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Legitimidade do Ministério Público Federal e a competência para ações de improbidade administrativa decorrentes de convênio com verbas federais

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23/09/2010 às 14:22
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Estuda-se a competência da Justiça Federal e a legitimidade do MPF para a propositura de ação de improbidade administrativa em face de gestores, por má execução de convênios que envolvam repasse de verbas federais.

Resumo: O presente artigo analisa a competência da Justiça Federal e a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura de ação de improbidade administrativa em face de gestores, por má execução de convênios que envolva repasse de verbas federais. Será tratada a questão abordando as posições de juristas e dos tribunais brasileiros. Busca-se a definição de uma matéria que ainda hoje gera decisões conflitantes, favorecendo à má utilização do patrimônio público.

Palavras-chave: Ministério Público Federal. Justiça Federal. Legitimidade. Competência. Convênio. Fiscalização. Improbidade.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 2. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS POR MEIO DE CONVÊNIO. 3. – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. 4 – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA FISCALIZAÇÃO DOS CONVÊNIOS DE REPASSE DE VERBAS FEDERAIS. 5 – COMPETÊNCIA x LEGITIMIDADE ATIVA. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

Não dúvidas de que a realidade federativa brasileira, com uma preponderância exacerbada da União, deixa os municípios em uma situação de dependência econômica em relação aos demais entes, sobre tudo da União. Com forma de mitigar essa relação, bem como permitir aos municípios a realização de obras de maior escala, pois de outra forma não teriam condições financeira, a União celebra convênios com os municípios para repasse de verbas federais para realização de obras ou serviços.

Seja por corrupção ou mesmo desconhecimento da Lei, não é incomum a não execução ou execução irregular desses convênios, o que em última instância pode configurar crime ou ato de improbidade administrativa. Apesar da legitimidade da própria União para propositura de eventual ação civil pública por ato de improbidade administrativa, na maioria dos casos, há omissão por parte União, restando ao Ministério Público Federal a responsabilidade por essas ações.

Se já não bastasse o descaso em responsabilizar administradores que utilizam inadequadamente verbas federais transferidas por meio de convênio, a União quando intimada para manifestar seu interesse em integrar a lide nas ações propostas pelo MPF, não o faz com o fundamente de que não possui interesse. Essa atitude tem levada muitos Juízes Federais a declinarem a competência para julgamentos das ações. Em igual sentido há decisões de Tribunais Regionais Federais e mesmo do Superior Tribunal de Justiça.

Tais decisões se equivocam ao confundirem competência e legitimidade ativa para as ações. Para uma real compreensão da questão, diversos pontos correlatos necessitam de análise, para que então possamos definir se o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para propositura dessas ações na Justiça Federal.

Para uma abordagem definitiva da questão, devemos inicialmente analisar a competência constitucional da Justiça Federal, solucionando a questão se a mera presença do Ministério Público Federal é suficiente para atribuir a competência à Justiça Federal. Definido este ponto, será preciso analisar a legitimidade ativa do MPF para fiscalização dos convênios de repasse de verbas federais.


1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Quanto a competência da Justiça Federal, a Constituição Federal determina:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Abordando o tema da competência, a necessidade de sua definição e seu conceito, Piero Calamandrei afirma que:

(...) por um fenômeno de metonímia: de medida subjetiva dos poderes do órgão judicial, passa a ser entendida, praticamente, como medida objetiva da matéria sobre a qual está chamado em concreto a prover o órgão judicial, se entendendo deste modo por competência de um juiz o conjunto de causas sobre as quais ele exercer, segundo lei, sua fração de jurisdição [01].

1.1 - Competência Ratione Personae

Justiça Federal foi criada para o processamento e julgamento das ações em que atuar, direita ou indiretamente, ou que envolvam interesses da União e da Administração Federal direta ou indireta. Trata-se competência ratione personae, ou seja, leva em consideração exclusivamente as qualidades das pessoas envolvidas no litígio. De acordo com o citado artigo, a Justiça Federal cível julgará exclusivamente as ações em que as pessoas descritas no inciso I se encontrem na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.

Por consequência, a competência da Justiça Federal é absoluta e inderrogável, que no entender de Grinover, Cintra e Dinamarco é:

(...) competência que não pode jamais ser modificada. Iniciado o processo perante o juiz incompetente, este pronunciará a incompetência ainda que nada aleguem as partes (CPC, art. 113; CPP, art. 109), enviando os autos ao juiz competente; e todos os atos decisórios serão nulos pelo vício de incompetência, salvando-se os demais atos do processo, que serão aproveitados pelo juiz competente (CPC, art. 113, § 2o; CPP, art. 567) [02].

Por consequência, para definição da competência da Justiça Federal, será necessária a análise das partes envolvidas no litígio.

1.2 – Ministério Público Federal como Órgão da União

De uma maneira geral, a possibilidade de ser parte em demanda judicial está relacionada com a personalidade jurídica. Entretanto, a lei processual reconhece a entes mesmo despersonalizados a possibilidade de ocuparem a posição de parte no processo. Sobre o tema José dos Santos Carvalho Filho:

De um tempo para cá, todavia, tem evoluído a ideia de conferir capacidade a órgão públicos para certos litígio. Um desses casos é a impetração de mandados de segurança por órgãos públicos de natureza constitucional, quando se trata de defesa de sua competência, violada por ato de outro órgão. Em consequência para exemplificar, a Assembleia Legislativa Estadual, a par de ser órgão com autonomia financeira expressa no orçamento do Estado, goza, legalmente, de independência organizacional. É titular de direitos subjetivos, o que lhe confere a chamada "personalidade judiciária", que a autoriza a defender os seus interesses em juízo. Tem pois capacidade processual [03].

É esse justamente o caso do Ministério Público. Entretanto, neste caso, a capacidade processual é inerente a sua condição constitucional de função essencial à Justiça. O Ministério Público Federal está investido de capacidade processual, mas, independentemente disso, mantem sua condição de órgão federal, constitucionalmente previsto.

Os órgão públicos surgiram da necessidade de organização e repartições das atividades desempenhadas pelo Estado. CARVALHO FILHO (2007, p. 13) o conceitua como sendo: "o compartilhamento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado [04]".

Justamente por isso, em toda e qualquer ação em que seja parte, caberá a Justiça Federal, e apenas a ela, processar e julgar o feito. Por tal motivo que, os Mandados de Segurança impetrados pelo MPF são sempre julgados pela Justiça Federal, mesmo que não tenha a União em qualquer polo da ação.

Essa posição é adotada em diversas decisões dos Tribunais Brasileiro, podendo citar o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [05], Tribunal Regional Federal da 5ª Região [06] e até mesmo o Superior Tribunal de Justiça por meio de sua Primeira Seção:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA POR MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E ENTE FEDERAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PÚBLICOS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. REQUERIMENTO DE INGRESSO COMO LITISCONSORTE ATIVO.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

(...)

3. O mero requerimento do Ministério Público Federal para ingressar como litisconsorte ativo na ação, por entender estar configurado ato de improbidade administrativa, desloca a competência para a Justiça Federal, já que só a esse Juízo compete admitir ou não a formação do litisconsórcio, consoante o enunciado da Súmula 150/STJ.

(...)

(CC 100.300/PI, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009).

Entretanto, não é incomum decisões em contrário, em especial do TRF1 e até mesmo do STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - EX-PREFEITO - IRREGULARIDADE NA APLICAÇÃO DE VERBAS FEDERAIS REPASSADAS, MEDIANTE CONVÊNIO (FNDE), A MUNICÍPIO - AÇÃO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DE DESINTERESSE DA UNIÃO E DO FNDE EM INTEGRAR A LIDE - ART. 109, I, DA CF/88 - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - COMPETÊNCIA ABSOLUTA - DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO - ART. 113 E § 2º, DO CPC.

I - O egrégio STJ, em ações de improbidade administrativa, tem reiteradamente entendido que, ainda que o feito diga respeito a verbas federais repassadas a Município, mediante convênio, a competência da Justiça Federal - que é fixada ratione personae, no art. 109, I, da CF/88 -, só se firma quando a União, autarquia ou empresa pública federal integram o feito, na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes. Aquela colenda Corte tem, assim, decidido pela competência da Justiça Estadual, em ação de improbidade administrativa envolvendo repasse de verba federal, mediante convênio, se é ela ajuizada apenas pelo Município ou pelo Ministério Público Estadual ou Federal, se a lide não é integrada pela União, autarquia ou empresa pública federal (CC 97.391, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 13/08/2008; CC 102749, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 11/03/2009; CC 99.482, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 07/04/2009).

II - "A ação de improbidade proposta pelo município contra o seu ex-prefeito, por falta de prestação de contas do convênio firmado com órgão descentralizado da União (FNDE), embora tratando-se de verba federal, deve ser processada junto à Justiça do Estado, em face da demonstração de desinteresse da União na causa. Em matéria cível, não basta que haja o interesse da União ou de entidade federal para que se tenha como firmada a competência da Justiça Federal, senão que esteja ela ou suas entidades na relação processual, como autora, ré, assistente ou opoente (art. 109, I - CF), não valendo para essas hipóteses a invocação da Súmula nº 208 do STJ." (Ag. 2006.01.00.020118-1/PA, Rel. Juiz Federal Convocado Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 3ª Turma do TRF/1ª Região, unânime, DJU de 27/10/2006).

III - Prepondera a orientação jurisprudencial, no TRF/1ª Região, no sentido de que, em ação de improbidade administrativa que diga respeito a verbas federais repassadas a Município, "o só fato de o Ministério Público Federal figurar como autor da ação não basta, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal" (AI 2008.01.00.064016-0/PI, Rel. Juiz Federal Convocado Ricardo Felipe Rodrigues Macieira, e-DJF1 de 20/03/2009, p. 186), ou de que o Parquet "não pode sobrepor-se à manifestação da União Federal quando esta afirma categoricamente não ter interesse em integrar o feito" (AI 2006.01.00.028330-9-BA, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, DJU de 10/08/2007, p. 44).

IV - Ajuizada ação de improbidade administrativa tão somente pelo Ministério Público Federal contra ex-Prefeito e dois outros réus, em face de supostos atos ímprobos relacionados à aplicação de verbas federais repassadas, ao Município, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, mediante convênio, firma-se a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito, ante a expressa manifestação de desinteresse da União e do FNDE em integrar a lide.

V - A competência da Justiça Federal, prevista no art. 109, I, da CF, é absoluta, e, como tal, pode ser declarada de ofício, com anulação dos atos decisórios e determinação de remessa dos autos à Justiça Estadual, a teor do art. 113 e § 2º, do CPC.

VI - Declarada, de ofício, a incompetência da Justiça Federal.

VII - Apelação prejudicada.

(AC 2005.39.00.010034-5/PA, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma,e-DJF1 p.100 de 26/06/2009)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RESSARCIMENTO PROPOSTA POR MUNICÍPIO EM FACE DE EX-PREFEITO POR DESVIO DE VERBAS. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA AUTARQUIA FEDERAL EM INGRESSAR NO FEITO. RECURSOS TRANSFERIDOS AO ERÁRIO MUNICIPAL POR FORÇA DE CONVÊNIO COM A UNIÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SÚMULA 209/STJ.

- Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação de ressarcimento movida por Município contra ex-prefeito, pela não aplicação de verbas federais repassadas por força de convênio, objetivando a estruturação de estabelecimento de ensino da municipalidade.

- Ausência de manifestação de interesse da Autarquia Federal em ingressar no feito, tendo em vista que a verba pleiteada já está incorporada ao patrimônio municipal.

- "Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal" – Súmula 209/STJ.

- Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito de Nova Olinda do Norte.

(CC 34.089/AM, Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJ 24.06.2002, pág. 179)

Assim, nos termos do art. 120, parágrafo único, do CPC, CONHEÇO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL DE GUARULHOS - SP, o suscitante." (CC 102749, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 11/03/2009)

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Conclui-se que toda e qualquer ação proposta pelo Ministério Público Federal, ou naquelas em que intervier, somente poderá ser processada e julgada pela Justiça Federal, salvo exceções constitucionais.

Não que o MPF possa propor qualquer ação, mas a questão será de ilegitimidade ativa do MPF e não de competência. Se a questão fosse de incompetência, a ação poderia prosseguir no juízo competente, o que não é possível diante da ausência eventual de legitimidade, onde haverá extinção do feito sem julgamento do mérito.

Ao se adotar posição contrária, dever-se-ai remeter à Justiça Estadual todos os Mandados de Segurança impetrados pelo Ministério Público Federal onde não se encontre no Polo Passivo a União, entidade autárquica ou empresa pública federal. Ora, a fixação da competência deve considerar se o órgão é Federal ou não, e essa natureza é a mesma da ostentada pela pessoa jurídica de que faz parte.

Dessa forma, conclui-se pela Competência da Justiça Federal para processar e julgar ações de improbidade administrativa propostas pelo Ministério Público Federal.

1.3 - Princípios sobre a Competências

No que se refere a questão principiológica da competência, dois princípios se destacam, juiz natural e perpetuação da jurisdição, sendo extremamente pertinentes ao debate.

O princípio do Juiz Natural é o mais importante dos princípios relativos à competência jurisdicional. Doutrinando sobre este, Marinoni diz que:

(...) em toda a estrutura jurisdicional concebida, haverá um – e apenas um – órgão jurisdicional competente para examinar cada uma das causas existentes. Mais que isso, por essa garantia exige-se que a determinação desse órgão competente se dê por critérios abstratos e previamente estabelecidos, repugnando ao direito nacional a insituição de juízo de exceção (criados para certos casos determinados e ex post facto) [07].

Vincular a competência da Justiça Federal ao interesse da União de integrar a lide ignora toda a noção de juiz natural. Estando o MPF no polo ativo da ação de improbidade, a ação será de competência da Justiça Federal não porque eventualmente a União viesse a integrar a lide, e sim pela presença do Ministério Público Federal, além do interesse da União como se verá.

Já o princípio da perpetuação da jurisdição prevê que a fixação da competência ocorra no início do processo, no momento da propositura da ação. O mesmo autor sobre o tema disserta:

Assim, uma vez fixada fixada a competência para certa causa – que se dá com a propositura da ação – o órgão permanece competente até o final do processo, sendo totalmente irrelevante eventuais modificações futuras, no estado de fato ou de direito da causa, ou mesmo alterações legais, quanto às regras abstratas de competência [08].

Conclui-se que, qualquer análise da competência do órgão julgador, mesmo que feita posteriormente, deve apreciar os fatos e o direito do momento da propositura da ação. Há apenas duas exceções ao princípio da perpetuação da jurisdição. O primeiro se refere a supressão do orgão julgador, ou alteração da competência em razão da matéria ou hierarquia. Nenhuma das hipóteses se aplicam à discussão.

Discorrendo sobre a perpetuatio iurisdictionis, Arruda Alvim a define como sendo:

(...) a cristalização e subsistência dos elementos (de fato e de direito) em decorrência dos quais determinou-se a competência, inclusive do próprio critério legal. (...) O instituto da perpetuatio iurisdictionis prende-se à necessidade de estabilidade da competência de foro, em particular, e, assim, uma vez determinada e fixada esta, quaisquer modificações de fato ou de direito supervenientes são irrelevantes em sua estabilidade [09]. (ALVIM, 1996, p. 308-309)

O critério definidor da competência é legal, constitucional no caso da Justiça Federal, não estando sujeito a alteração por mera manifestação de desinteresse na causa. A simples manifestação do cedente não é suficiente para deslocar a competência para Justiça Estatual, se no caso este interesse se apresentar manifesto.

Sendo determinada ação proposta em face da União visando pleitear direito a que a parte autora atribui à União, mas que na verdade compete ao Estado, não será o caso de julgar incompetente a Justiça Federal. O Juiz Federal é competente, para, no caso, reconhecer a ilegitimidade passiva da União. Competente, pois na propositura da ação, a Ré era a União.

1.4 - Principio Federativo

Desde o surgimento da República brasileira, mais precisamente com a primeira Constituição Republicana, 1891, o Brasil adota a forma de Estado Federativa, surgida nos Estados Unidos ao final da guerra para libertação dos colônias inglesas.

Ao contrário do Federalismo Americano, que surgiu de um processo de agregação, tornando-se unidos Estados soberanos, o federalismo brasileiro teve sentido inverso, de um Estado unitário, segregou-se em diversos Estados-Membros autônomos.

Disso resultou que, na Federação brasileira, há um forte prevalência da União, possuindo uma certa supremacia sobre os entes menores. No Federalismo brasileiro, essa supremacia se apresenta, inclusive, na área jurisdicional, onde os Estados-Membros devem respeito às competências da União. Logo, a União, em regra, não se sujeita a jurisdição dos Estados, mas a recíproca não é verdadeira.

Conclui-se que, apesar de um Estado, ou qualquer órgão seu se sujeitar à jurisdição Federal, a União e seus órgão, ressalvadas as exceções constitucionais, não se sujeitam à jurisdição dos Estados.

Sendo proposta a ação pelo MPF, somente à Justiça Federal compete processar e julgar, pois somente este órgão estáconstitucionalmente habilitada a proferir sentença que vincule o Ministério Público Federal.

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E JUSTIÇA ESTADUAL. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. EXPLORAÇÃO DE BINGO.CONTINÊNCIA. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Havendo continência entre duas ações civil públicas, movidas pelo Ministério Público, impõe-se a reunião de ambas, a fim de evitar julgamentos conflitantes, incompatíveis entre si.

(...)

3. 3. É da natureza do federalismo a supremacia da União sobre Estados-membros, supremacia que se manifesta inclusive pela obrigatoriedade de respeito às competências da União sobre a dos Estados. Decorre do princípio federativo que a União não está sujeita à jurisdição de um Estado-membro, podendo o inverso ocorrer, se for o caso.

(...)

5. Conflito conhecido e declarada a competência do Juízo Federal" (CC 40.534/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, DJU de 17.05.04 - sem destaques no original)

1.5 – União Litisconsorte Facultativo

Por tudo o que foi considerado acima, e principalmente o que consta no item que trata de legitimidade, não resta dúvida quanto a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação de improbidade administrativa. Entretanto, a legitimidade é concorrente entre o Parquet e a pessoa jurídica de direito público, no caso a União. Resta definir a posição processual de um legitimado quando a ação for proposta pelo outro.

Na hipótese da ação ser proposta pela pessoa jurídica de direito público, a solução não apresenta dificuldade, sendo encontrada na própria Lei da Ação Civil Pública, art. 17, §4º, devendo o órgão do Ministério Público atuar como custus legis, sob pena de nulidade do processo.

Já quando a ação é proposta pelo Parquet, a pessoa jurídica interessada deverá ser intimada, para, querendo, integrar a lide na condição de litisconsorte facultativo, nos termos do §3º, art. 6º, da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, remetido pelo §3º, do art. 17, da Lei de Improbidade Administrativa, com a seguinte redação:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

(...)

§ 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

(...)

Pela clareza da Lei, fica evidente a condição de litisconsorte facultativo da União. Tratando do tema, Alexandre de Moraes disserta:

A lei prevê expressamente em seu artigo 17 que a ação principal terá rito ordinário e será proposta pelo Ministério ou pela pessoa jurídica de direito público interessada. Na primeira hipótese, disciplina o § 3º, do artigo 17, com a redação dada pela Lei nº 9.366, de 16 de dezembro de 1996, que proposta a ação pelo Ministério Público deverá a pessoa jurídica lesada ser cientificada para integrar a lide, se entender necessário, podendo suprir omissões, falhas e indicar provas. Trata-se, pois, de litisconsórcio facultativo. Analisando essa hipótese, Rodolfo de Camargo Mancuso entende que ‘não oferecida oportunidade para a manifestação da Procuradoria em certo processo, tal omissão constituirá fator de nulidade, que é a conseqüência jurídica correspondente à falta de quesito ou pressuposto que pertine à substância de um ato jurídico’. Ressalte-se a impossibilidade de a União, Estado, Distrito Federal e Municípios defenderem, por meio de suas procuradorias, o servidor público acusado de ato de improbidade, pois não haveria nenhum sentido na própria Administração arcar com os gastos advocatícios do servidor-réu. Além disso, a Pessoa Jurídica de Direito Público prejudicada integrará, querendo, a lide, em defesa do interesse público. Na hipótese de propositura de ação de improbidade administrativa pela pessoa jurídica prejudicada, o Ministério Público autuará no processo como custus legis [10].

Seguindo esse entendimento decide o Superior Tribunal de Justiça [11]:

AÇÃO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO E PAGAMENTO EXCESSIVO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. AÇÃO AJUIZADA ANTERIORMENTE À MP 2225. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF.

MUNICÍPIO. LITISCONSÓRCIO. DESNECESSIDADE. DECISÃO PROFERIDA COM BASE NO ARTIGO 269, I, DO CPC. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 515, § 3º, DO CPC NÃO CARACTERIZADA. RECLAMAÇÃO 2138 DO STF. EFEITO VINCULANTE INEXISTENTE. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS.

I - Trata-se de ação civil pública para apurar eventual prática de improbidade administrativa de responsabilidade de prefeito municipal, consubstanciada na realização de despesas sem a observância de procedimento licitatório e no pagamento excessivo a fornecedores para realização de obras públicas.

(...)

IV - A ausência da Municipalidade no feito não acarreta qualquer nulidade, uma vez que ela poderia figurar como litisconsorte passivo facultativo.

(...)

VIII - Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.

(REsp 1103011/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/05/2009, DJe 20/05/2009).

Ostentando a posição de mero litisconsorte facultativa, a não intervenção da União no feito não possui o condão de deslocar a competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual.

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Sobre o autor
Celso Costa Lima Verde Leal

Procurador da República. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pela UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Celso Costa Lima Verde. Legitimidade do Ministério Público Federal e a competência para ações de improbidade administrativa decorrentes de convênio com verbas federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2640, 23 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17432. Acesso em: 18 abr. 2024.

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