Artigo Destaque dos editores

Energia elétrica: base de cálculo do ICMS

06/05/2011 às 12:21
Leia nesta página:

O adequado dimensionamento do sistema elétrico – tema com o qual se acha envolto o regime de remuneração do serviço público concedido, a que se associa a fixação da base de cálculo do ICMS – depende não só da quantidade de energia consumida, mas também da intensidade em que ela é consumida, denominada demanda de potência, que é a soma das cargas dos equipamentos elétricos a serem atendidas. Quanto mais intenso é o consumo da energia em dado espaço de tempo, maior é a potência utilizada e, consequentemente, mais intenso o fluxo da energia.

Diante disso, para o suprimento das necessidades dos chamados consumidores intensivos - indústrias, "shopping centers" e alguns edifícios comerciais - faz-se necessária uma rede de alta potência, com linhas de transmissão que operam em alta tensão e dotadas de condutores com grandes bitolas.

Entretanto, como a rede de distribuição de energia elétrica não é aparelhada para suportar um intenso fluxo da energia, notadamente porque as curvas de carga das plantas industriais podem variar em função do ciclo de operação previsto para os diferentes setores de produção e do período de funcionamento diário estipulado, o consumidor intensivo vê-se, então, obrigado a contratar com a concessionária o fornecimento de energia elétrica na intensidade requerida pela soma das cargas dos aparelhos elétricos a serem atendidos, expressa em "quilowatts", convindo com a concessionária o valor do componente tarifário por cujo pagamento deverá responder.

Os investimentos feitos na rede de distribuição, até certo ponto irreversíveis, constituem, assim, elementos instrumentais para uma satisfatória oferta do serviço concedido, cuja utilidade exprime-se, no caso, através do fornecimento da energia elétrica, a que servem e que, por isso mesmo a ele aderem.

Por conseguinte, visto sob tal perspectiva, o fornecimento da energia elétrica, com as características ajustadas em contrato, constitui um complexo que abarca, como componentes indissociáveis, os custos dos melhoramentos introduzidos no sistema de distribuição e o preço da energia elétrica consumida, nos quais se apoia, circunstância que realça a existência de um nexo lógico entre os melhoramentos realizados e a energia elétrica fornecida, de resto ocorrente em todos ou quase todos os casos de prestação de serviço público.

Ao contratar a disponibilidade de uma determinada potência elétrica, o consumidor garante-se, então, de que a concessionária estará aparelhada para suprir a demanda estabelecida no contrato.

Natural, por conseguinte, que, tratando-se de um serviço público concedido, a concessionária pretenda ver-se ressarcida dos elevados investimentos realizados e dos dispendiosos custos incorridos com a manutenção da demanda contratada colocada à disposição do consumidor, mediante cobrança de uma tarifa específica.

Com isso, mantém-se a equação financeira da concessão, visto que, ao "acréscimo de encargos ou mutação de condições de funcionamento do serviço que se reflitam sobre a equação patrimonial hão de corresponder as compensações pecuniárias restauradoras do equilíbrio inicial", segundo ensina Celso Antônio Bandeira de Mello ("Curso de Direito Administrativo", 21ª Ed., p. 702).

Tomando por empréstimo seu magistério, externado a propósito de hipótese de todo assemelhada, também as inversões feitas para o fornecimento de energia elétrica com as características solicitadas pelo consumidor computam-se no valor da tarifa, pois, a ser de outro modo, ficaria desassistida a justa remuneração do capital e desabrigados também os melhoramentos introduzidos no sistema elétrico. Ou, em outras palavras, a tarifa não estaria incorporando todos os componentes integrantes de sua formação, uma vez que as despesas necessárias com obras pertinentes com o fornecimento da energia necessitam abrigar-se na tarifa, pois assim se compõe normalmente o regime tarifário.

Diante disso, é fácil entender porque a contratação de uma determinada demanda de potência implica uma tarifação distinta, pois, se o consumo intensivo requisita demanda de potência maior, que, para ser atendida, exige da concessionária elevados investimentos na rede de distribuição – incapacitada para atender exigências tão elevadas - o valor devido deverá ser naturalmente superior ao daquele que não exigiu maiores inversões de capital.

Vista sob a ótica que presidiu sua instituição, a tarifa de demanda de potência destina-se, então, a remunerar os investimentos feitos pela concessionária na rede, enquanto a tarifa de energia elétrica destina-se a suportar os custos de sua geração, segundo Walter T. Álvares ("Instituições de Direito de Eletricidade", Ed. Bernardo Álvares, 1962, p. 449). Assim, a destinação desses componentes tarifários constitui parte integrante da própria estrutura da obrigação assumida pelo consumidor.

Ao adotar o que se denomina de tarifa binômia, assim conhecida por abrigar valores distintos para a potência contratada e para a energia consumida, essa modalidade tarifária atende também à necessidade de ratear os custos de forma proporcional ao impacto que cada consumidor causa ao sistema elétrico e permite diferenciar o preço da energia consumida em grande intensidade (alta potência) daquela consumida em pequena quantidade (baixa potência), refletindo, ainda, a composição dos custos de geração da energia e de disponibilização do sistema de distribuição para viabilizar um determinado consumo.

Nesse sentido, dispõe o Decreto nº 62.724/68, ao estabelecer normas gerais de tarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica:

"Art. 11. As tarifas a serem aplicadas aos consumidores do Grupo A serão estruturadas sob forma binômia, com uma componente de demanda de potência e outra de consumo de energia.

Art. 12. A demanda de potência faturável para as unidades consumidoras do Grupo A será a maior dentre as seguintes:

I - a maior demanda medida, integralizada no intervalo de quinze minutos durante o período de faturamento;

II - a demanda contratada, observado o disposto no art. 18 deste Decreto e no art. 3º do Decreto n. 86.463, de 13 de outubro de 1981".

É o chamado "custo de disponibilidade", presente na generalidade das tarifas de serviços públicos concedidos, que viabiliza a oferta de um serviço adequado, contínuo e ininterrupto, garantindo sua eficiência, circunstância que legitima a obrigação imposta ao usuário do serviço público de arcar com o pagamento de uma tarifa mínima, ainda que o consumidor não venha a se utilizar, de forma contínua e no montante e intensidade contratados, da demanda solicitada no contrato.

Com isso, preserva-se a equação financeira do contrato, mesmo porque, sem a garantia de uma retribuição mínima, que assegurasse a amortização dos investimentos realizados para atendimento de necessidades específicas do consumidor intensivo, ninguém assumiria a onerosa responsabilidade pela prestação de um serviço adequado de suprimento da energia nas condições desejadas pelo consumidor (REsp nº 609.332, Relatora Min. Eliana Calmon).

Ademais disso, essa modalidade tarifária adotada pelo setor elétrico impõe a cada grupo ou classe de consumidores a obrigação de responder pela fração dos custos a que der causa, tal como estabelece o art. 14, do Decreto nº 86.463/81, visto que, se assim não fosse, os pequenos consumidores, no caso, estariam também arcando com os custos dos investimentos realizados pela concessionária para atender um específico segmento dos consumidores intensivos.

Eis porque as residências, lojas, agências bancárias, pequenas oficinas, edifícios residenciais e boa parte dos edifícios comerciais, como são atendidos em baixa tensão, as condições de fornecimento da energia elétrica não causam maior preocupação ao setor elétrico, pelo que arcam apenas com o pagamento de uma tarifa monômia, que exprime o consumo medido.

Sabendo-se, então, que a tarifa é meio pelo qual se remunera a concessionária pela prestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica, na medida em que representa a contrapartida de seu desempenho, o componente tarifário está vocacionado a garantir a cobertura das despesas realizadas para atender as necessidades de um específico segmento de consumidores, pelo que o valor pago sob a rubrica de "demanda contratada", que nada mais é senão um componente da tarifa de energia elétrica.

Não obstante esse quadro, de fácil compreensão, a linguagem judiciária, pouco apegada ao rigor da terminologia do setor elétrico, muitas vezes se confunde, empregando indistintamente as expressões "demanda contratada" e "energia consumida" e fora de seu significado técnico, embora não fosse apropriado o emprego de uma única expressão para designar duas realidades distintas, notadamente porque a adequada prestação da jurisdição depende substancialmente da propriedade da linguagem empregada.


Base de cálculo do ICMS

Importa verificar, então, se o componente tarifário de que se cuida, e em que medida, em caso positivo, deve concorrer para a determinação da base de cálculo do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias – ICMS.

A exemplo do tratamento dispensado à definição do contribuinte do imposto nela discriminado, a Constituição de 1988 confiou ao domínio normativo de lei complementar a disciplina jurídica da definição da base de cálculo do ICMS, com o que deixou antever o legislador constituinte seu propósito de imprimir um tratamento homogêneo, de âmbito nacional, às matérias elencadas no art. 146, III, "a", da CF e, especificamente, no que concerne ao imposto de competência estadual, à definição da sua base de cálculo (CF, art. 155, § 2º, "i").

Nesse contexto, segundo já se afirmou alhures, os conceitos de operação relativa à circulação de mercadorias, de prestação de serviços tributados pelo ICMS, de contribuinte e de sua base de cálculo, estão diretamente relacionados com diplomas normativos de âmbito nacional, válidos, por mecanismos de integração, para todo o território nacional, por expressa previsão constitucional, sendo vinculantes, por conseguinte, para o legislador ordinário e para o aplicador da lei.

A exigência de lei complementar se explica, uma vez que, "sendo um imposto nacional de competência dos Estados, com implicações várias decorrentes do princípio da não-cumulatividade, à evidência, teria que possuir um regramento supra-ordinário maior que o dos outros impostos, a fim de evitar conflitos desnecessários e violações à estabilidade do sistema. Esta é a razão pela qual pormenorizou o constituinte as áreas maiores de atuação da lei complementar no que diz respeito ao ICMS", segundo o autorizado magistério doutrinário de Ives Gandra da Silva Martins ("O Sistema Tributário na Constituição", Saraiva, 6ª edição, p. 632).

Nesse sentido, Geraldo Ataliba ("Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime Jurídico", in Estudos e Pareceres de Direito Tributário - Vol. 3. São Paulo. RT, 1980, p. 15/16) e Sacha Calmon Navarro Coelho ("Curso de Direito Tributário Brasileiro", 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 105), entre outros.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Do encargo, desincumbiu-se a Lei Complementar nº 87/96, que, em seu art. 13, I, dispõe que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação, acrescentando, em seu § 1º, II,"a" e "b", que esse valor deve compreender todas as demais despesas imputadas ao adquirente da mercadoria.

No que respeita, especificamente, às operações com energia elétrica - de incidência monofásica - a generalidade daquele enunciado acha-se particularizada no art. 9º, § 1º, II, da mesma lei complementar, ao autorizar o legislador ordinário a conferir a condição de sujeito passivo às empresas distribuidoras de energia elétrica, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo recolhimento do imposto pelas operações anteriores, calculado sobre o preço praticado na operação final, que, naturalmente, incorpora todos os custos incorridos desde a produção até a entrega da energia ao consumidor final.

Nessas circunstâncias, como a fatura de energia elétrica aglutina dois componentes tarifários distintos, o valor da operação deve corresponder ao valor total nela inscrito, o qual deverá ser considerado para fins de determinação de obrigação de pagamento do ICMS, visto que a base de cálculo do imposto deve traduzir o valor real da operação, que pressupõe a integração de todos os elementos que são adicionados ao custo da mercadoria e cobrados pela concessionária, sendo essa a única interpretação possível que se pode extrair dos artigos 9º, § 1º, II e 13, I, e § 1º, II, "a", da LC 87/96.

Nesse contexto, parece significativo que, quando pretendeu excluir algum elemento da base de cálculo do imposto, a própria Constituição o fez (CF, art. 155, § 2º, XI), não deixando assim qualquer espaço para atuação do intérprete ou para o aplicador da lei.

E assim importa que seja, basta ver a simetria existente entre as despesas acrescidas ao preço das mercadorias vendidas e o custo da disponibilização da demanda contratada, agregada ao fornecimento da energia elétrica, uma vez que ambos decorrem de um negócio jurídico único, concorrendo um e outro para a formação do preço final.

Eis porque, à ótica da jurisprudência da Suprema Corte, mostra-se inconstitucional previsão em Constituição do Estado-membro que exclua os juros devidos nas vendas a prazo da base de cálculo do ICMS, pois tal iniciativa, à falta de previsão em lei complementar, equivaleria à concessão de benefício fiscal sem a observância do procedimento previsto no art. 155, § 2º, XII, "g", da CF, segundo o que decidido no julgamento da ADI/MG 84.

Ademais, para a Suprema Corte, como a legislação do ICMS não diferencia as operações de venda à vista ou a prazo, mostra-se legítima a inclusão dos juros na base de cálculo do ICMS (AI 807.613, Rel. Min. Joaquim Barbosa; AI 805.951, Rel. Min. Celso de Mello; AgRg no Ag 488.717, Rel. Min. Gilmar Mendes; AgR-AI 453.995, Rel. Ricardo Lewandowski; RE 363.539, Rel. Min. Carlos Britto; AgRg -AI 289.724, Rel. Min. Néri da Silveira e AgRg -AI 228.242, Rel. Min. Carlos Velloso, inter plures).

Do mesmo modo, o imposto deve incidir sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (CF, art. 155, § 2º, IX, "b" e LC 87/96, art. 2º, IV), tal como decidido no RE 282.310 (Rel. Min. Moreira Alves) e AI 166.079-AgR (Relator Min. Marco Aurélio), entre outros.

Diante disso, a inclusão do valor do componente tarifário na base de cálculo do ICMS deve-se dar, então, por coerência normativa, na exata medida com que, como parcela do preço, concorre para a determinação do valor da fatura de energia elétrica.

Parece intuitivo, por conseguinte, que o delineamento do campo impositivo do ICMS traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição Federal, razão pela qual deve existir uma correlação lógica entre o fato gerador enunciado no art. 155, II, da CF e o montante sobre o qual deve incidir o imposto.

A seu turno, a jurisprudência do STJ não discrepa, uma vez que, também para ela, a venda a prazo revela modalidade de negócio jurídico único, no qual o vendedor oferece ao comprador o pagamento parcelado do produto, acrescendo-lhe um plus ao preço final, razão pela qual o valor desta operação integra a base de cálculo do ICMS, que compreende, assim, o preço da mercadoria (preço de venda à vista) e o acréscimo decorrente do parcelamento (REsp 1.106.462; Ag 1.303.763; AI 289.724-AgR; AI 228.242-AgR e AI 364.281, entre outros).

Idêntico tratamento dispensa-se ao valor do frete, quando incluído no preço da mercadoria ou quando efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem (LC 87/96, § 1º, II, "b"), pois basta ver que, se o comerciante vende com a obrigação de entregar o produto (preço CIF, custo, seguro e frete), óbvio que o preço será superior ao da modalidade FOB ("free on board" ou livre a bordo), razão pela qual o seu custo deve ser levado em conta para fins de cálculo e pagamento do imposto (REsp nº 884.705 e REsp nº 596.873).

E, o que é mais significativo, em razão de sua pertinência com a tarifa de demanda - é o que também ocorre com a inclusão do valor relativo à assinatura básica de telefonia, na base de cálculo do ICMS sobre a prestação de serviços de comunicação (Resp 1.022.257), cujo valor mínimo, correspondente a uma franquia, que, segundo a jurisprudência, destina-se a garantir a viabilidade econômica do serviço - princípio informador da formação das demais tarifas dos serviços públicos concedidos - pagando o usuário do serviço o custo dos impulsos excedentes.

Por conseguinte, idêntico tratamento deve ser reservada à tarifa devida pela demanda contratada, exigível que é, a exemplo da tarifa de telefonia, a título de remuneração mínima para assegurar a viabilidade econômica do serviço de fornecimento de energia elétrica com as características exigidas pelo consumidor intensivo (Decreto nº 62.724/68, art. 12).

Em todas essas hipóteses, entre outras, o valor da operação, para fins de cálculo do imposto devido, compreende, portanto, todas as despesas debitadas ao consumidor final, ainda que inscritas na nota fiscal sob diferentes rubricas. Não há, por conseguinte, como furtar-se a aplicação do art. 13, § 1º, II, "a" e "b", da LC 87/96.

Embora desnecessário, mesmo porque existente disposição legal expressa, demonstrada a similitude essencial entre as situações equiparadas, importa que seja dispensado ao componente tarifário da conta de energia o mesmo tratamento assegurado às operações equiparadas, uma vez que são essencialmente iguais os supostos fáticos em que repousam, mostrando-se, então, oportuna a aplicação da figura do precedente judicial, que, mercê de timbrar a interpretação dos sistemas do "civil law" e do "common law", consubstancia técnica de aprimoramento da aplicação isonômica do Direito, a recomendar, portanto, que, para "casos iguais", "soluções iguais" (RE 433.896, Min. Cármen Lúcia), ou, a se preferir, "ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio".

Não obstante tudo isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sempre mostrou-se refratária em conferir idêntico tratamento tributário à tarifa destinada a remunerar os investimentos feitos pela concessionária para assegurar a disponibilidade da demanda de potência exigida pelas cargas instaladas na unidade consumidora, e assim o faz a partir da premissa – que parece equivocada, mesmo porque confunde-se o antecedente com o consequente da norma - segundo a qual, ao seu modo de ver, pressupondo a incidência do ICMS, o efetivo consumo da energia, "a garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado" (Resp 222.810/MG).

Essa a orientação perdurou até o julgamento do REsp 960.476, oportunidade em que, alterando em parte o entendimento anteriormente firmado, passou o STJ a entender que o ICMS também incide sobre o valor pago pelo consumidor a título de demanda de potência, mas limitado ao valor da demanda efetivamente utilizada, como tal considerada a demanda medida (REsp 960.476), eis que, para o voto condutor do acórdão, a tarifa devida a título de demanda constituiria um valor unitário variável, segundo as condições de utilização da demanda, o que, pelo visto, não procede, eis que o componente tarifário é devido integralmente pelo valor mínimo inscrito na cláusula contratual, somente expondo-se a eventuais variações se a demanda utilizada exceder o que foi contratado.

Ao que se presume, pretendeu a decisão estabelecer uma equiparação entre a energia consumida e a demanda de potência utilizada no período de faturamento, para dispensar aos dois componentes da tarifa de energia elétrica um mesmo tratamento jurídico, embora substancialmente diversos sejam os parâmetros adotados para a apuração de seus respectivos valores.

Restam, assim, sérias e fundadas dúvidas também sobre o acerto da orientação que tem presidido a formação dessa jurisprudência do Tribunal a respeito do tema, bastando registrar que dela diverge o que anteriormente decidido no REsp 983.814, Relator o Min. Castro Meira, para quem "A Lei Complementar 87/96, que regula o ICMS em âmbito nacional, em nenhum momento determina ser fato gerador do imposto o consumo de bens ou serviços".

Exatamente porque os contornos relativos à hipótese de incidência do imposto já se acham estabelecidos na Constituição, não seria dado ao aplicador inserir no núcleo da hipótese descritiva um elemento a ele estranho, ou condicionar sua incidência a qualquer outra circunstância superveniente, como o consumo, com o que estaria distanciando-se da regra-matriz constitucional do ICMS, para a qual o fato gerador do imposto ocorre com a celebração de um negócio jurídico de que decorra a entrega da mercadoria ou sua colocação à disposição do adquirente.

Ou, por outras palavras, o elemento consumo só se transformaria em um conceito jurídico, de acordo com a advertência de Alcides Jorge Costa ("ICM na Constituição e na Lei Complementar". Ed. Resenha Tributária. SP, 1978, pág. 77) e de Paulo de Barros Carvalho (Hipótese de Incidência do ICM, RDT, nº 11/12, p. 261), se o legislador complementar estabelecesse - ele próprio - que o fato gerador pressupõe o efetivo consumo da mercadoria..

Não obstante, o punctum dolens da questão reside mesmo é no prescritor da norma, envolto com a determinação da base de cálculo do imposto, e não com o seu descritor.

Tendo em vista a alusão feita pela decisão à medição da demanda contratada, para a ela circunscrever a incidência do imposto, ao fundamento de que se valor unitário variaria segundo as condições de utilização da demanda, um esclarecimento se faz necessário.

Para que sejam respeitados os níveis de segurança de operação do sistema elétrico como um todo, o consumidor intensivo, ao firmar o contrato, deve fazer um cálculo prudente da demanda máxima necessária, em face do qual será dimensionada a rede elétrica, pois estimá-la muito abaixo, pode ensejar riscos de incêndio e quedas de fornecimento, que o subdimensionamento do porte do sistema às suas reais necessidades pode acarretar.

Exatamente por isso, constatado, por periódica medição, que a demanda de potência está sendo exigida em montantes superiores à capacidade da rede, o consumidor pagará o valor medido valorado pela tarifa de ultrapassagem, extremamente gravosa, cuja aplicação visa precisamente induzir o consumidor a dimensionar corretamente o uso que fará do sistema de distribuição.

E se é essa a única serventia da medição procedida a cada quinze minutos, por equipamento próprio, pois, como a tarifa mínima devida pela disponibilidade da demanda contratada já se acha fixada a valores certos e determinados no contrato, não se expõe, por conseguinte, a sofrer qualquer redução, nem mesmo para fins de formação da base de cálculo do ICMS, ainda que a medição venha a revelar, no período de faturamento, uma utilização inferior aos quilowatts contratados, portanto.

O monitoramento da potência utilizada apresenta-se, nesse contexto, como mecanismo fundamental para administrar a segurança e a estabilidade do sistema elétrico, mas sem nenhum reflexo na composição da base de cálculo do imposto.

Diversamente, tratando-se de consumo da energia elétrica, a tarifa aplicada é valorada pela quantidade efetivamente consumida pelo estabelecimento no período de faturamento, pois esse é o parâmetro adotado para a quantificação de sua expressão financeira.

Portanto, são critérios diversos para mensuração de dois componentes distintos da tarifa de energia elétrica e, por arrastamento, da base de cálculo do imposto, para cuja determinação concorrem, que devem ser observados e aos quais não se pode pretender imprimir um único parâmetro que dissocie o valor da tarifa cobrada da base de cálculo do ICMS.

Assim, parece imprópria e de total desvalia jurídica a equiparação procedida pela jurisprudência hoje predominante, mesmo porque, ao contrário do que se tem enfatizado e diversamente do que ocorre com a energia elétrica, bem móvel por equiparação legal, que pode então circular e ser objeto do comércio, a demanda contratada, mera unidade de medida do componente tarifário, bem imaterial por natureza, que é, não é passível de circulação e ter sua titularidade transferida, a exemplo das demais despesas debitadas ao consumidor final, esvaziando-se com isso o decisivo fundamento do acórdão que se converteu no leading case da jurisprudência do STJ.

Ademais disso, equiparar, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., significa pôr em relação de igualdade o que é parelho, semelhante, o que pressupõe a subsunção de um fato para o qual não há norma à "facti species" de outra. Segue daí que devem ser afastadas as semelhanças artificais entre demanda e consumo, ditadas talvez pela conveniência de preservar, na hipótese, a premissa que presidiu a formação do entendimento então em parte modificado.

Com efeito, a admitir-se a assimilação pretendida, estaria ocorrendo um tratamento igual com base em dessemelhanças essenciais, pois de comum entre os dois componentes apenas a circunstância de que, a partir de parâmetros próprios, concorrem para a determinação das parcelas do preço da tarifa devida pelo fornecimento da energia elétrica. Enquanto um já tem o seu valor determinado no contrato, sendo o montante de quilowatts contratados como unidade de medida, o outro, variável e desconhecido num primeiro momento, é apurado ao cabo do período de faturamento, a partir da quantidade de energia consumida, que constitui a sua unidade de medida.

Nessas circunstâncias, não seria lícito ao aplicador da lei proceder à imposição de seus próprios critérios para, com isso, introduzir desautorizadas alterações no cálculo do imposto, que conduzem a um valor inferior ao que seria devido, visto que, "se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional", não se permitindo ao intérprete e ao aplicador da lei inserir na regra de direito o próprio juízo sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida, uma vez que é tão ilegítimo se retirar algo que está escrito na lei quanto é adicionar algo que lá não se encontra e que desejaríamos que lá estivesse, já se afirmou alhures.

Em conclusão, como a tarifa devida pela demanda contratada integra o preço final da operação de que resulta o fornecimento da energia elétrica, a base de cálculo no ICMS deve corresponder ao valor da fatura emitida pela concessionária, que abriga naturalmente todos os custos incorridos desde a geração até a entrega do produto, mesmo porque, segundo a jurisprudência da Corte, "O ICMS deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor" (AgRg/REsp nº 625.001, Relator Min. Castro Meira).

De resto, não guardando a matéria qualquer pertinência temática com a ocorrência do fato gerador do ICMS, conquanto mantenha com ele íntima relação, assumindo a delimitação da base de cálculo do ICMS, tema subjacente à controvérsia, contornos constitucionais - uma vez que destinada a dimensionar a expressão financeira do fato tributável delineado no art. 155, II, da CF (AI 767.105, Relatora Min. Cármen Lúcia) - a palavra final sobre a inclusão do componente tarifário na base de cálculo do imposto será dada pela Suprema Corte, quando julgar o RE 593.824/SC, Relator Min. Ricardo Lewandowski, pois, para o Plenário virtual da Corte, a matéria é relevante e transcende os meros interesses subjetivos das partes envolvidas no litígio.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Benedito Miranda

procurador do Estado em Belo Horizonte (MG), ex-procurador-geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, José Benedito. Energia elétrica: base de cálculo do ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2865, 6 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19050. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos