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União estável: dissolução e alimentos entre os companheiros

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01/07/2002 às 00:00
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ÍNDICE : Introdução. 1. Resumo. 2. Antecedentes históricos. 2.1. A situação jurídica depois da constituição de 1988. 3. Dissolução da união estável e seus efeitos. 3.1 Notas introdutórias. 3.2. Indenização por serviços domésticos. 3.3. Os alimentos. 3.4. Da culpa na dissolução como pressuposto para o dever alimentar. 3.5. Tempo do dever à prestação alimentícia. 3.6. Pressupostos legais para os alimentos. 3.7. Critérios de fixação; 3.8. Reajustamento e revisão. 3.9. Modos de cumprimentos. 3.10. Meios de assegurar o pagamento. 3.11. Alimentos provisórios. 3.12. Rito da ação de alimentos; 3.13. A transmissibilidade do débito alimentar por morte do devedor. 3.14. Execução das prestações alimentícias. 3.15. Renúncia e dispensa dos alimentos. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.


INTRODUÇÃO

Sabe-o toda a gente que neologismo é nova palavra. Soube também a Constituição de 1988, ao ter criado um neologismo jurídico, instituindo a união estável como entidade familiar, constituída por um homem e uma mulher. Não obstante, antes da Constituição de 1988, já existiam as palavras união e estável, cada qual com seu significado. O que houve foi apenas a reunião, a substantivação composta, para definir a condição jurídica dos companheiros em situação peculiar, em comando normativo.

Fê-lo, pois, para dar proteção e segurança jurídica à sociedade e, especialmente, para as pessoas que conviviam sem ter se sujeitado previamente às formalidades do casamento, ainda que não houvesse nenhum impedimento ou ainda que lhes faltasse apenas o acionamento da vontade para tanto. Antes da promulgação da Carta de 1988, alcunhava-se de concubinos, genericamente, aqueles que coabitavam sem que casados fossem, independentemente do estado civil, isto é, de ser apenas um, ou ambos, solteiros, casados, divorciados ou viúvos.

Fluídos seis anos da promulgação da Magna Carta brasileira, em 29 de dezembro de 1994 foi sancionada a Lei n. 8.971. Era o intitulado Estatuto dos Concubinos e disse a que veio: regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Tratou, portanto restritamente, apenas dos alimentos e da sucessão entre eles. Como sói poderia ser, se ergueram vozes contra a limitação do legislador, clamando pela necessidade de ser editada outra. Veio a lume então a Lei da União Estável (Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996), para "regulamentar o § 3º do art. 226 da Constituição Federal", não menos incompleta que a primeira.

Agora, quando ambas as leis não alcançaram sequer a adolescência, surge o novo Código Civil, a vigorar a partir de 11 de janeiro de 2003. E com ele novas disposições sobre união estável, inclusive alimentos. Não se revogou, certamente, as leis antes havidas sobre a matéria, que continuarão em vigor naquilo que não se incompatibilizarem com a nova sistemática legal.

Como qualquer união ou sociedade, da qual não discrepa a conjugal, também a união estável pode ser desfeita, e o será por rescisão, emprestando aqui as palavras da lei que, perante o novo Código Civil, foi tratada simplesmente como dissolução. Além, à evidência, da morte de um dos companheiros. E desta dissolução alguns direitos poderá nascer, como o da percepção a alimentos. Estes os dois aspectos a serem abordados e estudados no corpo do presente trabalho: dissolução da união estável e alimentos.


I. RESUMO

Campos férteis em dissidência doutrinária e desinteligência jurisprudencial são os da união estável. Especificamente sobre o objeto do presente estudo, amplíssima ainda é a celeuma, tudo graças à técnica legislativa que impera no Estado Democrático e de Direito brasileiro. Duas são as leis federais versando especificamente sobre união estável, sua extinção, direito sucessório e os alimentos devidos entre os companheiros. Não bastassem, temos ainda o novel Código Civil, lei geral, a vigorar a partir de 11 de janeiro de 2003.

Estudar união estável, sobre sua dissolução e os efeitos daí decorrentes entre os companheiros, exige perspicácia e argúcia singulares. A finura da observação será primeiro para se perquirir qual lei rege a matéria, se a 8.971/94 ou a 9.278/96. Em verdade, a primeira veio especificamente para disciplinar os alimentos e facultar aos companheiros lançar mão do disposto na Lei n. 5.478/68, bem assim garantir direito sucessório; e, a segunda, para regulamentar o comando constitucional do § 3º do artigo 226.

De um jeito ou de outro, por sistemática, axiologia e teleologia, tem-se que: dissolvida a união estável, por vontade das partes ou por decisão judicial, poderá o companheiro que estiver necessitando, pleitear contra o outro, na medida das possibilidades deste, valor suficiente para sua própria subsistência enquanto persistir a situação financeira de ambos e o beneficiário não constituir nova união. Terá o alimentário, entrementes, de comprovar a existência de algumas condições que são postas como exigência imprescindível para a consecução do seu objetivo, entre as quais a existência de convívio em união estável e do binômio necessidade-possibilidade.

Complexa, entrementes, será a situação jurídica acerca dos direitos emergentes da morte de um dos companheiros. Diversos fenômenos jurídicos ocorrem quando há ou não herdeiros necessários sucessíveis, indo desde simples direito real de habitação à adjudicação da totalidade da herança, passando ainda pelo usufruto vitalício.

É o que buscaremos, a seguir, delimitar e estudar acerca da dissolução da união estável, dos alimentos devidos entre os companheiros e do direito sucessório soerguido com a dissolução.


II. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Não se trata de fenômeno inerente apenas à nossa sociedade a união não matrimonial de pessoas de sexo diferente. Roma não ignorou a matéria, tratando-a em grau de inferioridade ao casamento, porque certamente não se equivalem. No direito romano, Patrícios e plebeus uniam-se apenas de fato e sem afeição matrimonial, posto impedidos de constituírem a formal e sacramental união matrimonial. Tempos depois, a história mundial viu a França demonstrar que não ignorava a existência da situação extramatrimonial das pessoas que conviviam juntas, porém, como no período ela sofria forte influência do direito canônico, negou-se a reconhecer efeitos jurídicos à união de pessoas quando não realizada com a solenidade matrimonial e se tencionou combater o instituto, quedando-se inerte a respeito o Código de Napoleão.

Em sua gênese, o direito canônico também não ignorou a existência do concubinato. Contudo, depois de imposta a forma pública de celebração (dogma do matrimônio-sacramento), modificou-se a posição da igreja e o Concílio de Trento impôs excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira advertência [1].

No direito indígena, a Lei Civil de 1916 codificou o pensamento patrimonialístico e refletiu o senso comum predeterminado pela burguesia, detentora do poder político e econômico, que influenciava na tomada das decisões de interesse geral (situação não muito diversa das inferências legislativas atuais). Já se ventilou que as classes médias urbanas estavam politicamente vinculadas às classes dominantes, invejavam seus privilégios e cultivavam os seus valores. Patente se mostrou a influência do direito canônico na formação desses valores e indiscutível a influência da religião e da moral na formação dos vínculos familiares e na adoção das soluções legislativas.

Os anais da história comprovam quão numerosas foram as relações concubinárias, mas o Código de 1916 não quis atender aos anseios sociais, preferindo seguir os dogmas morais de sua época e não tratar dos direitos dos concubinos; antes, manifestou-se claramente em caráter de oposição. O mesmo não se viu ocorrer na legislação estrangeira, que a partir da segunda metade do século XIX teve maior preocupação com as uniões havidas por pessoas de sexo diferente sem que houvesse formal casamento. Surgiu, então, em 1912, a primeira lei a respeito, quando o direito francês dispôs que gera reconhecimento da paternidade ilegítima o concubinato notório.

Hodiernamente, a tendência dos sistemas legislativos foi tratar com proximidades os institutos do concubinato, uniões estáveis e casamentos, sem equipará-los. Quanto aos concubinos, manteve-se a orientação de que, havendo patrimônio comum tal deverá ser liquidado quando da dissolução da união livre, recorrendo os tribunais à teoria da sociedade de fato; indenizaram-se os serviços domésticos prestados pela concubina com base na teoria do enriquecimento sem causa. Resolviam-se as situações, mormente com base nas teorias que regram o direito das obrigações, sociedade civil de fato, etc. Mas nem mesmo o avançar do pensamento jurídico, pensou-se em tratar com mais acuidade as relações espúrias e as uniões homossexuais.

Enfim, o novo Código, além de dispensar um título apenas para a união estável, sobre ela ainda se preocupou ao tratar dos alimentos e do parentesco. De igual, não se olvidou do concubinato, tratando este como sendo as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (art. 1,727).

2.1. A situação jurídica depois da constituição de 1988

A família continua sendo a célula mãe da sociedade, seja ou não ela constituída pelo casamento, tanto que a Norma Ápice de 1988 não apenas criou a união estável como também a arrolou como entidade familiar (art. 226, § 3º). Conquanto tenha a constituinte outorgado proteção estatal à união estável e lhe considerado como entidade familiar, em verdade, o Estatuto Supremo não a equiparou ao casamento, apenas afastou sua regulamentação do direito das obrigações [2].

Calha-nos propositado observar que sob o influxo das sensíveis transformações de aspectos sociais ligados à moral, aos costumes, à solidariedade e inter-relacionamento humanos captados pelo legislador constitucional, desvendava-se previsível e salutar a regulamentação do indigitado artigo 226, § 3º, da Carta Magna, de modo a definir precisamente a abrangência e as implicações jurídicas das relações entre os membros da entidade familiar estável.

Embora de "lege ferenda", em face do que dispõe o artigo 226 da Constituição da República, em seu § 3º, e seguindo lacuna no ordenamento jurídico antes do adventício da norma reguladora do preceito constitucional, regulamentando o rol de obrigações entre os companheiros em decorrência da situação que adotaram, a jurisprudência não via como amparar muitas pretensões de companheiros, máxime as alimentícias, evitando equiparar-se o "concubinato" ao casamento, por entender que a equiparação tornaria letra morta a última parte daquele mesmo parágrafo § 3º.

Deveras, objetivou o constituinte com a inserção do § 3º no Capítulo da Família a proteção do grupo familiar e dos companheiros, diante das instituições e notadamente da legislação previdenciária e securitária, insculpindo como coroamento, o parágrafo em comento. É a intenção extraída, ante o sentido de que a legislação deverá facilitar a conversão em casamento da união estável entre o homem e a mulher.

Todavia, nem a análise puramente gramatical da proposta do legislador permitia entender-se que havia ele erigido a união de fato à categoria do matrimônio para efeito de vincular os companheiros, inelutavelmente, à obrigação de assistência recíproca. Claro que a sociedade entre o homem e a mulher nessa condição deveria continuar merecendo da jurisdição o tratamento que a jurisprudência vinha dispensando desde que provada a contribuição da última à formação do patrimônio societário. Igualmente, em casos especiais em que resultava provado que a mulher esvaiu sua juventude ao lado do companheiro que, com ingratidão, a relegara ao abandono, sem condições de subsistência própria, sempre se dava a jurisdição correta acolhida às pretensões da que for lesada. A título de obrigação de alimentos, contudo, não prosperava a postulação.

Posteriormente ao Código Civil de 1916 e até mesmo antes da Constituição de 1988, algumas leis ordinárias foram editadas, objetivando dar amparo às situações fáticas de evidente injustiça. Paulatinamente, alterou-se a rigidez dos dispositivos elencados no Código Civil. De alguns exemplos, apenas elucidativos, citemos o reconhecimento dos filhos naturais, após o desquite, permitido em 1942 com o Decreto-lei n. º 4.737/42, sendo que, em seguida, a Lei 883/49 permitiu esse reconhecimento em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal, não mais apenas o desquite; ao depois, a Lei 6.515/77, no art. 51, possibilitou o mesmo reconhecimento até mesmo durante a vigência da sociedade conjugal, desde que em testamento cerrado, além de permitir a ação de alimentos dos filhos ilegítimos, garantindo seu direito à herança, ainda que de forma limitada.

Depois da Constituição Federal de 1988, foram editadas as leis 8.971/94 e 9.278/96. Aquela, o Estatuto dos Concubinos, contemplou o direito à sucessão e aos alimentos. Esta, de seu turno, também o fez, porém de forma mais acanhada. Pôs-se fim, portanto, à celeuma jurisprudencial que insistia em negar direito alimentício ao companheiro.

Em 11 de janeiro de 2001, foi publicado o Código Civil dispondo, no artigo 1.694, que, além dos parentes e cônjuges, podem também os companheiros pedir uns aos outros alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.


III. DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E SEUS EFEITOS

3.1. Notas introdutórias

Constitui-se união estável a associação de pessoas de sexo oposto, que convivam duradoura, pública e continuamente, com o objetivo de constituir familiar [3] e como se formalmente casados fossem, sem sê-lo, contudo, de modo a emanarem, iguais e mutuamente, direitos e deveres de respeito e consideração, assistência moral e material, guarda, sustento e educação dos filhos comuns [4]. Fundamentalmente, deve-se levar em consideração a vontade de convívio como se casados fossem, excluindo deste instituto, portanto todos os relacionamentos de enamorados, sem compromisso, ainda que extremamente duradouro, ininterrupto e público ou ainda que tenham prole comum. Extinguir-se-á, segundo a lei, pela morte de um dos companheiros ou pela rescisão (tecnicamente, por dissolução).

A Lei n. 9.278/96 ao falar do fim da união estável insinuou tratar-se de vínculo eminentemente contratual. É o que nos permite defluir singela leitura do artigo 7º, quando dispôs: "dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos companheiros ao que dela necessitar, a título de alimentos" (o grifo é nosso). Isso, porque, como de trivial sabença, rescisão é instituto de extinção contratual. Seria, então, a natureza jurídica da união estável, contratual? Cremos que não. Houve mesmo atecnia legislativa, que não é raro.

Mas não foi o único momento em que a lei regulamentária tratou da matéria como contrato. Fê-lo ainda nos vetados artigos 3º, 4º e 6º e no vigente artigo 5º. Aliás, não obstante o veto, pode-se mesmo constituir e extinguir a união estável através de instrumento público, ou até mesmo particular, sendo despiciendo o seu registro para surtir efeitos "inter partes". De efeito, "o contrato é um meio flexível para garantir os concubinos, nesse mar de incertezas e de injustiças em que navegaram nossa doutrina e nossa jurisprudência... Quanto ao veto, se tivesse nosso presidente o intuito de proibir essas contratações, por completo, tê-lo-ia feito, expressamente. Ao invés, admite a existência desse contrato escrito, na parte final do caput do art. 5º e de seu § 2º... Em verdade, não se cuidou de criar espécie de concubinato contratual, pois todo ele nasce de um contrato verbal. O certo é que, não sendo escrito, ele não tem o alcance de proteção de que muitos concubinos necessitam. O contrato escrito dá, a quem quiser e tiver muitos interesses, a tranqüilidade em seu relacionamento. Esse contrato já está arraigado no uso social, principalmente quando existe, em jogo, patrimônio de alto valor". [5]

No mais, sendo rescisão o verbete empregado, então se deve perquirir culpa? Culpa é elemento indissociável da resolução contratual, porque aqui se fala em inadimplemento e este só se verificará se houver culpa de um dos contratantes, de modo que, em assim sendo, temos que, ao menos no tocante aos alimentos após a extinção da união estável, o elemento culpa é imprescindível. Situação que veremos adiante, com mais vagar.

O § 3º do artigo 6º da Lei de União Estável [6] cuida da "rescisão" por violação dos deveres constantes dessa lei e do contrato escrito, se existente esse. "Neste caso de rescisão, tem-se em mira o inadimplemento culposo da regra legal ou contratada. Sim, porque não há que se falar em rescisão, sem que exista a culpa do que a provocou. A ausência desse parágrafo, assim, em nada altera a situação presente, pois os deveres dos concubinos estão retratados na lei, ou poderá constar, também, com outros, do contrato escrito. Havendo descumprimento culposo desses deveres, está acarretada a ruptura da contratação, escrita ou verbal." [7]

O Estatuto dos Concubinos ainda, no artigo 1º, verberou que os companheiros podem se valer do disposto na Lei n.º 5.478, de 25 de julho de 1968. Esta lei, é bom que se diga, dispõe apenas sobre a ação de alimentos e dá outras providências. Quer dizer: os critérios de direito material não atingem os companheiros? Não atingem porque o próprio Estatuto dos Concubinos já trata do direito material, ao falar da necessidade?

Em verdade, o Estatuto dos Concubinos não trata essencialmente de direito material, porque não repetiu as regras do Código Civil e, por ser norma de caráter especial, afastaria as regras daquele. Entretanto, seguir esta linha de pensamento equivaleria a deixar de lado os princípios, consagrados no novo Código Civil, acerca da reciprocidade (arts. 1.694 e 1.696), da irrenunciabilidade (art. 1.707), da intransmissibilidade do direito e transmissibilidade das prestações (art. 1.700), da alternatividade (arts. 1.696 a 1.698); além dos já conhecidos princípios da impenhorabilidade (art. 1.707), incompensabilidade (art. 1.707), da incessibilidade (art. 1.707) e irrepetibilidade. Daí porque a módica assertiva do primeiro artigo da lei em comento é de fácil correção, tratando-se, mais uma vez, de falta de tecnia legislativa.

Outro não é o entendimento de Luiz Augusto Gomes Varjão: "Conquanto se refira a um dos remédios processuais colocados à disposição do alimentário, a norma institui direito material do ex-companheiro à prestação alimentar." [8]

Acentue-se, por derradeiro, que não é apenas o dever de prestar alimentos, e o direito de recebê-los, que decorre da dissolução da união estável. Outros efeitos ainda se observarão, tais como o partilhamento do acerco patrimonial comum e, em caso de morte, a abertura da sucessão e os direitos dela decorrentes. Porém, nos estreitos limites do presente, cingiremos o estudo apenas aos alimentos devidos entre os companheiros quando da extinção da união estável e, se esta se verificar com a verificação do evento morte, teceremos breves comentários como ficaria a sucessão.

3.2. Indenização por serviços domésticos

Antes das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, via-se incontáveis demandas fundadas em concubinato. Pleiteava-se não a prestação de alimentos, ou o partilhamento dos bens comuns. O que se pedia, e comumente se concedia, era a indenização por serviços domésticos. À falta de disposições normativas que asseguravam algum direito à companheira, quando fosse desfeita a união "more uxório", seja por morte do companheiro, seja pela ruptura da união entre ambos existente, procurava o direito pretoriano, de alguma forma, suprir aquela omissão.

A princípio, deferiram alguns julgados, a título de compensação, o direito da companheira de ser indenizada pelos chamados "serviços domésticos" por ela prestados à sua família. A solução provavelmente ditada por visão até certo ponto preconceituosa da vida em comum de casal não casado, opondo-se à necessidade de amparar a mulher, que não contava com as garantias que à esposa dá a lei -- não obstante o indiscutível mérito de, pelo menos, não deixar a companheira totalmente desamparada --, era jurídica e moralmente insustentável, de vez que esses "serviços domésticos" não poderiam e não deveriam ser mensurados em termos econômicos, porque inerentes à vida em comum da família e, mais ainda, impunham à mulher casada situação de manifesta injustiça, uma vez que ela, também, presta esses mesmos "serviços domésticos" e jamais se pensou em deferir a ela indenização à conta deles.

Evoluiu o pensamento pretoriano, então, para o reconhecimento de uma "sociedade de fato", existente na convivência de homem e mulher, como se casados fossem, compondo uma união estável e assim reconhecido no meio social a que pertenciam. O reconhecimento dessa sociedade de fato levou à possibilidade da divisão do patrimônio comum, sem que violentada restasse a lei civil. Para tanto, firmavam necessidade da comprovação do esforço comum para a composição da sociedade de fato, posto regido pelas regras do direito das obrigações.

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Com o tempo, não prosperava mais a pretensão indenitária.

A jurisprudência sempre admitiu indenizáveis os serviços prestados pela concubina a amásio, durante o período de vida em comum. Mas, isso, em casos especiais, quando comprovadamente excepcionais os préstimos, com decisivos reflexos comerciais e sociais, perfeitamente destacáveis dos decorrentes do mero concubinato em si. Tudo para não se consagrar o locupletamento indevido de um dos companheiros com o lavor do outro [9].

A indenização por "serviços domésticos" embora razoável, atentava contra a natureza jurídico-social da união estável. Tudo, em verdade, não passava da necessária e isonômica cooperação nos serviços domésticos, certamente compensados por outros favores e contraprestações, como habitação, alimentação, vestuário etc. Ao depois, considerada a constitucional elevação da união estável de homem e mulher à categoria de "entidade familiar", seria injurídico admitir indenização remuneratória à concubina por simples e ordinários trabalhos caseiros, quando não a tem e nunca a ela faria jus nem mesmo a esposa legítima. Nesse sentido, confira-se a incisiva a lição de Washington de Barros Monteiro: "A concessão de salários ou de indenização à concubina situa o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que a do próprio matrimônio, redundando em manifesto contra-senso em detrimento da justiça". [10]

Nesse sentido, de resto, a orientação jurisprudencial dominante na Corte paulista, de que exemplo o venerando acórdão emanado da Colenda Quinta Câmara Civil, relatado pelo Desembargador Marco César, no sentido de que a simples prestação de serviços de mera rotina da vida em comum, na qual se pressupõe auxílio mútuo, não gera qualquer indenização, cuja ementa é a seguinte: "da união concubinária, ordinariamente, os partícipes auferem proveito mútuo, auxiliam-se e se socorrem um ao outro. Não há de ser, assim, a simples menção à prestação de algumas atividades domésticas por parte de um deles que há de ensejar direito à indenização quando da dissolução do concubinato". [11]

No corpo desse aresto, ficou assinalado, com fundamentos pertinentes e ora integralmente adotados: "Nos termos da lei, à mulher legítima não é dado reclamar indenização por serviços domésticos prestados ao marido, pena de atingir a legítima dos filhos, quando o casal os tenha, e mesmo para os casais sem filho não se tem pretendido existente tal direito, precisamente porque a união de homem e mulher não é um negócio ou sociedade qualquer, mas sim, ordinariamente, se constitui em relacionamento fundado no mútuo afeto, em razões de corpo e alma, que não se traduzem em paga pecuniária após desfeito aquele, precisamente porque de presumir-se que, enquanto juntos, um servia ao outro.

Em casos bem característicos, de admitir-se a indenização por serviços prestados, todavia. Assim, quando a mulher labuta nos negócios do companheiro, ou quando o atende em condições mais difíceis e sacrificadas, que a impossibilitam de auferir rendimentos próprios, ou reduzem a possibilidade disso significativamente.

Não é situação dessas que a prova dos autos está a indicar. Aqui simplesmente vê-se que de nada se despojou a autora, quanto a seus interesses particulares, para unir-se durante alguns anos ao réu".

Examinada a questão sob a moderna dinâmica do direito, a indenização se ajustaria à recomposição do patrimônio da mulher, que, tendo trabalhado, deve receber, caso contrário estar-se-ia premiando o enriquecimento ilícito. Como o concubinato ainda permanece, porque assim determinou o novo Código Civil no artigo 1.727 para as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, provavelmente a solução da indenização ainda poderá vingar. Como também, ao menos em tese, para as relações homossexuais.

Frise-se, porém, que tal posicionamento não pode ser acatado de forma absoluta. Há que enfocá-lo sob a ótica das relações próprias do concubinato. Duas pessoas se unem, afetivamente, para uma vida em comum, sem os laços do casamento. Evidentemente, que ambas devem participar da construção dessa existência, não se podendo atribuir deveres apenas para um e direitos unicamente para o outro. Se assim fora, melhor seria ser concubino do que cônjuge.

Ocorrendo uma situação de equilíbrio na forma de suprir esse lar das necessidades inerentes, não há o que indenizar. Se um concubino participa dos problemas da casa, o que se presume e a experiência comum revela, se traz os recursos necessários ao sustento, em contrapartida o outro presta os serviços de gerência doméstica, fazendo-os diretamente ou através de empregada. Pensar diversamente é desnaturar a realidade e afrontar a isonomia entre o homem e a mulher.

Para os companheiros, entretanto, a solução é outra. Não se há falar em indenização por serviços domésticos, quando da dissolução da união estável. Em casos que tais, há disposições legais expressas de como ficará a situação do companheiro inocente. É o que veremos.

3.3. Os alimentos

Para Silvio Rodrigues, "Alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução". [12]

Para o instituto da união estável (antes tratado apenas como concubinato), paralelamente ao instituto da indenização por serviços domésticos, travou-se celeuma doutrinária e jurisprudencial no sentido de se conceder alimentos ao companheiro, quando findada a relação concubinária. Porém, não florescia pretensão neste sentido, havendo falta de interesse processual e impossibilidade jurídica do pedido. Arredava-se da esfera do artigo 226, § 3º, da Constituição da República, a obrigação alimentar entre concubinos, pois tal dispositivo cria função de assistência para o Estado e não para o companheiro frente à companheira e vice-versa.

Ventilou-se muito no Tribunal de São Paulo que, na conjuntura retratada pelo direito normativo à época (antes da lei de 1994), aflorava-se juridicamente inviável pretensão desfraldada por ex-concubina a fim de obter pensão alimentícia com fundamento na ruptura da livre união concubinária acertada durante certo tempo. Isso em São Paulo, não obstante as razões espelhadas em conhecido venerando aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [13], palco de célebres, vanguardeiras e justas decisões, sendo que o primeiro caso concessivo de alimentos – que temos notícia – foi julgado pelo Tribunal de Justiça fluminense [14].

A polêmica questão não era nova naquele tempo, embora revigorada, em face do disposto no artigo 226, § 3º, da Constituição da República, que perdurou até a edição da Lei 8.971/94. Posições divergiam acerca do comando constitucional, havendo quem sustentava que não houve equiparação pura e simplesmente da entidade familiar estável aos efeitos jurídicos reservados exclusivamente ao casamento, por mais liberalizantes e especiosas que fossem as interpretações do texto. Aliás, em boa hermenêutica não sobreleva elastério embasado em razões complexas ou dificultosas, mormente quando voltada a preceito constitucional, cuja natureza rígida garante-lhe a supremacia no ordenamento jurídico.

Como lembrado por Luiz Augusto Gomes Varjão, discutia-se também a obrigação de prestar alimentos assumida contratualmente pelos concubinos, sem homologação judicial, quando então poderia ser exigida em ação de cobrança sem o caráter de dívida alimentar. [15]

Enfim, doutrina e jurisprudência, particularmente da Corte de São Paulo, não vacilaram em arredar da esfera do citado artigo 226, § 3º, da Carta Magna a obrigação alimentar entre concubinos. De fato, "o dispositivo cria função de assistência para o Estado, não para o companheiro frente à companheira e vice-versa". [16]

Vale citar Yussef Said Cahali: "é tranqüilo o entendimento de que o pressuposto da pretensão alimentar entre os cônjuges seja o matrimônio, que atenda aos requisitos de forma e substância postos como condição de sua existência; `l´obbligo alimentare tra conjuge pressupone naturalmente che tra i due soggetti del repporto sia stato celebrato un matrimonio civilmente valido. Se questo matrimonio non esiste, l´obbligazione non sorge´ (Provera) (...). E, citando venerando aresto do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, lembra: em circunstâncias tais, sendo o dever de mútua assistência do artigo 231, inciso III, e de manutenção da família do artigo 233, inciso IV, decorrência do casamento, considera-se que somente a esposa legítima tem direito a reclamar alimentos...". [17]

Grosso modo, acrescente-se, os defensores da concepção oposta pareciam identificar a cogitada pensão alimentar com a indenização que pretoriamente vinha sendo admitida no caso de desfazimento das alianças ditas "more uxório". Mas, como avisa o mesmo Yussef Cahali, o colorido indenizatório extrapola o Direito da Família para se inserir no campo do Direito comum [18].

Nesta conformidade, julgava-se o autor carecedor da ação proposta, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. E isso seja por falta de interesse processual, seja pelo ângulo da impossibilidade jurídica do pedido.

Muito caminhou o nosso Direito até os dias que correm, desde a tênue defesa do concubinato, nos primórdios, pretendendo alçar a mulher como mera vítima na irregular união, a proteger tão-só os interesses do parceiro.

Ulteriormente, por normas recentes, variados os direitos de aquinhoamento da mulher, para atingir, no maior deles, até quanto à própria sucessão do concubino falecido. No aparamento de arestas, teve-se que o fundamento central se cifrava na falta de texto expresso em lei para amparar-se o intento alimentício.

Surrado o uso da condensação jurídica, a apregoar que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, no campo dos alimentos, imprescindível era mesmo tal existência, precisamente [19]. Era a posição majoritária e de quase unanimidade nacional.

E com razão. A obrigação alimentar resulta da lei, da vontade e do delito. Pondera Paulo Lúcio Nogueira que: "A dívida de alimentos provém de várias fontes, a saber: a) do parentesco (CC, art. 396); do casamento (CC, art. 233, IV); c) de ato ilícito, em que o causador do dano fica obrigado a pensionar a vítima (CC, art. 1.537, II); d) da união estável (art. 7º, caput, da Lei n. 9.276, de 10-5-96); e) de contrato entre concubinos com obrigação alimentar em escritura pública (RJTJESP, 51:30)". [20]

Resultantes da lei são os alimentos devidos em razão de parentesco ou do casamento; voluntários são os decorrentes de declaração de vontade "inter vivos" ou "causa mortis"; como forma de ressarcimento do dano "ex delicto" são os alimentos previstos no Código Civil. A obrigação reclamada por concubina, antes da lei regente, não se enquadrava em nenhuma destas três hipóteses. Não eram casados, nem mantinham qualquer grau de parentesco; comumente nada havia de estipulação a favor (se tivesse lícito e possível seria o pleito) e não se tratava de vítima de delito praticado pelo ex-concubino. Em resumo, não se amoldando a estas situações, direito algum havia a dar guarida.

Porém, atento à evolução histórica, veio a lume a Lei n. 8.971, de 1994, dispondo, em seu artigo 1º: "a companheira de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ela viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n. 5.478, de 25.7.68, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva". Seguiu-se depois a Lei n. 9.278/96, tratando da mesma matéria no artigo 7º, porém, diversamente do Diploma Congressual anterior, este referendava mais o direito substantivo que o adjetivo.

Que se podiam pleitear alimentos, não se discutia mais. Porém, travou-se nova discussão: qualquer concubino poderia valer-se daquela lei? Seria apenas para a concubina o direito? Ventilou-se que o texto legal limitou o direito de alimentos apenas à mulher. Como também, muito se disse que a lei protege apenas o concubinato puro, ou simples. Disseram mesmo que estava excluído o chamado concubinato adulterino, ou impuro, ou ao menos que de alguma forma estivesse vinculado ao dever de fidelidade pelo casamento. Talvez por falha legislativa houvessem mesmo sido sugeridas estas idéias, como também que para a companheira não se exigia que fosse solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva; mas sim, que o companheiro de quem se pretendia pleitear alimentos fosse solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo.

Quanto à espécie do concubinato, certamente deve ser puro. Não pode ser adulterino ou incestuoso, pois do contrário se estaria premiando situações verificadas ao arrepio do primado da legalidade. Não foi por outro motivo que a lei, logo no artigo 1º, arrolou o estado civil do companheiro. Por identidade de razões, no atinente à situação da companheira, não obstante a falha do legislador, entendemos que ela também deve ser solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva. Se algum dos companheiros permanecer no estado civil de casado, haverá inobservância do artigo 1º da Lei nº 8.971, de 1994, sendo por isso inviável o pleito [21].

E, não obstante o contido no artigo 1º da Lei nº 8.971/94, se restar comprovado que o companheiro casado estava separado de fato, quando da vigência da união estável, e preenchidos os demais requisitos a amparar a concessão de alimentos, pode-se conceder estes em favor do outro companheiro [22].

Relevante requisito, no nosso sentir, que se emerge do art. 1º, da Lei nº 8.971/94, é que a companheira tenha vivido o companheiro, "há mais de cinco anos". A convivência não basta ser estável, tem de ser no mínimo por cinco anos. Noutras palavras, a Lei Federal nº 8.971, de 1994, exige, para o ajuizamento da ação de alimentos, a comprovação da existência do concubinato à época de sua entrada em vigor. Afastar-se-ia a necessidade de decurso de tempo, para os efeitos da lei em comento, a existência de prole comum. É no mais o comando do mesmo artigo 1º. Do contrário, permitir-se-ia que, uma pessoa durante curto espaço de tempo, entrelace-se em tantas quantas forem as uniões estáveis necessárias a lhe conferir incontáveis direitos decorrentes deste instituto. Vulnerar-se-ia toda uma segurança jurídica, uma paz social e, principalmente, os ditames sócio-filosóficos do instituto, dado o caráter de entidade familiar sob o qual se lhe fez repousar o pálio constitucional.

Acentue-se que, "é entendimento pacífico na doutrina que o nascimento de filho comum torna dispensável o prazo mínimo de duração da união, mas não a prova de sua estabilidade e seus demais requisitos, isto é, inexistência de impedimentos matrimoniais, coabitação, singularidade, publicidade e affectio maritalis. Não fosse assim, chegar-se-ia ao absurdo de se conceder pensão alimentícia à mulher que tivesse mantido relações sexuais com um homem uma única vez." [23]

Francisco José Cahali pondera: "Nestas condições, o nascimento de filho funciona exclusivamente como um evento suficiente em si mesmo para dispensar o decurso de prazo de convivência fixado na norma, tempo este que seria indispensável à produção dos seus efeitos, mas que não supre a necessidade de comprovação da união estável". [24] No mesmo sentido a doutrina de Lia Palazzo Rodrigues [25], J. M. Leoni Lopes de Oliveira [26]; Pestana de Aguiar [27], Luiz Alberto D`Azevedo Aurvalle [28].

De todo modo, não obstante a inexistência de equiparação do casamento à união estável para fim de direito alimentar, porque o artigo 226, § 3º, da Constituição da República, que não possui esse alcance, tal direito aos companheiros ressoa indisputável, porque a Lei 8.971/94 introduziu o direito aos alimentos entre os companheiros, direito que não se funda no jus sanguinis, nem decorre de parentesco. Resulta do dever de assistência material recíproca.

Porém, sobreveio em 1996 a Lei da União Estável, tratando igualmente da matéria no artigo 7º. Outra confusão se instaurou, porque esta trouxe requisitos mais brandos para o surgimento do direito a alimentos. Não houve mais referência ao estado civil dos companheiros, à existência de prole comum ou à duração mínima dessa união, como também não explicitou se a convivência de fato à margem do casamento em vigor seria protegida.

Quais das Leis então deve ser aplicada? Sustentou-se que o disposto na Lei n. 8.971/94 restou absorvido pela Lei n. 9.278/96, dada a maior amplitude desta [29]; que, ante a incompatibilidade entre o artigo 1º daquela lei com o artigo 7º desta, houve revogação da legislação anterior [30]; que, com supedâneo no art. 2º, § 1º, última parte, da Lei de Introdução ao Código Civil, ocorreu ab-rogação da Lei de 1994, pois a de 1996 regulou inteiramente toda a matéria [31].

Washington de Barros Monteiro, entretanto, entende que "A lei n. 9.278/96 não faz menção ao estado civil dos concubinos. Nesse ponto, porém, tem aplicação a Lei n. 8.971/94, que, ao reconhecer direitos sucessórios e alimentos entre os companheiros, determina que sejam solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. Não se compadece com os objetivos da lei que pessoas casadas mantenham duas situações familiares semelhantes e concomitantes, uma sob a proteção do casamento, outra ao amparo da entidade familiar". [32]

E continua o saudoso professor: "À luz da Lei n. 9.278/96, não subsiste a exigência de filhos comuns, pois, comprovada a união estável, em caso de rompimento, exsurge o direito a alimentos, de acordo com as necessidades de quem os pleiteia". [33]

Tendo-se em mira tais preciosas e judiciosas ponderações, sem embargo dos doutos pensamentos contrários, entendemos que a segunda lei (Lei de União Estável: Lei nº 9.278/96) não revogou inteiramente a primeira, no que concerne aos alimentos. O que fez foi apenas complementá-la. Ambas podem conviver em perfeita harmonia, porque enquanto uma tratou essencialmente da parte procedimental, da ação; a outra, tratou mais do direito material. A lei nova que estabelece disposições gerais sobre determinada matéria, a par das já existentes, não as revoga nem as modifica.

O mesmo não se diga em relação ao novo Código Civil que, nos artigos 1.723 usque 1.727 disciplinou a união estável e, no artigo 1.694 tratou dos alimentos, devidos inclusive entre os companheiros.

3.4. Da culpa na dissolução como pressuposto para o dever alimentar

Outrossim, embora se levantaram algumas vozes sobre a desnecessidade de culpa pela dissolução da união estável, como requisito do dever de prestar alimentos, temos que não vinga esta proposição. Não basta apenas a necessidade de um e a possibilidade do outro.

Ademais, o novo Código Civil, no artigo 1.702, insculpiu que na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos aos critérios estabelecidos no art. 1.694. E observou no caput do artigo 1.704 que se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. E o parágrafo único ressalvou que se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Fê-lo, como se vê, em relação aos cônjuges, nada dispondo quanto aos companheiros. Se nunca pôde equipará-los, também não poderá agora.

Os companheiros devem alimentos recíprocos por força do chamado dever familiar. A hermenêutica autoriza defluir que os companheiros podem pôr fim à união estável sem que se discuta culpa, sem cogitar de causa. Em casos que tais, acordarão quanto aos alimentos e, em acordo, certamente não se discute culpabilidade; não será imposição judicial. Nos alimentos fixados judicialmente, porém, não basta a necessidade para que a obrigação se ponha. O dever daí decorrente é totalmente compatível com a idéia de culpa que, se houver reciprocidade de culpas dos companheiros, excluído fica, para ambos, o direito à percepção de alimentos.

Álvaro Villaça Azevedo conclui: "desse modo, durante a união, os concubinos devem-se, mutuamente, alimentos. Após a ruptura da sociedade concubinária, serão eles devidos, se houver culpa, devendo o culpado pagar ao inocente alimentos, se destes necessitar. É expresso o art. 7º ao assentar que cuida de dissolução da união estável, por rescisão, que não existe sem culpa." [34]

É de Luiz Augusto Gomes Varjão a perfeita síntese da necessidade de culpa, a qual pedimos vênia para trazer à baila: "A obrigação entre os companheiros decorre do dever de assistência, que é obrigação de fazer. Esse dever, após a dissolução da união estável, transforma-se, em razão dos vínculos de socorro que é obrigação de dar. Não pode exigir assistência material quem não foi solidário, isto é, na teve responsabilidade mútua ou interesse recíproco."

E arremata: "Dessa forma, somente o companheiro não culpado pela dissolução da união estável pode, em princípio, reclamar do outro pensão alimentícia." [35]

Poderíamos até mesmo emprestar a tese da natureza indenizatória dos alimentos entre os cônjuges para reforçar a necessidade de perquirição da culpa pela dissolução. Isso porque, a tendência perpétua dos vínculos matrimoniais e convivenciais causam surpresa ao companheiro que, de inopino, vê obstada a assistência material recíproca; vê-se sozinho, no mundo, tendo senão manter o mesmo padrão de vida até então sustentado, ao menos se adequar às suas possibilidades. Com a extinção antecipada do dever de socorro, mister a sua substituição (e não prolongamento, como disseram alhures), porque o que antes era dever recíproco doravante passará a ser exclusivo, como cominação imposta ao responsável pela dissolução que, em razão de sua atitude, presume-se tenha programado a sua vida de molde suficiente a não navegar à deriva pelas vicissitudes da vida, o que não se pode dizer em relação ao companheiro surpreendido.

Não fosse isso o bastante, se houve culpa pela dissolução, certamente houve infringência de um dever legal. Afrontando ao dever legal, nasce a responsabilidade civil, desembocando em dever indenizatório. Daí porque, além de ser necessária a comprovação da culpa do alimentante, também deve ser demonstrada a ausência de culpa do alimentário. Se ambos forem culpados, haverá compensação de culpas, nada se havendo a decidir sobre alimentos, tal como o é na separação judicial.

3.5. Tempo do dever à prestação alimentícia

Defendeu-se, doutrinariamente, que a fixação dos alimentos deve produzir efeitos durante período certo de tempo, sendo razoável apenas para que o credor possa, por meios próprios, conseguir se manter; findo esse tempo, os alimentos deixarão de ser devidos. Trataram da predeterminação do termo final da obrigação alimentar. Outros ainda entendem que, se a nova união da companheira cessar, deve-se estabelecer a pensão alimentícia anteriormente devida [36].

Ambas, contudo, sem razão.

O que se pode fazer, e o fez o legislador, é condicionar o direito à percepção dos alimentos ao período em que deles necessitar e enquanto não constituir nova união (Lei n. 8.971/94, art. 1º). Semelhante significado extrai-se do artigo 1.708 do novo Código Civil, ao dispor que, com a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos e, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor (p. único).

Outrossim, cessada a nova união que deu causa ao perdimento do direito alimentício decorrente da extinção da primeira união, não se restaura tal direito [37]. Não se trata aqui da antiga discussão de renúncia ou dispensa dos alimentos, porque não foi a vontade do credor-beneficiário que se operou, mas sim o império da lei. Pensar em restabelecimento de direito feriria não apenas a ética, a moral e os bons costumes, mas também preceitos jurídicos de inarredável aplicabilidade. Seria o mesmo que admitir que a lei revogada volte a vigorar se declarada inconstitucional a que lhe revogou. Injurídico, ademais, porque a lei fala ser o casamento, a união estável ou o concubinato do credor causa de cessação do dever de prestar alimentos (CC, art. 1.708), bem assim que a obrigação perdurará enquanto não constituir nova união (art. 1º da Lei n. 8.971/94).

Cumpre observar apenas que, o Estatuto dos Concubinos fala em nova união (artigo 1º). Mas que tipo de nova união? Referia-se à estável ou matrimonial? Ambas, certamente. O direito alimentar é temporário, pois cessa quando o beneficiário constituir nova união, seja ou não matrimonial. A lei não precisou, mas evidente que não se pode conceber duplo benefício. Não se mostra crível tenha o intérprete base científica para afirmar que, tratando-se de lei regente de concubinato, apenas pretendeu referir-se às novas uniões não matrimoniais. Entender assim equivale dizer: o credor continuará recebendo os alimentos do antigo companheiro, apenas porque se casou; e, depois, se este casamento vier a se findar, e do ex-cônjuge começar a perceber pensão alimentícia, será aquele antigo credor contemplado com mais uma prestação. Acumular-se-ão os benefícios! Isso é sofismar o ordenamento jurídico. Outro não é o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira: "A possibilidade de pleiteá-los não é eterna. Os mesmos deverão ser requeridos tão logo consubstanciado o rompimento da vida em comum... Quanto ao futuro, a continuidade dos alimentos cessa se o alimentado vier a constituir nova união, ou se provar a desnecessidade por qualquer meio..." [38]

Logo, o direito a percepção dos alimentos perdurará enquanto deles necessitar, e puder honrá-los o devedor, e até que não seja constituída nova união, seja matrimonial ou não, quando então cessará automática e definitivamente o direito à prestação alimentícia.

Extinguir-se-á o dever alimentar, enfim, pela morte do alimentante ou do alimentário. Da pessoalidade da obrigação alimentícia decorre a sua intransmissibilidade, o que a faz cessar com o passamento do alimentante. Do mesmo modo, o caráter personalíssimo do direito impõe seja extinta a obrigação com a verificação do evento morte do alimentando.

3.6. Pressupostos legais para os alimentos

Como se pode inferir do arcabouço jurídico, contenta-se a norma com a existência da união estável e necessidade do credor. É o artigo 1º da Lei n. 8.971/94.

Mas não é só isso.

Irrelevante se mostrará a atual e inescondível necessidade do credor, se do outro lado não houver relativa possibilidade do devedor. A lei, de hoje e de todos os tempos, não quer o perecimento do credor de alimentos, certamente. Por outro lado, também não deseja que o obrigado ao pagamento desfalque sua própria subsistência, sofra e padeça por inanição. Exige-se um equilíbrio, entre as condições de um e as possibilidades do outro. Exige-se o binômio, conquanto tenha a lei dito apenas necessidade, porque nenhuma lei pode impor a alguém a prestação de alimentos com sacrifício de seu próprio sustento (já se disse alhures), em detrimento do auto-sustento.

E a união estável há de ser, no mínimo, de 5 anos, ou que tenha prole comum. As normas ulteriores não revogaram este preceito legal, para as uniões que se lhe estão sujeitas. Quanto às que se constituírem e se sujeitarem ao novo Código Civil, entretanto, não se perquirirá o elemento temporal, pois tal não foi objeto de disposição do artigo 1.694 que facultou aos parentes, cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Anote-se que, relativamente à existência de prole comum, esse só fato não é o bastante para qualificar o relacionamento como união estável, é necessária a comprovação dos demais requisitos.

Outros tantos requisitos foram abordados no decorrer do presente trabalho, como a ausência de culpa e a situação de pureza da união estável, o que torna despiciendo trazê-los novamente à baila, sob pena de se deixar repetitiva e enfadonha a dissertação.

3.7. Critérios de fixação do valor

Para a fixação do "quantum debeatur", como se viu, vigorarão também os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. É o que sempre esteve presente entre nós, ante a dicção dos artigos 400 do Código Civil de 1916, 1º da Lei n. 8.971/94 e 7º da Lei n. 9.278/96 e continuará sendo, com a vigência do novo Código Civil que, ao tratar dos alimentos, verberou que tais deverão ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada; e serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia (§§ 1º e 2º do artigo 1.694).

A sensibilidade do Julgador há de ser tal que o possibilite atender às condições de ambas as partes em lide. Não bastará olhar apenas para o requerente e o montante pecuniário que traduz sua necessidade; tem ainda de olhar para as efetivas e reais possibilidades do requerido. O justo equilíbrio entre necessidade de um e possibilidade do outro é o único parâmetro para a fixação do "quantum debeatur".

3.8. Reajustamento e revisão

É possível a majoração em face de índice oficial regularmente estabelecido (CC, art. 1.710). Também o é a alteração quantitativa decorrente da mudança na situação financeira.

Naquele caso será reajustamento, levando-se em consideração apenas a projeção do próprio capital, não se configurando qualquer "plus", mas apenas manutenção do poder pecuniário da moeda ou, mais especificamente, da prestação alimentícia. Anote-se que, a correção monetária, em nosso direito, está sujeita ao princípio da legalidade estrita, constituindo seu primeiro pressuposto a existência de lei formal que a institua. Se o Estado Democrático de Direito adotou o princípio do nominalismo monetário, estabelecendo o valor legal da moeda, é juridicamente inadmissível que esta (moeda) tenha, pari passu, um valor econômico sem autorização legal. Só a lei é o instrumento adequado para instituir a correção monetária, como ocorre, no caso dos alimentos, o disposto no próprio artigo 1.710 do Código Civil.

E, na segunda hipótese anunciada, ocorrerá a revisão, onde se pretenderá majorar, ou minorar, o valor devido a título de encargo alimentar, tendo-se em mira a modificação da fortuna ou da necessidade, quando, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe. (CC, art. 1.699).

3.9. Modos de cumprimento

Ao credor cabe o direito de escolher a forma em que se dará o cumprimento da obrigação. Aliás, é da lei que o credor de coisa certa não é obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa. Acerca dos alimentos, diz-se direito do devedor escolher a forma; não obstante, a escolha se dará em consonância com o juízo prudencial do Julgador, determinando o melhor modo.

3.10. Meios de assegurar o pagamento

A Lei Processual Civil prevê, como meios de assegurar o cumprimento da obrigação, a garantia real ou fidejussória. A questão do desconto em folha de pagamento e a constituição de usufruto, entre outras, está mais para forma de pagamento que meios assecuratórios, porém nada obsta que didaticamente seja neles incluídos.

3.11. Alimentos provisórios

Quem estiver pleiteando deverá apresentar prova pré-constituída da entidade familiar. Se a união estável não estiver comprovada, deve o Juízo promover a instrução para caracterização do fato e não indeferir a inicial e remeter o requerente para as vias ordinárias a fim de provar a união estável. [39]

Isso porque, sem embargo do que preceitua a Lei nº 5.478/68, impondo a fixação desde logo dos provisórios, salvo se deles expressamente dizer que não precisa o requerente, há pressuposição de que exista a obrigação alimentar. Não havendo, porém, impossível é o pleito. Podemos até entender possível a complementação, por audiência de justificação prévia em que serão ouvidas testemunhas, da prova produzida pelo companheiro, reservando nosso entendimento da prova documental forte neste sentido instruindo já a inicial como único meio hábil a possibilitar a concessão dos provisórios. Sem prova documental razoável, deve o companheiro se socorrer do rito ordinário.

São assegurados os alimentos provisórios, portanto, exatamente porque o Estatuto dos Concubinos referendou expressamente a aplicação da Lei n. 5.478/68. Ademais, constituem forma de proteção aos integrantes da entidade familiar que a Lei Maior manda proteger. E tais alimentos são devidos a partir da citação, segundo copiosa jurisprudência, e não a partir da decisão que os concedeu.

Cumpre observar apenas que, a impossibilidade do pedido de alimentos provisórios não confere ao autor a alternativa de concedê-los em sede de tutela antecipada. Dois fortes e singelos motivos impendem-nos: é essência dos alimentos a sua irrepetibilidade, o que já encontra óbice no § 2º do artigo 273 da Lei de ritos, ao preceituar que não se deferirá tutela antecipada se houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, no caso não é só perigo, mas também certeza, bastando haja ulterior sucumbência do alimentário; não obstante, o princípio consagrado que alimentos pagos a mais são irrepetíveis, não impede que tais valores sejam computados nas prestações vincendas [40]. Outro, também de clareza mediana, diz com a prova documental inequívoca da união estável, como requisito da tutela; se o autor não tem tais provas para se valer do pleito de alimentos provisórios, também não tem para a tutela antecipada. Impossível mesmo, portanto, tutela antecipatória em comento.

3.12. Rito da ação de alimentos:

Em regra, seguirá o rito ordinário. Embora tenha a Lei de União Estável logo no artigo 1º assegurado a adoção do rito especial sumário da Lei 5.478/68, dificilmente será possível a sua aplicação. E a razão é muito simples: é preciso da inicial constar pedido de reconhecimento de união estável para, ao depois, proceder ao de alimentos. A cumulação de pedidos aqui é daquelas que, só se conhecerá do subseqüente, se proceder o antecedente, mesmo porque também aqui se deve ter em mente que as questões de natureza meramente procedimentais não devem empecer o exercício do direito material, a menos que lesem gravemente o interesse público na rápida prestação jurisdicional acessante a uma ordem jurídica justa.

Mas a impossibilidade da adoção do rito sumário não é absoluta. Se houver provas bastantes e pré-constituídas da união estável, pode-se valer do procedimento sumário, inclusive pedindo os alimentos provisórios. Tem de ser prova documental, como certidão de casamento religioso, certidão de casamento de brasileiro celebrado no exterior, adoção do patronímico do companheiro, contrato escrito de concubinato, acordo extrajudicial de pensão alimentícia, contrato de locação, contrato de sociedade, nota fiscal com o endereço do casal, requerimentos formulados em juízo ou em repartições públicas, documentos expedidos pelos Poderes Públicos. [41] No mais, volta-se ao rito ordinário, cujos alimentos ditos provisórios poderão, em tese, ser pleiteado seja em caráter de antecipação dos efeitos da tutela.

3.12. A transmissibilidade do débito alimentar por morte do devedor

Não se transmite a obrigação de prestar alimentos, o que não se confunde com a disposição legal de obrigatoriedade subsidiária dos demais parentes que são chamados a prestar alimentos, na falta ou impossibilidade dos mais próximos. De outra banda, uma vez fixada a prestação alimentícia, esta poderá ser transmitida, por sucessão, quando do passamento da pessoa que foi judicialmente obrigada ao pagamento.

Neste sentido o artigo 1.700 do novel Código Civil, ao dispor que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor. Possibilidade que não se verificava na vetusta Lei Substantiva; antes, vedava-a expressamente no artigo 402, o que já vinha sendo tido como revogado face ao artigo 23 da Lei n. 6.515, de 1977 (Lei de Divórcio), que determinava a responsabilidade do espólio pelo pagamento das dívidas do falecido.

Logo, uma vez fixado o valor devido a título de alimentos e, não tendo o devedor honrado tempestivamente com sua obrigação, sobrevindo então o seu falecimento, os débitos eventualmente deixados são transmitidos ao espólio. Não é a obrigação alimentar que se transmite, porque esta se finda junto com a existência do devedor; o que se transmite é dívida já constituída, as prestações alimentícias atrasadas.

3.13. Execução das prestações alimentícias

Duas são as principais medidas executórias das prestações alimentícias, ambas, em última análise, buscando a mesma finalidade, qual seja, a de fazer cumprir a obrigação. É o que se infere dos artigos 732 e 733 da Lei Instrumental Civil.

Com efeito, com a ameaça de prisão civil o que o legislador visa é quebrantar uma resistência injusta, constranger o devedor de alimentos ao cumprimento da obrigação decorrente de lei, reconhecida na sentença (no caso na decisão) como dentro de suas possibilidades. O seu caráter é meramente compulsivo. E é o que ocorre na execução.

Ademais, "não é correto o enunciado de que a prisão civil deve ser precedida do exaurimento dos meios compulsivos. A Lei de Alimentos, no artigo 16, com a adaptação introduzida pela Lei nº 6.014, de 1973, estabelece que ´na execução da sentença ou do acordo nas ações de alimentos será observado o disposto no artigo 734 e seu parágrafo único do CPC´. O citado artigo 734 e o artigo 17 da Lei nº 5.478, de 1968, prevêem vias para o recebimento das prestações, que, pela sua rapidez, tem preferência absoluta. Se no caso ausentes os seus pressupostos, manifesta-se a inviabilidade. A hipótese, então, passa a ter regência do artigo 18 desse diploma legal, segundo o qual não sendo possível a satisfação do débito, pelas modalidades precedentes, o credor poderá requerer a execução da sentença (no caso da decisão) na forma dos artigos 732, 733 e 735 do CPC".

"Daí resulta, às expressas, caber ao credor a opção entre a execução por quantia certa ou a citação do devedor inadimplente, para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo". [42]

E no caso de dívida alimentar decorrente de união estável, seria a medida do artigo 733 da Lei de ritos o meio destinado à cobrança coercitiva? Sem dúvida alguma. A Lei não limitou a faculdade processual apenas aos credores menores, ou às obrigações decorrentes de pais para filhos. Se não o fez, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Neste passo, tanto pode o companheiro credor pleitear a execução com fulcro no artigo 732, visando expropriar bens do devedor, como também no artigo 733 e nos demais. A lei faculta-lhe a escolha, mas, deve-se distinguir duas espécies de execução de alimentos: uma, com ameaça de prisão, nos termos do art. 733 do CPC, apenas quanto às três últimas parcelas vencidas, porque não perderam o caráter alimentar e ganharam ares de indenização; outras, sem aquela ameaça, como execução comum, de acordo com o art. 732 do mesmo estatuto processual, para as parcelas anteriores, as quais, pelo decurso do tempo, perderam esse caráter para assumirem feição indenizatória. Ou seja, execução com pedido de prisão só se tem admitido em relação as três últimas prestações.

3.14. Renúncia e dispensa dos alimentos

Repetindo disposição já constante do Código Civil de 1916, o novo preceitua no artigo 1.707 que pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Ou seja, pode-se dispensar, mas não renunciar. Segue-se, aparentemente, a dicção sumular do verbete 379 do Excelso Pretório, in verbis: "No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais."

Ocorre, agora, que estamos em nova ordem constitucional, que provocou profundas alterações no âmbito do Direito de Família. Tendo surgido agora a igualdade entre os sexos, não há entre cônjuges obrigação alimentar exclusiva a cargo de um em razão do sexo. Logo, a releitura do Código à Luz da nova Constituição implica em manifesta carência, posto que a inexistência prévia de obrigação alimentar (decorrente de sentença condenatória ou homologatória de acordo) não permite que se pretenda criada obrigação superveniente.

Ademais, a própria Suprema Corte aprimorou seu entendimento, admitindo a renúncia se houve, para o renunciante, reserva de bens e meios suficientes para manter a própria subsistência. [43]

E o Superior Tribunal de Justiça, Corte não-eminentemente política, tem entendido eficaz a renúncia, como também o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Igual posição sustenta Luiz Augusto Gomes Varjão, acrescendo o incontestável argumento (no nosso sentir) de que a renúncia vedada pela Lei refere-se apenas a alimentos devidos entre parentes, o que não ocorre entre os cônjuges ou os companheiros. [44]

Por tudo isso, entendemos válida e eficaz a cláusula de renúncia, seja em razão da nova ordem isonômica constitucional, seja pela ausência de parentesco entre os companheiros, seja, enfim, pela possibilidade do renunciante ter reservado bens e meios suficientes para se manter e sobrevier.

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Sobre o autor
Alex Sandro Ribeiro

advogado, escritor e consultor, pós-graduado em Direito Civil pelo UniFMU, membro do 4º Tribunal de Ética da OAB/SP, consultor especializado em microempresas e empresas de pequeno porte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Alex Sandro. União estável: dissolução e alimentos entre os companheiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3033. Acesso em: 19 abr. 2024.

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