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Polícia única

01/03/2002 às 00:00
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A sociedade brasileira assusta-se com o desenfreado aumento da criminalidade. Impotente, procura soluções que visem estancar a violência urbana que a assombra. Fatos recentes demonstram, de forma inequívoca, a derrota estatal no combate ao crime.

Nesse sentido, a complexidade criminosa se desenvolve e, em uma sociedade globalizada, o delito sofistica-se, empregando métodos de extrema organização e com a utilização de alta tecnologia.

O Congresso Nacional e o Ministério da Justiça, em uma corrida contra o tempo, buscam medidas para reverter este violento quadro. Analisando, inclusive, dezenas de projetos de emenda à Constituição Federal, que visam a alteração do artigo 144 e parágrafos da Carta Magna.

A unificação policial (união das polícias civis e militares) tem sido assunto amplamente discutido, como sendo uma das possibilidades de modernização da atuação estatal no combate ao crime. A existência de uma polícia com direção única, reestruturada e com objetivos integrados sanaria muitos defeitos encontrados no paradigma atual.

Os casos de desencontro e desentendimentos entre policiais civis e militares envergonham a comunidade e causam uma sensação de total descontrole. Os tiroteios entre policiais de corporações diversas fazem com que estas sejam desacreditadas perante a população.

No entanto, a proposta de unificação policial surge como uma resposta imediata à problemática apresentada. A criação da polícia única, em que a atividade investigativa e ostensiva seria desempenhada por servidores públicos concursados especificamente para cada um dos fins, resultaria na otimização administrativa e operacional.

No início do ano, os Governos Federal e do Estado de Goiás inauguraram um Centro Integrado de Operações – CIOPS, em que a polícia civil, militar e o corpo de bombeiros se estabeleceram em uma instalação física única, de forma a propiciar maior comunicação entre os segmentos da Segurança Pública.

Apesar dessa atitude governamental, parece-nos que a integração é uma resposta tímida à evolução almejada pela população no tocante ao bom desempenho das atividades preventiva e repressiva, cuja solução seria, de fato, a união.

Além da crise entre as polícias, o princípio da economia é outro fator importante que induz ao corolário da existência uníssona da atividade policial. Cada corporação tem, hoje, divisões de recursos humanos, divisões de operações especiais e aéreas, divisões de manutenção de viaturas, divisões de materiais, academias de formação, todas distintas, além de outros departamentos com atividades em comum. Essa duplicidade onera o Estado, desviando-se recursos que poderiam ser aplicados de forma diversa, como, v.g., na tecnologia investigativa ou informatização das estruturas policiais.

Não se pode permitir que o corporativismo impere sob a segurança pública. A paz social, missão primeira da polícia, deve nortear o pensamento das autoridades governamentais, para que não se submetam a interesses pessoais ou de entidades de classes.

Outro argumento que corrobora com o da junção, está na necessidade de unicidade de planejamento tático-operacional e uniformização de procedimentos de abordagem.

A reunião das forças resultará, ainda, em grande harmonia da investigação e da prevenção. Por exemplo: o agente investigador deve, ao máximo, evitar a abordagem ao suspeito, que seria efetuada, sempre que possível, pelos agentes ostensivos, no sentido de preservar a identidade sigilosa dos primeiros.

Entretanto, mister se faz algumas considerações no tocante a prerrogativas que o policial, inevitavelmente, deve possuir. A inamovibilidade é imprescindível ao servidor da lei, para que adquira liberdade de ação e não se veja receoso de ser vítima de perseguições ou transferências por proceder de forma correta e legal contra indivíduos de grande influência política.

Urge, outrossim, a criação de uma Lei Orgânica da Polícia, que além de determinar seus deveres e atividades, estabeleça um piso salarial nacional e promoção da valorização do profissional, que, constantemente, vem sendo vítima de críticas que resultam na sua baixa estima o que, por conseqüência, reflete em sua atuação.

A crítica feita contra a unificação policial, no sentido de que esta facilitaria a impunidade de servidores que, porventura, cometessem infrações, improcede a partir do momento em que fosse criada uma Corregedoria independente, composta pelos Chefes de Polícia, com participação dos representantes do Ministério Público, membros da Ordem dos Advogados do Brasil, e de outros segmentos da sociedade, que acompanhariam os procedimentos instaurados.

Há quem defenda a desmilitarização da polícia ostensiva, no entanto é importante frisar, caso a mesma ocorra, ainda assim deve ser pautada pelos princípios da hierarquia e disciplina, haja vista que a oportunidade, conveniência e modo de execução das ordens, devem ser estritamente seguidas pelos comandados, visando o interesse público.

Seria utopia achar que as considerações alhures mencionadas resolveriam o problema da violência urbana, no entanto a sociedade há que visualizar a necessidade de conglobar a polícia como um dos passos a ser dado no sentido de reduzir as estatísticas criminais a um patamar aceitável.

Cumpre ressaltar que a violência delitiva não deve ser encarada como um problema a ser resolvido tão-somente no âmbito policial. Ao Estado é imperativo buscar medidas que visem propiciar condições de valorização familiar, reestruturação educacional, desenvolvimento social, bem como promover um Poder Judiciário mais célere, de modo a dar uma resposta satisfatória aos anseios da sociedade.

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Sobre o autor
Flamarion Vidal Araujo

delegado da Polícia Civil do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Flamarion Vidal. Polícia única. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2799. Acesso em: 19 abr. 2024.

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