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Propriedade intelectual: a influência do copyright nos direitos autorais e seu controle pela mídia

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13/04/2010 às 00:00
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Sumário: Introdução. 1. "Pirataria". 1.1. Criadores, plagiadores e catálogo. 1.2. "Piratas": cinema, discos, rádios e livros. 1.3. "Pirataria". 2. "Propriedade". 2.1. Fundadores, gravadores, transformadores e colecionadores. 3. Causa e efeito. 3.1. Danos: limitando criadores, inovadores e corrompendo cidadãos. 4. Nós, agora. 4.1. Amenização do controle: idéias. 5. Eles, em breve. 5.1. Mais formalidades: registro, marcação, vigências mais curtas e renovação. Conclusão. Referências.

Resumo: Existe um distanciamento cada vez maior entre a lei e a cultura digital. O que vemos é um novo e voraz tipo de propriedade intelectual, no qual os direitos da "propriedade" digital são valorizados acima de tudo, e qualquer coisa que escape das garras corporativas é chamado de "pirataria", o grande inimigo a ser combatido. A verdadeira batalha das empresas é pelo controle total. As falhas nos sistemas legais exploradas pelas empresas permitem uma infinidade de injustiças contra o público. É necessário fugir da legislação arcaica e manipulada em busca de políticas sociais mais amplas.

Palavras-Chaves: direitos autorais; copyright; tecnologia; arte.


Introdução

O seguinte texto é parte dos ensinamentos milenares do I Ching:

Ao término de um período de decadência, sobrevêm o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não restando daí, portanto, nenhum dano. [01]

Apesar da idade, pode nos ajudar a compreender as sucessivas transformações que a indústria do entretenimento vem assistindo nos últimos tempos. Como convulsões, as mudanças não estão se processando de modo ordenado ou suave, mas sim forçando os magnatas do setor a rever posturas que por décadas bastaram ao mundo.

O epicentro deste terremoto é a abertura de novos canais na distribuição da cultura. Antigos formatos, como o livro impresso, o CD de áudio e o DVD possuem alternativas técnicas que comportam seu conteúdo. Esses novos formatos são mais baratos, portáteis e populares, descentralizados das grandes corporações.

Esse novo paradigma indica um caminho diferente não só para a tecnologia, mas também para a organização de toda a sociedade e para a difusão do conhecimento.

Os direitos autorais foram desenvolvidos na era da imprensa de tipos móveis e foi desenhada para preencher o sistema centralizado de cópias impostas por esse tipo de imprensa.

Sobre o comportamento dos direitos intelectuais após a invenção da Imprensa, assim se pronuncia a excelente tratadista Eliane Yachou Abrão:

O verdadeiro alcance desse direito deu-se com o advento das teorias individualistas e liberais que inspiraram a Revolução Francesa, enquanto outra revolução acontecia do outro lado do mundo: a guerra de Secessão nos Estados Unidos da América, com todas as conseqüências que levaram à disseminação dos chamados princípios liberais e democráticos por todo o mundo ocidental.

Na gênese, pois, da criação intelectual como forma de propriedade, dois sistemas se enfrentaram, desde o início, gerando uma oposição entre o sistema anglo-saxão de proteção à obra, e o sistema europeu de proteção à personalidade do autor. Dessa dualidade nasceu a disciplina jurídica, tal qual a concebemos hoje: um complexo de regras de proteção de caráter real, outro de caráter pessoal, correspondendo o primeiro aos chamados direitos patrimoniais e o segundo, aos chamados direitos morais de autor.

A importância da máquina de imprensa só foi superada por outro invento, quinhentos anos depois, a "rede", ou "internet" destinada à troca global de informações, em nível individual e privado, depois reordenada para a conquista de novos mercados, e ao formato do consumo [02].

É nítido que o sistema de direitos autorais não funciona muito bem na era das redes de computadores, sendo que somente punições draconianas podem forçar isto.

A discussão do direito autoral concretiza-se no âmbito jurídico, mas é travada antes em âmbito político – pois é disputa de concepções e de interesses, e não questão meramente técnica: discutimos se e por que devemos instituir proteções legais, e não apenas como elas devem ser feitas.

Em vez disso, o que vemos é um novo e voraz tipo de propriedade intelectual, no qual os direitos da propriedade digital são valorizados acima de tudo, e qualquer coisa que escape das garras corporativas é considerada pirataria, o grande inimigo a ser combatido, esquecendo-se de que a única proposta legítima de direitos autorais é a promoção do progresso, para beneficiar o público. Daí a importância de estudar o direito autoral como um fenômeno multidisciplinar, em que se correlacionam aspectos jurídicos, econômicos, políticos, culturais.


1. "Pirataria"

O termo pirataria em sentido amplo designa a reprodução não autorizada com fins meramente comerciais (quase um sinônimo de contrafação). No entanto, na linguagem cotidiana recente, a palavra freqüentemente refere-se a qualquer uso não autorizado. Sua prática é definida por Plínio Cabral: "O pirata, entretanto, valendo-se criminosamente de modernos instrumentos tecnológicos, simplesmente adquire um exemplar do livro para depois reproduzi-lo aos milhares e vender, naturalmente a preço muito baixo, para obter um ganho extraordinário, já que nessa operação só teve uma despesa editorial: a compra de um exemplar do livro a ser pirateado" [03].

Há de considerar-se preliminarmente que, a idéia de pirataria atual, o compartilhamento de arquivos em sistemas peer-to-peer [04] não é nova e precisamos entender melhor os danos causados por ele, já que não devemos esperar pelo fim do compartilhamento ilegal.

O conceito de peer-to-peer pode ser entendido como reprodução de arquivos (vídeos, músicas, texto), de uma pessoa a outra por meios digitais. Ou seja, o agente disponibiliza conteúdo protegida ou não por direitos autorais, onde terceira pessoa recebe uma reprodução da obra efetuada por programa de computador, sem qualquer tipo de autorização pelo respectivo autor. Desde os primórdios, tanto o copyright e posteriormente os direitos autorais, foram idealizados justamente com a finalidade de coibir cópias, que é o argumento das grandes corporações.

Se pirataria significa usar a propriedade intelectual de outrem sem permissão, a história da indústria do entretenimento é a verdadeira história da pirataria. Todos os setores importantes da grande mídia de hoje, os filmes, os discos, as rádios, nasceram da pirataria, se a definição correta para o termo é essa. A história principal é como os piratas do passado se tornam os poderosos desta geração, até agora.

A indústria cultural no mundo está em constante luta contra seus próprios consumidores. Para os grandes executivos de gravadoras, de editoras e de Hollywood, somos todos ladrões. Para evitar isso, eles tomam diversas medidas: fecham o Napster, criam CDs que não podem ser copiados, dividem o mundo em regiões para evitar a troca de DVDs, prendem as pessoas, etc. E jogam no lixo uma das tradições mais antigas: a partir de agora, ninguém é mais proprietário do livro ou do CD que comprou. Simplesmente não se pode mais copiar, emprestar ou vender.

1.1. Criadores, plagiadores e catálogo

A Disney gasta todos os anos milhões de dólares em advogados e lobistas para garantir que seus personagens não caiam no domínio público. Cada vez que o copyright sobre o famoso Mickey Mouse chega perto do seu prazo de validade, as leis dos EUA são alteradas para alongar o controle, impedindo mais uma vez que os seus personagens possam ser utilizados gratuitamente pelo público.

Mickey Mouse surgiu com o desenho animado Steamboat Willie (1928) [05], uma paródia do filme Steamboat Bill, Jr. [06] feito no mesmo ano, dirigido e estrelado por Buster Keaton. Walt Disney lançou a carreira do seu personagem mais popular fazendo o que hoje os advogados da sua empresa não permitem que seja feito com suas criações: reciclando material original produzido por outros autores.

Agindo desse modo, Disney iludiu a um só tempo tanto ao verdadeiro autor da obra fraudada, como também a quem dirigiu o seu trabalho: a coletividade como um todo, que absorveu seu conteúdo.

Ensina-nos Costa Netto, discorrendo sobre o plágio: "Assim, certamente, o (...) plágio representa o tipo de usurpação intelectual mais repudiado por todos: por sua malícia, sua dissimulação, por sua consciente e intencional má-fé em se apropriar – como se de sua autoria fosse – de obra intelectual (normalmente já consagrada) que sabe não ser sua (do plagiário)" [07]. Com, isso os estúdios Disney iniciaram na década seguinte uma série de longas-metragens que dura até hoje.

Ironicamente, porém, grande parte dos sucessos cinematográficos dos estúdios Disney são adaptações (em vários casos, deturpações) de material caído em domínio público. A expressão domínio público, como alerta o festejado jurista Carlos Fernando Mathias de Souza "refere-se em geral às obras que se constituem em uma espécie de ''res communis omnium'' (coisa comum de todos), de modo que podem ser utilizadas livremente por quem quer que seja, com ou sem intuito de lucro (...)" [08].

Um dos casos mais famosos são os sangrentos contos infantis dos Irmãos Grimm: Disney pegou essas histórias e criou versões que as puseram em uma nova era. Ele as deu vida, com personagens e luz. Sem remover todos os elementos perigosos e assustadores de uma vez, tornou divertido o que era sombrio e injetou uma dose de compaixão genuína onde antes só havia medo. O resultado foi A branca de neve e os sete anões (1937). E isso não ocorreu somente com as obras dos Irmãos Grimm. Praticamente todo o catálogo de obras de Disney foi inspirado em outras.

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No entanto, essas transformações de obras em domínio público não necessitavam de nenhuma autorização para sua utilização, como ressalva Carlos Fernando Mathias de Souza: "em direito autoral é a obra caída no domínio comum e por isso não depende de que seja autorizada a sua utilização. Em termos práticos é o que ocorre com a obra não protegida, ressalvados alguns direitos morais, que compete ao estado por eles velar" [09].

Todos estes filmes foram possíveis porque os autores das histórias originais já estavam mortos e as obras já haviam caído no domínio público, possibilitando reproduções e adaptações. Walt Disney morreu em 1966. Muitos dos personagens criados por ele e por sua equipe deveriam estar no domínio público, entre eles Mickey, Pluto, Pateta e Donald, não fosse pelas sucessivas alterações (mais de dez nos últimos quarenta anos) nas leis de copyright promovidas pelos estúdios Disney e outras empresas interessadas em eternizar direitos já expirados, que hoje atingem até 90 (noventa) anos, quando o criador é pessoa jurídica.

Quanto às imagens, nas primeiras legislações brasileiras alusivas a direitos autorais, nada se previa quanto à proteção dos daguerreotipos (fotografias do século XIX) e, posteriormente, das fotografias. A proteção das fotografias continuou inexistente até o advento da Lei nº 5.998/73 [10], em especial no tocante a trabalhos atribuído a funcionário público fotógrafo, ativo desde o início do século XX até a década de trinta.

Em terras pátrias, em 1916, por ocasião da promulgação do Código Civil, nascido com os cromossomos dos diplomas do século dezoito, nada dispunha sobre fotografia. As respectivas disposições sobre direitos reais, especificamente quanto aos direitos autorais, não se referem à fotografia, apenas conferindo proteção às criações artísticas, literárias ou musicais.

Assim, só com a entrada em vigor no país da revisão de 1948, da Convenção de Berna, que se introduziu a proteção das fotografias, conforme esclarecimentos do doutrinador Antônio Chaves, evidenciando que a proteção à fotografia até 1948 era inexistente no Direito brasileiro. É o que se conclui do texto adiante:

Nosso CC, promulgado quando a daguerreotipia ensaiava seus primeiros passos, não consigna dispositivo algum protegendo as obras fotográficas, que também não eram consideradas por qualquer outro dispositivo legal de ordem interna, no Brasil. Quando os representantes da maior parte das Nações do mundo se reuniram para discutir as modificações a serem introduzidas na Convenção de Berna, apresentou-se a necessidade de acolher, entre os direitos assegurados, os que diziam respeito à fotografia, não previstos na maioria das legislações internas. Precisou, assim, a arte fotográfica, essa Cinderela dos direitos autorais, agasalhar-se sob as asas da Convenção de Berna, revista em Bruxelas no ano de 1948, art. 2o. alínea 1a. [11]

Embora alguns autores da época, inclusive Clóvis Bevilacqua, viessem posteriormente manifestar sua convicção de que, inobstante a falta de previsão legal, as criações artísticas por via fotográfica devessem, no futuro, merecer proteção, não há registros de ocorrência de qualquer fato que merecesse atenção pelos legisladores.

1.2. "Piratas": cinema, discos, rádios e livros

A indústria cinematográfica conhecida hoje como Hollywood foi construída por piratas fugitivos [12]. Em 1913, muitos diretores e exibidores de salas de cinema migraram de New York a Los Angeles para evitar o controle das patentes do inventor do cinema, Thomas Alva Edison.

Esse controle era exercido através de uma organização, a Companhia de Patentes de Estúdios Cinematográficos (MPPC), e era baseado na propriedade intelectual de Thomas Edison, que detinha as patentes dos processos de filmagem. Edison fundou a MPPC para exercer os direitos que sua propriedade intelectual lhe concedia, cobrando licenças de todos os diretores, distribuidores e exibidores:

Janeiro de 1909 foi o prazo estabelecido para que todas as companhias estivessem de acordo com a licença. Em fevereiro, alguns não-licenciados, que se autodenominavam independentes, protestaram contra a organização e mantiveram seus negócios, sem se submeterem ao monopólio de Edison. No verão de 1909, o movimento dos independentes estava no auge, com produtores e donos de cinema usando equipamentos ilegais e películas importadas para criar seu próprio mercado clandestino. Como o número de cinemas baratos no país aumentava vertiginosamente, a MPPC reagiu ao movimento independente criando uma robusta subsidiária conhecida como General Film Company, com o objetivo de bloquear o desenvolvimento de independentes não-licenciados. Usando táticas coercitivas que se tornaram lendárias, a General Film confiscou equipamentos, cortou o fornecimento de produtos a cinemas que mostravam filmes sem licença e efetivamente monopolizou a distribuição com a aquisição de todas as distribuidoras do país, exceto a do independente William Fox, que desafiou o truste mesmo depois de ter sua licença revogada. [13]

Conforme atesta relatos precisos sobre esta época, os independentes eram companhias como a Fox Films. E, assim como hoje, foram combatidos com vigor. Medidas severas foram tomadas contra os independentes, tais como destruição de estúdios, danificação em equipamentos de filmagem ou ainda mortes sob circunstâncias suspeitas. Amedrontados com tais práticas, as companhias fugiram para Los Angeles. A Califórnia era longe o suficiente do alcance de Edison para que os cineastas pudessem piratear suas invenções sem medo da lei. E os líderes do cinema de Hollywood, a Fox principalmente, fizeram justamente isso.

Assim agindo, a Califórnia se desenvolveu com rapidez, e a execução efetiva das leis federais acabou se estendendo no oeste. Como as patentes americanas garantiam aos seus donos um monopólio de apenas 17 (dezessete) anos na época, quando os fiscais apareceram em Hollywood elas já haviam expirado. Uma nova indústria havia nascido a partir da pirataria, à custa da propriedade intelectual de Edison.

No cinema brasileiro temos um exemplo parecido: quando um filme é exibido em uma sala de cinema, isso constitui uma execução pública do trabalho dos diretores. A Lei nº 9.610/98, dá as pessoas que participaram do filme (diretores, atores, músicos, etc.) o direito exclusivo sobre execuções públicas do seu trabalho. As salas de cinema, portanto, devem dinheiro ao diretor por essa apropriação.

Partindo deste raciocínio, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) há 18 (dezoito) anos trava uma batalha judicial contra os exibidores, que durante todo esse período foram inadimplentes com o pagamento dos direitos autorais de execução pública em suas salas de cinema.

Os exibidores alegam que o pagamento dos respectivos direitos autorais poderá inviabilizar a produção cinematográfica nacional. Esta afirmação não possui qualquer fundamento, já que os valores referentes ao pagamento dos direitos autorais de execução pública sempre estiveram incluídos no valor dos ingressos destinados ao público, sendo exatamente esta quantia legalmente exigida pelo ECAD.

Como sabemos a cobrança dos direitos autorais a serem recolhidos pelo ECAD aos seus respectivos titulares encontra respaldo jurisprudencial:

(...) tem o ECAD legitimidade para arrecadar, amigavelmente ou em juízo, os direitos autorais relativos à retransmissão ou execução pública das obras musicais, lítero-musicais ou fonogramas das associações que o integram, podendo, inclusive, fazer a distribuição de tais direitos, autorizar a sua utilização e arbitrar preços, independentemente da intervenção de órgãos estatais. [15]

Como para legitimar tal inadimplência, sob intenso lobby da Associação Brasileira dos Multiplex e o Grupo Luiz Severiano Ribeiro, os senadores João Capiberibe (PSB-AP) e Paulo Octávio (PFL-DF) apresentaram recentemente na Câmara o Projeto de Lei nº 532/2003, modificando as regras do pagamento de direitos autorais de trilhas sonoras de filmes estrangeiros exibidos em salas de cinema do país.

Se for aprovada, o Brasil poderá sofrer sérias sanções comerciais, tais como a imposição de barreiras comerciais aos produtos brasileiros, caso seja feita qualquer diferenciação nas prerrogativas legais conferidas aos titulares nacionais e estrangeiros, em benefício específico a um restrito segmento empresarial (no caso, exibidores cinematográficos). Isso trará uma péssima repercussão internacional para a imagem do nosso país, já que afrontam os conceitos de proteção às obras intelectuais advindos das convenções internacionais firmadas, relativas à propriedade intelectual.

Os discos também são fruto de pirataria. Desde o surgimento das gravadoras no país, como forma de manobra dos editores fonográficos para aumentarem os resultados econômicos com a exploração de obras musicais, os contratos de edição são efetuados com a previsão do pagamento de 8,4% sobre 90% das vendas de remuneração ao autor de uma música. É uma porcentagem duvidosa, já que os contratos de edição dos intérpretes variam de 6 a 8% sobre 90% até 18 ou 20% sobre 100% das vendas [16]. Lembrando que as referidas porcentagens são calculadas sobre o preço de um disco de vinil e não sobre o preço de um CD, como deveria ser.

No final, a diferença é enorme. Como não há lei federal regulamentando a prática, a gravadora teria que pagar ao compositor da música do mesmo jeito que paga à banda ou ao músico pelo seu trabalho, o que infelizmente não acontece.

O rádio é a alma da pirataria. As emissoras de rádio recebem da gravadora, artista, empresário ou promotor de eventos o pagamento de dinheiro, bens ou serviços para a execução maciça desta ou daquela música ou determinado disco, visando alcançar, em curto espaço de tempo, a subida daquele produto na preferência do público, nas paradas de sucesso e conseqüentemente nas vendas [17].

Essa prática, conhecida popularmente como jabá, de tão antiga e institucionalizada, ajudou a construir a história da música brasileira como a conhecemos hoje. A sua prática ajudou a consolidar a carreira de nomes da bossa nova, do tropicalismo e do rock dos anos 80, tais como Elis Regina, Jorge Ben, Caetano Veloso, Chico Buarque, Tom Jobim, Raul Seixas e Barão Vermelho. Ainda hoje, essa prática é comum em todo território nacional.

A literatura brasileira também já sofreu grandes lesões com a pirataria praticada no país. Apesar de não haverem registros de violações em seu surgimento, num passado recente foi a que mais obteve destaque. O livro Rotinas em controle de infecção hospitalar foi escrito por um grupo de especialistas da área hospitalar e publicado em 1995. Nos anos seguintes, exemplares do referido livro foram adquiridos e utilizados pelo Ministério da Saúde, bem como por outras instituições que se interessaram pela obra.

No entanto, a publicação do Diário Oficial da União nº 172, de 08/09/1997, continha a Portaria Ministerial nº 3.434/FA 43, assinada pelo então ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Benedito Onofre Leonel, na qual podia ser encontrada ipsis literis o texto de 20 (vinte) páginas do livro, reproduzidas sem autorização do editor, bem como ausentes os nomes dos autores ou da obra, não cumprindo o disposto no artigo 46, inciso I, da Lei nº 9.610/98.

A questão foi conhecida como a maior em pirataria de livros do Brasil, já que a Imprensa Nacional legitimou a cópia da obra, uma vez que realizar reprodução do DOU é permitida, não podendo se falar em ofensa aos direitos autorais. A publicação é passível de assinatura e possuem tiragem de aproximadamente 20 (vinte) mil exemplares.

1.3. "Pirataria"

Para o Brasil, os danos causados pela pirataria na ordem econômica e social têm sido avassaladores, trazem efeitos altamente nefastos, tais como aumento da criminalidade e funcionamento de uma economia informal queda da arrecadação tributária e desvio de impostos; prejuízos à atividade econômica lícita; fuga de capitais e de investimentos em pesquisas; estimulo à lavagem de dinheiro; aumento do desemprego e retirada de empregos do mercado de trabalho e, no caso específico da pirataria a direitos autorais, prejuízos à produção e à disseminação das próprias culturas nacionais [18].

O Brasil é, atualmente, o quarto maior mercado de produtos piratas. E as diversas formas de pirataria causaram ao país prejuízos superiores a 30 (trinta) bilhões de reais em 2004. Isso é pirataria pura e simples, e nada justifica o fato da prática da pirataria em si ser errada.

Os ferrenhos combatentes da pirataria costumam dizer que ninguém entraria em uma das Lojas Americanas e pegaria um livro da prateleira sem pagar; por que seria diferente com música online?. A diferença é que quando é furtado um livro das Lojas Americanas, a empresa tem uma cópia a menos para vender. Quando há um download de uma música em MP3 da Internet não há um CD a menos à venda. O funcionamento da pirataria do tangível é diferente do funcionamento da pirataria do intangível.

Em alguns casos, a pirataria pode até ser boa: o americano Lloyd Kaufman é cineasta e fundador da Troma Filmes, empresa independente que há 27 (vinte sete) anos produz clássicos do cinema trash como O vingador tóxico. Certa vez viajou à Rússia para dirigir um videoclipe, local onde os filmes da Troma nunca foram distribuídos.

Para conseguir encher a boate moscovita em que estavam filmando, com figurantes sem cachê, planejaram uma "Festa Troma", espalhando pôsteres do filmes O vingador tóxico e Kabukiman pela cidade, mesmo sabendo que não causariam qualquer tipo de interesse em um país onde os filmes da empresa não eram distribuídos. Quando a noite chegou, não apenas a boate estava lotada, como também havia fãs, pedindo autógrafos em cópias de filmes piratas: A pirataria pode nos ajudar, enquanto consumidores, a receber mais, e possivelmente melhor, arte [19], diz Kaufman.

Graças à pirataria, os filmes estavam sendo assistidos e mais russos aprenderam a gostar dos filmes da Troma. Em conseqüência, a Carmem Films viu chance de distribuí-los na Rússia. Essa empresa acredita que os fãs que caíram no entretenimento pirata vão gastar seu dinheiro com filmes que tenham boa qualidade e bom acabamento gráfico.

Analisando a tecnologia do peer-to-peer, concluímos que ele não é um instrumento para a prática de pirataria como divulgado pelas corporações, senão vejamos:

1.como Hollywood e o cinema nacional, o peer-to-peer escapa de uma indústria excessivamente controladora; e

2.como da indústria fonográfica atual, consegue obter uma nova forma de distribuir conteúdo; mas

3.diferente da literatura nacional, ninguém está vendendo o conteúdo que é distribuído.

Essas diferenças distinguem o peer-to-peer da verdadeira pirataria. Elas deveriam nos forçar a descobrir uma forma de proteger os artistas e, ao mesmo tempo, garantir a sobrevivência dessa partilha.

O primeiro sintoma da decadência do atual modelo comercial de distribuição do entretenimento foi o MP3. As músicas convertidas em formato digital, com qualidade fiel ao áudio de CD e tamanho reduzido, começaram a fluir pela rede e logo atraíram a cobiça de todos. A indústria fonográfica reagiu com desconfiança à novidade e a princípio tentou combater o que chamou de instrumento para a pirataria musical. E então surgiu o programa Napster.

O Napster estabelece conexão entre os computadores dos usuários e um servidor de arquivos, que lista os sons em MP3 que existem em todas as máquinas rodando o programa. O toque final é um protocolo de comunicação para a procura e a transferência de música entre os usuários conectados.

O incrível era que o Napster não representava nenhuma inovação técnica, apenas reunia recursos que já estavam bem consolidados na Internet. A Associação da Indústria Fonográfica Americana (RIAA) também processou a empresa responsável pelo programa, mas não conteve a idéia disseminada.

O maior mérito desse programa de computador é o fenômeno que gerou: hoje existe um número incomum de programas no estilo, com as mesmas capacidades de seu inspirador, até ampliando o leque de arquivos compartilháveis, não sendo apenas músicas, mas também vídeos, imagens, textos, etc., porém sem a necessidade de um servidor de arquivos (conexão peer-to-peer), o que elimina as chances de ser inutilizado por qualquer decisão judicial.

Nos tribunais brasileiros, é pacífico o entendimento de que essa tecnologia utilizada não constitui ofensa ao bem jurídico protegido do direito do autor: "O progresso tecnológico na reprodução dos sons não pode ensejar a apropriação do labor alheio e da criação intelectual, merecedores da proteção jurídica" [20].

Segundo Lessig [21], os usuários das redes peer-to-peer podem ser classificados da seguinte maneira:

A- Quem somente usa a rede para efetuar download ilegal de música em vez de comprar conteúdo legal. Assim agindo, quando um CD novo do Skank é lançado, os usuários desse grupo se apossam do conteúdo obtido na rede e nenhuma compra é feita;

B- Usuários que ouvem amostras de músicas antes de comprá-las. Funcionando como uma publicidade direcionada, um amigo recebe o MP3 de um artista que ele não conhece e, gostando, decide comprar o CD. Este tipo de usuário de conteúdo pode aumentar a quantidade de música comprada;

C_ Aqueles utilizam redes peer-to-peer para obter conteúdo protegido por direitos autorais que não é mais vendido ou que os custos de sua aquisição no mercado seriam absurdos. Essa utilidade é compensadora. Músicas que desapareceram dos catálogos há muito tempo, reaparecem de novo na rede. Tecnicamente ainda constitui violação de direitos autorais, mas os prejuízos econômicos são zero. Igualmente ocorre quando se vende uma coleção de discos de 45 rotações dos anos 60 para um colecionador local;

D - Por fim, há aqueles que utilizam redes peer-to-peer para obter conteúdo sem direitos autorais ou distribuídos gratuitamente.

E nestas hipóteses, somente o tipo D é permitido pela lei. O tipo A constitui violação aos direitos autorais. O tipo B igualmente causa lesão, mas claramente benéfico à indústria. O tipo C também é ilegal, mas benéfico à sociedade, sendo que a exposição da música é um benefício e inofensiva para o artista, já que a obra não está disponível para aquisição de outro modo.

Aqui se faz necessário saber se o compartilhamento é prejudicial, dependendo essencialmente do prejuízo que o tipo A causa. Uma prática antiga da indústria fonográfica é culpar a tecnologia pela queda nas vendas. A história das fitas cassete é um bom exemplo: como hoje os CDs são combatidos, já houve manifestação em face da gravação de fitas. Da mesma forma que Edson reclamou de Hollywood, os compositores reclamaram dos direitos autorais recebidos, os músicos reclamaram do rádio e a indústria fonográfica reclama que o compartilhamento do tipo A é uma espécie de roubo que está devastando o mercado.

Em 2005, a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) informou que as vendas do setor fonográfico apresentaram queda de 20%, de 66 milhões para 52,9 milhões de unidades de CDs e DVDs; os lucros caíram 12,9%. Isso confirma uma tendência dos últimos anos. A ABPD culpa a pirataria na Internet por isso, ainda que se possa explicar tal queda de muitas outras maneiras, como aumento no preço das unidades e a competição com outros tipos de mídia nos últimos anos, argumento que não se sustenta por si só.

Há uma conjunção de fatores que pode ser atribuído a este resultado negativo. Pense-se na hipótese de que a ABPD esteja correta e que todo o declínio na venda de unidades deve-se exclusivamente a redes peer-to-peer, nos deparamos com um problema: no mesmo período em que a ABPD estima terem sido vendidos 52,9 milhões de CDs e DVDs, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) afirma que em 2005 houve mais de 454 milhões de downloads ilegais de músicas no Brasil, ou seja, apesar da quantidade representar 8,6 vezes o total de unidades vendidas, as quedas de faturamento foram de apenas 12,9%.

Por conseqüência, o que aparentemente se constata, se o único fator a considerar for o compartilhamento peer-to-peer, a indústria teria sofrido uma queda de 100% em suas vendas em 2005, não uma queda de 20%. Esses são os prejuízos alegados e talvez exagerados, mas reais. E quanto aos benefícios trazidos por essa tecnologia?

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Sobre o autor
Michael Vinícius de Oliveira

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Michael Vinícius. Propriedade intelectual: a influência do copyright nos direitos autorais e seu controle pela mídia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2477, 13 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14677. Acesso em: 29 mar. 2024.

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