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Guarda conjunta: em busca do maior interesse do menor

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RESUMO

A guarda conjunta é um novo modelo que surgiu há cerca de 20 anos na Inglaterra, a partir do julgamento de casos concretos (jurisprudência) em que pais exigiam maior contato e proximidade com seus filhos e menores desigualdades no exercício dos direitos e deveres parentais em comparação com as mães. Desse modo, os juízes passaram a conceder o split order (ordem de divisão), meio pelo qual a mãe se encarregava do care and control e o pai, da custody. Do Reino Unido, a guarda compartilhada se espalhou pela Europa continental, ganhando força principalmente na França, e da Europa atravessou o Atlântico até se implantar no Canadá e nos EUA. Foi neste último país que ela encontrou sua maior expressividade, tornando-se inclusive política pública. A guarda conjunta pressupõe o exercício em comum dos direitos e deveres decorrentes da guarda e as decisões mais importantes a respeito da vida do filho devem ser tomadas por ambos os pais, conjuntamente. Não significa ela que os pais vão dividir o tempo que ficarão com o filho em partes iguais, mas implica maior flexibilidade nos momentos em que o filho deverá ficar sob a guarda material dos pais. A guarda compartilhada apresenta inúmeras vantagens e as principais podem ser aqui enumeradas: permite contato mais íntimo do filho com ambos os pais, preserva o menor de sentimentos de exclusão e rejeição, induz o pai a pagar a pensão alimentícia entre outros. Com isso, a guarda conjunta vem ganhando mais espaço em nossa sociedade.

ABSTRACT

The joint custody is a new pattern that has arisen for about 20 years in England, since the judgment of concrete cases (jurisprudence), in which fathers required greater contact and proximity with their children and minor inequalities in the exercise of parental rights and duties in comparison with the mothers. This way, judges began conceding the split order, way through which the mother charged herself with the care and control and the father, with the custody. From the United Kingdom, the joint custody was spread throughout continental Europe, getting strength chiefly in France, and from Europe it crossed the Atlantic sea until implanting in Canada and in the USA. It was in the latter that it found its greater expressiveness, including becoming public politic. The joint custody presupposes the common exercise of the rights and duties that come from the custody and the most important decisions about the child must be taken by both parents together. It does not mean that the parents will share the time with which they will stay with the child in equal parts, but it implies greater flexibility in the moments the child will stay under the physical custody of the parents. The joint custody shows several advantages and the main may be here listed: allows more intimate contact of the child with the parents, preserves the young from feelings of exclusion and rejection, induces the father to pay the food pension between others. Therefore, the joint custody is getting more and more space in our society.


SUMÁRIO:

Há 20 anos vem sendo discutida uma nova forma de exercício da autoridade parental conhecida como guarda conjunta, ou ainda, guarda compartilhada como querem outros. Consiste ela na assunção pelos genitores recém-separados ou divorciados das responsabilidades, deveres e prerrogativas para com a prole, tentando imitar uma família em que não houve um processo de separação judicial ou divórcio, ou seja, buscando manter a situação anterior à dissolução da sociedade conjugal. Afinal de contas, a sentença que declara o divórcio ou a separação apenas atua na esfera conjugal, nunca se imiscuindo no âmbito parental, o que significa dizer que a dissolução da sociedade conjugal apenas altera as relações conjugais, entre marido e mulher, nunca se interferindo nas relações paterno e materno-filial.

O ponto central da discussão desse tópico tão em voga diz respeito a se a guarda conjunta realmente preserva o interesse do menor. Além dessa indagação, poderíamos ainda nos perguntar se a guarda conjunta é um meio eficiente para garantir o desenvolvimento físico-psico-emocional normal do filho. Se sim, é o melhor método?

Não nos pode escapar a seguinte questão: quais as vantagens e as desvantagens que esse novo sistema apresenta?

Além destas outras perguntas: como e onde foi a origem desse tipo de guarda? Como anda a aplicação desse modelo na atualidade no Brasil? É possível essa aplicação? É legal a sua aplicação?

Pretendemos responder a todas essas e outras perguntas que porventura surgirem quando da redação da monografia.

Cheguei a este tema da seguinte forma: buscava de alguma forma relacionar o Direito com a Psicanálise, tanto é que trataria da Guarda de Filhos sob um ponto de vista da Psicanálise. Contudo, tal pesquisa demandaria tempo e recursos financeiros, além de muito suor, pois é um tema novo. Então, buscando um assunto menos complexo que se encaixasse nos moldes de uma monografia de final de curso de graduação, encontrei a guarda compartilhada, que trata tangencialmente da Psicologia também. Portanto, não foi de todo inútil o tempo que gastei coletando material daquele primeiro tema, pois de alguma forma vai colaborar com esse trabalho científico.

O tema é pertinente porque em voga, como já afirmamos. Também é um tema que causa polêmica, pois há duas correntes, uma contra e outra favorável; novo, tanto que o material no Brasil é ainda escasso; envolve um grande número de disciplinas que não o Direito, como a Psicologia, a Medicina, a Sociologia, a Educação etc., portanto sua pesquisa é interdisciplinar.

Com certeza, o meu trabalho trará ao Brasil mais um ponto de vista relevante para a ciência jurídica, em especial o Direito de Família. Será uma fonte de consulta para acadêmicos e profissionais do Direito que lidam diretamente com o assunto.

O objetivo geral consiste em analisar a importância da guarda conjunta para a asseguração do melhor interesse do infante.

Os objetivos específicos são: conhecer a autoridade parental e diferenciá-la da guarda; conhecer o instituto da guarda como um todo no Direito Brasileiro, inclusive as suas diversas espécies; identificar as consequências da guarda compartilhada e as suas vantagens e desvantagens.

Utilizaremos nesta pesquisa os seguintes métodos: indutivo, dedutivo e dialético-argumentativo.

Serão desenvolvidas pesquisas bibliográfica, documental e jurisprudencial.

Devido à escassez de material produzido sobre o fenômeno a ser examinado no Brasil, a pesquisa se baseará principalmente em apenas duas obras, uma de autoria de GRISARD FILHO (Guarda Compartilhada) e a outra, de Eduardo LEITE (Famílias Monoparentais). Trata-se de uma pesquisa bibliográfica.


1 O PODER FAMILIAR E A GUARDA

Antes de adentrarmos o mundo da guarda, mister que se faça um pré-estudo do poder familiar, pois, como veremos mais à frente, um se relaciona intimamente com o outro, a ponto de até muitos juristas fazerem confusão entre os seus conceitos. Na verdade, porém, um não se confunde com o outro; a guarda é da natureza do poder familiar, mas não de sua essência.

1.1 TERMINOLOGIA

A antiga expressão "pátrio poder" foi substituída pelo novo Código Civil (CC) por poder familiar. "Pátrio poder" era uma expressão que restringia a ideia de que o exercício do poder-dever em relação aos filhos pertencia unicamente ao pai, excluindo, portanto, a mãe e, como se sabe, desde a Constituição Federal de 1988 (CF/88) já não se admite mais esse desnível de tratamento entre marido e mulher, pois, de acordo com o art. 5º, I, homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, e conforme o art. 226, § 5º, o exercício dos direitos e deveres conjugais é igual tanto para o marido quanto para a mulher.

Portanto, o legislador civilista brasileiro avançou nesse sentido, mas ainda deixa a desejar, pois a palavra "poder" exprime uma condição que não corresponde àquela desejada pelos juristas. Poder significa capacidade de mudar as circunstâncias e condições ao redor e imprime um caráter coercitivo, contra a vontade, que não é característico de uma relação parental. Talvez a melhor palavra para caracterizar a situação de um pai que tem deveres e prerrogativas em relação ao filho e tem amparo legal para se fazer obedecer seja mesmo autoridade. Aliás, na França já se usa correntemente o termo "autoridade parental" como correspondente de poder familiar aqui no Brasil.

Poder familiar, além de não significar puramente a relação que existe entre pai e filho, seu adjetivo "familiar" amplia muito os titulares, que na verdade são só os pais, e não a família toda. Por isso, mais uma vez, autoridade parental é o nome ideal, pois "parental" quer dizer relativo aos pais. Sobre a etimologia da palavra "autoridade", justificando o seu uso:

É a etimologia que justifica, revelando sua função, a autoridade parental sobre o filho. Autoridade vem de autoritas, que deriva de augere, aumentar, acrescentar. Pelo aumento que ela traz, a autoridade preenche um vazio, compensa uma fraqueza, assiste a um desenvolvimento, favorece um desabrochar (sob sua asa, o filho cresce em saber e bondade). [01]

Embora "autoridade parental" seja a expressão mais adequada, neste trabalho, para nos mantermos conforme o CC/2002, empregaremos a palavra "poder familiar" como sinônimo daquela.

1.2 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

O conceito de poder familiar, o CC não nos fornece, porém em seu artigo 1630 afirma que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Guilherme Gonçalves STRENGER diz que "A autoridade parental compreende a guarda, que implica o cuidado existencial do menor, bem assim sua educação.". [02]E mais à frente formula o seguinte conceito: "Autoridade parental é um direito-dever de que são investidos os pais, como co-titulares, no sentido de tutelar os interesses do filho e preservar suas condições existenciais". [03]

Para Sílvio de Salvo VENOSA, o poder familiar é um conjunto de direitos e deveres que possuem os pais quanto à pessoa e os bens dos filhos menores não emancipados. [04]

Para Maria Helena DINIZ,

O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bem do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. [05]

Podemos formular nosso próprio conceito. Poder familiar é um conjunto de deveres e prerrogativas que têm os pais em relação aos seus filhos menores e não emancipados e em relação aos bens destes, tendo como fim proteger, criar e conduzir a vida dos mesmos até que atinjam a idade adulta, aos 18 anos.

1.3 DELINEAMENTO HISTORICO

O poder familiar tem suas origens no antigo Direito Romano, então conhecido como patria potesta (poder paternal ou pátrio poder). Assim era, porque tal poder era conferido exclusivamente ao pai de família. Naquela época, a família era bastante extensa, numerosa, e para governá-la e conseguir sucesso o chefe de família necessitava muito poder. Por isso, tal poder era justificado pela sociedade. Acontece que o pai não era apenas o chefe de família, ele representava também o poder religioso. A própria religião justificava a sua autoridade, porquanto era ele quem conduzia a religião.

No Direito Romano, o patria potesta detinha um poder imensurável sobre os filhos, a ponto de poder puni-los, vendê-los e até matá-los (diz-se que ele tinha o poder de vida e morte sobre os filhos), de acordo com a sua conveniência. Os filhos nenhum controle detinham sobre os seus bens, que eram todos administrados pelo chefe de família. Aliás, os filhos nem bens tinham. O único bem que os filhos adquiriam e que ainda podia ser administrado pelo pai era o pecúlio militar.

Essa situação, felizmente, foi se abrandando com a chegada da Idade Média, pois o direito canônico recebeu influência do direito mais liberal dos povos bárbaros (germânicos). Mas ainda assim, era o pai quem detinha com exclusividade aquele poder, não podendo mais tirar a vida do filho nem tomar um bem que a este pertencia.

A influência do pai como único possuidor do pátrio poder chegou até nós (Brasil) através do Direito português (Ordenações Filipinas). Àquela época, o pai tinha todo o poder de mando, controlando a vida dos seus filhos, e a mulher nada podia fazer ante eventuais abusos cometidos pelos pais em relação aos filhos ou seus bens. A estrutura da sociedade brasileira, basicamente rural, consolidada pelos engenhos de cana ou pelas propriedades cafeeiras, só retardava as mudanças que só vieram mais tarde.

O Código Civil de 1916 ainda era essencialmente paternalista. Foi somente com a Lei nº 4121/62 (Estatuto da Mulher Casada), que a situação começou a mudar, incluindo timidamente que o poder familiar continuava nas mãos do pai, mas se a mãe discordasse, a opinião do pai prevalecia, ressalvado o direito daquela de recorrer ao juiz (art. 380, caput e seu parágrafo único do CC/1916).

Finalmente, graças à Revolução Industrial, à urbanização, ao desenvolvimento das telecomunicações, à globalização, ao movimento feminista pelos direitos da mulher, a situação mudou para melhor, com a igualdade de exercício dos direitos e deveres conjugais pelo marido e pela mulher. Hoje, o poder familiar pertence em igualdade de condições ao pai e à mãe, e havendo discórdia quanto ao seu exercício, qualquer dos cônjuges poderá procurar o juiz para a solução da questão (art. 1631, caput e seu parágrafo único, CC/2002).

Com a urbanização, industrialização, a nova posição assumida pela mulher no mundo ocidental, o avanço das telecomunicações e a globalização da sociedade, modificou-se irremediavelmente esse comportamento, fazendo realçar no pátrio poder os deveres dos pais em relação aos filhos, bem como os interesses destes, colocando em plano secundário os respectivos interesses dos pais. [06]

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Portanto, hoje o que se busca é garantir o interesse do filho, em detrimento do interesse dos pais, pois aquele é o pedaço mais desprotegido da família e necessita da ajuda dos seus semelhantes para que se torne um adulto útil a si mesmo, à família e à própria sociedade.

1.4 NATUREZA JURÍDICA

O poder familiar pode ser entendido diferentemente em relação a duas vertentes: em relação ao Estado e a terceiros (1ª vertente), e em relação aos filhos (2ª vertente).

Em relação ao Estado e a terceiros, o poder familiar constitui um múnus, ou seja, um direito subjetivo que aqueles esperam que o pai e a mãe exerçam em prol dos filhos até que esses possam caminhar com as próprias pernas.

Em relação aos filhos, corresponde a um complexo de direitos e deveres que deverão ser centrados em torno dos filhos. A todo direito do pai corresponde um dever do filho, e a recíproca também é verdadeira: a todo dever do pai corresponde um direito do filho.

Assim, o poder familiar não é só um conjunto de poderes e deveres de que são titulares os pais, mas também um conjunto de poderes e deveres que devem ser exercidos em função dos filhos.

Há outras correntes que afirmam ser o poder familiar ora uma função, que o Estado acomete aos pais tendo em vista a proteção dos filhos, ora um poder-função, porque não só de deveres vivem os pais, mas principalmente de poderes que se revestem na forma de direitos (prerrogativas) em relação aos filhos, ora, ainda, um direito natural, fato que não contestamos, pois realmente tais deveres e direitos decorrem da natureza, do fato do homem ser pai e a mulher ser mãe.

Independente da escolha a ser tomada, não podemos perder de vista que o que deve prevalecer é sempre o interesse dos menores para que se alcance o objetivo visado pelo Estado, pela família, pela sociedade em geral.

1.5 TITULARIDADE

O poder familiar abrange dois lados de uma mesma moeda: os sujeito ativo, de um lado, e os sujeito passivo, de outro.

Sujeito ativo são os pais (pai e mãe) que tenham filhos sob seu poder. Assim:

Amplamente considerado, devem entender-se por sujeitos ativos, restritamente, o pai e a mãe, que têm exclusividade desse poder-dever, sempre levando em conta as ocasionais patologias jurídicas, que podem excepcionalmente levar a outros encaminhamentos, porquanto nem sempre tudo decorre segundo os cânones da normalidade. [07]

Já sujeito passivo são os filhos menores não emancipados que estejam sob o poder paternal e maternal. É importante que eles não sejam maiores de 18 anos nem emancipados, pois nesses casos eles não se sujeitam a poder familiar algum, já que a lei os entende como independentes, livres. Assim:

Os sujeitos passivos da autoridade parental são todos e quaisquer filhos menores não emancipados que tenham pai ou mãe, vivos e conhecidos, habilitados para exercê-la.

Cumpre agora identificar quais são as situações normais e as situações patológicas. Situação normal é aquela em que pai e mãe estejam unidos pelo vínculo matrimonial. Nesse caso, o poder familiar compete a ambos os pais indistintamente. Decorre da própria natureza das coisas que o poder familiar seja exercido por ambos os pais desde o nascimento das crianças até que estas se emancipem ou se tornem maiores de idade, quando então poderão viver livres do controle parental.

A primeira situação patológica diz respeito à família cujos pais estejam vivos e bem casados, porém o poder familiar será concedido a apenas um deles, porque o outro foi suspenso ou destituído do pátrio poder.

Outra situação também patológica ocorre na família matrimonial, porém nesse caso houve ruptura da sociedade conjugal, quer por separação, quer por divórcio, hipótese em que o poder parental será deferido em seu essencial e em sua plenitude a um dos cônjuges (o que corresponde à guarda), ao passo que ao outro cabe direito de visitas, fiscalização, companhia e dever de alimentos. Deve-se salientar que o cônjuge que foi destituído da guarda não perde o poder familiar, este apenas é exercido com algumas atenuações, tanto é que poderá recorrer ao juiz, caso perceba que o guardião não esteja exercendo corretamente os seus deveres em relação à prole. Afinal de contas,

A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos (art. 1632 do novo CC).

Uma terceira situação patológica diz respeito à família natural. Caso ambos os pais hajam reconhecido voluntariamente o filho, o poder familiar é concedido a ambos, a não ser que não vivam em união estável, caso em que o poder familiar será concedido a um deles, cabendo ao outro o direito de visita. Se o filho foi reconhecido apenas por um dos pais, sujeitar-se-á ao poder familiar deste. Cumpre lembrar que se o filho não foi reconhecido pelo pai, ficará sob o poder familiar da mãe. Afinal de contas, a mãe sempre é certa quanto a sua condição de mãe. Isso, ninguém contesta. Se a mãe não for conhecida ou capaz de exercer o poder familiar, dar-se-á tutor ao menor. (art. 1633).

Finalmente, quanto à família civil, é importante lembrarmos que se ambos os cônjuges adotaram o filho, então o poder familiar vai pertencer aos dois; se apenas o marido o adotou, a ele caberá o poder familiar; se apenas a mulher adotou, a esta caberá o poder familiar.

1.6 CARACTERÍSTICAS

O poder familiar apresenta bastantes características que o tornam peculiar. Assim, é ele irrenunciável, imprescritível, indelegável, inalienável, incompatível com a tutela, além de ser um múnus público.

Ele é:

A)irrenunciável, porque o seu titular dele não pode renunciar; ainda que o não exerça, continua tendo o poder familiar em suas mãos. Não pode o seu titular se negar a possuir tais deveres e direitos, haja vista serem um múnus público;

b)imprescritível, porquanto, ainda que o titular não o exerça, ele não vai perder o direito de o exercer quando as circunstâncias o exigirem. O pátrio poder só é extinto em casos particulares de extinção ou de destituição;

c)indelegável, não podendo o seu titular o transmitir para outrem, a não ser no caso de adoção, mas ainda assim deve haver anuência do pai ou da mãe titular do pátrio poder;

d)inalienável, não podendo ser objeto de compra e venda ou outro tipo de alienação, porque não comerciável;

e)incompatível com a tutela. Assim, não poderá existir um tutor paralelamente e simultaneamente a um pai ou mãe que esteja no exercício do pátrio poder. É somente com a morte dos pais que se poderá cogitar de um tutor;

f)finalmente, é um múnus público, no sentido de que é um dever acometido pelo Estado a determinadas pessoas para garantirem o futuro seguro de um filho.

1.7 CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR

1.7.1 Direitos e Deveres dos Pais em Relação à Pessoa dos Filhos

Em uma interpretação sistemática, LÔBO aponta quais são os deveres dos pais em relação aos filhos:

Os deveres inerentes aos pais, ainda que não explicitados, são os previstos na Constituição, no ECA e no próprio Código Civil, em artigos dispersos, sobretudo no que diz respeito ao sustento, guarda e educação dos filhos. De modo mais amplo, além dos referidos, a Constituição impõe os deveres de assegurarem aos filhos (deveres positivos ou comissivos) a vida, a saúde, a alimentação, o lazer, a profissionalização, a dignidade, o respeito, a liberdade, a convivência familiar e comunitária, e de não submetê-los (deveres negativos ou de abstenção) a discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [08]

O conteúdo do poder familiar está previsto no art. 1634 do novo CC, segundo o qual:

Art. 1634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – te-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los até aos 16 anos, nos atos da vida civil, e assistí-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

A primeira atribuição significa que os pais devem oferecer assistência material, moral e educacional aos filhos, com o escopo de garantir-lhes uma vida útil à sociedade no futuro. Ninguém melhor que os pais para cumprir essa tarefa, pois se colocaram os filhos no mundo, devem cumprir sua obrigação de dar educação, tanto domiciliar quanto escolar, alimentá-los e permitir que se desenvolvam física e intelectualmente. DINIZ clareia a situação para nós, afirmando que o dever de dirigir a criação e educação se faz:

... provendo-os de meios materiais para a sua subsistência e instrução de acordo com seus recursos e sua posição social, preparando-os para a vida, tornando-os úteis à sociedade, assegurando-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Cabe-lhes ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos, formando seu espírito e caráter, aconselhando-os e dando-lhes uma formação religiosa. Cumpre-lhes capacitar a prole física, moral, espiritual, intelectual e socialmente em condições de liberdade e de dignidade.. . [09]

Observe-se que o descumprimento desse dever importa abandono material (art. 244 do Código Penal, CP), abandono intelectual (art. 246, CP), e a entrega de filho a pessoa inidônea, que sabe ser prejudicial à saúde do menor, também constitui crime previsto no artigo 245 do CP. Tudo isso, sem embargo do responsável perder o direito ao pátrio poder.

Em relação ao segundo atributo, é direito natural dos pais ter os seus filhos em sua companhia e guarda. A guarda é um dos direitos do poder familiar que deste se destaca facilmente, mas que nele encontra o seu fundamento, a sua base. Costuma-se afirmar que a guarda é da natureza do pátrio poder, porém não é da sua essência. Por isso que é possível que a guarda que pertencia aos pais, destaque-se do poder familiar destes e seja deferida a um tio, por exemplo.

Quando os pais se separam ou se divorciam ou ainda quando ocorre ruptura da união estável, não é possível exercer esse direito em comum, a menos que se opte pela guarda compartilhada, mas ainda assim a guarda material será exercida somente por um genitor, a seu tempo. Geralmente, o que ainda ocorre nos tribunais é a concessão da guarda a um só dos genitores, com o direito do outro de visitar e fiscalizar o poder familiar do genitor guardião que é exercido na íntegra.

O terceiro inciso diz que aos pais cabe o dever de conceder ou negar aos filhos o consentimento para casarem. É óbvio que só aos pais cabe esse dever, pois são eles que sabem qual a índole do companheiro da filha ou da companheira do filho, e conhecendo o seu caráter, permitirá ou não que essa pessoa faça parte da família, em sendo tal pessoa idônea, ou não.

Se os pais não concederem consentimento para o casamento, o filho poderá buscar o apoio do juiz, que poderá suprir o consentimento dos pais, sempre que estes o negarem injustificadamente ou for impossível de se manifestar.

Em relação ao inciso IV, não é muito comum isso acontecer, mas é sempre bom que os pais, em uma atitude preventiva, nomeie aquele que vai cuidar da vida dos filhos em caso de morte dos pais ou incapacidade decorrente de doença ou deficiência mental.

O inciso V diz que os atos civis praticados pelos menores de 16 anos serão representados, e aqueles praticados pelos maiores de 16 e menores de 18 anos serão assistidos. Ato praticado por menor absolutamente incapaz é nulo, e ato praticado por relativamente incapaz é anulável.

O próximo poder-dever dos pais refere-se à possibilidade que têm estes de reclamarem os filhos de quem ilegalmente os detenha. O meio adequado para isso é o mandado de busca e apreensão. Acontece que quando se tratar de pais separados, deve-se fazer um pedido de modificação de guarda, já que a busca e apreensão deve ser sempre evitada, por seu caráter quase sempre traumático no referente às crianças.

O último inciso consiste em que os pais devem exigir que os filhos lhe prestem obediência e respeito. O certo seria que os filhos devessem prestar obediência e respeito aos pais, pois estes cuidam das suas vidas, é uma contraprestação. Mas obediência e respeito não se compram, é preciso que o filho realmente esteja sendo tratado bem, conforme os seus direitos, para que a relação pai-filho seja a mais natural possível, e consequentemente, permeada por respeito mútuo. É muito comum que na infância e principalmente na adolescência os filhos faltem com respeito aos pais, principalmente por causa da rebeldia que lhes é inerente, mas não se deve desistir de se buscar uma relação menos tumultuada o possível, pois esse é o desejo tanto dos pais quanto dos filhos.

Em relação à prestação de serviços próprios de sua idade, temos que os autores tradicionais (Maria Helena Diniz, Silvio Venosa etc.) concordam com esse inciso, desde que isso não atente contra as leis trabalhistas (CLT) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que proíbem qualquer tipo de trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, para os maiores de 14 anos. É proibido também o trabalho insalubre, perigoso e noturno para os maiores de 18 anos, considerado trabalho noturno aquele entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte (confira os artigos 403 e 404 da CLT e artigos 60 e 67 do ECA).

Há quem entenda ser proibido qualquer tipo de trabalho a menores:

Tenho por incompatível com a Constituição, principalmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 227), a exploração da vulnerabilidade dos filhos menores para submetê-los a ‘serviços próprios de sua idade e condição’, além de consistir em abuso (art. 227, § 4º). Essa regra surgiu em contexto histórico diferente, no qual a família era considerada também, unidade produtiva e era tolerada pela sociedade a utilização dos filhos menores em trabalhos não remunerados, com fins econômicos. A interpretação em conformidade com a Constituição apenas autoriza aplicá-la em situações de colaboração nos serviços domésticos, sem fins econômicos, e desde que não prejudique a formação e educação dos filhos. [10]

Portanto, também somos contrários ao trabalho infantil no seio familiar, pois é inadmissível que um menor que necessite de proteção e manutenção seja colocado numa situação de serviçal, quando deveria estar brincando com os colegas e desenvolvendo sua personalidade normalmente. A permitir que os menores prestem serviços aos pais, estaríamos rompendo o seu desenvolvimento adequado, tirando-lhe um pedaço de sua vida que é a infância e colocando mais um adulto problemático na sociedade já atribulada.

1.7.2 Direitos e Deveres dos Pais Quanto aos Bens dos Filhos

Os direitos e deveres dos pais não se limitam só à pessoa dos filhos, mas atingem também os bens destes.

STRENGER explica que a gestão do patrimônio dos filhos se baseia num duplo princípio: 1. os filhos, por serem incompletos em sua formação, ainda não são capacitados a administrar os seus bens e suas finanças, necessitando de um terceiro maior para isso; 2. a lei foi a responsável por indicar os pais para tal gestão, porquanto esse é um dever decorrente da autoridade parental, e ainda que secundário, é dever natural dos pais. [11]

Os pais têm o dever de administrar os bens dos filhos, e, em contrapartida, têm o direito de usufruir esses bens (art. 1689 do novo CC).

Compete aos pais representar os filhos menores de 16 anos e assistí-los até completarem a maioridade ou emancipação. Aqui persiste aquele princípio do art. 1631 do CC, ou seja, os pais exercem de comum acordo o controle sobre as questões que dizem respeito aos bens dos filhos, e, em caso de desacordo, cabe ao pai ou à mãe que se sentir prejudicado buscar uma solução através do juiz (art. 1690, caput e seu parágrafo único do novo CC).

Os atos de administração compreendem apenas aqueles que visam conservar ou incrementar o patrimônio dos filhos. Os pais podem abrir uma conta bancária para os filhos, podem pagar impostos, locar, defender direitos, alienar bens móveis. Ficam, vedadas, portanto, as alienações de imóveis.

Os pais necessitarão de autorização judicial para a alienação de bens imóveis, conforme se depreende do art. 1691 do novo CC, termos em que:

Art. 1691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:

I – os filhos;

II – os herdeiros;

III – o representante legal.

Os pais poderão alienar bens imóveis, ou gravá-los com hipoteca ou servidão, desde que demonstrem a real necessidade, de que haverá acréscimo ao patrimônio do filho. Insta lembrar que os pais não são responsáveis pela administração dos bens dos filhos, a menos que procedam com culpa.

O artigo 1692 dispõe que se o filho discordar do pai quanto à administração dos seus bens, o juiz, a pedido do filho ou do Ministério Público, dar-lhe-á curador especial. O curador atua

... para que se fiscalize a solução do conflito de interesses de pais e filho: zelando pelo do menor (...); recebendo em seu nome doação que os pais irão fazer-lhe; concordando com venda que os genitores efetuarão a outro descendente; intervindo na permuta entre o filho menor e os pais; levantando a inalienabilidade que pesa sobre o bem de família. [12]

Importante ressaltar que o usufruto e a administração são independentes. Pode haver usufruto sem administração, e pode haver administração sem usufruto. No entanto, estão excluídos da administração e do usufruto alguns bens que o Código especifica:

Art. 1693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I – os bens adquiridos pelo filho havidos fora do casamento, antes do reconhecimento;

II – os valores auferidos pelo filho maior de 16 anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;

III – os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;

IV – os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

O primeiro inciso traz regra de cunho moral, pois se aos pais fosse permitida a administração dos bens dos filhos havidos fora do casamento, antes do reconhecimento, o pai ou a mãe cobiçosos certamente reconheceriam o filho com o único intuito de "colocar a mão na massa", ou seja, de enriquecer às custas do filho.

O segundo inciso traz a hipótese do filho maior de 16 anos que trabalha e aufere rendas por si só ou que adquire bem com rendas adquiridas com o seu serviço. Tais bens e renda não poderão ser administrados pelos pais, nem usufruídos, pois foram adquiridos com o suor do próprio filho, e seria injusto que os pais nele interferissem. Em relação aos bens adquiridos por menor de 16 anos, em regra eles serão administrados e usufruídos pelos pais.

O terceiro inciso traz a possibilidade dos bens serem doados aos filhos sob condição de não serem administrados ou usufruídos pelos pais. Às vezes, pode acontecer que o doador (um avô, por exemplo) prefira que os bens não sejam administrados ou usufruídos pelos pais, então ele insere uma cláusula no contrato de doação nesse sentido.

Finalmente, o inciso IV também é uma regra moral, pois com essas medidas evita que os pais que foram excluídos da sucessão se apoderem dos bens dos filhos; se assim não fosse, a exclusão não faria sentido, pois os pais poderiam usufruir ou administrar os bens como se seus fossem.

1.7.3 Deveres Correlatos dos Filhos

Embora não conste no Código Civil de 2002 (nem no anterior), os filhos têm o dever de prestar obediência e respeito aos pais e deixar que eles pratiquem os atos de administração e usufruto dos seus bens. Os filhos também devem fazer companhia aos pais, principalmente se esses tiverem idade mais avançada.

O respeito e a obediência, como já dissemos acima, não se compram, mas se conquistam através da postura e das atitudes que o pai tem em relação aos filhos. Assim, um pai trabalhador que sempre participou da vida do filho, divertindo-se em alguns momentos, reprimindo certo comportamento do descendente em outros, ensinando o certo e o errado, o que pode e o que não pode fazer, com certeza colherá os bons frutos que plantou. Um pai ocioso, ou dependente químico, ou ainda que se entrega a uma vida de orgias, muito provavelmente não dará bons exemplos aos filhos, ainda mais quando se furta dos deveres de criação e educação; será um pai que, ao invés de obter respeito dos filhos, provavelmente vai ganhar sentimentos de pena e desprezo. O desrespeito reinará em seu lar.

Os filhos também, segundo o Código, devem prestar os serviços condizentes com a sua idade e devem alimentos aos pais quando estes o necessitarem e desde que os filhos tenham condições para arcar com tais despesas.

1.8 Extinção, Suspensão e Destituição

A extinção são causas normais, ou "anomalias sem perniciosidade" [13] de término do exercício do poder familiar. Está prevista no art. 1635 do novo CC, que diz:

Art. 1635. Extingue-se o poder familiar:

I – pela morte dos pais ou do filho;

II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;

III – pela maioridade;

IV – pela adoção;

V – por decisão judicial, na forma do art. 1638.

É natural que ao morrer um dos sujeitos do poder familiar (se ambos os pais ou só o filho), este se extingue. Se morrer apenas um dos pais, ao pai sobrevivo caberá todo o poder familiar. Se ambos morrerem, o filho menor deverá ser colocado sob tutela. Se o filho morrer, não há sujeito passivo, não há sobre quem os pais possam exercer o seu poder, que fatalmente se extingue.

O segundo inciso refere-se à emancipação, que poderá ser concedida pelos pais, se o menor já contar com mais de 16 anos, quando o menor colar grau, quando o menor exercer emprego público efetivo e ainda quando ele tiver estabelecimento civil ou comercial, desde que com economia própria.

A maioridade no Brasil atualmente está no patamar dos 18 anos de idade. A partir dessa idade, presume-se que o indivíduo já possa conduzir sua própria vida, o que resulta na extinção do pátrio poder.

A adoção é uma imitação da família natural, e por isso é chamada de família civil, porque artificial, imposta pela lei. A adoção, na verdade, não extingue o poder familiar, mas apenas o transfere do(s) pai(s) biológico(s) para o(s) pai(s) adotivo(s).

Finalmente, o último inciso remete o leitor ao art. 1638, que trata da destituição ou perda do poder familiar.

Importante regra é a do art. 1636, segundo o qual o pai ou mãe que contrair novas núpcias ou estabelecer união estável não perderá o pátrio poder sobre os filhos da primeira união. Essa regra também se aplica ao pai ou mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável pela primeira vez.

O art. 1637 demonstra os casos de suspensão do pátrio poder. Antes, devemos alertar que a suspensão é a perda temporária do poder familiar, e poderá se dar somente em relação a alguns poderes e a alguns filhos. Passado o período determinado pelo juiz, o pai ou mãe suspensos voltará a exercer os direitos e deveres decorrentes.

Já a destituição é a perda total do pátrio poder, caso em que o pai ou mãe destituído perde todos os direitos e deveres sobre todos os filhos. Aqueles só poderão retomar o poder familiar mediante ação judicial, provando que não mais subsistem as razões que fizeram cessar.

Transcrevo o art. 1637 abaixo:

Art. 1637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a 2 anos de prisão.

Cumpre acrescentar que a medida tomada pelo juiz vai depender da gravidade de cada caso. Assim, podemos afirmar que a pena é gradativa de acordo com cada caso em particular.

Por fim, o art. 1638 elenca os casos de destituição do poder familiar:

Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

O castigo é uma mal que deve ser evitado. Nem se pode pensar que seja um mal necessário, pois a violência física ou psíquica é atentatória dos direitos do menor, previstos na Constituição e no ECA. Violência só gera violência. Com certeza a melhor solução é conversar com o filho, mais que provocar sofrimento físico ou mental. Por isso, LÔBO esclarece:

Deixando de lado as discussões havidas em outros campos, sob o ponto de vista estritamente constitucional não há fundamento jurídico para o castigo físico ou psíquico, ainda que moderado, pois não deixa de consistir violência à integridade física do filho, que é direito fundamental inviolável da pessoa humana, também oponível aos pais. O art. 227 da Constituição determina que é dever da família colocar o filho (criança ou adolescente) a salvo de toda violência. Toda castigo físico configura violência. Note-se que a Constituição (art. 5º, XLIX) assegura a integridade física do preso. Se assim é com o adulto, com maior razão não se pode admitir violação da integridade física da criança ou adolescente, sob pretexto de castigá-lo. Portanto, na dimensão do tradicional pátrio poder era concebível o poder de castigar fisicamente o filho; na dimensão do poder familiar fundado nos princípios constitucionais, máxime o da dignidade da pessoa humana, não há como admiti-lo. O poder disciplinar, contido na autoridade parental, não inclui portanto a aplicação de castigos que violem a integridade do filho. [14]

Para Maria Helena Diniz, entretanto, o castigo é útil à correção dos menores:

Podem, ainda, usar moderadamente, seu direito de correção, como sanção do dever educacional, pois o poder familiar não poderia ser exercido, efetivamente, se os pais não pudessem castigar seus filhos para corrigi-los. [15]

Deixar o filho em abandono, além de ocasionar a perda do pátrio poder, consiste em crime de abandono material ou intelectual, previstos nos artigos 244 e 246, respectivamente, do CP.

Exemplo de atos contrários à moral e aos bons costumes seria o pai praticar lenocínio, a mãe se envolver com prostituição, o pai praticar atividade ilícita como pirataria, enfim.

Finalmente, se o pai ou a mãe repetir o ato de mal-uso de seus poderes e deveres ou for condenado mais uma vez a crime cuja pena exceda 2 anos, o juiz poderá destituí-lo do poder familiar.

Uma última palavra: como ressalta Silvio Rodrigues, a suspensão e a destituição têm mais um caráter protetivo e tutelar dos interesses dos filhos que punitivo do comportamento dos pais. [16]

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luiz Jorge Valente Pontes. Guarda conjunta: em busca do maior interesse do menor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2348, 5 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13965. Acesso em: 18 abr. 2024.

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