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Relação entre as ações de improbidade administrativa e de execução de acórdão do Tribunal de Contas.

Litispendência, conexão, continência ou perda superveniente do interesse jurídico-processual?

12/01/2011 às 13:56
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A existência de ação de improbidade administrativa impede o ajuizamento de execução de acórdão do Tribunal de Contas, pelo mesmo ente legitimado?

I. Aspectos introdutórios:

I.1 Do problema:

O problema que se pretende discutir no presente ensaio diz respeito à relação jurídico-processual entre as Ações de Improbidade Administrativa e de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, isto é, se a existência da primeira demanda acarretaria qualquer tipo de prejuízo ao ajuizamento da segunda, pelo mesmo ente legitimado, especificamente quanto à caracterização de litispendência, conexão ou continência.

Em outras palavras, caso um ente legitimado, nos termos do art. 17, da Lei nº 8.429/92, ajuíze Ação de Improbidade Administrativa, e sobrevenha, após algum tempo, acórdão do Tribunal de Contas condenando o sujeito ativo do ato de improbidade a ressarcir o erário pelos prejuízos apurados, a respectiva Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas estaria prejudicada? Poder-se-ia falar em litispendência, conexão ou continência? Em caso negativo, quais seriam os efeitos do processamento da Ação de Execução do Acórdão do TC, quanto à Ação de Improbidade Administrativa já proposta?

Essas são as questões que pretendemos responder no artigo em testilha, embora, inicialmente, faça-se mister tecer algumas considerações preliminares sobre os institutos da litispendência, conexão e continência.

I.2 Litispendência, conexão e continência:

Embora este não seja um estudo de direito processual, entendemos pertinente, antes de adentrar no cerne da discussão, que sejam destacadas as características gerais dos institutos processuais da litispendência, conexão e continência.

Segundo o art. 301, §§ 1º a 3º, do Código de Processo Civil, a litispendência ocorre quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, de natureza idêntica, isto é, com identidade de partes, pedido e causa de pedir; e, diferentemente, da coisa julgada, que a ação paradigma (anterior) ainda não tenha transitado em julgado.

Portanto, são três os requisitos para configuração da litispendência, frise-se:

- reprodução de ação anteriormente ajuizada;

- identidade de partes, pedido e causa de pedir;

- que a ação anterior não tenha transitado em julgado (situação em que se configuraria a coisa julgada)

Já a conexão, configura-se, segundo o diploma processual civil, art. 103, quando for comum a duas ações o mesmo objeto ou a causa de pedir.

Os requisitos da conexão, portanto, são bem mais amplos do que os da litispendência, exigindo-se, aqui, apenas que se trate de duas ações com idêntico objeto (pedido), ou causa de pedir.

Sobre a continência, o CPC tece a seguinte previsão:

Art. 104. Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.

Outrossim, tem-se a continência quando presentes os seguintes requisitos:

- identidade de partes;

- identidade de causa de pedir;

- o objeto de uma ação for mais amplo, englobando o da outra.

Feitas tais considerações, subsume-se que não há maiores dificuldades na distinção entre conexão e os outros dois institutos aludidos, porquanto a configuração daquela é bem mais fácil de ser alcançada, não se exigindo identidade de partes, e de pedido, e de causa de pedir, mas apenas de objeto (pedido) ou de causa de pedir, alternativamente.

Já quanto à diferenciação entre litispendência e continência, reside somente em um único requisito. É que na litispendência há identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, enquanto que na continência, as partes e a causa de pedir são as mesmas, mas o pedido de uma ação é mais amplo que o da outra, que o engloba.

Esses três institutos são evidentes aplicações do Princípio da Inediticidade da Demanda, o qual, por sua vez, possui estreita ligação com o Princípio da Segurança Jurídica, afinal, de que serviria o ordenamento jurídico se as ações judiciais pudessem ser repetidas indefinidamente, sempre que uma das partes restasse insatisfeita com seu resultado final?

Enfim, traçadas as características básicas da litispendência, conexão e continência, é possível continuar com o estudo do tema proposto.


II. Natureza jurídica da Ação de Improbidade Administrativa:

Embora a Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) não tenha sido muito técnica quanto aos aspectos processuais nela tratados, é fácil constatar que a Ação de Improbidade Administrativa tem natureza jurídica de processo de conhecimento, isto é, visa à formação de título executivo judicial.

Ressalte-se, aliás, que, na Ação de Improbidade Administrativa, o pedido é extinto com resolução de mérito, julgando-se pela sua procedência (ou improcedência, naturalmente); ou sem resolução de mérito, quando faltar algum dos pressupostos processuais, ao revés do que sói acontecer com o Processo Penal, em que o Réu é condenado ou absolvido.

Ademais, a Ação de Improbidade Administrativa tem natureza civil, tratando-se de esfera de responsabilidade distinta da penal e da administrativa, de forma que sua procedência não acarretará bis in idem na hipótese de condenação prévia em processo penal, ou administrativo, e vice-versa, repita-se, porquanto se trata de esferas distintas de responsabilidade, conforme se depreende do art. 37, §4, da CF/88 e do art. 12, da Lei de Improbidade Administrativa.

Entrementes, importa ao presente trabalho a constatação de que a Ação de Improbidade Administrativa tem natureza jurídica de processo de conhecimento, porque, como leciona Alexandre Freitas Câmara, sua finalidade essencial é "a obtenção de uma declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante em sua petição inicial". [01]

Tanto tem natureza de processo de conhecimento (cognição), que o art. 17, da Lei 8.429/92 prevê que o rito da Ação de Improbidade Administrativa será Ordinário, senão vejamos:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

Destaque-se que, apesar da menção a medida cautelar, não se exige que a Ação de Improbidade Administrativa seja precedida de Ação Cautelar, inclusive porque mesmo o pedido de indisponibilidade de bens pode ser formulado nos próprios autos da Ação de Improbidade, em caráter liminar, incidental, portanto, como esclarecemos, aliás, em livro de nossa autoria sobre Improbidade Administrativa. [02]

Dessa forma, frise-se: a Ação de Improbidade Administrativa tem natureza jurídica de processo de conhecimento.

A importância de tal conclusão será esclarecida mais adiante, quando do cotejo da relação jurídico-processual entre a Ação de Improbidade Administrativa e a Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas.


III. Natureza Jurídica da Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas da União:

Embora façamos referência, algumas vezes ao longo do texto, a execução de acórdãos do TCU, nada impede, sob nossas que se adotem as conclusões aqui defendidas relativamente aos acórdãos dos Tribunais de Contas dos Estados, e dos Municípios, quando houver, mutatis mutandis, inclusive a sua fonte de legitimação, a saber, constituições estaduais e leis orgânicas municipais.

Especificamente quanto às decisões do TCU, o art. 73, da Constituição Federal de 1988, que previu incumbir ao Tribunal de Contas da União, em auxílio ao Congresso Nacional, o controle externo dos Poderes da União, também estabeleceu que os acórdãos da Corte de Contas que implicarem imputação de débito, ou multa, têm força de título executivo, in verbis:

§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

Obviamente, trata-se de título executivo extrajudicial (art. 585, VIII, do CPC, e art. 24, Lei 8443/92), inclusive porque não emana de órgão judicial, afinal, o TCU, apesar do nome, é uma Corte de Contas, e não um órgão judicial propriamente dito.

Seguindo-se tal raciocínio, temos que a natureza jurídica da ação judicial que executa um acórdão do TCU – título executivo extrajudicial – é de processo de execução, haja vista já contar com um título executivo em favor do Autor (Exequente), ao qual se busca apenas a sua efetividade, perante o Judiciário, para fins de execução forçada do devedor.


IV – Inexistência de litispendência, conexão e continência entre Ação de Improbidade Administrativa e Ação de Execução de Acórdão do TCU:

Finalmente, então, com fulcro no que já exposto, é possível afirmar que não é possível existir litispendência, conexão ou continência entre Ação de Improbidade Administrativa e Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, simplesmente porque não se pode falar em identidade de pedido e de causa de pedir.

É que o objetivo do processo de conhecimento, como visto anteriormente, é a formação de um título executivo, para posterior execução.

No processo de execução, já existe um título executivo, judicial ou extrajudicial, a abalizar, ao menos sob a ótica do Exequente (adotamos a Teoria Abstrata da Ação), a pretensão executória.

A distinção, portanto, entre o pedido, ou objeto, contido numa ação de conhecimento e o pedido existente em uma ação executória salta aos olhos, levando-se em consideração a própria essência diferenciada dos processos de conhecimento (ao qual pertence a Ação de Improbidade Administrativa) e de execução (dentre os quais se inclui a Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas).

Além disso, como dissemos, também não há identidade de causa de pedir, porque essa natureza jurídica distinta dos processos de conhecimento e de execução pressupõe que os fundamentos de fato e de direito que embasam a pretensão autoral também sejam distintos, afinal, na Ação de Improbidade Administrativa (que tem natureza de processo de conhecimento), a causa de pedir diz respeito à responsabilização do agente público alegadamente ímprobo, ou seja, à verificação da ocorrência do ato de improbidade, e já na Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, a causa de pedir relaciona-se à existência de um título executivo extrajudicial prévio, e à sua legitimidade para expropriação de bens do Executado.

Em outras palavras, na Ação de Execução do Acórdão do Tribunal de Contas, em que o título executivo já existe, sua finalidade é que seja dada validade àquele, para que o Executado responda patrimonialmente pelo dano ao erário que causou, enquanto que na Ação de Improbidade Administrativa, a causa de pedir refere-se ainda à formação do título executivo judicial.

Trata-se, destarte, de demandas completamente distintas, com causa de pedir e pedido diferenciados, não sendo possível alegar a ocorrência de litispendência.

Por idênticos motivos, não se pode falar em conexão, nem em continência, e também porque nada justificaria a reunião de processos, efeito de tais institutos processuais, e sujeitos a ritos completamente distintos – execução e conhecimento -, o que somente atrapalharia a marcha processual, em afronta aos Princípios da Celeridade e Economias Processuais.

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Entretanto, se não há litispendência, conexão, nem continência, entre a Ação de Improbidade Administrativa com pedido de Ressarcimento ao Erário, e a Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, deve-se permitir o processamento simultâneo de ambas?

É que o pretendemos solucionar no próximo item.


V. Da perda parcial do objeto da Ação de Improbidade Administrativa com pedido de ressarcimento ao erário, relativamente à Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas que lhe seja posterior:

Aqui, cabe uma importante advertência: a Ação de Improbidade Administrativa não se resume ao ressarcimento ao erário.

De fato, o art. 12, da Lei nº 8.429/92, prevê diversas espécies de penalidades a serem aplicadas aos agentes públicos ímprobos, dentre as quais o ressarcimento ao erário, quando houver efetivo prejuízo.

Assim, percebe-se que a Ação de Improbidade Administrativa nem sempre está atrelada a um pedido de ressarcimento ao erário, e, de qualquer forma, ainda que englobe tal requerimento, não se trata de requisito para aplicação das demais penalidades previstas na Lei nº 8.429/92.

Diferentemente ocorre com a Ação de Execução de Acórdão do TCU, que somente terá força de título executivo extrajudicial quando imputar débito, ou multa, ao Réu.

Dessas afirmações, conclui-se que a Ação de Improbidade Administrativa pode ser ajuizada, ou ter prosseguimento, ainda que não contemple pedido de ressarcimento ao erário, entretanto, na Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, a questão patrimonial é indissociável, e mais do que isso, tema exclusivo a ser nela tratado.

Também não pode ser desconsiderado que a Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas é muito mais célere e eficaz do que a Ação de Improbidade Administrativa, especificamente, quanto à efetivação do ressarcimento ao erário, por motivos óbvios, afinal, aquela já conta com um título executivo, encurtando-se o caminho até a expropriação forçada de bens do devedor.

Assim sendo - e atentando-se à necessidade de, nesse processo de construção do paradigma pós-contemporâneo do Estado Democrático de Direito, combater a corrupção e a malversação de verbas públicas -, deve ser dada solução ao caso que contemple a necessidade de empregar mais eficácia ao ressarcimento ao erário.

Voltemos então, à situação objeto do problema em estudo, ou seja, determinado ente público ajuíza Ação de Improbidade Administrativa em face de agente público alegadamente ímprobo, ou ingressa no bojo de demanda protocolada por ente co-legitimado, por força do art. 17, parágrafo 3º, da Lei de Improbidade Administrativa, mas, depois de um tempo, sobrevém acórdão do Tribunal de Contas condenando aquele agente público a ressarcir ao erário, pelos mesmos motivos que justificaram a Ação de Improbidade Administrativa.

Estaria configurada, na situação em exame, litispendência, conexão ou continência? Em caso negativo, como se deve proceder?

A partir dos argumentos acima utilizados, entendemos que não é possível falar em litispendência, porque se trata de processos ontologicamente distintos – processo de execução e de conhecimento -, portanto, não havendo similitude de pedido e causa de pedir.

Quanto à conexão e continência, não se justifica a reunião dos processos, pelo mesmo motivo, afinal, estão sujeitos a ritos completamente distintos.

Entretanto, ao nosso sentir, não é possível permitir o prosseguimento da Ação de Improbidade Administrativa, especificamente quanto ao pedido de ressarcimento, porque, embora não haja litispendência, o ente legitimado já conta com meio mais idôneo e eficaz para satisfação de seu interesse patrimonial (ressarcimento), que é a Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas.

Outrossim, levando-se em conta que a Ação de Execução de Acórdão do TCU concretiza com mais eficácia o interesse público em ver ressarcido o erário pelo prejuízo que lhe fora imposto, do que a Ação de Improbidade Administrativa, nada mais correto que entender pela prevalência da ação que melhor instrumentaliza o bem comum, afastando-se, portanto, a alegação de litispendência, e permitindo-se o processamento da Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, ainda que ajuizada posteriormente à Ação de Improbidade Administrativa com pedido de ressarcimento ao erário.

Obviamente, não se pode permitir a dupla punição do Executado/Réu nas duas ações, especificamente quanto à sanção de ressarcimento ao erário, haja vista que ambas possuem a natureza de ações cíveis, não se tratando de esferas distintas de responsabilidade, argumentação utilizada quanto à possibilidade de condenação simultânea do agente público ímprobo em processos cíveis, penais e administrativos, o que, como dito, não é o caso.

A solução do problema, portanto, deve adotar o entendimento de que o pedido de ressarcimento contido na Ação de Improbidade Administrativa, ainda que anterior à Ação de Execução do Acórdão do Tribunal de Contas, resta prejudicado, na hipótese, por ausência superveniente de interesse jurídico-processual, ou seja, carência da ação, extinguindo-se o processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI), mas apenas quanto à ação de ressarcimento ao erário (tecnicamente, a hipótese é de cumulação de ações), prosseguindo-se quanto aos demais pedidos.

Note-se que, como alertado acima, a Ação de Improbidade Administrativa não se resume ao ressarcimento ao erário, de forma que, acaso contemple outros pedidos, por exemplo, suspensão de direitos políticos, multa civil, ou perda da função pública, deverá prosseguir quanto a esses, configurando-se a carência da ação, pela perda superveniente do interesse, apenas no que toca ao pedido de ressarcimento ao erário, afinal, a Ação de Execução do Acórdão do Tribunal de Contas limita-se àquele aspecto patrimonial, não lhe sendo compatíveis as demais sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

Essa é, ao nosso sentir, a solução ideal à hipótese.

O Superior Tribunal de Justiça ainda não consolidou entendimento sobre o tema, mas, em julgado relativamente recente, adotou idêntico posicionamento, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE CERTAS IMPORTÂNCIAS VS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL RELATIVO ÀS MESMAS VERBAS. INEXISTÊNCIA DE TRÍPLICE IDENTIDADE ENTRE PROCESSO DE CONHECIMENTO E PROCESSO DE EXECUÇÃO. LITISPENDÊNCIA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. PERDA DE INTERESSE PROCESSUAL NO ÂMBITO DA ACP.

1. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Precedente.

2. Na origem, trata-se de execução ajuizada pelo Parquet recorrente contra o recorrido a fim de obter satisfação de crédito constante em certidão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, derivado este de remuneração irregular durante os exercícios de 1993, 1994 e 1995.

3. Ocorre que, como registrado pelo acórdão recorrido, já corria junto ao Judiciário ação civil pública com mesma causa de pedir, cujo pedido limita-se à condenação de restituição da importância que ora se executa, daí porque caracterizada a litispendência, a determinar a extinção do feito sem resolução de mérito.

4. A caracterização da litispendência é de duvidosa técnica, pois, em termos processuais, é impossível existir, em tese, tríplice identidade entre processo de conhecimento e processo de execução.

5. Ainda que se admitisse a litispendência, a conclusão a que chegou a sentença e o acórdão recorrido é equivocada.

6. É que, na forma como sustentado pelo recorrente no especial, havendo título executivo extrajudicial (que aqui se pretende executar), o que acontece, na verdade, é o esvaziamento do objeto da ação civil pública, pois inexiste, lá sim, interesse processual.

7. O processo de conhecimento que levaria à formação de título executivo judicial é totalmente inútil ao Ministério Público, que já dispõe de documento hábil para promover execução.

8. Embora seja de todo técnico que o reconhecimento da litispendência importe na extinção da última demanda ajuizada, no caso concreto, seria atentatório aos princípios da economia e da celeridade processuais.

9. Recurso especial parcialmente provido, determinando a remessa dos autos à origem para regular processamento da execução. Prejudicada a análise da violação ao art. 18 da Lei n. 7347/85, porque revertida a sentença. Determinação complementar de expedição de ofício ao juízo em que se processa a ação civil pública (processo de conhecimento) para que, caso ainda não tenha sido finalizada a demanda por falta de condição da ação, adote as providências cabíveis. (STJ, REsp nº 1182185/MG, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 06/10/2010, grifos nossos)

Perceba-se que o STJ faz menção, na ementa acima citada, à extinção da Ação Civil de Improbidade Administrativa sem resolução de mérito, mas somente porque, na hipótese, não havia outros pedidos nela formulados, apenas o ressarcimento ao erário.

Em caso contrário, prevaleceria o posicionamento pela extinção sem resolução de mérito apenas do pedido de ressarcimento ao erário, haja vista a perda superveniente de interesse, já que o ente legitimado passou a gozar de meio mais hábil, a Ação de Execução de Acórdão do TCU, para satisfação de sua pretensão.


VI. Conclusões:

Em suma, é possível destacar as seguintes conclusões:

a)Não se pode falar em litispendência entre Ação de Improbidade Administrativa e Ação de Execução de Acórdão do Tribunal de Contas, porque essas demandas têm natureza jurídica distinta – processo de conhecimento e de execução, respectivamente -, não atendendo ao requisito da tríplice identidade;

b)Pelo mesmo motivo, também não é o caso de conexão, nem de continência, e também porque nada justificaria a reunião de processo de execução a processo de conhecimento, sujeitos a ritos completamente distintos, em afronta, ainda, aos Princípios da Celeridade e Economia Processuais;

c)Não é possível a dupla condenação do agente público ímprobo à pena de ressarcimento ao erário no bojo de Ação de Improbidade Administrativa e de Ação de Execução de Acórdão do TCU, por ambas possuírem natureza civil;

d)Na hipótese de ajuizamento de Ação de Execução de Acórdão do TCU que sobrevenha a Ação de Improbidade Administrativa com pedido de ressarcimento ao erário, e que tratem dos mesmos fatos, além de terem sido propostas pelo mesmo ente legitimado, deve ser considerada a perda superveniente de interesse jurídico-processual do pedido de ressarcimento contido na Ação de Improbidade, extinguindo-se tal pleito sem resolução de mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, mas mantendo-se o processamento do processo de execução, meio mais hábil e eficaz para expropriação forçada de bens do agente público ímprobo, em harmonia com o interesse público e necessidade de se empregar mais efetividade ao combate à corrupção e à malversação de verbas públicas;

e)Se a Ação de Improbidade Administrativa contiver, além do pedido de ressarcimento ao erário, outros pleitos, deverá prosseguir normalmente, quanto a esses, caso não albergue sanções diversas, será extinta sem resolução de mérito.


Notas

  1. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 8ª edição, 2003, p. 267.
  2. PEREIRA NETO, Luiz Gonzaga. Improbidade Administrativa. Os Agentes Políticos e sua Responsabilização à Luz da Lei nº 8.429/92. Recife:Editora Nossa Livraria, 2009.
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Sobre o autor
Luiz Gonzaga Pereira Neto

Advogado da União em João Pessoa. Pós-Graduando em Direito Público. Professor Universitário e de Cursinhos Preparatórios para Concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA NETO, Luiz Gonzaga. Relação entre as ações de improbidade administrativa e de execução de acórdão do Tribunal de Contas.: Litispendência, conexão, continência ou perda superveniente do interesse jurídico-processual?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2751, 12 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18255. Acesso em: 24 abr. 2024.

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