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O direito do licenciado em educação física ao livre exercício da profissão em quaisquer das áreas de atuação profissional

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O único critério para o livre exercício da profissão é a inscrição nos Conselhos Regionais de Educação Física e a posse do diploma obtido em curso de Educação Física oficialmente autorizado ou reconhecido.

Até o advento da Lei nº 9.696/98, a profissão do profissional da Educação Física não era regulamentada. E como consequência disso, qualquer pessoa, sem a devida formação superior naquela área do conhecimento, podia exercer a profissão de "professor" de Educação Física, "professor" de academia de musculação, técnico de futebol etc.

Com o surgimento da Lei nº 9.696, de 1º de setembro de 1998, "o exercício das atividades de Educação Física" e a designação de "Profissional de Educação Física" passaram a ser "prerrogativa dos profissionais regularmente registrados nos Conselhos Regionais de Educação Física", como estabelece o seu art. 1º.

As atividades privativas do profissional de Educação Física estão previstas no art. 3º da mencionada lei, quais sejam:

"coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto".

É de extrema importância citarmos o que preceitua o art. 2º da Lei nº 9.696/98:

Art. 2o Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os seguintes profissionais:

I - os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido;

II - os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor;

III - os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física. (grifamos).

Vê-se, assim, que o único critério estabelecido pela Lei nº 9.696/98, em seu art. 2º, caput e inciso I, para o livre exercício da profissão, é a inscrição nos Conselhos Regionais de Educação Física e a posse do diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido.

Entretanto, surgiram posteriormente resoluções do Conselho Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da Educação, estabelecendo que as Universidades deveriam providenciar a cisão do curso de Educação Física em Bacharelado e Licenciatura, com currículos diferentes.

Segundo essas resoluções, o licenciado em Educação Física só poderia atuar em colégios e universidades, mas não em academias e clubes, por exemplo, nem em outras áreas de competência do profissional de educação física em geral, enquanto o bacharel em Educação Física poderia atuar em academias, clubes e quaisquer áreas relacionadas à atividade do profissional de Educação Física em geral, à exceção das escolas.

Essa norma – Resolução nº 07/2004 do Conselho Nacional de Educação – instituiu as "Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena", foi publicada no Diário Oficial da União em 05/04/2004 e teve como base o parecer CNE/CES [01] 58/2004.

Por sua vez, a Resolução nº 94/2005 do CONFEF – Conselho Federal de Educação Física, em seu art. 3º, também delimita os campos de atuação profissional em função da modalidade de formação.

O cerne da questão é quanto à legalidade dessas resoluções em face da Lei nº 9.696/98 e da Constituição Federal.

Como vimos, a Lei que regulamenta o exercício da profissão do profissional da Educação Física – Lei nº 9696/98 – estabeleceu, em seu art. 2º, inciso I, como único requisito para o livre exercício da profissão do profissional dessa área, "tão somente a inscrição nos Conselhos Regionais de Educação Física e a posse do diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido". Não exigiu a lei, repita-se, qualquer outro requisito!

Melhor argumentando, não exigiu a lei o diploma de "licenciado" ou de "bacharelado" em Educação Física, apenas "diploma obtido em curso de Educação Física".

Isso quer dizer que aquele que concluir o curso de Licenciatura em Educação Física poderá exercer livremente a sua profissão, ou seja, poderá atuar em qualquer das áreas de competência previstas no art. 3º da Lei nº 9.696/98, o que inclui, numa interpretação extensiva (e essa foi a intenção do legislador), a atuação não só em colégios e universidades, mas também em academias, clubes e em outras áreas correlatas, por exemplo.

Esse raciocínio é baseado no fato de que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer lei que proíba o licenciado em Educação Física de atuar nas academias e clubes.

A única lei que regulamenta o exercício da profissão do profissional da Educação Física, como já dito acima, é a Lei nº 9.696/98, que por sua vez não estabeleceu qualquer restrição ao licenciado em Educação Física.

Vê-se, assim, que as resoluções do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação usurparam a competência do Poder Legislativo Federal, ao elaborar normas que contrariam a Lei federal nº 9696/98.

O Ministério da Educação pode até obrigar as universidades a separar o curso de Educação Física em Licenciatura e Bacharelado, com currículos diferenciados, até mesmo como condição para que os cursos da universidades sejam reconhecidos por aquele órgão, no entanto, os atos do Ministro, por serem meramente administrativos, não podem cercear, restringir, inibir, proibir ou de qualquer forma embaraçar o livre exercício da profissão, invadindo a esfera de competência reservada ao Poder Legislativo.

Nunca é demais lembrar que os atos administrativos, ainda que normativos, são hierarquicamente inferiores à lei.

Enquanto as resoluções do Conselho Nacional de Educação ou do Ministério da Educação são atos administrativos elaborados por uma única autoridade, a lei, por sua vez, como expressão legítima da vontade popular, é elaborada através de um complexo processo de formação – proposição, discussão, votação (em dois turnos) em ambas as Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e sanção pelo Presidente da República.

Sendo assim, as resoluções, sejam do MEC (Ministério da Educação), CNE (Conselho Nacional de Educação) ou até mesmo do CONFEF (Conselho Federal de Educação Física) ou dos CREFs (Conselhos Regionais de Educação Física), jamais podem contrariar a lei. Podem apenas regulamentá-la, mas nunca criar direito ou obrigação que interfira na atividade profissional.

Por força do art. 5º, II, da Constituição Federal, que prevê o princípio da legalidade, "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (grifamos).

E quando a Carta Magna mencionou "lei", quis se referir à lei em sentido estrito, ou seja, à norma emanada do Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República e não a qualquer outro ato administrativo, ainda que de caráter normativo.

Isso porque a lei representa a vontade popular, posto que elaborada pelos Deputados, Senadores e pelo Presidente da República, pessoas presumidamente legitimadas a representar a vontade dos eleitores, ao passo que as resoluções são elaboradas por uma única pessoa (Ministro da Educação, Presidente do CNE, Presidentes do CONFEF e dos CREFs, por exemplo) que não fora eleita pela maioria dos cidadãos brasileiros.

No caso do Ministério da Educação, por exemplo, o senhor Ministro é escolhido exclusivamente pelo Presidente da República, não havendo qualquer direito do cidadão de interferir nessa escolha.

Reforçando o princípio da legalidade e explicitando os princípios da livre iniciativa e do livre exercício da profissão, mais uma vez estatui a Constituição Federal (também conhecida como Lei Maior, Leis das Leis, Carta Magna, Magna Carta etc.), em seu art. 170, parágrafo único:

"É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei" (grifamos).

Mais uma vez a Constituição da República Federativa do Brasil referiu-se apenas à lei, isto é, a lei em sentido estrito, repita-se, ato emanado do Poder Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e sancionado pelo Poder Executivo (Presidente da República).

Note-se que em nenhum momento a Constituição Federal estabeleceu que "as resoluções" (ou qualquer outra espécie de ato administrativo) iriam ressalvar os casos onde é livre o exercício da profissão.

Dessa forma, quaisquer resoluções, sejam do CNE, do MEC, dos CREFs ou do CONFEF, que restrinjam o exercício do profissional do licenciado em Educação Física, são flagrantemente ilegais, posto violarem a Lei nº 9.696/98 e por infringirem os princípios da legalidade, da livre iniciativa e do livre exercício da profissão, garantidos na Constituição Federal.

Ressalte-se que o Próprio Ministério da Educação, através do Conselho Nacional de Educação, reconheceu a possibilidade do licenciado em Educação Física de exercer livremente a sua profissão, sem restrições, conforme podemos observar de alguns trechos da decisão da Câmara Superior de Educação (vinculada ao CNE/MEC), por unanimidade, proferida no parecer nº 400/2005 CNE/CES, de 24/11/2005, tendo como relator o Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone, em processo de consulta formulada pelo Centro Educacional Sorocabano Uirapuru Ltda.:

"(...) IV – É admissível que dois cursos que conduzam à licenciatura em Educação Física ensejem registros em campos de atuação diversos?

Resposta: Reitere-se aqui que todas as licenciaturas em Educação Física no Brasil estão sujeitas ao cumprimento da Resolução CNE/CES nº 1/2002. Portanto, todos os licenciados em Educação Física têm os mesmos direitos, não devendo receber registros em campos de atuação diferentes."

(...)

"Portanto, está definido que (1) a competência para legislar sobre as qualificações profissionais requeridas para o exercício de trabalho que exija o atendimento de condições específicas é privativa da União, não sendo cabível a aplicação de restrições que eventualmente sejam impostas por outros agentes sociais; (2) a Lei Federal n° 9.696/1998 estabelece as competências do profissional de Educação Física e a condição requerida para o exercício profissional das atividades de Educação Física; (3) esta condição é o registro regular nos Conselhos Regionais de Educação Física; (4) a inscrição nestes Conselhos, para aqueles que se graduaram ou vierem a se graduar após a edição da Lei n° 9.696/1998, é restrita àqueles que possuem diploma obtido no país, em curso reconhecido, ou no exterior, e posteriormente revalidado; (5) a legislação educacional, e, em especial a Lei n° 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não discrimina cursos de Licenciatura entre si, mas apenas determina que todos os cursos sigam as Diretrizes Curriculares Nacionais; (6) enfim, todos os portadores de diploma com validade nacional em Educação Física, tanto em cursos de Licenciatura quanto em cursos de Bacharelado, atendem às exigências de graduação previstas no inciso I do art. 2º da Lei n° 9.696/1998. Desta forma, não tem sustentação legal – e mais, é flagrantemente inconstitucional – a discriminação do registro profissional e, portanto, a aplicação de restrições distintas ao exercício profissional de graduados em diferentes cursos de graduação de Licenciatura ou de Bacharelado em Educação Física, através de decisões de Conselhos Regionais ou do Conselho Federal de Educação Física. Portanto, a delimitação de campos de atuação profissional em função da modalidade de formação, introduzida pelo artigo 3o da citada Resolução CONFEF nº 94/2005, assim como as eventuais restrições dela decorrentes, que venham a ser aplicadas pelos Conselhos Regionais de Educação Física, estão em conflito com o ordenamento legal vigente no país." (processo nº 23001.000136/2005-28) – grifamos.

O exercício da profissão, como já dissemos, principalmente na iniciativa privada, é matéria reservada à lei federal, por tratar de Direito Civil, não devendo ser regulado por resolução ou outros atos administrativos hierarquicamente inferiores à lei.

Nos casos em que a resolução infringe a lei, o Poder Judiciário vem declarando a ilegalidade daquele ato administrativo (resolução), com base no princípio constitucional da legalidade.

É o caso, por exemplo, da resolução do MEC que exige a realização do exame conhecido como "ENADE" (EXAMA NECIONAL DE DESEMPENHO DOS ESTUDANTES) como condição para que aluno de curso superior obtenha o diploma e a colação de grau.

Nesses casos, o Poder Judiciário tem reconhecido a ilegalidade da resolução do MEC, uma vez que não existe qualquer lei que exija a realização do ENADE como condição para a obtenção do diploma e colação de grau, como podemos observar da seguinte decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - ENADE - EXAME NACIONAL DE DESEMPENHO DOS ESTUDANTES - FALTA DE CIÊNCIA DA DATA DA PROVA POR ESTUDANTELIMINAR DEFERIDACOLAÇÃO DE GRAU REALIZADA - SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. "É indispensável a cientificação inequívoca ao estudante, de forma direta e individualizada, de sua seleção para integrar a amostra de alunos obrigados à realização da avaliação" (MS 10.951/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJU 6.3.2006).

2. O zelo do STJ com a devida publicidade é tamanho que, mesmo com a estampa de portaria do Ministério da Educação, que possibilite a regularização da situação da demandante em relação ao ENADE, em nada "altera a ilegalidade da recusa, por parte do Senhor Ministro de Estado da Educação, em conceder dispensa a estudante que demonstrou não ter participado da avaliação em comento por erro atribuível exclusivamente ao ente responsável pela realização do evento". (Edcl no MS 12.104/DF, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 29.6.2007).

3. A impetrante não foi notificada formalmente e procedeu aos necessários requerimentos de informação nos órgãos competentes, sem que houvesse sido esclarecida ou respondida. Essas circunstâncias não foram objeto de refutação pelo Ministério da Educação, que deixou de recorrer da liminar que permitiu à impetrante colar grau e receber o diploma da instituição de ensino superior. Segurança concedida." (STJ, MS 12867/DF, Rel. Min. Humberto Martins, J. 12.03.2008, DJe 24.03.2008) - [grifamos].

No mesmo sentido são as decisões dos Tribunais Regionais Federais:

"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. AUSÊNCIA NO EXAME NACIONAL DE DESEMPENHO DOS ESTUDANTES - ENADE. COLAÇÃO DE GRAU. FORMATURA. IMPEDIMENTO. ILEGALIDADE.

1. O ENADE é um componente do currículo obrigatório dos cursos de graduação, devendo constar no histórico escolar do acadêmico apenas a participação ou dispensa oficial do comparecimento ao exame. Embora sirva para avaliação da qualidade do ensino no país, não atua em âmbito individual como instrumento de qualificação ou soma de conhecimentos ao estudante. Os conhecimentos são ofertados pelas universidades, preparando o cidadão para a vida profissional.

2. O exame evidentemente é apenas um instrumento de avaliação da política educacional, não podendo transmudar-se em sanção sem previsão legal, através do impedimento de colação de grau." [TRF, 4ª Região, APELAÇÃO CIVEL: AC 25333 RS, Rel. Márcio Antônio Rocha, J. 02.07.2008, D.E. 14.07.2008) – [grifamos].

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. EXAME NACIONAL DE DESEMPENHO DOS ESTUDANTES - ENAD. COLAÇÃO DE GRAU. EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. IMPEDIMENTO. ILEGALIDADE. 1. A finalidade do ENADE - Exame Nacional de Desenvolvimento dos Estudantes é a de avaliar estatisticamente a qualidade das instituições de ensino superior do País, e não seus alunos, de forma que se a impetrante logrou preencher os demais requisitos que lhe conferem o direito de obter o diploma. 2. Remessa oficial improvida (TRF, 4ª Região, 3ª Turma, REOAC 200972060009170, Rel. João Pedro Gebran Neto, J. 20.10.2009, D.E. 11.11.2009).

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Importante citarmos, ainda, que várias decisões judiciais foram proferidas pela Justiça Federal no sentido de que o licenciado em Educação Física pudesse obter junto aos CREFs a inscrição para o exercício da atividade profissional em qualquer área de sua formação, como podemos observar da seguinte decisão judicial proferida pela Justiça Federal de 1ª instância de São Paulo – TRF 3ª Região:

"(...) não há nos artigos 1º e 2º da Lei nº 9.696/98 qualquer distinção ou restrição entre os profissionais de Educação Física em razão do curso de graduação por eles realizado, exigindo-se tão somente que o profissional inscrito seja possuidor de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido" [02]. (grifamos).

Vejamos outras decisões:

LIVRE EXERCÍCIO DE TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO (CARTA MAGNA, ART 5º, XIII). RESTRIÇÃO IMPOSTA EM RESOLUÇÃO DE CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. INADMISSIBILIDADE.

Somente a lei em sentido formal pode estabelecer requisitos para o exercício de trabalho, oficio ou profissão (Carta Magna, art. 5º, XIII), sendo inadmissíveis exigências previstas em atos normativos inferiores à lei. Precedentes do STF. (TRF - 1ª Região, MAS 01000153484, 3ª Turma, Rel. Juiz Leão Aparecido Alves, DJU 20. 03.2002).'

Não obstante, para preservar a imparcialidade deste trabalho, devemos frisar que também há decisões contrárias, no âmbito do próprio Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo), como podemos observar adiante:

"O cerne da lide reside em analisar se o curso de Educação Física concluído pelos impetrantes os qualificam para atuar de maneira ampla e irrestrita no mercado de trabalho. Em breve síntese histórica, o então Conselho Federal de Educação editou a Resolução CFE n. 3/1987, dispondo, em seu art. 1º, que "a formação dos profissionais de Educação Física será feita em curso de graduação que conferirá o titulo de Bacharel e/ou Licenciado em Educação Física". Portanto, a partir dessa Resolução, o curso de Educação Física passou a contar com duas modalidades de formação: o bacharelado e a licenciatura plena. Ao bacharelado ficava reservada a atuação em área não formal (academias, clubes, praias etc.), impossibilitando os seus egressos de ministrarem aulas na educação básica, que compreende os ensinos infantil, fundamental e médio (área formal). Já aos que adquiriam a licenciatura plena, permitia-se o exercício tanto da atividade formal quanto da não formal, ou seja, tais profissionais poderiam dar aulas na educação básica e atuarem em academias, clubes etc. Para ambas as modalidades, o art. 4º, da Resolução CFE n. 3/1987, previa uma duração mínima de 4 anos e carga horária mínima de 2.880 horas/aula. A partir da promulgação da CF/1988, o regramento dessa matéria sofreu modificações. Com fundamento no inciso XXIV, do art. 22, da Carta Magna, a qual estabelece a competência privativa da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, foi editada a Lei n. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que diferenciou os cursos destinados à formação superior em duas áreas, a graduação, também denominado bacharelado, (art. 44, inciso II) e a licenciatura (art. 62), conforme se verifica dos seguintes dispositivos (grifos nossos): "Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;" "Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal." Surgiu assim, para os alunos de Educação Física, outra modalidade de formação: a licenciatura de graduação plena, curso destinado à diplomação de egressos com conhecimentos especializados para atuarem na educação básica. Faltava, no entanto, a devida regulamentação dessa modalidade. O art. 6º, da Lei n. 4.024/1961, com a redação dada pela Lei n. 9.131/1995, que está em vigor por força do art. 92, da Lei n. 9.394/1996, assevera que caberá ao Ministério da Educação exercer as atribuições do Poder Público Federal em matéria da educação, devendo contar, no desempenho de suas funções, com a colaboração do Conselho Nacional de Educação - CNE" [03].

A respeitável decisão, porém, merece críticas: Primeiramente, a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LEI Nº 9.394/96), em seu art. 62, não impede o licenciado de atuar fora das escolas, e sim, prevê que apenas o licenciado poderá atuar em escolas, mais precisamente, na educação básica, como se vê da transcrição da norma:

"Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal." (LEI Nº 9.394/96).

A melhor interpretação que se extrai do art. 62 da LDB é que o Bacharel (incluindo-se, portanto, o Bacharel em Educação Física) não poderá atuar na educação básica, uma vez que esta área do ensino é reservado ao licenciado. Por outro lado, se a a intenção do legislador fosse restringir a atuação do licenciado fora das escolas, a redação da lei poderia ser outra, como por exemplo: "A formação de docentes para atuar somente na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, ...".

É que o direito ao livre exercício da profissão é previsto expressamente na Constituição Federal, em seu art. 170, § único. Assim, para que uma lei possa restringir um direito fundamental do cidadão é necessário que o faça de forma expressa, clara e cristalina.

Em segundo lugar, o CONFEF ou os CREFs não têm competência para decidir como será feita a formação dos profissionais de educação física, não podendo estabelecer "que o curso de Educação Física passa a contar com duas modalidades de formação – o bacharelado e a licenciatura plena".

Por fim, o fato de que o art. 6º, da Lei n. 4.024/1961, com a redação dada pela Lei n. 9.131/1995, assevera que "caberá ao Ministério da Educação exercer as atribuições do Poder Público Federal em matéria da educação, devendo contar, no desempenho de suas funções, com a colaboração do Conselho Nacional de Educação", isso não implica dizer que o MEC e o CNE podem restringir o exercício profissional por meio de resolução, pois essa restrição, repita-se, só deve ocorrer por meio de lei em sentido estrito, nos termos do art. 170, § único, da CF.

O que o legislador constituinte quis dizer é que o MEC pode regular o ensino, no âmbito das universidades e escolas, mas não fora delas, ou seja, não pode restringir o exercício profissional nem revogar leis ordinárias ou conferir-lhes interpretação restritiva, diminuindo o campo de atuação profissional previsto em lei, no caso, a Lei nº 9696/98.

Para que o MEC pudesse atingir seu objetivo de forma válida, no que diz respeito à restrição profissional do licenciado em educação física, deveria ter encaminhado anteprojeto de lei ao Congresso Nacional ou à Presidência da República, uma vez que só a lei pode restringir o exercício da profissão.

A LDB (Lei nº 9.394/96) não restringiu, repita-se, a atividade do licenciado em academias, posto que até o advento da Lei nº 9696/98, era pacífico o entendimento de que quaisquer pessoas, inclusive sem qualquer formação superior em Educação Física (seja licenciatura ou bacharelado), poderia atuar em academias, clubes etc.

Ora, se até mesmo aqueles que não eram formados em Educação Física poderiam exercer livremente a profissão de professores de academia, conclui-se que os que possuíam tão somente a graduação em Educação Física também poderiam fazê-lo.

Polemizando ainda mais o assunto, há vários precedentes na Justiça Federal no sentido de que os professores de artes marciais, dança e yoga, por exemplo, não precisam ser formados em Educação Física (seja Licenciatura ou Bacharelado) ou inscritos nos CREFs.

Nesse sentido, vejamos as seguintes decisões:

"EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO INTEMPESTIVA. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. RESOLUÇÃO Nº 46/2002 DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. PODER REGULAMENTAR. EXCESSO. ATIVIDADES PROFISSIONAIS.

- Resta demonstrado que o presente recurso de apelação foi interposto após o término do prazo recursal, de modo que o apelo não merece ser admitido, eis que intempestivo.

- A Resolução nº 46/2002, do Conselho Federal de Educação Física, mero ato regulamentar, excedeu suas atribuições, ao dizer mais que a lei.

- A educação física compreende o ato de educar, ou seja, ensinar, transmitir conhecimentos através de um processo de instrução. Assim, somente aquelas atividades que envolvam a educação do corpo como atividade-fim é que estão abrangidas pela Lei nº 9.696/98.

- Se a lei não incluiu em sua disciplina jurídica os profissionais de dança, ioga, artes marciais e capoeira, como assentado, estas atividades, ministradas em qualquer que seja o local, não se submetem ao regime estatuído.

- Entretanto, uma vez que o critério material foi o privilegiado, quando estes estabelecimentos (escolas, academias ou outros estabelecimentos) desenvolveram atividade de educação física, mesmo com a denominação power ioga, ioga fitness, hatha ioga, ioga alongamento, hidro ioga, iogacombat, ioga pauleira, dança ioga, dentre outros termos, denominados pelo réu de modismos, submetem-se à disciplina da Lei nº 9.696/98.

- Apelação não conhecida. Remessa oficial desprovida.

(...)

A Lei nº 9.696/98, que veio regulamentar a profissão de Educação Física, não elencou quais as atividades abrangidas neste conceito.

Merece transcrição parcial o referido texto legal:

Art. 1 o O exercício das atividades de educação física e a designação de profissional de educação física é prerrogativa dos profissionais regularmente registrados nos conselhos regionais de educação física.

Art. 2 o Apenas serão inscritos nos quadros dos conselhos regionais de educação física os seguintes profissionais:

I - os possuidores de diploma obtido em curso de educação física, oficialmente autorizado ou reconhecido;

II - os possuidores de diploma em educação física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor; III - os que, até a data do início da vigência desta lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos profissionais de educação física, nos termos a serem estabelecidos pelo conselho federal de educação física.

Art. 3 o Compete ao profissional de educação física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto."

Como se depreende da leitura dos dispositivos acima transcritos, a lei preocupou-se em primeiro lugar com o aspecto formal, ao mencionar que profissional de educação física é aquele registrado no Conselho Regional de Educação Física.

Já o art. 3º tenta materializar o conceito ao mencionar" áreas de atividades físicas e do desporto. "

No entanto a tentativa restou infrutífera, em face da largueza principalmente da expressão atividade física.

Por sua vez, o regulamento editado pelo Conselho Federal de Educação Física - Resolução CONFEF nº 046/2001 asseverou que"o Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações - ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais -...".

Em primeiro lugar a Resolução, mero ato regulamentar, excedeu suas atribuições, ao dizer mais que a lei.

Com efeito, o poder regulamentar tem por finalidade complementar a natural abstração e generalidade dos preceitos contidos na lei. Vale dizer, o regulamento (ato normativo secundário) existe em razão da lei (ato normativo primário), e não o contrário. Inclusive, o art. 84, IV, da Constituição refere a possibilidade de expedição de decretos e regulamentos para"fiel execução"da lei.

Dessa forma, a resolução, como manifestação do poder normativo da autoridade administrativa, não pode inovar na ordem jurídica, criando direitos e obrigações aos administrados pois, além de violar o art. , II, da Constituição ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei "), atenta contra a lei, seu fundamento imediato.

(...)

De outro lado, importa referir entendimento manifestado no voto-vista que proferi na Apelação Cível nº 2003.71.00.033569-6, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompsom Flores Lenz, no sentido de que o profissional que a lei regulamenta não é o praticante de atividade física, e sim aquele que desenvolve a educação física, portanto os ministrantes de atividades físicas. A educação física compreende o ato de educar, ou seja, ensinar, transmitir conhecimentos através de um processo de instrução. Assim, somente aquelas atividades que envolvam a educação do corpo como atividade-fim é que estão abrangidas pela Lei nº 9.696/98.

Na ocasião, tomei de empréstimo a fundamentação desenvolvida pelo juiz de primeiro grau no sentido de que 'a educação física envolve aquelas atividades em que se procura a educação do corpo como atividade-fim, isto é, sem que se busque precipuamente outro objetivo, como ocorre por exemplo com a dança (em que se busca a exibição pública ou a manifestação cultural, por exemplo), com a ioga (em que se busca a prática de uma filosofia ou forma de vida ou a elevação do espírito, por exemplo), com a capoeira (em que se revela uma manifestação cultural), com as artes marciais (em que se busca uma formação numa determinada tradição cultural ou numa técnica de luta), etc.'

Percebe-se que a educação física não abrangeria outras manifestações mesmo envolvendo atividade física, quando o objetivo precípuo não seja o corpo (seu equilíbrio, desenvolvimento, beleza, etc). Busca-se, com isso, um critério material para identificar a educação física. É o próprio conteúdo da atividade que vai caracterizar, ou não, a profissão de educação física.

Assim, se a lei não incluiu em sua disciplina jurídica os profissionais de dança, ioga, artes marciais e capoeira, como assentado, estas atividades, ministradas em qualquer que seja o local, não se submetem ao regime estatuído.

Ou seja, a dança, a ioga, as artes marciais em seus vários desdobramentos e a capoeira, quando ensinadas em escolas, academias, ou outros estabelecimentos não estão sujeitas ao registro e à fiscalização do Conselho profissional.

Entretanto, uma vez que o critério material foi o privilegiado, quando estes estabelecimentos desenvolveram atividade de educação física, mesmo com a denominação power ioga, ioga fitness, hatha ioga, ioga alongamento, hidro ioga, iogacombat, ioga pauleira, dança ioga, dentre outros termos, denominados pelo réu de modismos, submetem-se à disciplina da Lei nº 9.696/98.

De outra forma, o que importa é a atividade preponderante, se a educação física ou outras atividades (em sua forma pura ou tradicional), para caracterizar a atividade submetida ou não ao regime legal.

Portanto, reconheço a ilegalidade a exigência de registro e a inscrição no Conselho Regional de Educação Física da 9ª Região/Paraná dos respectivos profissionais não graduados, especificamente em relação às atividades de dança, capoeira, ioga e artes marciais.

Diante do exposto, não conheço do recurso da apelação do CREF/PR, porquanto intempestivo, e nego provimento à remessa oficial." (TRF 4ª Região, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.70.00.003788-9/PR, Relatora Juíza Vânia Hack de Almeida, Publicado em 31.05.2007, unanimidade) [04] – grifamos.

"CONSELHO DE EDUCAÇÃO FÍSICA. INSCRIÇÃO DE INSTRUTOR DE IOGA. AUTUAÇÃO.

Na inexistência de regramento legal sobre a matéria e garantido constitucionalmente o livre exercício da profissão, não há como afastar-se a aplicabilidade de princípio geral de hermenêutica, segundo o qual é vedado ao jurista dar interpretação ampliativa à restrição de direitos. Inexigibilidade de inscrição no Conselho Profissional requerido. Afastada a eficácia de qualquer ato coator derivado da exigência ilegal." (TRF4, AMS 2003.72.00.004707-3, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, publicado em 18/10/2006) [05].

"Amparado no permissivo constitucional de condicionamento do exercício profissional, o legislador editou a Lei nº 9.696/98 que regulamentou a profissão de Educação Física e criou os Conselhos Federal e Regional de Educação Física. O art. 2º da referida lei, assegurou aos não graduados, que já exerciam o ofício da Educação Física antes da sua vigência, o direito a inscrição no respectivo Conselho. Entretanto, o Conselho Federal de Educação Física, na Resolução nº 013/2000, estabeleceu condições para o registro dos não graduados, em desacordo com a norma legal e constitucional.

Tal Resolução restringiu o direito dos não graduados ao estabelecer a exigência de"curso de nivelamento"a ser prestado pelo Conselho Regional, o que não se admite.

3. É de se ressaltar, ainda, que as atividades aqui destacadas (artes marcias, ioga e dança), apesar de poderem ser exercidas por profissionais de Educação Física, não lhe são próprias. A dança, por exemplo, necessita de formação acadêmica diversa e se encontra vinculada a órgão de classe próprio. A ioga e as artes marciais não fazem parte da formação do profissional de Educação Física, não estando os graduados aptos a lecionar quaisquer de suas modalidades. Não se justificando a pretendida submissão ao CREF1". (TRF 2ª Região, AG 200202010461326, Terceira Turma, Rel. Juíza Valeria Albuquerque. DJ de 02/09/2004) [06].

É o voto.

ADMINISTRATIVO. PROFESSOR DE JUDÔ. EXIGÊNCIA DE CURSO DE NIVELAMENTO E POSTERIOR INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA (RESOLUÇÃO 45/2002). CONDIÇÃO PARA EXERCER PROFISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO LIVRE EXERCÍCIO PROFISSIONAL.

I – Embora a Lei nº. 9696/98, em seu art. 2º., inciso III, disponha que serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os profissionais que, "até a data do início da vigência desta lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física", o referido Conselho não explicitou "as atividades próprias dos Profissionais de Educação Física", limitando-se, apenas, a editar a Resolução nº. 13/99 e, posteriormente, a Resolução 45/2002, exigindo dos professores de artes marciais, que não cursaram a faculdade de Educação Física, a freqüência em curso de nivelamento, como requisito indispensável para a inscrição definitiva em seus quadros e para o exercício da profissão. Ao assim proceder, o referido Conselho violou o princípio da legalidade, porquanto criou uma obrigação através de norma infralegal, desconsiderando o livre exercício profissional, insculpido no art. 5º., XIII, da Carta Política de 1988.

II – As artes marciais, embora naturalmente envolvam movimentação corporal, não são atividades próprias do profissional de educação física, sendo certo que o professor de artes marciais deve transmitir conhecimentos teóricos e padrões de comportamento, os quais não são oferecidos no curso superior de Educação Física. Tal curso não prepara professores de artes marciais, não estando os graduados naquele curso aptos a lecionar qualquer modalidade de artes marciais.

III – A exigência, por parte do Conselho Federal em questão, de que o impetrante se inscreva no Conselho Regional de Educação Física para poder exercer seu ofício ofende o direito de liberdade laboral previsto constitucionalmente.

IV – Apelação e remessa improvidas. (Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Apelação em Mandado de Segurança 2002.51.01.005940-0/RJ, Quinta Turma Especializada, Desembargador Federal Antônio Cruz Neto, julgado por unanimidade, em 28 de fevereiro de 2007, publicado no DJ, de 12 de março de 2007, p. 260) [07].

"(...) Quanto aos limites da atividade exercida pelos autores, é certo que a lei pode regulamentá-los. O parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal estabelece que:

É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

7. A regulamentação estatal das atividades econômicas, no entanto, deve estar de acordo com o interesse público. O artigo 174 da Constituição dispõe que a fiscalização da atividade profissional tem o sentido de incentivo e planejamento do exercício da atividade econômica privada, de forma "indicativa". Assim dispõe o artigo referido:

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

(grifei)

8. Assim, exige-se a edição de lei para a regulamentação de qualquer trabalho, ofício ou profissão, nos termos do artigo 5º., inciso XII, e do artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal, razão pela qual a atividade exercida pela impetrante não pode sofrer limitação por meio de resolução do Conselho Regional de Educação Física.

9. Inexiste no ordenamento jurídico pátrio lei que regulamente a atividade de ensino de artes marciais. A Lei 9.696, de 1º. de setembro de 1998, não disciplina a atividade, e sim a profissão de Educação Física.

10. Logo, a atividade de ensino de artes marciais pode ser praticada livremente, independentemente de fiscalização do Conselho Regional de Educação Física, de registro da impetrante nesse órgão, de pagamento de anuidades, de submissão dos seus funcionários instrutores de artes marciais a cursos de nivelamento ou de contratação de Responsáveis Técnicos, haja vista a inexistência de lei que estabeleça os limites dessa atividade ou a exigência de qualificações profissionais" (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2008.72.00.011988-4/SC, Juiz Federal Carlos Alberto da Costa Dias, julgado em 27.10.2008) [08].

Em Direito, há um princípio que diz: "Quem pode o mais, pode o menos". Desta forma, se para atuar em academias e clubes como professor de artes marciais, dança ou yoga, não é exigível a inscrição nos CREFs ou sequer a formação em Educação Física, a conclusão óbvia que se extrai é que o Licenciado em Educação Física pode atuar em academias e clubes como professor de artes marciais, dança e yoga.

Entretanto, a nossa tese não é a de que o licenciado pode atuar apenas nessas áreas (artes marciais, dança e yoga), mas também nas áreas de musculação, ginástica, natação etc., ou seja, em todos os campos de atuação do profissional da Educação Física.

À propósito, deve ser ressaltado que nos currículos dos cursos de Educação Física, inclusive na Licenciatura, em atenção aos Parâmetros Curriculares Nacionais, o aluno deve pagar obrigatoriamente disciplinas relacionadas ao corpo humano (como Anatomia Hunana, Fisiologia Humana, Bioquímica do Exercício Físico), às artes marciais, dança, jogos, esportes, recreação, lazer, ginástica, bem como, várias outras matérias que o habilitam a atuar tanto em escolas como em academias.

Do ponto de vista legal, a divisão do curso de Educação Física em Licenciatura e Bacharelado não trouxe vantagens ao aluno do curso de Bacharelado em Educação Física, pois este, realmente, só poderá atuar em academias e clubes, uma vez que a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9394/96), em seu art. 62, prevê que apenas o licenciado poderá atuar na educação básica (mas, repita-se, não estabelece que o licenciado apenas atuará na educação básica!).

Isso quer dizer que, enquanto não houver uma melhor regulamentação legal, através de lei em sentido estrito, o bacharel em Educação Física não terá a sua reserva de mercado, ou seja, a garantia de que apenas ele (o bacharel em Educação Física) poderá atuar em academias e clubes.

Há, portanto, certa desvantagem em se cursar Educação Física-Bacharelado, em comparação ao curso de Educação Física-Licenciatura, uma vez que o licenciado em Educação Física, além de poder atuar em academias e clubes (como já suficientemente fundamentado acima) pode lecionar nas escolas.

Assim, podemos tecer as seguintes conclusões finais:

1ª) A Lei Federal nº 9696/98, que regulamentou a profissão do profissional da Educação Física não fez qualquer distinção entre os cursos de Licenciatura e Bacharelado, exigindo apenas a formação em Educação Física e o registro nos CREFs como condição para o exercício da profissão;

2ª) A Lei Federal 9394/96 – LDB – estabeleceu a exigência de formação superior em curso de Licenciatura para a atuação na educação básica, mas não limitou a atuação do licenciado apenas à educação básica, porquanto a intenção da lei foi proibir pessoas que não tivessem a formação em licenciatura de atuar nas escolas, mas não, proibir o licenciado de atuar fora das escolas;

3ª) A Lei n. 4.024/1961, com a redação dada pela Lei n. 9.131/1995, previu que o MEC poderia exercer atribuições em matéria de educação, ou seja, regulando o ensino nas escolas e universidades, mas as resoluções do MEC não têm alcance fora daquele âmbito (escolas e universidades), isto é, não podem interferir no exercício da atividade privada, matéria de competência da União, através do Poder Legislativo Federal – Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal).

4ª) A Constituição Federal, em seu art. 170, § único, dispôs que é livre o exercício de qualquer trabalho ou profissão, nos termos da lei, o que significa dizer que somente a lei em sentido estrito, lei formal, no caso a lei ordinária, pode regulamentar ou restringir o exercício da qualquer profissão.

5ª) A restrição ao exercício profissional por meio de lei deve ser expressa, clara e indubitável, sob pena de atingir direito fundamental e social do cidadão (dignidade da pessoa humana, direito ao trabalho, etc.), tanto é que a jurisprudência dos Tribunais têm vedado a fiscalização pelos CREFs das atividades de artes marciais, dança e yoga, ante a ausência de maior precisão e especificidade da lei nº 9696/98, quanto à sua área de abrangência;

6º) Por fim, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, é obrigatória a inclusão no currículo dos cursos de Educação Física, inclusive na Licenciatura, de matérias como Anatomia, Fisiologia, Bioquímica, Desenvolvimento Motor, artes marciais, dança, esportes, jogos etc., que tornam o Licenciado em Educação Física apto ao exercício da profissão em academias, clubes e quaisquer áreas afins.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17.06.2009.

BRASIL. LEI Nº 9.696/1998. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17.03.2011.

BRASIL. LEI Nº 9.394/96. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17.03.2011.

BRASIL. LEI Nº 4.024/61. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17.03.2011.

BRASIL. LEI Nº 9.131/1995. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17.03.2011.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física/Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC/SEF, 1998.


Notas

  1. Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação.
  2. Disponível em:<http://www.crefsp.org.br/Processo_20066100016377-9.pdf>. Acesso em: 29.03.2011.
  3. Idem.
  4. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8869539/apelacao-civel-ac-3788-pr-20037000003788-9-trf4/inteiro-teor>. Acesso em 30.03.2001.
  5. Idem.
  6. Idem.
  7. Disponível em:<https://bubishi2010.wordpress.com/2009/02/06/escola-de-artes-marciais-nao-precisa-de-registro-decisao-de-justicia/>. Acesso em: 30.03.2001.
  8. Idem.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ernani Leite Fernandes Júnior

Bacharel em Direito. Especialista lato sensu em Direito e Jurisdição pela ESMARN/UNP, com ênfase em Processo Administrativo Disciplinar. Assessor Jurídico do Juízo de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Ex-Professor de Direito Administrativo da Escola Penitenciária do Estado do Rio Grande do Norte. Ex-Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba. Concluinte do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O autor possuiu artigos publicados no IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), na revista "L & C Revista de Direito e Administração Pública", Ed. Consulex, na revista da Procuradoria do Trabalho da XXI região e livro publicado pela Editora Universidade Potiguar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES JÚNIOR, Ernani Leite. O direito do licenciado em educação física ao livre exercício da profissão em quaisquer das áreas de atuação profissional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2852, 23 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18948. Acesso em: 28 mar. 2024.

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