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A inconstitucionalidade da Lei nº 2.290/2000 do Município de Foz do Iguaçu.

Exigência de sexo feminino para cargo público

23/10/2010 às 15:12
Leia nesta página:

I – A Lei Municipal 2290/2000 (e alterações posteriores)

A lei número 2290 de 2000 do Município de Foz do Iguaçu - PR tem por objeto dispor sobre o quadro de pessoal do FOZTRANS – Instituto de Transportes e Trânsito de Foz do Iguaçu.

Essa lei, com a redação atual, estipula, dentre outros, quais são as atribuições do cargo de Orientadora de Estacionamento Rotativo, além de estabelecer as exigências para que tal cargo seja ocupado.

O cargo de Orientadora de Estacionamento Rotativo é assim descrito:

"Realiza os serviços e controla a freqüência de uso do estacionamento regulamento nas vias públicas de Foz do Iguaçu, notificando os condutores cujos veículos estejam estacionados irregularmente, indicando em formulário próprio à (sic) irregularidade cometida, informando os locais de regularização e venda de blocos de cartões de estacionamento, efetuando a regularização dos avisos de irregularidade, orientando os condutores em suas dúvidas quanto ao uso do estacionamento das vias públicas; elabora relatório resumo do trabalho realizado, apresentando dados quantitativos das ocorrências registradas ao seu chefe imediato; submete-se a treinamentos propostos pela Instituição, visando a melhoria na execução das tarefas.

A lei, em seu anexo, estabelece como exigência para o exercício do cargo de Orientadora de Estacionamento Rotativo ser do sexo feminino.

A exigência da lei é inconstitucional, como adiante se provará, já que viola o princípio da isonomia ao vedar a concorrência de pessoas do sexo masculino para o cargo de Orientadora de Estacionamento Rotativo.


II – O DIREITO

i) O princípio da isonomia

Convém, antes de adentrar ao tema central, traçar algumas observações a respeito do princípio da isonomia, constitucionalmente garantido em nossa Magna Carta, em seu art. 5º, caput.

Não poucos doutrinadores de tomo se têm ocupado deste princípio, sempre destacando sua importância e a necessidade de sua perfeita compreensão, a fim de que não sejam criadas situações injustamente desiguais.

Em excelente opúsculo sobre o conteúdo jurídico do princípio da igualdade, Celso Antônio Bandeira de Mello [01] demonstra três critérios para que se identifique o desrespeito ao princípio da isonomia, conforme, em síntese, transcreve-se:

a)o elemento escolhido como fator de desigualação;

b)a correlação lógica entre o elemento discriminador e a diferença estabelecida no tratamento jurídico desigual;

c)por fim, a relação de consonância dos dois critérios anteriores com os interesses absorvidos no sistema constitucional.

Celso Ribeiro Bastos [02], constitucionalista de indiscutível prestígio, assevera, por sua vez, que para a aferição do princípio da igualdade há que considerar o binômio:

a)elemento discriminador;

b)finalidade da norma.

Como bem se vê, ambos juristas concordam ao estabelecer os critérios discriminadores, ainda que o segundo de forma mais sintética do que o primeiro.

Assim, sempre que se fizer uma lei, é necessário perquirir se o discrímen por ela estabelecido tem correlação com a finalidade da norma, e, por fim, com o sistema constitucional.

Deste modo, aduz-se que não basta a igualdade perante a lei, mas sim, igualdade na lei. A primeira diz respeito à igualdade a que estão jungidos os aplicadores da lei; a segunda, por sua vez, diz respeito à igualdade a que o legislador está obrigado a dispensar a todos ao editar a lei. Quem cria uma norma não pode criar uma desequiparação que não tenha fundamento numa razão de iniludível importância para o bem público.

Feitas essas considerações, vejamos em quê a Lei em comento viola o princípio da isonomia.

ii) Violação do princípio da isonomia

A Lei em comento traz um discrímen descabido, porque eivado do supremo vício da inconstitucionalidade, ao desigualar situações que de per si são iguais. Ao estabelecer como exigência para o ingresso no cargo de Orientador(a) de Estacionamento Rotativo Júnior que seja o candidato de sexo feminino, sendo que não há relação entre a atividade desenvolvida e o sexo dos que a desenvolvem.

O Orientador de Estacionamento atenderá ao público indistintamente, tanto homens quanto mulheres, trabalhará na rua, fiscalizando e orientando as pessoas sobre as regras atinentes ao trânsito. Essa atividade pode ser desenvolvida tanto por uma pessoa do sexo masculino quanto por uma pessoa do sexo feminino.

Não existe nenhuma razão de ordem lógica ou jurídica para que tal atividade seja realizada apenas por mulheres. Tanto é assim que, em outras cidades, homens também desempenham essas atribuições.

A finalidade do cargo é a fiscalização do trânsito, sendo assim, pode ser exercida por pessoas de quaisquer sexos. A discriminação proposta pela Lei é meramente fetichística, desprovida de de qualquer fundamento.

Destarte, pergunta-se: é racional, ou ao menos razoável, a escolha deste critério discriminador, tendo-se em vista a finalidade da norma? A resposta é indubitavelmente negativa. Não há relação entre o sexo do candidato e a capacitação para exercer a fiscalizadora de Orientador(a) de Estacionamento Rotativo Júnior.

"Não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais" ensina Celso Antônio Bandeira de Mello [03]. E, de fato, não a situação de fiscalização é igual, quer quem fiscalize seja de um ou de outro sexo.

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Enfim, a referida Lei viola, a toda evidência, o princípio da isonomia erigido constitucionalmente.

iii) A Lei 2290/2000 versus art. 37 da Carta Constitucional

Convém, ainda, observar que a Lei 2290/2000, inegavelmente, contrasta, com a norma preceituada pelo artigo 37 da Constituição Federal, que estatui a submissão da Administração Pública aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A Lei contém norma que impede o livre acesso ao concurso público (art. 37, II da CF), sem que haja correlação com a função a ser exercida. Neste sentido, assenta à fiveleta reproduzir os ensinamentos de José Afonso da Silva [04]: "O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente realizar o princípio do mérito (...)".

Mais uma vez é claro, mesmo diante de olhos desarmados, que a Constituição Federal foi violada pela Lei 2290 do Município de Foz do Iguaçu, pois há critério de seleção dos participantes que destoa da finalidade e das atribuições do cargo.

Ademais, claro está que a Lei vigente impede, ainda que implicitamente, a total deflagração do princípio do concurso público, ao estipular um critério desarrazoado para eliminar parte dos candidatos.

iv) Vedação à discriminação sexual

A Constituição Federal, em seu art. 6º, inc. XXX, elenca como direito fundamental social a vedação da utilização de critério de admissão fundamentado em sexo, cor, idade ou estado civil.

Essa norma vem corroborar o art. 5º, inc. I, da Constituição, que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

O art. 39, §3º da CF, por sua vez, diz que o art. 6º, inc. XXX, se aplica aos servidores ocupantes de cargos públicos, admitindo que a lei estabeleça requisitos diferenciados quando a natureza do cargo o exigir.

Então, para que seja possível um tratamento desigual, há de haver lei. No entanto, não basta que haja a lei, a natureza do cargo há de exigir a existência de tal lei. É a natureza do cargo o critério constitucional que dará fundamentação para a validade da lei que estipule uma desigualdade.


III – CONCLUSÃO

Diante do exposto, evidencia-se que a Lei Municipal 2290/2010 viola:

a)o princípio da igualdade, insculpido na norma do caput do art. 5º da Lei Magna; e

b)o princípio do livre acesso aos cargos públicos, ou princípio do concurso público, estabelecido pelo art. 37 da Lex Legum.

Assim sendo, tal exigência deve ser eliminada da Lei, tendo em vista sua inconstitucionalidade, permitindo que o cargo de Orientadora de Estacionamento Rotativo seja ocupado por pessoas de todos os sexos.


Notas

  1. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Malheiros, 3ª edição, p. 21.
  2. BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 15ª edição, p. 168.
  3. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Malheiros, 3ª edição, p. 35.
  4. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 21ª edição, p. 659.
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Sobre o autor
Luiz Roberto Lins Almeida

advogado em Campo Grande/MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Luiz Roberto Lins. A inconstitucionalidade da Lei nº 2.290/2000 do Município de Foz do Iguaçu.: Exigência de sexo feminino para cargo público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2670, 23 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17678. Acesso em: 25 abr. 2024.

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Título original: "A inconstitucionalidade da Lei nº 2.290/2000 do Município de Foz do Iguaçu".

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