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A inutilidade das leis (em demasia)

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01/11/2002 às 00:00
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Sumário: 1- Introdução; 2- A edição exagerada de leis no Brasil e seus efeitos; 3- Pragmatismo legislativo; 4- Falta de uma política legislativa; 5- A qualidade dos aplicadores das normas jurídicas; 6- A permanência da crise jurídica apesar do excesso de leis: conclusão.


1- Introdução

                      A todo propósito o Estado cria novas leis, numa velocidade e quantidade assombrosas. O Brasil tem aproximadamente um milhão de leis em vigor. Esse paternalismo legislativo afoga a iniciativa da sociedade civil em lamber suas próprias feridas e resolver os conflitos que surgem, além de malferir o princípio da segurança jurídica (que se constitui na primeira vítima da histeria legislativa). Como falar em segurança jurídica num universo de um milhão de decretos? Ela simplesmente dissipa-se nessa infinitude.

                      A lei fornece grandes possibilidades de intervenção deliberada nos arranjos sociais e é responsável por nossos destinos, na medida em que as condições sob as quais vivemos estão sujeitas à avaliação moral e são suscetíveis de controle por meio da ação legal. A lei apresenta um impacto direto e indireto sobre nossas vidas. A iniciativa legislativa, portanto, funciona como um mecanismo de desmobilização social, constituindo-se em mais uma estratégia da inteligência funcional do Estado, em seu "desejo" de tornar-se indispensável, quando, em princípio não o é, pelo menos nos moldes hipertrofiados vigentes. O bem-estar social é mais seguramente bem servido quando se garante que certos interesses restem imunes à intervenção legislativa, e sejam servidos pelo sistema como um todo. Apesar de importante, a lei é apenas uma entre várias instituições básicas de controle social, exercendo um papel limitado e complementar. O fim legal deveria ser o de assegurar um patamar mínimo de segurança pessoal para o desenvolvimento espontâneo das relações jurídicas e de cooperação social. E nesse sentido, deveria ser limitada por certos princípios, tais como o da autonomia pessoal, o qual estabelece direção geral para a legislação. É necessário, portanto, um sistema que estabeleça limites na intervenção legal e promova efetiva e ampla participação geral. E isso só se logrará restringindo a atuação do Estado onipotente e sua portentosa máquina legislativa.

                      O Estado e o governo que tentam impor comportamentos e padrões morais são opressores. O melhor governo é o que governa menos, que legisla menos, que julga menos.

                      A mistificação da lei revela uma letargia do espírito, em função da lei refletir de forma imperfeita a realidade humana e social. O endeusamento dos códigos e compilações legislativas tem servido ao longo da história para justificar muitas iniquidades, desatinos políticos e opressões. A lei em seu aspecto lógico-formal sem uma incidência valorativa será funcional instrumento de dominação.

                      Outra interface da caudalosa produção legislativa estatal atém-se à corrupção. Quanto mais leis, mais meios interpretativos, mais brechas aparecerão no tecido normativo estatal (não é sem propósito que a lei utiliza expressões polissêmicas que admitem as mais variadas interpretações), facilitando a impunidade e por consequência, estimulando os corruptos de plantão. Fatta la legge, pensata la malizia (ou ainda, fatta la legge, trovato l’ingano), como dizem os italianos. A quantidade das leis é a prova de um mau governo e da decadência de uma nação, porque são os maus costumes que colocam os homens na contingência de fazer leis. Corruptissima in republica plurimae leges, já dizia Tácito.

                      A falta de controle, o desenfreado arbítrio é a marca mais saliente que caracteriza o Estado e seus diversos filhotes. Para amainar ou dulcificar criam a nomenclatura Estado de direito em que o limite do líbito estatal é o Direito. O Brasil foi mais longe na mania de enfeitar a Fúria e adicionou o adjetivo democrático, resultando no aberrante, porém agradável ao ouvido (popular), Estado democrático de direito (expressão que sequer tem o timbre da originalidade pois copiada da Constituição portuguesa de 1976) [1]. Pura retórica e manifestação ritualística! O controle jurídico pode até funcionar em muitos ângulos do aparelho estatal, mas no universo, no geral, o Estado sempre impõe a sua vontade, seja contrariando o Direito (que ele mesmo cria), seja compondo os conflitos (através de seus agentes). É um ilogismo falar em Estado de direito, pelo prisma do controle jurídico, pois o Direito é criado e aplicado pelo próprio Estado, como então controlar juridicamente, quando é o próprio controlado que cria as normas jurídicas e as aplica. E não podemos esquecer dos princípios do materialismo dialético que vê no Direito um aparelho repressivo-ideológico que expressa a vontade do poder estatal. Indiscutivelmente, o grande instrumento de dominação do Estado é o Direito, através dele, o Estado aparece como legal, é dizer, Estado de Direito. O papel do Direito ou das leis, como alhures disse Marilena Chauí, é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados, e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado – ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos.

                      Em tese, o Direito não se confunde com o Estado. No caso brasileiro, entretanto, todo o Direito é legiferado. E quem legisla é o Estado através de seu órgão legislativo. A afirmação de que uma norma para ser jurídica precisa ser criada por uma instituição elaboradora de leis não encontra respaldo na boa técnica, pois exclui do ordenamento jurídico normas criadas pelos costumes, pelos tribunais ou por um ato de fundação política (elaboração constitucional). Não consta que as fontes jurídicas estatais tenham conseguido monopolizar a função criadora do Direito. Há muitas sociedades modernas nas quais os costumes conservam importante lugar e nas quais eles são, juridicamente, de cumprimento obrigatório, embora não tenham sido promulgados pelo Legislativo. A existência de instituições legislativas não é condição indispensável para uma ordem jurídica (concepção do legalismo clássico). Integração, uniformidade e adaptação a circunstâncias em mutação são conseguidas independentemente de uma coordenação legislativa. O direito internacional ilustra o caso. A inexistência de um órgão legislativo não retira a indenidade da ordem jurídica internacional. De acordo com Terry Nardin (Law, Morality and the Relationis of States, p. 128) "a existência de instituições legislativas pode ser um aspecto de muitos sistemas jurídicos, mas a diversidade da experiência jurídica da humanidade sugere que não é nem um aspecto decisivo nem uma condição indispensável para uma ordem jurídica. A falta de instituições legislativas na sociedade internacional, portanto, não fornece fundamentos para se duvidar do caráter jurídico ou da real existência de uma associação internacional na base de normas comuns".

                      Entre nós viceja a categoria do positivismo legalista ou lógico [2]em que o ponto de partida são as leis ou normas instituídas por um órgão legislativo, dentro de uma estrutura única, plena, hermética e sob a égide do Estado. Os anseios sociais, a dinâmica dos grupos e classes, ou são esquecidos, ou ficam jungidos e limitados, pois em qualquer hipótese predomina a voz e o desejo do Estado. Nesta perspectiva, o Direito não existe antes do Estado e não está acima dele. ¿Serão as normas jurídicas auto-suficientes, esgotando em si a razão de ser? ¿E as relações sociais não têm nenhum influência sobre o conteúdo do Direito? O anti-humanismo e a auto-suficiência contidos no positivismo jurídico retira-lhe boa parte de aceitabilidade como teoria jurídica, embora não o infirme como esquema de interpretação.

                      O maior vício do positivismo consiste na rendição do jurista perante o legislador, conjuntural ou não. E do formalismo que lhe é imanente, reside o vício em pedir à lógica mais do que aquilo que ela pode dar. O Direito está acima e para além da lei; há valores não positivados a atender, únicos que lhe podem imprimir razão e permanência; a elaboração científica implica o apuramento de conceitos, mas não se esgota na sua concatenação; o sistema é confrontado com a mediação efetiva do problema; a lógica fornece processos de raciocínio, não fornece soluções [3].

                      No Brasil, a doutrina positivista tem sido cruel, impondo a vontade estatal sem barreiras, diante da ineficiência crônica do Judiciário, de sua dependência e do perfil anacrônico de seus agentes. Aqui, prevalece aquele agente que prefere errar com a lei. Diante dessa postura não é preciso dizer mais nada sobre o estofo moral de nossos julgadores, a expressão diz tudo: não passam de uma extensão do poder político estatal.

                      A lei deve representar uma resposta ao anseio da coletividade, o que lhe confere o subjacente interesse público, em sua criação e aplicação. Quando o móvel genético da lei é desvirtuado em prol de um pragmatismo mercantilista, o que se tem é o arbítrio e a irresponsabilidade, atributos nitidamente antidemocráticos. Em seu bojo não podem ser exigidos bens imerecidos ao homem, ao indivíduo, como se a vida humana fosse um dom condicional do Estado e não um presente da natureza.

                      Ao Estado de direito são dados dois objetivos imediatos: limitar o poder arbitrário do Estado, somente na medida em que as regras são conhecidas previamente pelos destinatários, e enquadrar a vida social pela proclamação da unidade e coerência do sistema jurídico (segurança). Todavia, adverte Alain Touraine (Qu’est-ce que la démocratie?, p. 36), esse Estado de direito não está necessariamente associado à democracia; pode combatê-la, tanto quanto favorecê-la. Ocorre a primeira hipótese quando o Estado de direito conduz a todas as formas de separação entre ordem política ou jurídica e a vida social, pois a democracia assenta-se sobre a coesão entre a vida social e política, como já disse. A lei per si é capaz de provocar o bem, mas também tem grande potencial para o mal. Ela pode resolver disputas que de outra forma conduziriam a controvérsias particulares, ela pode prover segurança e incrementar a liberdade, mas ela pode também ser um instrumento de opressão, protegendo fraudes, inibindo a liberdade e promovendo a escravidão. A lei não serve necessariamente ao bem comum, nem é sempre talhada para fazer isso.

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                      O Estado de direito (a legalidade) somente favorecerá a democracia quando for permeabilizado e irrigado por princípios morais e éticos (liberdade, justiça etc). Todo Direito tem a pretensão de ser um direito justo, mas nenhum Direito alcança tal reivindicação, pois a veleidade de validade universal e perene esbarra no seu caráter particular que não realiza o interesse geral, apenas o interesse médio de uma classe minoritária; a temporariedade do Direito consistente em que apenas transitoriamente constitui a expressão legítima das condições adequadas de desenvolvimento da sociedade estigmatiza sua funcionalidade.

                      A prática jurídica, mesmo dentro de um Estado de Direito, reproduz uma ideologia de dominação e por isso não apresenta a qualidade necessária para por si só favorecer a democracia. O meio democrático não é aquele que simplesmente busca valores morais superiores, mas aquele que já tem esses valores contidos em suas ações. Justiça, liberdade, moralidade não são fins, mas meios de ação democrática. Se são valores essenciais, não se compreende que possam ser postos como objetivos alcançáveis, como uma realidade fora da democracia e perseguida por ela. Esta realidade compõe a democracia, ferindo a lógica das coisas o entendimento contrário. Esses valores em seu conjunto constituem o caldo democrático. Uma pessoa justa, rigorosamente falando, não é aquela que busca, simplesmente, "uma finalidade justa", "fins bons", mas sim, a que age na prospecção de seus fins de forma justa, com meios justos. Similarmente, na democracia não se justifica o bordão maquiavélico de que os fins justificam os meios: o meio será necessariamente democrático, independentemente do valor do fim a ser alcançado. Não é tarefa da democracia determinar o conteúdo destes fins e, sim, especificar como a busca por parte de diferentes indivíduos e demais atores políticos deve ser conciliada. Cinge-se nesse sentido de um perfil garantista, refletindo nitidamente uma preocupação com a autonomia ou liberdade pessoal, entendida como a liberdade dos indivíduos de buscar os próprios fins autodeterminados, sujeitos apenas às restrições surgidas da igual liberdade de outros de buscarem fins próprios. A democracia, neste sentido, não é, em si própria, um fim, mas um valor interno nas práticas políticas.

                      No Brasil, o hábito crônico de aplicar somente o espectro mais evidente da lei sem perscrutar princípios superiores, torna-o sáfaro e inibidor do espírito democrático. A lei sendo um dado social, um referencial lançado para ordenar a liberdade, não está automaticamente informada pelos princípios morais, o que a sujeita, na sua interpretação e aplicação, a uma avaliação moral. O Estado de direito, por si só, é terreno maninho incapaz de gerar a democracia e muito menos de preservá-la. É preciso mais. A legalidade do ponto de vista moral é falível e não está automaticamente permeada por padrões pelos quais ela pode ser propriamente avaliada. Estes lhe são exteriores e independentes. A existência e o conteúdo da lei são determinados por fatos que a tornam sujeita à avaliação moral, mas não lhe garantem nenhum valor moral. Na elaboração da lei, o legislador utiliza apenas a idéia do direito, o fundamento axiológico-jurídico, que encontra seu nicho na Constituição. Quando é aplicada, o juiz utiliza o critério axiológico-jurídico da justiça, que é encontrado no campo da moral.

                      ¿Imediatamente surge a indagação de como saber se determinada lei, dentro de um Estado de Direito, é justa ou injusta, sendo funcional à democracia? ¿Sobre que padrão moral será feita esta avaliação? Efetivamente, negar obediência a uma lei por tê-la como injusta ou mais razoavelmente reconhecer-lhe esta injustiça, embora lhe obedecendo, não pode ser fruto de uma moral individual, sob pena de criar um juiz em cada cabeça, o que traria sérios prejuízos à harmonia das relações sociais e à própria solidez da comunidade. A lei jurídica para despertar nosso respeito e obediência é necessário que corresponda moralmente a um bem necessário e essa avaliação é-lhe independente. A escala moral utilizada para essa avaliação deve ser objetivada o máximo possível e inclui algumas regras que são explicitamente estabelecidas e outras que não são formalmente expressas ou impostas, mas são determinadas por uma convergência de atitudes populares e apoiadas por pressões sociais informais. Essa moralidade reduz-se em boa parte ao que chamamos costume ou moralidade positiva.

                      A cisão entre a vida política e social, de que falei linhas atrás, decorre da constatação de que a cúpula de governo do Estado e seus subsistemas de domínio, que representa a vontade estatal, jamais iria legislar contra os seus interesses. Aqui pontifica a lição de Roberto A. R. Aguiar de que "sendo a lei a emanação normativa de um poder e, sendo esse poder instrumento de domínio de grupos sociais sobre outros, dificilmente esses grupos iriam legislar contra si mesmos, sob pena de se constituírem, pela primeira vez na História, em detentores suicidas do poder. Por isso, os grupos detentores do poder não vão permitir uma normatividade que venha ferir seus interesses, sua ideologia, seu modus vivendi. Ora, uma normatividade que favoreça dados grupos ou classes, necessariamente irá ferir os interesses, a ideologia e o modo de viver de outros grupos ou classes, logo, o bem legal não pode ser comum, pois emana de grupos para incidir sobre outros grupos, o bem comum, empiricamente observável, é o bem particular dos detentores das decisões". Efetivamente, quando um grupo de fato exerce o poder (definido como controle efetivo sobre determinado território) sua ideologia nada mais é do que a própria lei.

                      Inevitavelmente, nessa linha de raciocínio desenvolvida posta-se o binômio legalidade/legitimidade. É uma velha discussão doutrinária, que no século XVIII, nos debates pós-revolucionários, elevou-se em importância e onde foi clarificada a distinção entre os dois termos. A primeira parte do binômio reflete basicamente o acatamento a uma estrutura normativa posta, válida, vigente e positiva. A legitimidade, por seu turno, pressupõe um passo além da ordem estabelecida, estacionando na conformidade ou adequação entre esta ordem e o consenso público, a partir da realidade pinçada como justificadora do preceito normatizado. A força da legitimidade não repousa nas normas e nos preceitos jurídicos, mas no interesse e volição da maioria em uma determinada organização social. Sua conceitualidade a par de ser dinâmica é marcada pela prática da obediência transformada em adesão, assegurada por um consenso valorativo livremente manifestado sem a necessidade imperiosa do uso da força. O valor que integra a legitimidade é o consenso livremente manifestado por uma comunidade de homens livres e conscientes, sem a interferência do poder estatal ou da manipulação e sem mistificações ideológicas.

                      Em termos mais facilmente assimiláveis poder-se-ia dizer que a norma jurídica que apresenta além de uma eficácia jurídica, uma eficácia social tem o selo da legitimidade, além da legalidade; enquanto o preceito que se vale tão-somente da eficácia jurídica, detém legalidade, mas carece de legitimidade. A legitimidade é conceito de elevado valor para o meio democrático por permitir a coesão do meio social, criando reais condições de adesão e consenso. A efetiva legitimidade do Direito requer seja este criado através da prévia participação dos cidadãos (geral, livre e democrática) e que a legislação seja produto das reais necessidades comuns e orientada para o interesse geral. Num meio jurídico pluralista, democrático e participativo, a legitimidade não tem sua gênese e nem se identifica com a legalidade positiva, deriva do consenso das práticas sociais e das necessidades reconhecidas como justas, éticas e reais. Ao Estado não basta alavancar-se na legalidade, é necessário que suas ações e práticas, inclusive legislativas, sejam legítimas.

                      Max Weber classificou a legitimidade em três variantes: a legitimidade legal-racional, a tradicional e a carismática. A legitimidade tradicional é aquela que descansa nas crenças cotidianas e na santidade das tradições representada pelo comando daquelas pessoas que exercem a autoridade. A legitimidade carismática apóia-se nas qualidades pessoais, na mistificação, no heroísmo e na exemplaridade de um indivíduo (príncipe, guerreiro, santo ou chefe político), bem como nas ordenações ou instituições por ele criadas ou reveladas. A legitimidade legal-racional repousa na crença da validez de um estatuto legal e na competência objetiva, assentada em regras racionalmente criadas, ou seja, disposição de obediência no cumprimento de deveres conforme as prescrições impessoais e objetivos ditados por autoridade legalmente instituída [4].

                      A consecução de fins justos e legítimos aperfeiçoadores da democracia, que se traduz na legitimidade, somente será alcançável dentro de alguns critérios de fundamentação, tais como: a) a necessidade de se adotar o critério das maiorias; b) o total respeito à liberdade crítica individual e das minorias; c) a efetiva conexão entre liberdade e igualdade; d) a realização da liberdade, da segurança e da igualdade nos postulados ético-políticos dos direitos humanos; e) finalmente, o estabelecimento de um regime democrático não dogmático e sujeito à constante revisão crítica.

                      Diante desse Estado, que cria e aplica suas próprias normas jurídicas, já não podemos nos contentar somente com as garantias constitucionais e jurídicas, enquanto a vida econômica e social permanece dominada por grupos oligárquicos de poder (um dos filhotes do Estado) cada vez mais fora de qualquer controle.

                      O Estado, utilizando-se de sua inteligência funcional, de que já fiz menção, forja o próprio conteúdo da democracia e molda-lhe as feições. O domínio que exerce sobre o indivíduo e a opinião pública possibilita-lhe criar e manobrar os anseios da sociedade. E já sabemos, sem necessidade de recorrer à psicologia social, quanto o meio social é maleável e sugestionável.

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Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. A inutilidade das leis (em demasia). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3477. Acesso em: 19 abr. 2024.

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