos Ministérios Públicos das Províncias argentinas, posto que as Províncias têm autonomia suficiente para dar-lhes o desenho que desejarem.

1.2.2 Ministérios Públicos das Províncias

Relembre-se que a Argentina, como o Brasil, é um Estado Federal, sendo que naquela as esferas de Governo são o Governo Federal e os das Províncias. Todavia, conforme já foi antecipado, a Constituição Argentina confere aos Governos das Províncias autonomia muito mais ampla do que a conferida pela Constituição do Brasil aos seus Estados-Membros [20], ao Distrito Federal e aos Municípios. Assim, a Constituição Argentina não fixa nenhuma regra geral ou conjunto mínimo de diretrizes a serem observadas pelas Províncias quando da organização de seus Ministérios Públicos.

Por isso, nas Províncias argentinas, os Ministérios Públicos têm perfis nem sempre coincidentes entre si, ou mesmo com o perfil do Ministério Público da órbita federal. A posição tradicional e majoritária no Direito Comparado provincial, na Argentina, revela a tendência de inserção do Ministério Público dentro da estrutura do Poder Judiciário.

A Província de Buenos Aires serve de paradigma, já que é a principal Província da Argentina. A vigente Carta Fundamental dessa Província, no art. 189, ao discriminar os órgãos (cargos) do Ministério Público, fixa, como exigências para investidura nos cargos da carreira, as mesmas exigências que são estabelecidas para os cargos de níveis correspondentes do Poder Judiciário, o que revela a tendência de equiparação entre as duas funções.

Tal tendência é afirmada na Doutrina Argentina, como se corrobora com a seguinte afirmação de Díaz: "O paralelismo de formas entre os dois ramos do Poder Judiciário evidencia-se não só a respeito dos requisitos exigidos para o acesso ao cargo, mas também no mecanismo de designação" [21].

Ainda com referência à Província de Buenos Aires, ora tomada como paradigma dos Ministérios Públicos das províncias argentinas, destaca-se que, se é certo que sua Constituição deixa apenas implícita a pertinência do Ministério Público ao Poder Judiciário, por outro lado, sua "Lei do Ministério Público" (Lei 12.061, sancionada em 11/12/1997, promulgada em 19/12/1997 e publicada no Boletim Oficial de 8 e 9/01/1998) o faz mediante declaração expressa, verbis:

Art. 2º - Princípios. O Ministério Público é parte integrante do Poder Judiciário e goza da autonomia e independência que lhe outorga a Constituição para o devido cumprimento de sua função requerente.

Sua organização é hierárquica, e está regida pelos princípios de: unidade, indivisibilidade, flexibilidade e descentralização.

Em suma, nas Províncias argentinas, a regra geral é a de que o Ministério Público seja parte integrante do Poder Judiciário, distinguindo-se, no seio desse Poder, a "Magistratura de Império" e a "Magistratura composta de magistrados que têm a seu cargo as tarefas próprias do Ministério Público" [22].

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O Ministério Público no Brasil e na Argentina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 218, 9 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4800. Acesso em: 28 mar. 2024.

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