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Pensão militar: a legalidade da concessão às filhas maiores de 21 anos e capazes e a controvérsia da ordem de prioridades para seu deferimento

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24/12/2010 às 12:47
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É legal a manutenção do benefício às filhas de militares que aderiram à regra de transição criada pela Medida Provisória nº 2.215-10/01.

RESUMO: A pensão militar conta com especificidades inerentes ao regime especial destinado aos membros das forças armadas, diferindo substancialmente dos outros regimes previdenciários do Brasil. O objetivo do presente estudo é realizar uma análise descritiva dos aspectos inerentes à concessão da pensão militar às filhas maiores de 21 anos e capazes bem como sua ordem de vocação. Em que pese a disposição sobre a igualdade entre os sexos inaugurada pela Constituição de 1988, defende-se, com base na evolução histórica da estrutura familiar brasileira e da legislação aplicável à espécie, a legalidade e constitucionalidade da manutenção do benefício às filhas de militares que aderiram à regra de transição criada pela Medida Provisória 2.215-10/01, haja vista a necessidade da supressão gradual de direitos sociais. O marco teórico deste trabalho é demonstrar, através de argumentos sólidos, o entendimento de que as filhas maiores e capazes dos militares têm pleno direito à percepção da pensão vitalícia, bem como à habilitação desde a morte do militar, momento em que devem passar a receber suas cotas-partes de maneira independente, mesmo em concorrência com suas genitoras, dando-se correta interpretação ao artigo 9º, §3º da Lei Lei 3.765/60.

PALAVRAS-CHAVE: pensão militar, filhas, maiores, capazes, rateio, cotas-partes.

SUMÁRIO: Introdução; 1.Abordagem constitucional; 2.Evolução da arquitetura familiar e a pensão militar no âmbito do direito brasileiro contemporâneo; 3.Dispositivos legais aplicáveis à pensão militar: evolução histórico-dogmática; 4.Análise da ordem de vocação dos beneficiários da pensão militar; 5.Legalidade da concessão ab initio da cota-parte das filhas maiores e capazes; Considerações finais; Referências.


INTRODUÇÃO

Existem no Brasil dois sistemas de previdência: o público e o privado. Enquanto a previdência privada é um sistema complementar e facultativo de seguro, o sistema público caracteriza-se por ser mantido por pessoa jurídica de direito público, tem natureza institucional, é de filiação obrigatória e suas contribuições têm natureza tributária. O sistema público pode ser destinado aos servidores públicos e mantido pelos entes políticos da Federação, ou aos trabalhadores da iniciativa privada e administrado por uma autarquia federal – atualmente o Instituto Nacional do Seguro Social.

O sistema público de previdência subdivide-se no Regime Geral de Previdência Social, disciplinado nos arts. 201 e 202 da Constituição Federal, e no Regime Previdenciário Especial dos servidores públicos Civis e Militares, descrito no art. 40 da Constituição.

Segundo CARVALHO FILHO (2009), a pensão é o pagamento efetuado pelo Estado à família do servidor em atividade ou aposentado em virtude de seu falecimento. A finalidade da pensão é amparar e dar especial proteção à família do funcionário, devido à morte, desaparecimento ou ausência, devendo-se, todavia, observar a evolução do instituto "família" na sociedade contemporânea.

A pensão militar conta com especificidades inerentes ao regime especial destinado aos membros das forças armadas, conforme disposto no art. 142 e parágrafos da Constituição, que dispensam tratamento específico sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.

Dentre tais prerrogativas, conclui-se de modo claro que, no contexto da disciplina específica, também se insere a questão das pensões por morte dos militares, que possuem regramento diferenciado e atípico se comparadas às pensões do Regime Especial do Funcionalismo Civil da União.

Observando-se as leis pertinentes ao assunto e a própria Constituição Federal constata-se a ausência a qualquer referência a sistema ou a regime previdenciário dos militares federais. Portanto, até a presente data, não há regime previdenciário próprio dos militares estabelecido em lei, de forma que é imprecisa a referência a equilíbrio do regime previdenciário dos militares federais. A remuneração dos militares na inatividade, dos reformados e os da reserva, é total e integralmente custeada pelo Tesouro Nacional.

Diante de tais peculiaridades, propõe-se um exame detalhado sobre a legislação aplicada à pensão militar, com enfoque na legalidade da regra de transição estabelecida pela Medida Provisória 2.215-10 de 2001, que manteve o pensionamento vitalício para as filhas maiores e capazes dos militares, bem como a questão da incorporação da cota-parte, a que fazem jus, à parte destinada às suas genitoras quando estas também forem beneficiárias da pensão militar.

O objetivo do presente estudo é realizar uma análise descritiva dos aspectos inerentes à concessão da pensão militar às filhas maiores de 21 anos e capazes bem como sua ordem de vocação, matérias que foram sensivelmente alteradas nos últimos anos, principalmente após o advento da Constituição de 1988, e têm levado a debates controvertidos quanto a sua constitucionalidade e intepretação.


2. ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

Após o advento da Constituição de 1988, tornou-se controversa a concessão da pensão militar às filhas maiores de 21 anos e capazes, sob o argumento de afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, expresso no art. 5º, I do Diploma Maior.

Em que pese o comando constitucional formador do instituto da igualdade formal - consagrada no liberalismo clássico - deve-se aqui buscar o alcance da igualdade material, presente em diversos diplomas infraconstitucionais (v.g. art. 100, Inciso I; CPC) e na própria Constituição, tendo em vista que a igualdade material tem como objetivo orientar as leis, para que tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

O próprio constituinte mitiga o princípio da igualdade estabelecendo desigualdades entre homens e mulheres em direitos e obrigações, destacando-se as seguintes diferenciações: a) art. 5º, L (condições às presidiárias para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; b) art. 7º, XVIII e XIX (licença-maternidade e licença-paternidade); c) art. 7º, XX (dispõe sobre a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei); d) art. 143, §§1º e 2º (serviço militar obrigatório); e) arts. 201, §7º, I e II; 201, §8º; art. 9º da EC n. 20/98; art. 40 da CF/88; art. 8º da EC n. 20/98; arts. 2º e 6º da EC n. 41/03 – Reforma da Previdência – dentre outros (regras sobre aposentadoria).

Diante de tais hipóteses, o cerne da questão consiste em definir até que ponto a desigualdade não gera inconstitucionalidade.

Conforme demonstram ARAÚJO e NUNES JÚNIOR (2006), "... o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereceriam tratamento diverso... buscando concretizar, uma igualdade de oportunidades com os indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições" [01]. Enfocando tais grupos a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, chamadas discriminações positivas ou affirmative actions, presentes em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.

Exemplificando a hipossuficiência histórica da mulher, apontamos seu enquadramento no mercado de trabalho brasileiro. É sabido que as mulheres encontraram muitas dificuldades no estabelecimento de sua autonomia profissional, recebendo salários muito inferiores aos dos homens, exercendo em sua grande maioria atividades de média e baixa qualificação. Além dessas dificuldades, ainda enfrentam muitas vezes a dupla jornada de trabalho ou trabalho redobrado (no emprego e no lar).

Além de receberem baixos salários e de exercerem a dupla jornada de trabalho, as mulheres foram e ainda são vítimas de preconceitos (por exemplo, o da chamada "inferioridade" do sexo feminino em relação ao masculino) e abusos (por exemplo, o assédio sexual no trabalho) que mostram claramente o tratamento desigual a que estavam sujeitas. Ainda hoje, apesar de grandes conquistas, o caráter patriarcal e machista da sociedade brasileira está na base da marginalização profissional da mulher [02].

Cabe aqui ressaltar, como mais um exemplo da dificuldade de inserção da mulher no mercado de trabalho, a indicação de Ellen Gracie Northfleet ao STF. Tomando posse em 14.12.2000, foi a primeira mulher a integrar a Suprema Corte brasileira, após quase 200 anos desde sua instituição (como Casa da Suplicação do Brasil, ainda na fase colonial em 10.05.1808, e Supremo Tribunal de Justiça, em 09.01.1829).

Tais fatores históricos, conjugados a quase 20 anos de governo ditatorial militar no Brasil justificam a constitucionalidade da concessão de pensão vitalícia às filhas maiores e capazes de militares, que, diferentemente dos outros indivíduos, ainda sofreram culturalmente e socialmente no seio familiar, pressões, oriundas dos resquícios da ditadura e repressão à sua independência e inserção no mercado de trabalho.

Por sua vez, o instituto de previdência e assistência social possui caratér de direito social, amparado pelo art. 6º da Constituição, e reconhecido como direito fundamental, sua supressão arbitrária ou de seus benefícios, em qualquer aspecto, acarretaria em ilegalidade frente ao princípio da vedação ao retrocesso social [03].

O conteúdo negativo, subjacente a qualquer princípio - que, no caso, prevalece sobre o positivo - refere-se à imposição ao legislador de, ao elaborar os atos normativos, respeitar a não-supressão ou a não-redução, pelo menos de modo desproporcional ou irrazoável, do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais sociais já tenham alcançado por meio da legislação infraconstitucional, isto é, por meio da legislação concretizadora dos direitos fundamentais sociais insertos na Constituição.

Afirma-se, com efeito, que o princípio da proibição de retrocesso social é um princípio constitucional, com caráter retrospectivo, na medida em que tem por escopo a preservação de um estado de coisas já conquistado contra a sua restrição ou supressão arbitrárias.

Em verdade, a proibição do retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à previdência social), impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — como observado na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais [04].

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Sendo assim, é oportuno que se entenda que a proteção especial conferida às filhas de militares através da pensão militar, constitui, sem dúvida, um direito social garantido pelo Estado, de modo que sua supressão deve operar-se de modo gradativo, e não arbitrário, de modo a não violar o núcleo essencial dos direitos constitucionalmente assegurados.

Em que pese os divergentes julgados da justiça federal, em primeira e segunda instâncias, a administração pública, através do Tribunal de Contas da União, já se pronunciou nos Acórdãos nº 797/2005 e nº 2.886/2006 acerca da constitucionalidade e legalidade da concessão [05].

Além do TCU, o Superior Tribunal de Justiça, teve a oportunidade de manifestar-se sobre o tema, opinando, majoritariamente, pela constitucionalidade da concessão do benefício [06].

Segundo etendimento do Ministro Nilson Naves, não devem prosperar as alegações de não-recepção da Medida Provisória de 2001, uma vez que presente alguma antinomia com a Carta Magna, dever-se-ia reconhecer a inconstitucionalidade da Medida. Ainda em seu voto, destaca os retro citados acórdãos do TCU pela constitucionalidade da Medida Provisória 2.215-10/01 e frisa a presença da norma de transição, que não deve ter sua eficácia negada.

Conforme do voto do Ministro Paulo Galloti: "A redação do art. 31 da MP nº 2.215/2001 deixa clara a intenção do legislador de assegurar ao militar o direito à manutenção dos benefícios previstos na Lei nº 3.675/1960, dentre os quais se inclui o pensionamento das filhas maiores de 21 anos".

Finalmente, o Ministro Hamilton Carvalhido reitera o entendimento acerca da norma de transição, votando pela sua legalidade e vai além, ensinando que a invocação da igualdade entre os sexos, conduziria ao reconhecimento do direito aos excluídos e não o contrário, ou seja, para fazer valer o comando constitucional da igualdade, dever-se-ia garantir o benefício aos beneficiários maiores do sexo masculino em vez de excluir os do sexo feminino.

Com relação à ordem de prioridades da concessão da pensão, deve-se, sob a nova ótica constitucional, priorizar a família socioafetiva, à luz da dignidade da pessoa humana, com destaque para a função social da família, consagrando a igualdade absoluta entre os cônjuges (art. 226, §5º) e os filhos (art. 227, §6º).

O principal ponto da interpretação e aplicação do Direito de família é o princípio da dignidade humana, que deve ser usado em sua plenitude para resolver as questões pragmáticas que permeiam as relações familiares. Mais ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana é o alicerce de um novo Direito de Famíla, pois a família passa a realizar os objetivos idealizados por cada membro, que passa a ser reconhecido na sociedade, gozando a partir de então de proteção constitucional.

A Constituição de 1988 reconhece especificamente a igualdade entre filhos havidos dentro ou fora da relação do casamento, por adoção, não se admitindo qualquer tipo de discriminação entre ambos, conforme o artigo 227, § 6°. Obedecendo o comando constitucional, não se pode admitir distinção entre os filhos legítimos, naturais ou adotivos, quanto ao nome, direito a alimentos, sucessão, pensionamento, bem como às regras do poder familiar.

A Constituição consagra a solidariedade familiar, que não pode ser pensada somente no âmbito do pagamento de alimentos ou no âmbito patrimonial, mas sim de forma afetiva e psicológica, uma vez que ela se faz necessária nos relacionamentos pessoais. Implica também em respeito e consideração mútua em relação aos membros da família.

De acordo com a lição de Cristiano Chaves de Farias, "Eleito como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoa humana, de forma revolucionária, veio a se coadunar com a nova feição da família, passando a garantir proteção de forma igualitária todos os seus membros e descendentes".


3. EVOLUÇÃO DA ARQUITETURA FAMILIAR E A PENSÃO MILITAR NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

A família constitui o grupamento de raça, caracteres e gêneros semelhantes, resultado da afinidade de gênios, representando gerericamente uma reunião de espécimes dentro da mesma organização social. Juridicamente, todavia, a família emana, de maneira simplista, da união de dois seres que se elegem para uma vida em comum, através de um contrato, dando origem à própria prole ou agregando outros indivíduos ao núcleo familiar pelo instituto da adoção.

O homem, dotado de maneira inata de um instinto gregário - por exigência da própria preservação da vida - viu-se, desde os primórdios da civilização, conduzido à necessidade da cooperação recíproca, a fim de sobreviver em face das circunstâncias naturais de cada fase de seu desenvolvimento: "Formando os primitivos agrupamentos em semibarbárie, nasceram os pródromos das eleições afetivas, da defesa dos dependentes e submissos, surgindo os lampejos da aglutinação familial" [07].

De acordo com lição de Cristiano Chaves de Farias , "a família na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico e como fenômeno social, motivo pelo qual é preciso compreendê-la por diferentes ângulos (perspectivas científicas), numa espécie de paleontologia social".

A palavra "família" deriva do termo em latim "famulus", que por sua vez quer dizer "escravo doméstico". Este termo foi criado na Roma Antiga de modo a designar um novo grupo social, que surgiu entre tribos latinas, ao serem introduzidas à agricultura e também à escravidão legalizada.

No direito romano, a família baseava-se no princípio da autoridade, onde o pater famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis), prevalecendo um modelo transpessoal, hierarquizado e patriarcal. No patriarcado romano, o pai, além de encarnar a lei e a autoridade, era investido de um poder quase divino. Baseado em tal poder, ao patriarca era permitido vender os filhos, impor-lhes castigos, penas morais e corporais e até mesmo por fim às suas vidas.

Outra característica marcante da família romana, era a exclusiva administração do patrimônio pelo pater. Somente em uma fase mais evoluída do direito romano surgiram os patrimônios individuais, como os pecúlios, administrados por pessoas que estavam sob a autoridade do líder familiar. Com o tempo, a severidade das regras foi atenuada, de modo que as necessidades militares estimularam a criação de patrimônio independente para os filhos [08].

Com a ascenção da Igreja e a aceitação do cristianismo pelo imperador Constantino, durante o século IV, mudam-se os paradigmas da organização familiar, passando esta a ostentar um caráter cristão, onde predominam valores de ordem moral. Aos poucos foi então a família romana evoluindo no sentido de se restringir progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autonomia à mulher e aos filhos, passando estes a administrar os pecúlios castrenses (vencimentos militares) [09].

As relações familiares na Idade Média passaram a ser regidas exclusivamente pelo direito canônico, que reconhecia apenas o casamento religioso, sendo este um vínculo indissolúvel. Além das regras romanas, as regras de origem germânica passaram a ter muita influência no que tange ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a família brasileira, com sua estrutura atual, sofreu influência da família romana, da família canônica e da família germânica. O Código Civil de 1916 reconhecia apenas a família matrimonial com um modelo patriarcal e hierarquizado, patrimonialista e heterossexual, atribuindo as funções do homem e da mulher e determinando regras de conduta para cada um.

Durante essa época predominava a atividade rural familiar, transformando a família em uma "unidade de produção", de modo que quanto mais filhos, maior a força de trabalho aumentando as condições de sobrevivência, importando menos os laços afetivos. Essa forma estruturada visava ao aumento do patrimônio e sua transmissão aos herdeiros. Reflexo da família romana, a administração familiar e patrimonial ficava sobre a exclusiva autoridade do homem, que determinava o destino de todas as pessoas a ele subordinadas. À mulher cabia apenas o papel de esposa e mãe, ficando inteiramente à margem da direção familiar.

A constituição de 1988, veio dar novos contornos aos conceitos que foram sendo incorporados paulatinamente à sociedade e aos núcleos familiares, absorvendo as transformações sociais e conferindo novos valores jurídicos a tais relações.

De acordo com o valioso ensinamento de TEPEDINO (2004), a preocupação central de nosso tempo é com "a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social" [10].

A Constituição de 1988 estabelece diretrizes condizentes com o princípio da afetividade, passando a família a adotar o modelo eudemonista (doutrina segundo a qual a felicidade é o objeto maior de realização da vida humana). Busca-se assim a promoção da dignidade de cada um de seus membros, funcionando como um pilar de sustentação para o alcance da felicidade e desenvolvimento plenos.

O tratamento dispensado pelo Direito de Família atual aos novos modelos de família, está disciplinado pelos artigos 226 a 230 da Constituição Federal de 1988, desdobrando-se nos seguintes princípios protetivos: da pluralidade, ou multiplicidade da nova Família Constitucional (art. 266, §§ 3º e 4º), ; da isonomia entre homem e mulher, conferindo direitos e obrigações recíprocos (art. 266, § 5º); da igualdade entre filhos, sendo vedada qualquer tipo de discriminação entre filhos havidos dentro ou fora do casamento, ou ainda adotados (art. 227, § 6º); da facilitação da dissolução do casamento; da paternidade responsável e planejamento familiar (art. 227).

Observa-se que todos os princípios são forjados primordialmente no princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana, modificando a concepção que reconhecia a família somente centrada no casamento e adotando o conceito de que a família é o gérmem para o desenvolvimento dos caracteres morais mais nobres do ser humano, como a solidariedade, a ajuda recíproca, a troca enriquecedora e os laços afetivos. Um verdadeiro "LAR": Lugar de Afeto e Respeito [11].

A pensão militar, no Brasil, sempre foi atrelada intimamente à estrutura famíliar, e baseada nos princípios da solidariedade e necessidade. O Estado confere, através do benefício, a assistência à família do militar ausente. Desta forma, os regulamentos fixadores das regras para concessão do benefício, habilitação de dependentes etc. devem amoldar-se de forma dinâmica à família, mormente frente às transformações de cunho social ocorridas a partir da Constituição de 1988. O fracasso do legislador em atualizar a legislação aos contornos dinâmicos da família, reflete não só um retrocesso social, mas propicia celeuma no seio familiar e muitas vezes cria rivalidade e intolerância entre seus membros.

Como exemplo da necessidade de adequação da legislação militar ao modelo familiar contemporâneo, podemos citar descompassos como a adição de cotas-partes de filhas maiores de idade e capazes ao benefício de suas mães e a falta de igualdade entre filhas concebidas no matrimônio e fora deste, no que tange à incorporação de cotas-partes.

Outro problema gerado pela evolução da estrutura familiar, com relação às pensões, é a inserção da mulher no mercado de trabalho e a igualdade entre sexos adotada pela Constituição de 1988. Hoje, as filhas maiores e capazes dos atuais militares não mais fazem jus à pensão vitalícia, o que reflete a adequação legislativa às mudanças sociais. Todavia, àqueles militares que estavam ativos quando da extinção do benefício, foi editada regra de transição, mantendo os benefícios às filhas maiores e capazes.

A diferenciação entre sexos pode causar estranheza em um primeiro momento, mas torna-se natural quando se analiza a "família militar" em uma perspectiva histórica, permeada pela Ditadura Militar em períodos de exacerbado conservadorismo e repressão.

Na família vigente antes da constituição de 1988, principalmente uma família militar, o chefe de família passava dias, semanas ou até meses ausente - prestando serviço nos quartéis ou em missões e viagens oficiais. Desta forma incumbia à matriarca a mantença do lar, com os recursos enviados pelo militar, bem como a criação dos filhos, que ficavam sob sua dependência na ausência do pai, conforme art. 380 do Código Civil de 1916: "Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)"

Com as restrições da inserção da mulher no mercado de trabalho, às filhas solteiras competia auxiliar suas mães nas tarefas do lar, mesmo enquanto maiores. Não lhes era dada autonomia na gerência dos bens do casal, tampouco autonomia para o trabalho, vivendo sob o jugo de sua mãe até a morte desta ou até o matrimônio, quando o marido passava a prover suas necessidades e sustento.

Diante de tais fatos, o legislador pátrio criou dispositivos incumbidos de suprir tais deficiências, deferindo benefícios custeados pelos cofres públicos, como se observa na Lei nº 3.373, de 12.03.1958, que dispõe sobre o "Plano de Assistência ao Funcionário e sua Família", que estabelecia no parágrafo único do art. 5º, que a "filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente". Da mesma maneira, a Lei nº 3.765, de 04.05.1960, regulando as pensões militares, passou a conceder ao estamento militar, tal benefício.

Conclui-se assim que a legislação - tanto no âmbito do Direito de Família, como no âmbito da Pensão Militar - tem sido incapaz de adequar-se precisamente às mudanças rápidas e sucessivas da estrutura familiar, uma vez que esta apresenta um dinamismo contínuo, vinculado à própria evolução moral, cultural e tecnológica da sociedade, cabendo ao intérprete, mais que nunca, suprir tais deficiências considerando todos os matizes históricos, teleológicos e sociais das leis pertinentes ao tema.

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Sobre o autor
Rodrigo Cardoso Magno

Servidor Público Federal.<br>Especialista em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGNO, Rodrigo Cardoso. Pensão militar: a legalidade da concessão às filhas maiores de 21 anos e capazes e a controvérsia da ordem de prioridades para seu deferimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2732, 24 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18104. Acesso em: 20 abr. 2024.

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