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O patrimonialismo no Brasil da colônia ao fim do Segundo Reinado

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A característica central do patrimonialismo é a não distinção entre a esfera pública e a esfera particular, por parte dos governantes e administradores públicos, dos detentores do poder político-administrativo.

1- Introdução:

O objetivo do presente trabalho é o de analisar sucintamente o fenômeno patrimonialista no período da história brasileira que se estende da época colonial até o fim do 2º Reinado, ou seja, entre o início do século XVI e o final do século XIX.

Primeiramente, tentar-se-á conceituar o patrimonialismo, buscando-se respaldo no pensamento de Max Weber. Em seguida, vai se proceder à análise do fenômeno patrimonialista no Brasil na fase colonial. Posteriormente, será feita a análise do período caracterizado tanto pelo ápice da influência do patrimonialismo na vida nacional como pelo início de sua decadência, a fase pós-Independência, imperial, na qual ocorreram fatos que contribuíram para reduzir a influência patrimonialista nos assuntos internos, tais como o início do processo de formação do Estado nacional, de diferenciação social, com o ulterior aburguesamento de parte da classe senhorial e o lançamento das bases para o surgimento da sociedade de classes e do capitalismo em nosso país, e, por fim, o exercício de certos preceitos liberais por parcela das elites nacionais. Por último, será apresentada uma conclusão sintética sobre a evolução do patrimonialismo no Brasil durante a fase em questão.

Antes de iniciar a análise referente ao período colonial, definir-se-á patrimonialismo como sendo o "sistema de dominação política ou de autoridade tradicional em que a riqueza, os bens sociais, cargos e direitos são distribuídos como patrimônios pessoais de um chefe ou de um governante" (Sandroni, 1987: 317). Para este autor, a característica principal do patrimonialismo é a não distinção entre a esfera pública e a privada (Sandroni, 1987: 317).

O autor Paulo Sandroni, em sua caracterização do patrimonialismo, menciona o "sistema de dominação política ou de autoridade tradicional" (Sandroni, 1987: 317), o que nos remete à questão dos tipos de dominação, mais especificamente à dominação tradicional, que foi estudada por Max Weber. Reinhard Bendix analisa a dominação tradicional no capítulo XI de seu livro, e tece algumas considerações a respeito. Segundo ele, "Weber empregou o termo "patriarcalismo" – em termos gerais, a autoridade de um senhor sobre seu grupo familiar- para designar o tipo puro de dominação tradicional" (Bendix, 1.986 : 260). Bendix caracteriza o tipo de dominação tradicional nos informando que um traço básico da mesma, em todas as suas formas, é a dupla ênfase no poder arbitrário do senhor e a restrição desse poder pela tradição sagrada, sendo a dominação tradicional tão usual quanto a autoridade do pai em relação ao núcleo familiar, que é seu paradigma (Bendix, 1.986 : 260 - 261). Posteriormente, Bendix nos informa que Weber considera o patrimonialismo uma espécie de patriarcalismo dilatado, o que faz com que o exercício da dominação tradicional pressuponha a existência de um quadro administrativo que se caracterizará pela já aludida mistura de tradicionalismo e discricionariedade pessoal do governante (Bendix, 1.986 : 262).

Por fim, para tornar precisa a caracterização do patrimonialismo, Bendix nos informa que, no mesmo, o exercício do poder pelos governantes se caracteriza pelo fato de se apresentar como se fosse propriedade pessoal dos antes referidos, sendo semelhante à autoridade que o chefe patriarcal exerce sobre a família. O mesmo autor enfatiza o fato de as repartições públicas terem origem na administração doméstica, da casa do governante, sendo os administradores públicos, originariamente, empregados pessoais do detentor do poder. (Bendix, 1986 : 262).

Para finalizar esta parte, será feita a transcrição de um trecho de "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, no qual o autor estabelece diferenças importantes entre o Estado patrimonial e o Estado burocrático, ressaltando a extrema dificuldade de se conceber no Brasil uma organização política e pública de caráter impessoal:

"Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formadas por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário "patrimonial" do puro burocrata, conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário "patrimonial", a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático " (Holanda, 1.948: 211, 212).


2- O patrimonialismo na Colônia:

Pode-se considerar que, além do legado patrimonialista do Estado português ("Estado patrimonial, portanto,e não feudal, o de Portugal ..." (Faoro, 1.976: 20)), trazido para o Brasil mediante a implantação da administração colonial lusitana no território brasileiro, tomando por base a argumentação de Caio Prado Júnior em "Evolução Política do Brasil e outros Estudos", o patrimonialismo exerceu significativa influência na época colonial no Brasil, principalmente nos primeiros 150 anos da colonização, devido ao fato de que, nesse período, a presença da Coroa portuguesa no território brasileiro foi diminuta e residual, cabendo aos proprietário de terras, por intermédio das Câmaras Municipais, o exercício do poder político de fato (Prado, 1953: 29). Isto estaria relacionado à significativa presença do patrimonialismo na vida do Brasil – Colônia nessa época, no sentido de que, ao serem os colonos e donatários os delegados e os depositários da autoridade pública a eles atribuída pela metrópole lusa, tinham estes uma tendência inexorável a considerar que, em sendo eles o "Estado", os assuntos relativos a este último seriam, na sua percepção, assuntos de natureza privada. Fica configurada, desta forma, uma das características centrais do patrimonialismo, que é a não distinção, por parte dos detentores do poder público, da esfera pública da esfera privada, ou seja, os negócios públicos, de Estado, seriam tomados como negócios de natureza particular. Desta forma, pode-se atribuir, em parte, o vulto que o patrimonialismo assumiu, pelo menos no primeiro século e meio de colonização lusitana no Brasil, ao fato de a metrópole portuguesa ter delegado aos colonos e donatários aqui residentes importantes funções políticas e administrativas. Convém ressaltar que, apesar de o primeiro governo – geral ter sido instituído pela Coroa portuguesa em 1548 (Faoro, 1976: 144), Caio Prado Júnior considera que, na época colonial, principalmente no período compreendido entre 1.500 e 1650, aproximadamente, o poder político de fato era exercido pela camada senhorial, por intermédio das Câmaras Municipais. A esse respeito, pode-se considerar que o poder e a autonomia de que desfrutavam as instituições acima referidas, representavam uma menor lealdade e fidelidade dos colonos ao monarca português, na medida em que este último delegava aos primeiros a administração da colônia, e estes, como conseqüência, se sentiam desobrigados a prestar contas de seus atos e de serem fiéis e leais ao soberano lusitano, dado que os administradores efetivos do Brasil colonial eram eles próprios. Além disso, é relevante assinalar, também, que a autoridade real lusitana agia de forma patrimonialista em associação com a grande propriedade.

Para respaldar o que foi escrito, relativamente à influência política dos donos de terras e à escassa presença metropolitana no período considerado, será transcrito o seguinte trecho de "Evolução Política do Brasil e outros Estudos":

"Até meados do século XVII pode-se afirmar que a autoridade desta (a Coroa) somente se exerce dentro dos estreitos limites da sede do governo-geral. Mantinha ela na colônia apenas uma administração rudimentar, o estritamente necessário para não perder com ela todo contato, e atendia a seus pedidos com a relutância e morosidade de quem não se decide a fazer grandes gastos com o que não lhe pagava o custo. Via-se, por isso, a administração colonial desarmada, a braços com a turbulência e arrogância dos colonos. (...) que maior autoridade podiam nestas condições exercer governadores e capitães-mores? Não raro por isso fechavam os olhos a toda sorte de abusos que não tinham forças para reprimir ou castigar. (...) tais circunstâncias condicionam a estrutura política da colônia. São elas que explicam a importância das Câmaras Municipais, que constituem a verdadeira e quase única administração da colônia. (...). O poder das Câmaras é, pois, o dos proprietários . (...). Se dentro do sistema político vigente na Colônia só descobrimos a soberania, o poder político da Coroa, vamos encontrá-lo, de fato, investido nos proprietários rurais , que o exercem através das administrações municipais " (Prado, 1953: 28,29).

A respeito da questão relativa à redução da lealdade dos colonos para com o Rei de Portugal, e sobre a associação entre a Coroa e os donatários na condução patrimonialista dos negócios públicos no Brasil – Colônia, Caio Prado, neste mesmo livro, nos informa que as autoridades coloniais portuguesas ignoravam toda a sorte de desmandos cometidos pelos colonos no Brasil nessa época, e que "Deixavam – lhes carta branca para agirem da forma que melhor entendessem" (Prado, 1953:29). Tal situação, conforme já foi abordado, contribuía para a diminuição da lealdade dos donatários para com o Rei. Com referência à outra característica destacada no relacionamento Metrópole - colonos, qual seja, o fato de a primeira adotar uma conduta patrimonialista na condução dos assuntos governamentais em associação com os grandes proprietários rurais, pode ser respaldada pelo argumento de que, ao delegar a administração colonial aos donatários, a monarquia lusa era compelida a corroborar e sancionar as práticas políticas patrimonialistas dos colonos latifundiários, já que dependia deles para manter a sua possessão no Brasil. Esta dependência do Rei de Portugal em relação à administração do Brasil fica caracterizada no trecho do livro antes referido no qual Caio Prado nos informa acerca da passividade da Metrópole em relação à onipotência dos colonos, destacando a coincidência que havia entre os interesses régios e os das classes dominantes no Brasil colonial como justificativa para Portugal dar liberdade de ação aos colonos, tendo em vista que eram estes últimos que desbravavam o território (Prado, 1953:29).

A condição de colônia de Portugal ensejou que fosse transferida para o Brasil uma parcela expressiva do Estado português, da administração pública portuguesa, ao longo de mais de trezentos anos de colonização, e, juntamente com isso, foram transferidas para cá certas características deste aparato estatal, entre elas, a mais importante para o presente estudo, o patrimonialismo. O primeiro elemento mencionado no início desta seção como sendo uma das causas do relevo que o patrimonialismo logrou obter na época colonial no Brasil, o legado patrimonialista do Estado absolutista português, deve ser detalhado, mediante a caracterização deste último. Caio Prado Júnior, em "Formação do Brasil Contemporâneo",ao discutir as causas da incapacidade lusitana de reformar o seu sistema colonial, assim se refere ao caráter patrimonial do absolutismo português:

"A monarquia absoluta portuguesa tem por figura central e convergente de toda vida dela, o Rei; e com ele a corte, esta chusma de palacianos que cercam o trono e constituem, quase todos, uma nobreza togada que ocupa os empregos, comissões e outras funções mais ou menos ligadas à estrutura administrativa da monarquia. (...). Os usufrutuários são o rei e sua corte que ele mesmo constitui e com quem reparte os seus proventos; não a nação portuguesa, que só indiretamente se beneficiava das possessões imensas da monarquia. (...) podemos concluir relativamente ao conteúdo da política lusitana, em particular, no que diz respeito ao Brasil, que ela é antes de tudo um "negócio" do Rei, e todos os assuntos que se referem à administração pública são vistos deste ângulo particular"(Prado, 1989: 362).

Referindo-se também ao conteúdo patrimonialista do Estado colonial luso, Raymundo Faoro nos informa que, quando da transmigração da família real portuguesa para o Brasil, no início do século XIX, "Organizar o Império, para o ministério, seria reproduzir a estrutura administrativa portuguesa no Brasil e colocar os desempregados. O eixo da política era o mesmo, secularmente fundido: o reino deveria servir à camada dominante, ao seu desfrute e gozo. Os fidalgos ganharam pensões, acesso aos postos superiores os oficiais da Armada e do Exército, empregos e benefícios os civis e eclesiásticos" (Faoro, 1976: 251).

A propósito, é relevante fazer referência a uma categoria central da análise de Faoro, que é o conceito de estamento burocrático. Este seria uma camada social existente no interior do aparelho de Estado lusitano, intensamente associado ao soberano, e que se aproveitaria dessa proximidade e de seu prestígio junto ao monarca para auferir benefícios, em proveito próprio, das atividades desempenhadas pelo Estado, em detrimento dos demais segmentos da sociedade. Para Faoro (1958:262), o estamento burocrático era o árbitro da nação e das classes sociais, regulador da economia e proprietário da soberania nacional. Aprofundando a definição de estamento burocrático, podemos considerá-lo uma forma de burocracia patrimonial que se caracteriza por ser uma conjugação de altos ocupantes de cargos públicos, burocratas e segmentos da classe política, atuando em conjunto, em benefício próprio, e em desrespeito aos princípios da impessoalidade e do universalismo de procedimentos. A mencionada camada, quando da transferência da família real lusa para o Rio de Janeiro, em 1.808, foi transplantada para o Brasil, onde deixou sua marca indelével. Ou seja, o estamento burocrático seria a "camada governante" que Faoro considera que, ao longo da história brasileira, tem sido o protagonista da história nacional, valendo-se do domínio que exerce sobre o aparelho de Estado para auferir benefícios, se reproduzindo e perpetuando–se na direção dos assuntos nacionais.

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Entretanto, há autores, na historiografia nacional, que questionam a consistência do citado conceito de Faoro (1.958 e 1.976). O mais destacado é José Murilo de Carvalho (1.980) que, na sua obra "A construção da ordem – A elite política imperial", submete a categoria analítica faoriana a um teste empírico. Outro autor que critica a tese faoriana, só que em termos bem mais indulgentes, é Lessa (2.001), que argumenta que a categoria do estamento burocrático de Faoro tem poder explicativo demasiadamente ampliado pelo seu autor, que o considera uma explanação suficiente para explicar quinhentos anos da história do Brasil, conforme Faoro escreve no último capítulo de seu livro. Agora, examinaremos as análises destes dois autores mais detidamente.

Carvalho (1.980:118) argumenta que Faoro, ao se referir genericamente ao "estamento burocrático", estava fazendo alusão àquele que era o órgão supremo da administração imperial, qual seja, o Conselho de Estado, o qual era, simultaneamente, um órgão político e administrativo. A respeito do assunto, Carvalho nos informa que o mencionado Conselho era integrado por conselheiros, desembargadores, presidentes de província, professores, generais, que se elegiam deputados e senadores, e ocupavam cargos ministeriais, os quais eram ocupados cumulativamente. Carvalho (1.980:118) contesta a análise de Faoro afirmando que "não se tratava, no entanto, de um estamento, mas de uma elite política formada em processo bastante elaborado de treinamento, à qual se chegava, principalmente, pela via da burocracia e da magistratura. Ao correr do período imperial, outros caminhos se abririam além da burocracia, como as profissões liberais – advocacia e medicina – o magistério, quando não o simples favor imperial. O segredo da duração dessa elite estava, em parte, no fato de não ter uma estrutura rígida de um estamento, de dar a ilusão de acessibilidade, isto é, estava em sua capacidade de cooptação de inimigos potenciais" (Carvalho, 1.980:118). Relativamente ao trecho transcrito acima, convém esclarecer que o processo de treinamento referido consistia no fato de que a parte majoritária dos integrantes da elite imperial brasileira, na primeira metade do século XIX, era composta de bacharéis em Direito formados na Universidade de Coimbra, onde obtinham os conhecimentos que iriam aplicar exercendo funções dirigentes na administração pública brasileira.

Além da categoria de estamento burocrático, outro postulado de Faoro (1.958,1.976,1.993) contestado por (Carvalho, 1.980) é o pertinente ao fato de que o autor gaúcho considera que, ao longo da história pátria, houve sempre a preeminência do Estado sobre a sociedade civil, conforme se depreende do trecho em que Faoro escreve que, em nosso país, "em lugar de uma débil sociedade civil, tolhida pelo Estado, houve a presença motora de uma camada governante burocrática" (Faoro, 1993:16). Ou seja, para este último, no Brasil, o Estado seria preponderante e a sociedade civil amorfa. Carvalho (1.980) contradiz este ponto de vista, afirmando que "Além da divisão interna, outra característica da burocracia imperial contribuía para reduzir seu poder de controle e de direção da sociedade. Trata-se da distribuição dos funcionários pelos vários níveis de poder – central,, provincial e local. Esta distribuição acompanhava a própria estrutura do aparato estatal e revelava, ao mesmo tempo, aspectos da natureza do Estado. As reformas de 1.840-1.841 levariam à exagerada centralização política e administrativa, (...). A conseqüência dessa estrutura centralizada era o acúmulo de funcionários e atividades administrativas em nível do governo central, e sua reduzida presença em nível provincial e quase ausência no nível local" (Carvalho, 1.980, 118). Pode se depreender pelo trecho transcrito que, em oposição a Faoro, Carvalho considera que a excessiva concentração geográfica e espacial de funcionários públicos em nível central, decorrente do Regresso conservador de 1.840, com a antecipação da maioridade de Dom Pedro II pelos conservadores, e a diminuta presença do Governo nos níveis provincial e local, debilitava o poder de controle da burocracia sobre a sociedade civil, ao contrário do que Faoro propugna.

Lessa (2.001) escreve que Faoro tem a pretensão de "abarcar, num lance geral, a ampla e contraditória realidade histórica". Lessa afirma que, na obra de Faoro, "uma única tese percorre todas as obras do texto e conecta os incontáveis fragmentos e personagens que se dispõem ao longo do tempo: a existência histórica brasileira é marcada de forma indelével pelo selo da dominação patrimonial, transposta de Portugal para essas plagas ultramarinas, durante o processo de colonização". A palavra "única" escrita por Lessa nos dá, em certa dimensão, a idéia de que este último considera relativamente pobre a explicação faoriana para as mazelas brasileiras. Entretanto, Lessa (2.001) também tece elogios à argumentação de Faoro, quando afirma que "No caso de Faoro, o gigantismo do empreendimento toma a forma de uma regressão quase infinita ao passado. Quanto mais recuamos no tempo, maior será a nossa capacidade de detecção de um momento, evento ou circunstância matricial, da qual todo o devir não faz senão atualizar e repor sob novas roupagens. Trata-se, afinal, de considerar um longo período, que vai do Mestre de Avis a Getúlio Vargas, e que valoriza as raízes portuguesas da nossa formação política". Mesmo neste trecho, encontra-se uma crítica bastante velada às teses de Faoro, quando Lessa afirma que "da qual todo o devir não faz senão atualizar e repor sob novas roupagens", denotando que a explicação de Faoro para o atraso nacional seria monotemática e repetitiva.

Um outro fator que ajuda a entender a dimensão significativa assumida pelo patrimonialismo no Brasil - Colônia foi o fato de que, durante essa época, "imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal "(Holanda, 1948: 211), o que fez com que o Estado fosse encarado como um prolongamento, uma extensão da família, do ambiente familiar, o que provocou, conforme trecho de "Raízes do Brasil" já citado, uma dificuldade "aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público" (Holanda, 1.948: 212). Prosseguindo a sua análise sobre a relação entre a preponderância da família patriarcal rural e o patrimonialismo, Sérgio Buarque de Holanda nos informa que "é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos chamados "contactos primários", dos laços de sangue e de coração - está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós " (Holanda, 1.948: 212, 213).

Para finalizar, pode-se considerar que outro fator explicativo da dimensão expressiva do patrimonialismo no período colonial foi o fato de, nessa época, não existir uma burocracia pública que exercesse, em nome das classes dominantes agrárias, a dominação patrimonial no então Estado colonial português no Brasil. Tal dominação era exercida diretamente pela aristocracia agrária, a partir da autarquia agrária, o que reforçava ainda mais o caráter patrimonialista do aparato estatal então existente no Brasil. Registre-se que tal mediação burocrática somente começou a ocorrer com maior intensidade a partir da Independência, principalmente em decorrência do processo de formação do Estado nacional.

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Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. O patrimonialismo no Brasil da colônia ao fim do Segundo Reinado . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2851, 22 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18960. Acesso em: 23 abr. 2024.

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