Capa da publicação Contratos internacionais entre países do BRIC. Operações de compra e venda e arbitragem comercial
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Contratos internacionais entre os países do BRIC.

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Analisa-se a legislação interna e as convenções internacionais ratificadas por cada país do acrônimo BRIC, orientando empresários e advogados que lidem com contratos internacionais nessas nações.

1. O "SONHO" DOS BRICs

A discussão acerca dos BRICs teve início no ano de 2001, em um relatório do grupo Goldman Sachs intitulado Building Better Global Economic BRICs (em inglês, o nome é um trocadilho com a palavra Brick, que quer dizer tijolo), no qual foi feita uma previsão de que, até 2050, Brasil, Rússia, Índia e China ultrapassariam, em termos de PIB, a economia dos seis países mais industrializados do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália).

Desde então, outros relatórios foram publicados pelo mesmo grupo, em 2003 e 2005, confirmando o prognóstico [01]. Em 2007, foi publicado o livro BRICs and Beyond, que buscou reavaliar as hipóteses dos estudos anteriores e que apontou o dado otimista de que as economias dos BRICs cresceram muito acima das expectativas do início da década. Os primeiros estudos do grupo Goldman Sachs talvez tenham sido demasiado conservadores - não sendo o BRIC um mero "sonho", como definido pelas hipóteses iniciais - pois, enquanto se esperava que os países alcançassem cerca de 10% do PIB mundial ao final de 2010, já em 2007 eles possuíam 15%.

Ressalte-se que, após a crise econômica de 2008-2009, uma nova publicação do grupo Goldman Sachs afirmou, categoricamente, que os BRICs foram os países a se recuperar mais rapidamente da crise. Notavelmente, parte do bom desempenho econômico dos BRICs deve-se ao comércio entre eles próprios.

O Brasil, por exemplo, beneficiou-se do fato da China ter se tornado seu maior importador durante vários meses de 2009, conforme estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (MDIC). Atualmente, a China insinua-se como o maior parceiro comercial do Brasil. Conforme dados do MDIC, de janeiro a julho de 2010 o valor em exportações do Brasil para a China foi aproximadamente 40% maior do que o valor de exportações do Brasil para os Estados Unidos.

Neste prisma, dados do FMI ainda indicam que os BRICs foram, sozinhos, responsáveis por mais de 50% da produção adicional de riqueza no mundo na década de 2000-2010.

Ao mesmo tempo, os países do BRIC desenvolveram suas relações diplomáticas e formaram coalizões fora do âmbito econômico. Para citar alguns exemplos, pode-se apontar o papel do Brasil e da Índia nas reivindicações em prol das economias emergentes nas negociações de Doha; o fórum IBAS, entre Índia, Brasil e África do Sul, que reúne três democracias de três continentes; a coalizão do BASIC, formada por Brasil, África do Sul, Índia e China, que buscou a defesa de interesses comuns sobre questões ambientais e climáticas entre os países na recente Conferência de Copenhague; além da participação dos países no G-20, que engloba, além do G-7, uma série de países periféricos que, cada vez mais, buscam aumentar seu poder de reivindicação acerca de questões financeiras globais.

Brasil e Índia também buscam - juntamente com Alemanha e Japão, no chamado G-4 - um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que já possui outros dois países BRIC: China e Rússia.

É importante notar que as relações descritas acima geram consequências e necessidades que vão além da esfera econômica. Se é evidente que haverá uma aproximação econômica entre os países do BRIC no futuro, afigura-se necessário estudar o arcabouço jurídico dos membros do grupo, em especial no que concerne aos contratos internacionais, a fim de eliminar os entraves à integração econômica no âmbito do BRIC.

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é analisar a legislação interna e as convenções internacionais ratificadas por cada um dos países do acrônimo BRIC, a fim de orientar empresários e advogados que lidem com contratos internacionais nessas nações. Serão abordadas, especificamente, as normas aplicáveis aos contratos internacionais de compra e venda e à arbitragem comercial internacional.


2 PRINCIPAIS CONVENÇOES A SEREM ANALISADAS

2.1 Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias

Existem diversas organizações internacionais que têm como propósito a criação de normas uniformes para o comércio internacional.

Dentre elas, a UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law – Comissão das Nações Unidas para o Direto do Comércio Internacional) é uma das mais destacadas, e tem cumprido um papel fundamental na elaboração de normas uniformes para o comércio.

Especificamente no caso dos contratos sobre compra e venda de mercadorias, a convenção mais importante sobre o tema é certamente a Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em inglês), elaborada sob os auspícios da UNCITRAL, em 1980.

Em seu preâmbulo, já se percebe que a adoção de regras uniformes é seu propósito fundamental:

[Os Estados parte desta convenção] (...) Acreditando que a adoção de regras uniformes para reger os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, que contemplem os diferentes sistemas sociais, econômicos e jurídicos, contribuirá para a eliminação de obstáculos jurídicos às trocas internacionais e promoverá o desenvolvimento do comércio internacional, decidem (...)

Ratificada atualmente por 74 países [02], representantes de mais de 90% do comércio global de bens (GAMMA JR, 2009), ela é um dos tratados internacionais sobre legislação comercial mais bem sucedidos da história, sendo classificada por alguns autores como a Carta Magna do comércio internacional (ZELLER, 1999), ou como uma "inesperada história de sucesso", nas palavras do Prof. Schlechtriem [03]

Dentre os temas abordados pela CISG estão: a formação e o modo de conclusão de contratos internacionais de comércio; [04] a obrigação do vendedor de entrega das mercadorias e a obrigação do comprador de pagar; [05] os direitos das partes no caso de violação do contrato; [06] exceções para a responsabilidade pela quebra do contrato, como a ocorrência de eventos de força maior; [07] dentre outros. [08]

O objetivo da CISG ao dispor sobre esses temas foi estabelecer normas fundamentais sobre as quais poderia haver um consenso razoável entre países de diversas culturas e sistemas jurídicos, mesmo que alguns deles não fossem partes da Convenção.

Deve-se ressaltar que a CISG aplica-se apenas à venda de mercadorias, entendidas como produtos corpóreos. Estão excluídas de sua regência, portanto, a venda de serviços, transações financeiras ou aluguel de mão de obra.

Mais à frente, a posição de cada um dos BRICs frente à CISG será analisada em detalhes.

2.2 Arbitragem Internacional e Reconhecimento de Laudos Arbitrais

A arbitragem comercial internacional é um instrumento de enorme relevância em negociações e contratos internacionais de comércio. A arbitragem possui vantagens em relação aos tribunais nacionais, sendo não somente um mecanismo geralmente mais rápido e econômico que os meios processuais tradicionais, mas também frequentemente mais conveniente. Ela pode ser levada a cabo maneira sigilosa, e, por permitir que as partes escolham a lei aplicável, resolve o problema do desconhecimento do ordenamento jurídico da outra parte.

Duas são as principais convenções internacionais a respeito da arbitragem:

2.2.1 Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL de 1985

Com o objetivo de harmonizar as diversas legislações nacionais sobre o tema, um comitê formado por representantes de 58 países, incluindo o Brasil, e 18 organizações internacionais, presidido pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, discutiu durante três anos os termos de uma lei-modelo sobre arbitragem.

A Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n.40/72, de 11.12.1985, aprovou o texto final dessa Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional, no fechamento da 18º sessão anual da comissão. A assembléia geral, em sua resolução 40/72 de 11 de dezembro de 1985 recomendou que:

Todos os Estados deem devida consideração à Lei Modelo sobre arbitragem comercial internacional, em vista do desejo de uniformidade da direito dos procedimentos arbitrais e das necessidades específicas da prática do comércio internacional (UNCITRAL, 1985).

Por contar com a adesão de países que movimentam dois terços do comércio mundial, a Lei Modelo da Uncitral obteve êxito. Seu texto solucionou várias falhas das convenções anteriores, além de influenciar a revisão dos regulamentos arbitrais das principais câmaras de arbitragem. Além disso, influenciou grande parte das legislações internas sobre arbitragem, promulgadas após sua aprovação. A Lei Modelo aborda a arbitragem desde sua formação até a execução do laudo final, constituindo um código relativamente completo, apto a regulamentar todo o procedimento arbitral.

2.2.2 Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

Esta convenção é de suma importância, pois prevê que, entre os estados contratantes, a arbitragem seja reconhecida como forma válida e legal de solução de conflitos, além de permitir que laudos arbitrais estrangeiros sejam executados em tribunais locais, em cada um dos países contratantes. Em suma, a Convenção de Nova Iorque possibilitou aos particulares libertarem-se da insegurança dos tribunais nacionais de países desconhecidos, uma vez que tornou praticamente livre a escolha do foro e das leis a reger um conflito. Sua importância não pode ser subestimada.

Segundo as Nações Unidas [09]

A Convenção é largamente reconhecida como um instrumento basilar da arbitragem internacional e prevê que tribunais dos países signatários conheçam e declarem efetiva a convenção arbitral quando se depararem com uma ação coberta por uma convenção de arbitragem; ademais, que reconheçam e executem decisões arbitrais proferidas em outros estados contratantes, sujeitando-as a exceções específicas e limitadas. A Convenção entrou em vigor em 7 de junho de 1959. [10].

A posição de cada um dos BRIC frente à arbitragem será detalhada no tópico 4.


3 O ORDENAMENTO JURÍDICO DOS BRICS E A CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS

3.1 Legislação dos BRICs sobre Contratos Internacionais Comerciais

A Convenção das Nações Unidas sobre a Venda Internacional de Mercadoria (United Nations Convention on the International Sale of Goods - CISG) foi elaborada visando à harmonização das leis comerciais e, em última conseqüência, o aumento das transações comerciais entre os países signatários.

Embora as vantagens sejam muitas e aparentes, dentre os países do BRIC os únicos que ratificaram a CISG até o momento foram a Rússia e a China. E ainda, sobre as suas ratificações, cabe notar que ambos os países proferiram reservas, como será abordado abaixo.

3.1.1 Aplicação da CISG na China

A China ratificou a CISG em dezembro de 1986. Contudo, adotou uma reserva significativa ao texto: comprometeu-se a aplicar a CISG somente se o outro país envolvido na transação também a adote.

Sobre esta reserva, o renomado autor Peter Schlechtriem tece comentários interessantes:

As consequências do artigo 1(1)(b), que dita que partes em estados não signatários da convenção poderiam ter que se sujeitar à aplicação da CISG, (...) encontrou sérias objeções em Viena, e só foi aceita devido a uma composição a permitir aos países adotar a reserva de que um estado signatário poderia declarar não estar vinculado ao artigo 1(1)(b). [11] (tradução nossa)

Como consequência imediata da posição chinesa, percebe-se que a aplicação imediata da CISG nos contratos entre China e países BRIC fica restrita aos acordos com empresas da Rússia.

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Dizendo de outra forma, com bem nota CHEN Weizuo em artigo intitulado "O conflito de leis no contexto da CISG: Uma perspectiva chinesa", (No original: "The Conflict of Laws in the Context of the CISG: A Chinese Perspective"): "ainda que as leis de conflito de leis dos países envolvidos apontem para a lei Chinesa que regule os contratos internacionais, a CISG só será aplicada se ambos os estados envolvidos forem signatários da CISG".

Conseguintemente, nos contratos entre Brasil e China e entre Índia e China existe a possibilidade de que a legislação aplicável seja a legislação chinesa interna, especialmente a "Lei sobre Contratos da República Popular da China de 1999" e diploma intitulado "Princípios Gerais de Direito Civil da República Popular da China". Se este não for o desejo das partes, estas devem precaver-se, estudando previamente as leis de conflito de leis aplicáveis ao tipo de contrato.

Em relação à aplicação do Direito chinês, é interessante notar que a Lei Chinesa permite às partes escolher a lei aplicável aos contratos internacionais. Esta faculdade é sempre interessante, pois autoriza às partes a escolha de um ordenamento jurídico neutro em relação às partes ou, em alguns casos, mais favorável aos objetivos do negócio.

Contudo, devemos entender que, num contrato entre um trader brasileiro e um exportador chinês, não é possível escolher a aplicação da CISG, uma vez que a lei chinesa expressamente diz que esta não seria aplicável. Não obstante, seria possível escolhê-la pela via indireta, ao indicar a lei da Rússia como lei aplicável, por exemplo.

Por fim, a aplicação da CISG ainda seria possível em um contrato sino-indiano ou sino-brasileiro caso as partes adotem a arbitragem, como será abordado em tópico específico.

3.1.2 Aplicação da CISG na Rússia

De acordo com o disposto no Artigo 1, parágrafo (a) da CISG [12], contratos internacionais de compra e venda de mercadorias entre a Rússia e China serão, a princípio, regidos pela CISG.

Contudo, diferentemente da China, a Rússia não adotou reservas em relação ao parágrafo (b) do referido artigo. Ou seja, a Rússia aceitou como aplicável a CISG quando as leis de conflito de leis dos países envolvidos indicarem a lei de um país signatário da convenção.

Dessa forma, contratos entre Brasil e Rússia e entre Índia e Rússia poderão ser regidos pela CISG, desde que, após analisado o caso, as leis de conflito de leis indiquem o ordenamento russo como dominante na questão.

Esta possibilidade soma-se ao fato de que a Rússia aceita que as partes escolham a lei aplicável, o que permite o planejamento legal dos contratos celebrados com empresas naquele país.

Nas palavras da Doutrina autorizada [13]:

De acordo com as leis de conflito de leis da Rússia, as partes de um contrato, quando uma delas é estrangeira, podem escolher a lei aplicável aos seus direitos e deveres naquele contrato, o que inclui contratos de compra e venda, desde que a escolha não interfira na aplicação de regras mandatórias do país com o qual o contrato está mais proximamente conectado.

Na falta de um acordo entre as partes em relação à lei aplicável o direito do país com o qual o contrato está mais proximamente relacionado deverá ser aplicado. Geralmente, o Direito do país mais proximamente relacionado é entendido como as leis do país em que a parte que executa a obrigação crucial do contrato tem seu domicílio ou sede de atividades (o vendedor numa transação de compra e venda; o mutuante numa operação de empréstimo, (...) etc.) (tradução nossa)

O mesmo se pode vislumbrar pelo comentário abaixo [14]:

As normas de conflito de leis da Rússia estão contidas nos "Fundamentos da Legislação Civil da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas", de 1991, que ainda estão em vigor na Federação Russa. (...) Sob o artigo 166 dos "Fundamentos", as partes num contrato de construção são livres para escolher a lei de regência. Entretanto, se não houver acordo expresso, a lei de regência será a do país em que o projeto está sendo erigido. Isso corresponde à prática costumeira de adotar a lei do país do projeto como lei aplicável (tradução nossa)

Em suma, conclui-se que contratos entre Brasil e Rússia e Índia e Rússia podem eleger a CISG como lei aplicável, caso esta não se aplique automaticamente.

3.1.3 Aplicação da CISG na Índia e Brasil

Nenhum desses países adotou a CISG. Contudo, o Direito indiano aceita a escolha da lei pelas partes. Logo, as partes poderiam indicar a Lei de um país que aplique a CISG, a fim de utilizá-la em seus contratos. Essa indicação, contudo, tem algumas limitações, resumidas com clareza no trecho a seguir:

(...) partes que celebram contatos com empresas indianas, sendo estes contratos regidos pelo direito estrangeiro, devem observar que, se uma ação com base nesse contrato for proposta perante uma corte indiana, as leis estrangeiras deverão ser provadas como um fato comum, e atestadas por especialistas. Além disso, as partes não podem, por contrato, conferir jurisdição a um foro que não tenha jurisdição sobre o objeto da disputa (Patel Roadways v. Prasad Trading Company, AIR 1992 SC 1514).

Também, para se escolher uma dentre duas jurisdições através de cláusula contratual, ambas as jurisdições devem ter competência, e o contrato dever ser claro e não ambíguo em sua cláusula de escolha de foro. [15] (Tradução nossa)

Já no Brasil, a escolha da lei aplicável aos contratos internacionais não é uma opção, exceto nos casos em que há arbitragem. Segundo a lei de conflito de leis brasileira (O Decreto-Lei n. 4.657, de 1942, intitulado Lei de Introdução ao Código Civil), contratos entre ausentes (ou seja, contratos celebrados à distância) são sempre regidos pela lei do domicílio do proponente (Art. 9, parágrafo 2º).

Portanto, empresários dos países BRIC devem ficar atentos às seguintes situações:

Em contratos com o Brasil, sempre que a proposta (entendida como a última oferta que não sofreu alterações) for enviada pela parte situada no Brasil, a lei aplicável perante as cortes brasileiras será a do Brasil. Nesse caso, a CISG nunca poderá se aplicável, pois o Código Civil Brasileiro regerá a transação.

Por outro lado, sempre que a versão final da proposta for enviada por empresas Indianas, Russas ou Chinesas, a lei de cada um desses países deverá ser aplicada pelas cortes brasileiras.

Ou seja: em contratos regidos pela lei brasileira, a cláusula de escolha da lei aplicável é nula. Todavia, se o mesmo contrato, com a mesma cláusula de escolha de leis, for regido pelo ordenamento jurídico de outros países do BRIC, ele será válido, e poderá ser questionado frente a cortes brasileiras ou mesmo frente a cortes russas, chinesas ou indianas, para posterior execução no Brasil.

3.2 RECONHECIMENTO DE MANIFESTAÇÕES DE VONTADE NÃO ESCRITAS NA CHINA E NA RÚSSIA

A CISG não se preocupa em abordar as questões relativas "à validade do contrato ou de qualquer das suas cláusulas, bem como à validade de qualquer uso ou costume" [16]. Entretanto, a convenção possui, em seus artigos de 14 a 28, diversos dispositivos concernentes à formação do contrato internacional de compra e venda de mercadorias, tais como a necessidade ou não de forma escrita, a definição do conceito de oferta e sua força vinculante.

Neste sentido, a Convenção adota uma postura liberal, não limitando essas manifestações de vontade meramente à forma escrita, conforme seu artigo 11: "O contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas."

Todavia, tal dispositivo é virtualmente ineficaz no âmbito da aplicação da CISG no bloco BRIC, uma vez que tanto Rússia quanto China adotaram a reserva do artigo 96 da Convenção, que veta o reconhecimento de qualquer manifestação de vontade tendente a celebrar, modificar ou aceitar um contrato de compra e venda que não seja expressa na forma escrita [17]. Logo, entre esses dois países a negociação dos contratos de compra e venda deve ser rigorosamente documentada por escrito, sob pena de invalidade.

3.3 RECONHECIMENTO DE MANIFESTAÇÕES DE VONTADE NÃO ESCRITAS NO BRASIL E NA ÍNDIA

No Direito brasileiro, o Código Civil prevê o poder vinculante das propostas comerciais, não importa por quais meios tenham sido feitas.

Determina seu artigo 427 que "A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso".

E ainda, conforme seu artigo 429, "A oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos."

Há, portanto, um viés protetivo em relação ao promitente comprador no Direito brasileiro. Entretanto, para a promessa ou oferta revestir-se de força vinculante, ela deverá conter os elementos essenciais do contrato de compra e venda: objeto lícito e possível, valor e um destinatário determinado ou determinável.

Em tese, não há no Brasil a necessidade de forma escrita para a formação do contrato de compra e venda de mercadorias, podendo a manifestação de vontade ocorrer por quaisquer meios. Contudo, uma série de problemas práticos poderá surgir caso um contrato internacional, ou uma promessa de compra e venda internacional não possua a forma escrita, principalmente na seara da oponibilidade a terceiros ou dos meios de comprovação perante um tribunal [18]

Nesse passo, não há impedimento de que uma promessa de compra e venda feita em formato eletrônico, como através do e-mail, possa vincular as partes. Entretanto, a lei brasileira ainda não prevê esta modalidade de comércio expressamente, e, ao contrário de países como a China, até o momento não ratificou nenhuma das convenções da UNCITRAL sobre o comércio eletrônico tais como: a Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico de 1996 e a Lei Modelo sobre Assinaturas Eletrônicas de 2001.

Na Índia, há também uma abordagem bastante aberta aos meios de prova aplicáveis aos contratos. Conforme a Lei de Contratos da Índia, de1872 [19]:

Seção 3

Comunicação, aceitação e revogação de propostas

A comunicação de propostas, a aceitação de propostas e a revogação de propostas e aceitações, respectivamente, são consideradas como feitas por qualquer ato ou omissão da parte proponente, aceitante ou revogante, através do qual a parte tencione comunicar tal proposta, aceitação ou revogação, ou que tenha o efeito de comunicá-las. (tradução nossa)

Em geral, tal artigo tem sido interpretado pelas cortes indianas de modo amplo. Percebe-se na Índia a tendência de aceitar várias fontes probatórias como aptas a comprovar a realização dos negócios jurídicos.

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Sobre os autores
Pedro Gustavo Gomes Andrade

Assessor Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG. Professor da Faculdade de Direito de Contagem - FDCON. Mestrando em Direito Internacional Contemporâneio pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara - ESDHC. Especialista em Estudos Diplomáticos pelo Centro de Direito Internacional - CEDIN (2013). Graduado em Direito pelas Faculdades Milton Campos (2011). Pesquisador nas áreas de direito internacional e direito comparado, teoria da jurisdição, tribunais internacionais, cooperação jurídica internacional e processo civil internacional.

Renato Schweizer

Bacharelando em Direito pela Faculdade Milton Campos. Membro do Diretório Acadêmico. Estagiário do escritório José Ornelas de Melo Advogados Associados / Noronha Advogados – MG.

Adler Antonio Jovito Araujo de Gomes Martins

advogado, consultor, graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Pedro Gustavo Gomes ; SCHWEIZER, Renato et al. Contratos internacionais entre os países do BRIC.: Normas aplicáveis às operações internacionais de compra e venda e à arbitragem comercial internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2634, 17 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17419. Acesso em: 28 mar. 2024.

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