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Elementos de informação versus provas no processo penal.

A necessária diferenciação a partir da Lei nº 11.690/2008

26/06/2011 às 09:13
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O Código de Processo Penal agora estabelece o que já vinha sendo diferenciado pela doutrina e pela jurisprudência: os elementos de informação obtidos na investigação não se confundem com as provas colhidas durante o curso da ação penal.

RESUMO: A Lei 11.690/2008 alterou o Código de Processo Penal para estabelecer agora no ordenamento jurídico o que já vinha sendo diferenciado pela doutrina e pela jurisprudência: os elementos de informação obtidos na investigação não se confundem com as provas colhidas durante o curso da ação penal. Algumas questões, no entanto, precisam ser melhor analisadas, como, por exemplo, se é possível o magistrado criminal condenar um acusado ou absolvê-lo tendo como base exclusivamente os elementos informativos do inquérito policial ou do procedimento administrativo investigatório que lhe faça as vezes.

PALAVRAS-CHAVE: Prova; elementos de informação; admissibilidade; diferenças; processo penal.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. A LEI 11.690/2008, A MINIRREFORMA PROCESSUAL PENAL E O PROJETO DE LEI DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO 3. ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO VERSUS PROVAS JUDICIAIS: A NECESSÁRIA DIFERENCIAÇÃO E OS PROBLEMAS QUE PODEM SURGIR 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

A partir da Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, restou alterada a redação do art. 155 do Código de Processo Penal (CPP), redigido atualmente nestes termos:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (destacou-se).

Surgiu na legislação pátria, assim, importante questão relativa à diferenciação entre o que se entende por elementos de informação colhidos durante a investigação policial e a prova no processo penal, embora a doutrina e a jurisprudência já apontavam algumas distinções.

Portanto, faz-se necessário entender melhor o que sejam os elementos informativos que são obtidos na fase pré-processual, para, após, analisar certas problemáticas surgidas especialmente quanto à sentença condenatória/absolutória e sua fundamentação baseando-se nesses elementos.


2. A LEI Nº 11.690/2008, A MINIRREFORMA PROCESSUAL PENAL E O PROJETO DE LEI DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO

A Lei 11.690/2008, juntamente com as Leis de nº 11.719/2008, nº 11.689/2008 e nº 11.900/2009, constituíram o que se denominou de minirreforma da parte processual penal, alterando desde dispositivos do CPP relativos ao procedimento processual, até prevendo a possibilidade de realização de interrogatório por sistema de videoconferência.

Acerca especialmente da Lei 11.690/2008, foi este diploma o responsável por alterar a parte relativa à prova no processo penal, inovando nos arts. 155 a 157 do CPP da seguinte maneira:

CPP antes da vigência da Lei 11.690/2008

CPP depois da vigência da Lei 11.690/2008

TÍTULO VII

DA PROVA

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 155. No juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil.

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Art. 157. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.

TÍTULO VII

DA PROVA

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Art. 157 São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 4º. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Ou seja, o dispositivo antigo que regulava a matéria fazia a simples menção de que o magistrado criminal formará seu convencimento pela livre apreciação da prova. Assim, muitas questões estavam postas em xeque caso se adotasse entendimento, não raro de ocorrer, no qual o conjunto de elementos colhidos em sede de inquérito policial serviria para a condenação do acusado, ainda mais quando se tratasse de crime grave, que afetaria todo sistema social, necessitando de urgente resposta.

Seguindo essa linha, violados estariam os consagrados princípios do contraditório e da ampla defesa na medida em que a sentença penal, uma vez condenatória, passava a se basear em "provas" colhidas na investigação processual, fase onde não é obrigatória a observância dos aludidos princípios.

Consoante entendimento doutrinário e de acordo com a legislação processual penal, as características do inquérito policial podem ser assim sintetizadas: trata-se de um (a) procedimento escrito (art. 9º do CPP); (b) sigiloso (art. 20 do CPP); (c) dispensável (arts. 27 e 39, § 5º, do CPP); (d) inquisitorial; (e) discricionário; (f) oficioso (art. 5º, inciso I, CPP); (g) indisponível (art. 17 do CPP) e (h) temporário.

Especialmente em virtude de ser um procedimento administrativo inquisitorial e preparatório, cuja finalidade precípua é a de coletar elementos de informação quanto à autoria e à materialidade do fato criminoso, propiciando ao titular da ação penal a possibilidade de ingressar em juízo em desfavor do(s) acusado(s), é que não há no inquérito esta obrigatoriedade de respeito ao contraditório e à ampla defesa.

Por isso, o debate cingiria nesse ponto: pode o magistrado criminal julgar alguém tendo em vista as informações e elementos fornecidos no inquérito policial (ou outro procedimento administrativo investigatório, quando dispensado este)? Pode o juiz condenar com base nesses elementos e em outros coletados na instrução criminal? Pode, ainda, o juiz, mediante decisão pormenorizadamente fundamentada e com norte em princípios máximos dispostos na Constituição Federal, condenar o acusado, mas com base exclusivamente nos elementos fornecidos pelo inquérito? E para absolver o agente, poderá o juiz se basear apenas nos elementos informativos?

Essas perguntas serão melhor problematizadas no tópico a seguir, porém não se pode finalizar este sem trazer o conteúdo relativo à prova constante no Anteprojeto de Reforma do Código de Processo penal, devendo ser igualmente neste estudo considerado para fins de comparação didática:

Atual CPP, com a redação dada pela Lei 11.690/2008

Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal (novo CPP)

TÍTULO VII

DA PROVA

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Art. 157 São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

§ 4º. (VETADO)

TÍTULO VIII

DA PROVA

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 162. As provas serão propostas pelas partes.

Parágrafo único. Será facultado ao juiz, antes de proferir a sentença, esclarecer dúvida sobre a prova produzida, observado o disposto no art. 4º.

Art. 163. O juiz decidirá sobre a admissão das provas, indeferindo as vedadas pela lei e as manifestamente impertinentes ou irrelevantes.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil.

Art. 164. São inadmissíveis as provas obtidas, direta ou indiretamente, por meios ilícitos.

Parágrafo único. A prova declarada inadmissível será desentranhada dos autos e arquivada sigilosamente em cartório.

Art. 165. O juiz formará livremente o seu convencimento com base nas provas submetidas ao contraditório judicial, indicando na fundamentação os elementos utilizados e os critérios adotados.

§ 1º. A existência de um fato não pode ser inferida de indícios, salvo quando forem graves, precisos e concordantes.

§ 2º. As declarações do co-autor ou partícipe na mesma infração penal só terão valor se confirmadas por outros elementos de prova que atestem sua credibilidade.

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3. ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO VERSUS PROVAS JUDICIAIS: A NECESSÁRIA DIFERENCIAÇÃO E OS PROBLEMAS QUE PODEM SURGIR

Através da entrada em vigor da Lei 11.690/2008, restou expressamente previsto no ordenamento jurídico penal que ao magistrado não é permitido proferir decisão com base exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação – ressalvadas, como bem expressa a parte final do art. 155 do CPP, as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Sobre esses três tipos de provas (cautelares, antecipadas e não repetíveis), cumpre brevemente esclarecer que elas são efetivamente "provas", porém submetidas ao contraditório diferido, podendo, dessa maneira, servirem para a condenação em virtude das peculiaridades do caso concreto.

A prova, na lição de Grinover, Cintra e Dinamarco, se traduz como o instrumento apto a formar a convicção do magistrado a respeito da ocorrência ou não dos fatos controvertidos no processo [01]. É o "farol que deve guiar o juiz em suas decisões sobre as questões de fato", assim como elucidava as antigas Ordenações Filipinas [02].

Já Francesco Carnelutti vincula a prova como o elemento apto a guiar o intérprete de volta ao passado, na recomposição dos fatos, na reconstrução da história [03]. Seguindo mesmo pensamento, Eugênio Pacelli analisa a dificuldade (leia-se: quase impossibilidade) de se reconstruir a verdade a partir da reconstrução dos fatos investigados no processo, "buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo" [04], sendo esta, portanto, a difícil e principal função da prova.

Salienta-se que a prova, via de regra, é produzida na fase judicial [05] e na presença do juiz, sendo obrigatória a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sob pena de o ato ser considerado absolutamente nulo.

A doutrina moderna é uníssona no sentido de compreender o contraditório e a ampla defesa como pedras fundamentais de todo o processo, sendo infinita a importância de tais princípios no processo penal. São, ao lado do princípio da situação jurídica de inocência, verdadeiras cláusulas de garantia para a proteção do acusado frente ao aparato persecutório penal. Constituem a base da estrutura do devido processo legal, servindo igualmente para a busca de um processo justo e eqüitativo [06].

Por sua vez, os elementos informativos colhidos na investigação são produzidos sem a presença do juiz [07] e normalmente não passam pelo crivo do contraditório e da ampla defesa, por isso – basicamente em razão disso, diga-se – não podem ser confundidos com o que se compreende por prova judicial. Tais elementos, frutos do desenrolar do inquérito policial, servem essencialmente ou para embasar a ação penal a ser promovida pelo seu titular (opinio delicti) ou como fundamento para a decretação de medidas cautelares.

Desse modo, defende-se que os elementos informativos não devem ser utilizados para sustentar possível sentença penal condenatória, a não ser que, consoante entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, agora, positivado em lei, haja outros elementos probatórios obtidos durante a instrução criminal. Nesse sentido, vale conferir os recentes julgados dos referidos Tribunais:

HABEAS CORPUS. PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDADA EM OUTROS ELEMENTOS OBTIDOS NA FASE JUDICIAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVER-SE O CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. O WRIT NÃO PODE SER UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.

I – Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementados por outros indícios e provas obtidos na instrução judicial. Precedentes.

II - A análise da suficiência ou não dos elementos de prova para a condenação é questão que exige revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, providência incabível na via do habeas corpus.

III – O habeas corpus, em que pese configurar remédio constitucional de largo espectro, não pode ser empregado como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes.

IV – Ordem denegada (STF, HC 104669/SP, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, data do julgamento: 26 de outubro de 2010, data da publicação: 18 de novembro de 2010).

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO EMBASADO EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Em respeito à garantia constitucional do devido processo legal, a legitimidade do poder-dever do Estado aplicar a sanção prevista em lei ao acusado da prática de determinada infração penal deve ser exercida por meio da ação penal, no seio da qual ser-lhe-á assegurada a ampla defesa e o contraditório.

2. Visando afastar eventuais arbitrariedades, a doutrina e a jurisprudência pátrias já repudiavam a condenação baseada exclusivamente em elementos de prova colhidos no inquérito policial.

3. Tal vedação foi abarcada pelo legislador ordinário com a alteração da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, por meio da Lei n. 11.690/2008, o qual prevê a proibição da condenação fundada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.

4. Constatado que o Tribunal de origem utilizou-se unicamente de elementos informativos colhidos no inquérito policial para embasar o édito condenatório em desfavor da paciente, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal. [...] (STJ, HC 118296/SP, Relator: Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, data do julgamento: 16 de novembro de 2010, data da publicação: 14 de fevereiro de 2011).

Neste momento, pergunta-se: pode o juiz criminal condenar o agente com base nos elementos informativos colhidos na investigação policial? A resposta, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e com o que vem literalmente expresso na lei, prevalece sendo somente uma: sim, mas desde que não o faça exclusivamente neles. Explica-se.

A grande preocupação doutrinária, compartilhada pelos Tribunais, está direcionada para a observância efetiva dos princípios do contraditório e da ampla defesa no processo penal, não podendo vingar, dessa forma, uma sentença penal condenatória em que se baseia única e exclusivamente em elementos tais que não foram colhidos sob a égide dos aludidos postulados, tampouco obtidos na presença do juiz criminal.

No voto proferido no HC 104669/SP, o Ministro do STF Ricardo Lewandowski bem asseverou ser "firme a jurisprudência da Corte sobre o tema, no sentido de ser válida a sentença condenatória que se baseia em provas obtidas na fase policial, juntamente com outras colhidas durante a instrução judicial".

Na mesma linha, o acórdão que decidiu o habeas corpus no STJ acima mencionado (HC 118296/SP) destaca ser arbitrária e impossível uma condenação embasada exclusivamente em elementos informativos do inquérito, onde inexiste o devido processo legal, tratando-se de procedimento de cunho inquisitivo. Tais elementos, como analisa o Ministro Jorge Mussi, possuem também como possível destinatário justamente o magistrado, "que deles pode utilizar-se para reforçar seu convencimento, desde que corroborados por provas produzidas com o respeito ao contraditório".

Em síntese: O juiz criminal pode condenar o agente utilizando-se dos elementos informativos em sua argumentação, mas desde que não o faça exclusivamente com base neles, devendo fundamentadamente reforçar sua convicção em demais provas produzidas na instrução criminal, colhidas na presença do juiz e com respeito aos princípios constitucionais penais e processuais penais.

No entanto, outra pergunta vem à tona: pode o juiz criminal absolver o acusado apenas com base nos elementos colhidos na fase investigatória? Isto porque muito se lê e se ouve falar tão-somente em vedação de decisão condenatória apoiada exclusivamente em elementos de informação, mas nada no sentido de ser permitida uma decisão absolutória assim fundamentada.

Tecendo comentários críticos ao Tribunal do Júri e às decisões (imotivadas) proferidas pelos jurados, Aury Lopes Junior destaca a importância da prova judicializada, colhida ao abrigo do contraditório e da ampla defesa em um verdadeiro procedimento respeitador do devido processo legal:

Em que pese o sistema brasileiro não excluir o inquérito policial de dentro dos autos do processo de conhecimento, é sabido que uma sentença penal condenatória não pode amparar-se exclusivamente nos elementos colhidos na fase inquisitorial. O (relativo) controle da observância de tal garantia dá-se através da fundamentação exarada na sentença [08].

Ou seja, apesar de ser possível sentença que esteja amparada (mas não exclusivamente, reitera-se) nos elementos informativos, tudo irá depender da fundamentação nela contida, podendo ser facilmente guerreada caso constatada sua fragilidade, despida de explicitação racional, não detida com os fatos demonstrados em juízo tampouco com aqueles colhidos na investigação e ratificados na instrução.

Vigora como regra no processo penal brasileiro o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional [09], onde a liberdade do juiz em formar sua convicção não dispensa a exteriorização de sua fundamentação quando da prolação da sentença, devendo "declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional, para que as partes, eventualmente insatisfeitas, possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas" [10].

Não obstante, embora seja sim difícil de ocorrer, poderá haver casos em que esse tipo de prova (judicializada) não se mostre suficiente ao juiz, isto é, situações em que a instrução processual probatória demonstre ser deficiente, onde não foram trazidos (ou trazidos insuficientemente) elementos idôneos e aptos a confirmar uma condenação ou absolvição do agente.

Em exemplos tais, como no caso de testemunho colhido em sede de inquérito policial não ratificado em juízo em virtude do falecimento da testemunha, verificando o juiz que o teor do depoimento da mesma se mostra convincente no sentido de afirmar com grande grau de veracidade a absolvição do acusado, e tendo em vista a insuficiência de provas produzidas durante o curso da ação penal, é perfeitamente possível a existência de uma sentença absolutória.

A interpretação que também se poderia fazer é no seguinte sentido: se é possível o ingresso no processo penal de provas obtidas ilicitamente a favor da defesa [11], com muito mais razão deve ser permitida a existência de sentença penal absolutória apoiada exclusivamente nos elementos informativos do inquérito policial ou outro procedimento administrativo investigatório que lhe faça as vezes.

Neste final, é relevante notar que talvez nem fosse necessário o advento de lei a fim de positivar o pensamento já firmado pela maioria doutrinária e jurisprudencial. Porém, é da cultura deste país a positivação de cada vez mais diplomas normativos sobre os mais variados assuntos, sobretudo quando se está em jogo aspectos que envolvem o direito penal: criminalização de condutas, ampliação de penas, criação de medidas processuais penais mais severas para a instrução processual de delitos ditos mais graves, etc.

Assim, sintetizando o que foi explanado neste estudo, pode-se fazer o seguinte quadro sinótico:

Elementos de informação

Provas

CONCEITO

São os elementos obtidos durante a investigação do fato delituoso (fase pré-processual), de conteúdo informativo, antecessores à instrução criminal e preparatórios à ação penal.

São os meios retóricos que se valem as partes para a reconstrução da história fática, a fim de convencer o Estado-juiz sobre a validade de suas proposições, possibilitando chegar a um valor mais verossímil sobre as afirmações dos fatos controvertidos [12].

MOMENTO DE PRODUÇÃO

Fase investigatória (inquérito policial ou outro procedimento administrativo investigatório que dispense/substitua o inquérito).

Fase judicial, ressalvadas as provas cautelares, antecipadas e não repetíveis.

PARA QUÊ SERVEM? (FINALIDADE)

Servem para auxiliar a formação da opinio delicti do titular da ação penal, além de poderem embasar decisão do juiz sobre decretação de medidas cautelares.

Servem para formar o convencimento do juiz acerca dos fatos, melhor dizendo, acerca das afirmações dos fatos.

PARA QUEM SERVE? (DESTINATÁRIO)

Ao titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) ou ao juiz, quando se apoiar também nesses elementos – além das provas – para fundamentar sua decisão condenatória.

Ao juiz criminal.

PODE O JUIZ CONDENAR O ACUSADO COM BASE NELAS/NELES?

Sim, desde que não exclusivamente, isto é, a sentença deve estar apoiada nas demais provas colhidas na fase judicial.

Sim, desde que não sejam ilícitas nem derivadas de ilícitas.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas (SP): Servanda, 2010.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalidade constitucional). 5. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 10. ed. atual. de acordo com a Reforma Processual Penal de 2008. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

RABELO, Manoel Alves; SANTOS, Katharine Maia dos. Teoria geral da prova na jurisdição cível: breves considerações. In: ZAGANELLI, Margareth Vetis (coor). Processo, verdade e justiça: estudos sobre a prova judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 97-116.


Notas

  1. CINTRA et al, 2010, p. 377.
  2. Idem, ibidem.
  3. CARNELUTTI, 2010, p. 66-67.
  4. OLIVEIRA, 2008, p. 281.
  5. É importante lembrar mais uma vez das chamadas provas cautelares, antecipadas e não repetíveis, as quais podem ser produzidas tanto na fase investigatória quanto na fase judicial (art. 155, caput, parte final, do CPP).
  6. Nesse sentido: OLIVEIRA, 2008, p. 31-32 e 282-284.
  7. Exceto quando houver necessidade de intervenção do Poder Judiciário, como nos casos de pedido de interceptação telefônica.
  8. LOPES JUNIOR, 2010, p. 145-146.
  9. Para Ada, Cintra e Dinamarco, a persuasão racional significa "convencimento formado com liberdade intelectual mas (sic) sempre apoiado na prova constante dos autos e acompanhado do dever de fornecer a motivação dos caminhos do raciocínio que conduziram o juiz à conclusão" (CINTRA et al, 2010, p. 381).
  10. OLIVEIRA, 2008, p. 291.
  11. Eugênio Pacelli assim escreve: "[...] Quando a obtenção da prova (ilícita) é feita pelo próprio interessado (o acusado), ou mesmo por outra pessoa que tenha conhecimento da situação de necessidade, o caso será de exclusão da ilicitude, presente, pois, uma das causas de justificação: o estado de necessidade. Mas mesmo quando a prova for obtida por terceiros sem o conhecimento da necessidade, ou mesmo sem a existência da necessidade (porque ainda não iniciada a persecução penal, por exemplo), ela poderá ser validamente aproveitada no processo, em favor do acusado, ainda que ilícita a sua obtenção. E assim é porque o seu não aproveitamento, fundado na ilicitude, ou seja, com a finalidade de proteção do direito, constituiria um insuperável paradoxo: a condenação de quem se sabe e se julga inocente, pela qualidade probatória da prova obtida ilicitamente, seria, sob quaisquer aspectos, uma violação abominável ao Direito, ainda que justificada pela finalidade originária de sua proteção (do Direito)" (OLIVEIRA, 2008, p. 283).
  12. RABELO; SANTOS, 2009, p. 99-101 e 113-114.
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Sobre o autor
Vitor Gonçalves Machado

Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera/LFG. Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/LFG. Bacharel em Direito pela UFES. Advogado do Banco do Estado do Espírito Santo. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4463439U4.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Vitor Gonçalves. Elementos de informação versus provas no processo penal.: A necessária diferenciação a partir da Lei nº 11.690/2008. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2916, 26 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19408. Acesso em: 18 mar. 2024.

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