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Inquérito policial e exercício de defesa

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13/09/2008 às 00:00
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O texto estuda a necessidade da presença de advogados na fase inquisitorial para acompanhamento de atos procedimentais, principalmente interrogatório e indiciamento.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discutir temas ligados ao direito de exercício de defesa e àqueles inerentes às modificações legislativas no que diz respeito à necessidade da presença de advogados na fase inquisitorial, para acompanhamento da lavratura de atos procedimentais, principalmente em relação àqueles relativos ao interrogatório e ao indiciamento, postas as graves conseqüências de tal análise para a proteção de direitos e garantias individuais dos considerados como suspeitos a partir das investigações.

Ainda, pretende-se expor argumentos que trazem informações, também, sobre a necessidade da participação mais efetiva das defensorias públicas na preservação de direitos e garantias individuais, constantemente postos à prova durante os procedimentos acima mencionados.

Mister afirmar, em sede introdutória, que o tema "investigação preliminar" nunca foi abordado com a devida abrangência pela doutrina brasileira, sendo que, para muitos, o inquérito policial é ainda "mera peça informativa", muitas vezes dispensável.

A realidade já não é esta, posto que, em alguns casos, não se trata mais de resolução de casos simples, haja vista a apresentação de relatórios detalhados, em investigações mais profundas, com filmagens, laudos periciais e demais provas ditas "irrepetíveis", e, o mais importante, com pleno acompanhamento de membros do Parquet desde o início, ainda mais em se tratando daquelas atinentes aos casos mais complexos e que merecem, portanto, maior atenção por parte das Autoridades Policiais e dos membros do Ministério Público.

Insta acrescentar que, embora seja dispensável, é no conjunto de elementos de prova angariados durante o inquérito que 90 % (noventa por cento) das condenações têm seu arcabouço, ou seja, na grande maioria das vezes não são produzidas muitas provas durante a instrução do processo. Isso somente vem a reforçar a necessidade de maior preocupação com o que se faz e com o que é produzido na fase pré-processual.

Deve ser observado que o procedimento traz formas a serem obedecidas, embora as nulidades ocorridas na fase inquisitorial não contaminem o eventual processo. As citadas formas são previstas em instruções normativas, em portarias e em ordens de serviço, o que deve ser colocado no encadernado em consonância com o que diz a legislação federal sobre o tema. As formas, como será exposto, são a garantia de desenvolvimento da investigação para os sujeitos envolvidos nela.

No entanto, embora relegada a segundo plano, é nesta fase que são colhidos elementos de prova que, se corroborados com os que forem analisados durante a instrução judicial, podem resultar em condenações, o que também serve para que investigados deixem de sê-lo a partir do desenvolvimento das diligências. Nesta esteira, e somente como exemplo, citem-se os reconhecimentos, a confissão, as reconstituições de crimes etc. Além disso, em tal fase podem vir a ser decretadas medidas que atingem diretamente bens indispensáveis dos investigados e que acarretam danos praticamente irreparáveis ao patrimônio, à imagem e à liberdade daqueles.

Desta forma, é forçoso dizer que, pelos resultados que podem ser alcançados por tais atos e seus efeitos na fase judicial, faz-se necessário observar a obrigatória presença de defensores, visto que, embora não seja possível a intervenção pela ausência de contraditório, com a oposição de teses em paridade de "armas", tal medida denotará a possibilidade de acompanhamento do feito no que diz respeito à legalidade, à obediência aos procedimentos previstos e possibilitará verdadeira viabilidade do exercício de defesa.

No que diz respeito à alegada ausência de contraditório, necessária a reprodução do que foi consignado por AURY LOPES JÚNIOR [01] em obra sobre o assunto quando disse que:

É importante destacar que quando falamos em "contraditório" na fase pré-processual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento, da informação. Isto porque, em sentido estrito, não pode existir contraditório no inquérito porque não existe uma relação jurídico-processual, não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo. Não havendo o exercício de uma pretensão acusatória, não pode existir a resistência. Sem embargo, esse direito à informação – importante faceta do contraditório – adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa.

Neste trabalho, sem pretensão de esgotamento do tema, serão analisados quesitos sobre a fase policial, pré-processual, com comentários sobre liturgia empregada na coleta de declarações, de depoimentos e, obviamente, sobre o interrogatório policial, com ênfase na necessidade da presença de advogados para acompanhamento dos atos que envolvem este último modo de coleta de elementos de prova e primeira oportunidade de defesa do possível réu, com especial atenção para as inovações legislativas, tais como a Lei nº 10.792/2003 e a Lei nº 11.449/2007.

A primeira trata das modificações introduzidas no bojo do interrogatório judicial, o que leva a crer que tais mudanças, no que couberem, também devem ser introduzidas e aplicadas no interrogatório policial. Dentre elas, a necessidade da presença de advogado para acompanhamento do ato, o qual terá oportunidade de entrevista reservada com seu cliente ou assessorado, sob pena de nulidade, inclusive com possibilidade de realização de perguntas ao indiciado e consignação de pedidos de diligências.

A segunda, publicada ainda no corrente ano, obriga o envio de cópia das peças que compõem o auto de prisão em flagrante ao órgão da Defensoria Pública, isto em sede de procedimentos em que os indiciados não informem os dados de seu advogado para tal ato. Sem sombra de dúvidas, um grande avanço.

Todavia, mesmo com as inovações acima citadas, nada leva a crer que tais medidas venham suprir lacunas, já há muito presentes, na viabilidade de defesa na fase pré-processual, tornando inócua a lei para aqueles que não têm como contratar profissionais habilitados.

O método a ser usado no desenvolvimento deste trabalho será o dedutivo, com análise dos conceitos previstos na legislação, descrição de entendimentos jurisprudenciais e sua evolução, análise das inovações legislativas e de seus efeitos no contexto procedimental e, ao final, exposição dos principais problemas ainda enfrentados, com propostas de solução em sede de conhecimentos demonstrados durante a elaboração do texto.

O trabalho está dividido de forma a inserir o leitor no contexto da investigação preliminar, passando-se à análise das subdivisões das oitivas dentro do inquérito policial e de suas principais diferenças. Daí, já no cerne de uma das discussões propostas no tema, analisa-se a necessidade da presença do defensor para acompanhamento de oitivandos, sejam eles testemunhas ou investigados, dentro da visão de proteção às garantias previstas pela Constituição Federal de 1988.

Após, serão analisadas as questões trazidas pela Lei nº 11.449/07, a qual determina a remessa à Defensoria Pública de cópias das oitivas e das principais peças do Auto de Prisão de Flagrante daqueles indiciados que não apresentarem condições de contratar profissionais para acompanhamento e assessoramento durante os atos, isto dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a prisão.

Ao final, será elaborada conclusão sobre o trabalho, com ênfase na exposição dos problemas enfrentados, tudo com base na bibliografia pesquisada e que serviu de guia durante o desenvolvimento.


I - DESENVOLVIMENTO

Um dos primeiros atos a serem analisados tem a ver com o início do inquérito policial em decorrência de flagrante delito. Em tal situação, tendo em vista o exíguo prazo concedido pela lei para encerramento do procedimento, com a apresentação do relatório, mister considerar a necessidade de obediência às formas previstas para que sejam garantidos os requisitos que possibilitarão o desenvolvimento coerente das investigações.

Assim, não se pode comparar o trabalho investigativo desenvolvido no bojo do inquérito policial com a coleta de informações por detetives particulares, por exemplo, sendo que, frise-se novamente, há formas a serem rigidamente seguidas, o que também serve para amenizar o sentido da expressão mera peça informativa ou a própria inquisitoriedade do procedimento.

A previsão de lavratura de um procedimento administrativo que propicie ao investigado conhecer os termos da imputação, em um encadernado corretamente numerado e rubricado, com remessa cronologicamente previstas ao representante do Ministério Público e ao Juízo competentes, certamente oferece maiores garantias de que não serão executados atos que fundamentem a denúncia sem que o indiciado tenha acesso. Tal acesso abarca a ciência sobre os elementos que fundamentaram o indiciamento, o que também indica a liberação de pesquisa sobre as diligências efetuadas.

Assim, parte-se do princípio de que a forma é, antes de tudo, garantia. Este o principal quesito a ser observado no início de um inquérito policial, o que ocorre por meio de confecção de portaria ou por lavratura de auto de prisão em flagrante.

A confecção de portarias ocorre em casos em que há necessidade de coleta de maiores dados que levem ao esclarecimento da autoria e da materialidade do suposto delito cometido, o que é seguido na grande maioria dos casos, seja por meio de requisições enviadas pelo Ministério Público, sejam por determinações judiciais, seja por iniciativa da própria equipe policial ao perceber a possível ocorrência de crimes.

Todavia, é nos flagrantes que podem ocorrer a maioria das situações que colocam à prova os requisitos para o desenvolvimento de investigações condizentes com o que determina a legislação protetiva aos direitos e garantias fundamentais.

Sobre tal tema, segundo AMÁLIA GOMES ZAPPALA [02], o primeiro controle da legalidade da prisão em flagrante cabe à Autoridade Policial ao decidir sobre a lavratura, ou não, do auto de prisão. Tal servidor será encarregado de verificar se estão presentes os pressupostos para arbitramento de fiança ou se, simplesmente, terá a obrigação de confeccionar termo circunstanciado de ocorrência em caso de crimes considerados de menor potencial ofensivo.

Tendo em vista que a prisão em flagrante configura-se na única espécie de restrição à liberdade que independe de autorização judicial, deve haver a imediata comunicação da prisão ao Poder Judiciário. Tal comunicação, conforme está determinado pela leitura do preceito constitucional, deverá ser efetivamente imediata, ou seja, antes mesmo do início dos procedimentos para a lavratura do auto de prisão em flagrante [03].

Na análise da autora acima citada, a própria Carta Magna garante a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Ao final de tal linha de pensamento, conclui dizendo que "[...] a integralidade da garantia só se efetiva se a assistência jurídica compreender tanto a fase policial quanto a processual, possibilitando ao indiciado e ao acusado o exercício da defesa, dentro dos limites admitidos em alvos dos procedimentos" [04].

Ao final, enfatiza que tal assistência gratuita encontra-se em débito com a preconizada abrangência, haja vista que "somente na fase processual, no momento do interrogatório judicial, o acusado "pobre" vem a conhecer o seu defensor, tem a possibilidade de expor os fatos, de obter esclarecimentos e o necessário acompanhamento da defesa técnica" [05].

Observe-se que, na grande maioria das oportunidades, tal "conhecimento" restringe-se a simples troca de olhares durante a audiência, sem que seja realmente posta em prática a defesa em sua forma mais arcaica, haja vista que nem mesmo do nome do interrogado o "defensor" tem em mente para a indispensável formulação de argumentos.

De tal maneira, pode-se concluir que, desde a discussão entre interrogatório como meio de prova ou meio de defesa, atualmente já superada, e antes que se chegue a tal análise, é preciso que se garanta, ou melhor, que se dê cumprimento ao que está escrito na Carta Magna, propiciando-se assistência jurídica gratuita e integral aos indiciados em geral, o que também inclui os que são ouvidos na fase pré-processual.

Todavia, a realização de interrogatórios no inquérito policial não se dá, somente, em caso de prisão em flagrante, devendo ser observado que os indiciamentos ocorrem, também, através de cumprimentos de mandados de prisão temporárias, de prisão preventiva ou, até mesmo, em decorrência de intimação para comparecimento na delegacia, isto em procedimentos iniciados mediante a confecção de portarias, como já exposto.

Reunidos os indícios que levem a crer que o suspeito deve ter conhecimento de que será encarado, até a confecção do relatório, como autor de determinado crime, caberá à Autoridade Policial a realização do indiciamento, com toda a carga que tal procedimento carrega.

É o que revela AURY LOPES JÚNIOR [06], quando diz não se pode ouvir o investigado continuamente como "informante" para, depois de todas as informações prestadas, indiciá-lo com base em tudo o que declarou. O indiciamento, para tal autor, acertadamente é também uma garantia, haja vista que visa a evitar uma acusação de surpresa ou o comparecimento perante a Autoridade Policial como testemunha quando, na verdade, figura como principal suspeito.

No entanto, em todas estas ocasiões, ou em todos estes atos, é necessária a presença de defensor, ou pelo menos, a oferta de tal escolha ao indiciado, para que tenha orientação em como proceder diante de tão impactante acontecimento dentro do procedimento preliminar. Caso prefira ser orientado e acompanhado pelo citado profissional, o ato de indiciamento deve ser adiado, isto em casos em que não se trate de lavratura de autos de prisão em flagrante, onde as possibilidades de adiamento são mais remotas [07].

Este também é o entendimento de SAAD [08], em obra específica sobre o tema aqui desenvolvido, quando diz que "no inquérito policial, esteja o acusado preso em flagrante delito ou não, a atuação do advogado é relevante para solicitar a produção de provas, em favor do suspeito ou indiciado, de modo a garantir, posteriormente, um juízo de acusação justo e equilibrado". No entanto, não há como montar tese sem que haja tempo suficiente para acesso às investigações.

Interessante que seja observado que a autora acima citada denomina o preso como "acusado", quando, na verdade, trata-se de investigado, posto que a acusação somente será deduzida em sede de denúncia. Aceita esta, passa-se à denominação de réu.

Ainda segundo SAAD [09], "se o acusado é preso em flagrante, a imediata intervenção do advogado guarda especial importância no sentido de informá-lo sobre a natureza da infração que lhe é imputada, o direito ao silêncio, assegurar o direito à assistência de intérprete, e a presença física do advogado, durante o interrogatório, ajuda a atenuar a pressão que muitas vezes é exercida sobre o acusado, assegurando-lhe o respeito aos direitos".

De tal forma, pugna-se pelo oferecimento, por parte do Estado, de todos os meios necessários ao completo entendimento, por parte do oitivando, seja ele declarante, depoente ou interrogado, dos termos do procedimento a que está sendo submetido. Para tanto, urge tecer considerações sobre a necessidade de fortalecimento da Defensoria Pública, o que será abordado em tópico seguinte.

1.1 – O INQUÉRITO POLICIAL

Ao tomar conhecimento de possível cometimento de infração penal, de acordo com a nítida interpretação do que diz a lei, a Autoridade Policial, sem discricionariedade, deve instaurar procedimento administrativo para apuração de elementos que conduzam à autoria e à materialidade do delito cometido, o que, ao final, após a elaboração de um relatório impessoal, será todo o conjunto remetido ao Juízo. Este, por sua vez, fará remessa deste encadernado ao representante do Ministério Público para que, sem ter tido contato com os fatos, formule, ou não, a chamada opinio delictti, a partir de sua condição de dominus litis. Esta a leitura tradicional dos enunciados que tratam sobre a matéria na legislação vigente.

Tal entendimento funciona, na prática, em situações mais simples; em casos de investigações mais complexas, com vários investigados, vínculos nacionais e internacionais etc., tal forma de condução do procedimento fatalmente tornará difícil a elaboração da denúncia.

Bom ser observado que, segundo LUIZ CARLOS BETANHO [10], "a instauração do inquérito por iniciativa do delegado de polícia constitui um dever jurídico quando se trata de crime de ação pública incondicionada".

Todavia, de acordo com o que prescreve a legislação em vigor, é preciso dividir os indícios a serem investigados em dois conjuntos simples: aqueles em que os fatos supostamente criminosos já foram cometidos (ex: já ocorreu o assalto ao banco "X", restando a coleta de indícios que induzam à identificação dos autores do roubo), e aqueles em que há possibilidade de antever, de acompanhar, por execução de diligências policiais, a execução do fato criminoso (dados coletados a partir dos indícios colhidos no referido assalto, com execução de diligências que permitam o acompanhamento da quadrilha responsável), o que determinará a autuação em flagrante, se for o caso, ou o cumprimento de mandados de busca e apreensão ou de prisões cautelares.

Partindo-se desta divisão, observa-se que o modo de instauração de um inquérito policial depende, sempre, de como as informações sobre o fato delituoso chegaram ao conhecimento da equipe policial, sem considerar, neste contexto, as requisições ministeriais e as determinações judiciais para abertura de investigações sobre determinados fatos.

Neste mesmo contexto, observa-se que os meios tradicionais disponíveis para a coleta de informações sobre crimes são muito mais importantes em casos em que os delitos já ocorreram, onde o primeiro contato da equipe com o caso acontece depois do fato delituoso concretizado e onde certamente são imprescindíveis atos de investigação para entendimento do que aconteceu, o que possibilitará a construção de hipóteses.

Em sede de acompanhamento de grupos criminosos, a coleta de informações com o uso de cautelares (procedimentos de interceptação telefônicas, buscas e apreensões, devassas e acompanhamentos de movimentação bancária etc.) faz-se quase que independentemente do estudo do que foi dito pelos integrantes presos em flagrante ou por força de mandado, haja vista que as hipóteses a serem expostas no relatório têm base em análises de inteligência policial, com produção de conhecimento para uso nos inquéritos instaurados.

Neste contexto, o interesse pela realização de oitivas durante a fase inquisitorial, considerando-se as inovações no campo da coleta de informações sobre as ações das quadrilhas, depende exatamente dos elementos de prova já disponíveis, do interesse da equipe policial em esclarecer fatos ou em apenas esperar que o indiciado confirme, ou não, o que já é de conhecimento dos investigadores.

Visualiza-se, portanto, que no primeiro caso, explícito o uso do interrogatório [11] como meio de prova, ou melhor, como meio de coleta de provas ante possíveis contradições, confissões e acareações. No segundo, a realização do interrogatório tem sede na oportunidade do indiciado em defender-se, de "colaborar" com a polícia, conseguindo, com isso, benefícios previstos em lei. As hipóteses sobre o caso já estão formuladas e pouco pode ser acrescentado durante as oitivas dos indiciados.

Por outro lado, importante que se tenha em mente que, em ambos os casos, a realização das oitivas é sempre necessária, haja vista que, em sede diversa da simples coleta de dados, mister tecer considerações sobre a real comunicação do teor da investigação, em momento oportuno ao próprio procedimento, diga-se de passagem, ao investigado e, ainda, em que condição está sendo ouvido: como testemunha, devidamente compromissada, como declarante, sem o compromisso, ou, em último caso, como indiciado, com todos os direitos e deveres decorrentes de tal condição.

Ainda, necessário se faz observar a situação em que a vítima é ouvida em procedimentos pré-processuais, posto que, em investigações sobre certos delitos, as informações transmitidas por tal "testemunha" pode vir a fundamentar o oferecimento e o recebimento da denúncia.

1.1.2– OITIVAS

Como apontado, a realização de oitivas no decorrer do procedimento investigatório é de grande valia para o fortalecimento da hipótese a ser indicada na elaboração do relatório pela Autoridade Policial, sem o que o tema ficaria somente amparado por provas técnicas e por informações policiais juntadas aos autos.

Além disso, o apontamento dos elementos de prova colhidos na instrução do inquérito policial pode vir a servir como base para a intimação das testemunhas de acusação e defesa no processo, sem o que seriam necessárias pesquisas e acesso, por exemplo, a endereços e a telefones de contato, o que também indica a possibilidade de uso de testemunhos na formação das teses de cada parte.

Deve ser levado em conta, neste ato, que a idéia de que as oitivas realizadas durante a chamada fase inquisitorial são encaradas pela doutrina em geral como "provas repetíveis", quer dizer, como elementos de prova que serão repetidas em um eventual processo penal com interrogatórios e coleta de provas testemunhais.

A coleta de declarações, depoimentos e de interrogatórios no inquérito policial têm por função, como tudo o que está disposto no encadernado remetido ao Judiciário com o relatório, dar subsídios ao Ministério Público para oferecimento de denúncia.

Portanto, a visão encarcerada de "prova repetível" é, na verdade, inexistente, haja vista que o que se terá em Juízo é coleta de prova, ou meio de defesa em caso de interrogatório, totalmente diferente da fase preliminar, onde prepondera a busca por indícios que sustentem a peça ministerial.

De tal modo, importante reconsiderar a visão simplista de tais importantes momentos na fase inquisitorial, posto que pelo ato em que são concebidas, muitas vezes no "calor" dos flagrantes ou em situações diversas, ali podem vir a ser coletadas informações "irrepetíveis", posto que, conhecendo o conteúdo das investigações, já em Juízo, muitos oitivandos reformam o que foi alegado na defesa de seus interesses.

Coleta de informações, em tais casos, depende muitas vezes do momento em que são colhidas, devendo ser observado que investigação policial deve ser ágil, concisa e precisa, sendo contraproducentes protelações desnecessárias, com intimações postais, agendamento de oitivas para dias após os fatos etc.

1.1.2.1 – DECLARAÇÕES E DEPOIMENTOS

Em sede de inquérito policial, busca-se diferenciar a coleta de informações entre o suspeito, o qual responde a auto de qualificação e interrogatório, e as "testemunhas", as quais são convocadas para prestar esclarecimentos em termos chamados de depoimento ou de declarações.

Todavia, mesmo em sendo intimada para prestar informações, a testemunha pode ser informada de sua futura condição, em tese, através do modo como é convidada a responder as perguntas que lhe serão formuladas.

Desta maneira, entende-se que, caso não haja quaisquer possibilidades do oitivando vir a ser encarado como suspeito, pelo que deve estar ciente do compromisso de falar a verdade, sob pena de cometimento de crime de falso testemunho, há necessidade de confecção de termo de depoimento.

Em depoimentos, portanto, a testemunha vem realmente informar sobre temas que são de interesse para o conjunto investigatório, de onde serão deduzidas as hipóteses perante, por exemplo, as contradições apresentadas por indiciados nos interrogatórios ou sobre dados ainda obscuros no contexto estudado. As informações repassadas por testemunhas são usadas na elaboração da hipótese investigativa.

Em sede de coleta de declarações, por outro lado, o oitivando não deve prestar compromisso de falar a verdade, posto que é possível ser, em algum outro momento, encarado como suspeito e vir a ser indiciado. Desta feita, não haveria como compromissar tal "testemunha" a expor dados que, mais tarde, podem ser usados em seu indiciamento ou em denúncia. Vige, aqui, o princípio de desobrigação do suspeito (indiciado) em produzir provas contra si.

De tal modo, é preciso informar ao intimado a condição em que comparece para prestar esclarecimentos, desde logo evitando que possa dizer o que possa prejudicá-la, o que deve ser repassado no início da coleta dos dados qualificativos. Tal entendimento também deve valer para aqueles que, prestando depoimento, venham a ser englobados no rol de investigados/suspeitos.

Todavia, resta responder a questões que persistem após a divisão anunciada. A primeira delas repousa no tema referente ao declarante que venha ser indiciado no mesmo ou em outro procedimento. Onde será resguardado o direito a permanecer em silêncio se já informou sobre sua suposta participação, ou dados que poderão ser usados contra sua defesa, em termo de declarações?

Observa-se que o resguardo às garantias constitucionais perpassa pelos cuidados a serem tomados na coleta de testemunhos na fase preliminar, os quais,como informado, podem não servir para uso no processo penal, mas certamente serão apreciados na elaboração da denúncia.

Da mesma forma, também inadequado o indiciamento indireto de declarantes, haja vista que prestaram informações sem terem sido advertidos sobre a possibilidade de somente se manifestarem em Juízo. Tal prática ocorre em procedimentos onde, com base no que foi colhido durante o desenvolvimento de diligências, o declarante acabou sendo encarado como suspeito, o que acarretaria seu indiciamento.

Portanto, como já foi ouvido e declarou o que muitas vezes já interessava aos autos, bastaria a prática do indiciamento indireto. Todavia, se for novamente encontrado, caberia ser intimado a comparecer e a confirmar, querendo, o que já foi dito, ou a simplesmente calar-se, reservando-se suas manifestações para eventual processo penal.

Outro ponto a ser esclarecido em relação a tais atos é o modo pelo qual são coletadas as informações e como os depoentes/declarantes devem ser intimados a prestar os esclarecimentos necessários.

Neste ato, pergunta-se: é possível realizar tais diligências sem intimação, com coleta de informações através de entrevistas, de telefonemas ou por quaisquer meios expeditos?

Importante apontar, antes de qualquer análise, que é inadmissível que investigações policiais perdurem por muito tempo sem conclusões sobre as hipóteses originalmente levantadas.

Portanto, e levando-se em consideração que o objetivo é aportar indícios para que o representante do Ministério Público denuncie, é possível afirmar que a juntada de informações em inquérito policial deve ser expedita, com a possibilidade do uso de e-mails, telefonemas, entrevistas na residência, no local de trabalho ou onde a testemunha (frise-se, testemunha) possa ser encontrada e digne-se a colaborar com o desenvolvimento do inquérito policial.

Colhidos os dados necessários, tais informações devem vir aos autos do procedimento em forma de relatórios ou em mídia para que todo o conjunto possa ser apreciado na elaboração conclusão pela Autoridade Policial.

Preferindo ser orientado por advogado habilitado, o declarante pode ser intimado a comparecer; não há óbice e é obrigação a concessão de tal oportunidade, isto em estrita obediência aos prazos previstos para apresentação do procedimento em Juízo.

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O objetivo, em todos os casos, é coletar informações dentro de investigações céleres, sem que sejam submetidos a constrangimentos aqueles que prefiram esclarecer pontos de interesse dos órgãos de segurança fora da delegacia.

Assim, cumpre regulamentar o procedimento levado a efeito nas oitivas de testemunhas e declarantes no inquérito policial, posto que nada há no Código de Processo Penal que guie a execução de tais atos.

1.1.2.2 – O INTERROGATÓRIO (INDICIAMENTO)

O interrogatório policial é o ato pelo qual o suspeito é convertido em possível autor de delito, ato este concretizado através do indiciamento. Assim, considera-se indiciado o suspeito que teve contra si lavrado auto de qualificação e interrogatório ou que, preso em flagrante, foi igualmente qualificado e interrogado [12], com preenchimento de Prontuário de Identificação Criminal (PIC) e Boletim de Vida Pregressa (BVP) [13], documentos (formulários) que fazem parte do auto lavrado e que servem para alimentação do banco de dados.

Conforme relata NUCCI [14], "o indiciado é a pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro da sua convicção, como autora da infração penal". Em apertada síntese, a condição apresentada relata a existência de mais que mera suspeita sobre sua participação em determinado ato criminoso, haja vista que passará a ser encarado como provável autor, ou como "quase réu", conforme citado na ementa do HC 338.92-3, TJSP, Campinas, 6ª C., rel. Pedro Gagliardi, 15.03.2001, v. u., JUBI 61/01 [15].

O autor citado ainda acrescenta, em seus comentários ao artigo 6º do Código de Processo Penal, sobre o que significa ser indiciado, isto é, apontado como autor do crime pelos indícios colhidos no inquérito policial. Para ele, tal ato implica em um "constrangimento natural, pois a folha de antecedentes receberá a informação, tornando-se permanente, ainda que o inquérito seja, posteriormente, arquivado". [16]

Portanto, o ato de indiciamento revela-se como sendo imprescindível dentro da forma a ser seguida no procedimento preliminar, haja vista que indica ao investigado que foi apontado como provável autor de certo delito, possibilitando ao mesmo, desde já, preparar meios para sua defesa. O ato em tela é obrigatório.

De acordo com o que pensa AURY LOPES JÚNIOR [17], "o indiciamento pressupõe um grau mais elevado de certeza da autoria que a situação de suspeito".Ainda, relata que "o indiciamento deve resultar do instante mesmo em que, no inquérito policial instaurado, verificou-se a probabilidade de se o agente o autor da infração penal, e, como instituto jurídico, deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária".

O entendimento em tela foi também reproduzido por NUCCI [18] quando citou o pensamento de PITOMBO sobre o indiciamento:

Não há de surgir qual ato arbitrário da autoridade, mas legítimo. Não se funda, também, no uso de poder discricionário, visto que inexiste a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade do ato. O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Mantém ele como é: suspeito. Em outras palavras, a pessoa suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada, a contar do instante em que, no inquérito policial instaurado, se lhe verificou a probabilidade de ser o agente.

De acordo com tal procedimento, em caso de lavratura de auto de prisão em flagrante, tal documento deve conter a data e o local onde foi lavrado, a indicação da autoridade que o presidiu e, a seguir, será qualificado o condutor, após o que será compromissado e indagado sobre o fato que motivou a prisão e as circunstâncias em que esta se verificou.

Conforme está exposto na leitura do texto legal, após o depoimento do condutor, ouvem-se, no mínimo, duas testemunhas que tenham presenciado o fato ou a prisão, e, na sua ausência, deverão assinar o auto pelo menos duas testemunhas que tenham assistido à apresentação do preso à Autoridade Policial (art. 304, § 2º, CPP). Após a qualificação e compromisso da primeira testemunha, será ela indagada sobre o fato. A seguir, ouve-se a segunda testemunha e, por último e na mesma peça, será ouvido o preso, que se chama de conduzido ou interrogado [19].

Nos termos do que diz CABETTE:

"[...] o interrogatório do conduzido se subdivide em interrogatório de qualificação (nome, filiação, estado civil, naturalidade, idade, profissão, etc.) e em seguida, vem o interrogatório de mérito, em que ao conduzido será perguntado se é verdadeira aquela imputação; enfim, será interrogado de acordo com o que dispõe o art. 178 do CPP (com redação dada pela Lei 10.792/2003)". [20]

O mesmo autor segue relatando que, concluído o auto de prisão em flagrante, este deverá ser assinado pela Autoridade Policial, pelo condutor, pelas testemunhas, pelo conduzido, pelo advogado e subscrito pelo escrivão. Caso o detido não souber, não quiser ou não puder assiná-lo, deverá o documento, ou seja, o auto, ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura, na presença do acusado, do condutor e das testemunhas que depuseram.

Importante ser observado que o conduzido somente tem relação com seu interrogatório, não devendo assinar as demais peças como acontecia antes da edição da Lei nº 11.113/05, quando todos, condutor, testemunhas, escrivão e Autoridade Policial tinham que aguardar todo o procedimento para que, somente ao final, apusessem as assinaturas.

Todavia, também não cabe ao conduzido, ou a seu advogado, assistir a coleta das informações que levaram o condutor a dar voz de prisão em flagrante ao detido, haja vista que, salvo melhor juízo, sua função restringe-se ao assistido e às conseqüências do ato sobre sua vida, não tendo a Autoridade Policial a obrigação de permitir que este ou que seu defensor assistam o depoimento daqueles.

Deve ser levado em consideração que, em alguns casos, embora raros, o condutor do flagrante não é policial, mas cidadão que usando a faculdade permitida em lei, deu voz de prisão a quem cometeu ato ilícito e está em flagrante. Assim, a presença do conduzido ou de seu advogado poderia vir a inibir o condutor, ou as testemunhas, durante a coleta de informações.

Conforme CABETTE, o auto de prisão em flagrante é peça inteiriça, de texto corrido e ditado pela Autoridade Policial, a qual formula as perguntas ao conduzido, concluindo por seu indiciamento.

Neste ato, pergunta-se: é possível indiciar o suspeito, conduzido em flagrante à delegacia sob voz de prisão, sem concluir pela existência da prisão?

Uma das primeiras observações a serem feitas refere-se ao momento da prisão e das diferenças existentes entre prisão e indiciamento.

Em relação ao momento, requer-se atenção para o fato de que, embora tenha recebido o conduzido voz de prisão em flagrante por quem tem o dever de fazê-lo ou por pessoas de modo facultativo, quem vai decidir pela existência dos requisitos para tal configuração é a Autoridade Policial. Em caso positivo, será dado seguimento ao procedimento do flagrante, o que também engloba o que deve ser feito em casos em que sejam vislumbrados crimes de menor potencial ofensivo; caso entenda como inexistente o crime apontado ou como ausente o flagrante anunciado, o conduzido será ouvido e prontamente liberado [21].

De tal modo, sim, é possível providenciar o indiciamento do conduzido caso sejam observados fatos que levem a crer que não houve flagrante, embora haja dados e informações que induzam à conclusão sobre autoria e materialidade do delito. Assim, o conduzido será indiciado através da lavratura de auto de qualificação e interrogatório, onde tomará ciência das imputações que lhe são feitas.

Novamente colhendo o que foi apontado por AURY LOPES JÚNIOR [22], é importante acrescentar que, do flagrante delito, emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria. Portanto, segundo o autor acima citado, o flagrante válido impõe o indiciamento, o que também vale para a prisão preventiva, a qual exige para a decretação a existência de "indícios suficientes de autoria".

Todavia, é possível haver discordância no que diz respeito aos requisitos da decretação de prisão temporária, onde o mesmo autor coloca que a expressão "fundadas razões de autoria" seria suficiente para que houvesse o indiciamento formal.

Levando-se em consideração que a prisão temporária tem seus objetivos vinculados à investigação, e não ao processo, nada havendo de concreto com relação aos mesmos requisitos da prisão preventiva, não há que ser considerado obrigatório o indiciamento em decorrência de cumprimento de tal mandado.

No que tange ao flagrante, mister tecer breves comentários ao que foi trazido pela Lei nº 10.792/2003.

A primeira alteração trazida pela nova lei foi a colheita imediata do depoimento do condutor através de termo de depoimento, no qual deverá a Autoridade Policial colher desde logo a assinatura do mesmo. O objetivo dessa alteração foi o de liberar o policial responsável pela prisão em flagrante, que, no sistema anterior, tinha que permanecer na delegacia até o final do interrogatório do conduzido, o que na maioria das vezes demora várias horas.

Assim, no novo sistema, ouvem-se o condutor e as testemunhas, entregando ao primeiro cópia do termo e recibo de entrega do preso. Após, todos são liberados.

Também significativa a alteração em relação à oitiva das testemunhas e interrogatório do conduzido, vez que na nova redação, as assinaturas serão feitas ao final de cada oitiva, o que implica em dizer que o depoimento das testemunhas e o interrogatório do conduzido não farão parte de uma mesma peça.

Realizadas todas as oitivas, lavrará "a autoridade, afinal, o auto". Conforme se depreende, será neste momento que a Autoridade Policial confirmará a prisão efetuada pelo condutor com base nos indícios demonstrados.

Quanto a tal providência, importante observar que a presença dos Delegados de Polícia na coordenação das diligências que resultam em flagrantes impede que o juízo sobre a prisão ocorra somente após os depoimentos dos condutores e das testemunhas.

Da mesma forma, interessante constar que a decisão de remeter o conduzido à prisão deve vir acompanhada de argumentos que embasem tal importante providência, o que será efetivado através de despacho (despacho de fundamentação). Além disso, o interrogatório do indiciado não poderia servir para tal embasamento, posto que o que servirá de fundamento para o auto de prisão são os depoimentos, sob compromisso, do condutor e das testemunhas.

Assim, no auto de prisão em flagrante previsto pela nova legislação, a Autoridade Policial deverá narrar de forma resumida os fatos, fazendo juízo prévio de existência de crime em tese, imputável ao conduzido, quando mandará recolhê-lo à prisão. A alteração deixa claro, portanto que o conduzido deverá assinar o auto de prisão em flagrante, ao contrário do condutor e das testemunhas da infração.

Assim, em primeira análise, é possível dizer que o novo auto de prisão em flagrante deve ser subscrito pelo escrivão, assinado pela Autoridade Policial e pelo conduzido, sem as assinaturas do condutor ou das testemunhas da infração, os quais somente atestam o que aconteceu, servindo as informações expostas para convencimento na lavratura do auto. O auto de prisão em flagrante em si, portanto, é o documento que contém o interrogatório do indiciado, a nota de ciência das garantias constitucionais, a nota de culpa, as apreensões, os laudos preliminares e as devidas comunicações, embora todas as peças, inclusive os depoimentos, devam ser enviadas ao Juízo para eventual homologação.

Não é demais lembrar, entretanto, que na falta das testemunhas da infração, deverão assinar o auto de prisão em flagrante "pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade".

Portanto, se não tiverem sido ouvidas testemunhas da infração, o auto deverá ser subscrito por escrivão e assinado pela Autoridade Policial, pelo conduzido e pelas testemunhas de apresentação do conduzido.

Lavrado o auto de prisão em flagrante, compete à Autoridade Policial comunicá-la ao Juiz, inclusive para permitir a verificação das hipóteses do art. 310 e parágrafo único, CPP, e esta comunicação é feita enviando-se ao Magistrado cópia do auto respectivo [23].

Assim, é possível afirmar que o indiciamento independe da lavratura do flagrante, haja vista que, ausente os indícios que possibilitem a prisão, o conduzido pode vir a ser indiciado e liberado. Ainda, em caso de coleta de maiores informações a posteriori, tal conduzido pode ser intimado e indiciado, tomando pé do que está sendo apontado contra ele.

Todavia, mister considerar que deveria estar também prevista a remessa de breve fundamentação da decisão de lavrar o auto por parte da Autoridade Policial, haja vista que a leitura "fria" dos dizeres do condutor e das testemunhas, aliado ao que eventualmente foi dito pelo flagrado, não basta, podendo ser bastante útil às conclusões que devem ser tiradas pelo representante do Ministério Público e pelo magistrado que apreciar o material enviado.

Tais considerações merecem maior destaque em situações em que o prazo para encerramento do procedimento investigatório é maior, mesmo em casos de indiciados presos, podendo chegar a 60 (sessenta) dias após prorrogação como na Lei nº 11.343/06.

Portanto, é necessário que sejam descritos detalhes sobre o que levou à Autoridade Policial a lavrar o flagrante nos termos do indiciamento, ou seja, maiores informações sobre as conclusões sobre o local da prisão, ânimo do conduzido, circunstâncias da ação policial etc. Tais providências estão previstas no chamado despacho de fundamentação. [24]

Tal pensamento já foi mencionado por SOBRINHO [25], ao comentar o conteúdo da antiga lei antitóxicos, quando disse que "muito embora a motivação apresentada para a classificação do fato e a motivação para o indiciamento sejam juízos diferentes, eles são seqüenciais e guardam relação entre si, pois, para indiciar alguém como provável autor de um delito, a Autoridade Policial deve antes definir, provisoriamente, qual foi o delito cometido, sendo, portanto, positiva a preocupação do legislador da Lei de Entorpecentes ao exigir a motivação para a classificação do fato".

Este também é o entendimento de AURY LOPES JÚNIOR [26] quando diz que "o momento e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados claramente no CPP, exigindo um ato formal da Autoridade Policial e a imediata oitiva do sujeito passivo que, na qualidade de indiciado, está sujeito a cargas, mas também lhe assistem direitos. Entre eles, o principal é saber em que qualidade declara, evitando-se assim o grave inconveniente de comparecer como "testemunha" quando na verdade deveria fazê-lo na qualidade de suspeito que está na iminência de ser indiciado".

Outra fonte de controvérsias no que tange ao indiciamento repousa no momento em que o investigado deve ser chamado para o ato, quer dizer, para que seja indiciado e tome conhecimento do que está sendo apontado contra ele no procedimento. Ou melhor, em que fase do inquérito policial deve o investigado ser qualificado e interrogado.

De acordo com LOPES JÚNIOR [27], assim que for apontado como provável autor de delito, o investigado, através de profissional habilitado, tem o direito de ter acesso ao conteúdo do inquérito policial, onde passaria a se defender, requerendo, inclusive, diligências à Autoridade Policial.

Por este entendimento, prevalecem sobre o desenvolvimento da investigação policial os interesses do investigado, mesmo que tal prática coloque em evidente risco o procedimento, naturalmente sigiloso e onde são perpetrados atos que somente têm eficácia mediante a dissimulação durante a execução. Sabendo dos teores da investigação, certamente o indiciado não mais atuará da mesma forma, podendo, inclusive, delatar o andamento do feito aos demais integrantes em caso de multiplicidade de alvos.

Por outro lado, e representando a maioria dos doutrinadores, é necessário observar que, na fase pré-processual, o interesse público têm maior peso, o que representa a inexistência da obrigação em dar-se ciência ao investigado sobre o inquérito até que estejam em fase terminal as diligências para a conclusão das investigações.

Esta, sem a menor sombra de dúvidas, é a melhor opção haja vista as funções exercidas pelo inquérito dentro da preparação à denúncia. Os atos investigatórios devem ser desenvolvidos de forma velada, sem que o alvo investigado possa perceber a movimentação policial, mesmo em casos de diligências em que o crime já foi cometido. Em sede de acompanhamentos de quadrilhas, independentemente do nível de sofisticação destas, maior preocupação com a manutenção do sigilo, haja vista a permanência do delito e eventual seqüência de atos que devem constar dos relatórios policiais.

Outro ponto que contribui para tal entendimento é o fato de que, colhendo maiores informações sobre a participação daquele que será indiciado, a Autoridade Policial e sua equipe terão subsídios para a tirada de conclusões sobre o nível de envolvimento deste no cometimento do delito sob apuração, o que certamente pode vir a aumentar o valor do auto de qualificação e interrogatório para a compreensão da trama pelo representante do Ministério Público caso este não esteja acompanhando as investigações.

Observando-se, portanto, as características do interrogatório na fase policial, considera-se tal ato como um dos mais importantes no contexto do procedimento pré-processual, posto que nele são expostas informações, tanto nas perguntas da equipe, como nas respostas do indiciado, que certamente serão úteis à formulação da peça ministerial que dará início à ação penal.

No entanto, é necessário que sejam observadas as diretrizes estabelecidas e citadas acima para que sejam resguardados os direitos dos que são ouvidos em inquéritos policiais, evitando, com isso, a confecção de procedimentos atentatórios aos preceitos constitucionais.

1.2 - PRESENÇA DE ADVOGADO DURANTE O INTERROGATÓRIO. A LEI Nº 10.792/2003 E SEUS EFEITOS NA ESFERA POLICIAL.

Durante o inquérito policial não há que se falar em contraditório, pois se trata de procedimento inquisitivo em que o conduzido não figura como parte; no inquérito policial não há partes, mas somente sujeitos. Somente depois da acusação é que surge a figura do acusado, ou seja, somente após o oferecimento da denúncia ou queixa. Contudo, notório que há ampla defesa.

A Constituição Federal determina que, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito aqui vigente com sua promulgação, o dever do Estado Brasileiro em prestar assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes. Tal preceito, como está explícito no texto constitucional tem por escopo dar ênfase aos elementos protetivos da dignidade humana.

De acordo com o que prescreve o artigo 6º, V, da norma adjetiva, a Autoridade Policial deverá "ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro", o que leva a crer que, com as alterações levadas a cabo pela Lei nº 10.792/03, é obrigatória a presença de advogado em caso de lavraturas de auto de prisão em flagrante ou de auto de qualificação em interrogatório, com todos os requisitos descritos na legislação indicada.

Um dos problemas que surgiram com a exigência da presença do advogado para a assistência ao interrogado na fase policial foi causado pela lacuna deixada no contexto no que tange ao poder (ausência de poder) da Autoridade Policial para que sejam nomeados defensores dativos [28] ou a obrigação, por parte das Defensorias Públicas, em manter plantões para atendimento aos presos em flagrante e aos indiciados em geral.

Embora alguns entendam que a Autoridade Policial deva somente oportunizar ao detido ou ao indiciado fazer-se representar por profissional habilitado, tal medida não surtiria efeito algum em casos de prisão de elementos que não tem condições de contratar um advogado, seja por impossibilidades financeiras, seja porque estão longe de sua morada, seja porque, simplesmente, sequer conseguem comunicar-se no idioma nacional.

Com relação ao presente problema, mister considerar que, em decorrência das peculiaridades do serviço sob comento, muitos dos procedimentos policiais, como em matéria de repressão a entorpecentes, por exemplo, são iniciados em datas e horários totalmente fora dos expedientes de escritórios, de varas ou de plantões, o que torna a exigência legal impraticável, não sendo possível optar pela simples postergação do trabalho para que seja lavrado o flagrante.

Desta forma, a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante fica dependente da disponibilidade de profissionais que se façam presentes, posto que é vedada a indicação por parte da equipe responsável pelas diligências.

Com a entrada em vigor da Lei nº 11.449/07, a qual modificou o artigo 306 do Código de Processo Penal e determinou que haja a remessa, dentro de vinte e quatro horas, das principais peças que compõem o inquérito iniciado através de flagrante à Defensoria Pública em caso de ausência de indicação de defensor por parte do interrogado, não cumpriu com a exigência latente, qual seja, a impossibilidade de tornar realmente obrigatória a assistência de advogados na fase pré-processual em caso de prisão cautelar.

Assim, mesmo que sejam remetidas as ditas cópias à Defensoria Pública, não há como indicar advogados ao detido em flagrante, o que vem provocando, diga-se de passagem, a não-homologação de comunicações flagranciais, como se houvesse alternativa à Autoridade Policial senão apenas oportunizar ao conduzido realizar ligações e pedir pela presença de seu defensor.

Em tais casos, pergunta-se: como resolver a questão em situações de prisões de estrangeiros, ou de elementos de outros Estados, ou em casos em que o defensor escolhido pelo indiciado somente se fará presente dias depois? Certamente, não há como esperar pela apresentação de profissional de preferência e, com isso, prejudicar a lavratura do procedimento dentro do prazo legal.

Assim, urge alteração legislativa para que seja oportunizado aos delegados de polícia a nomeação de defensores dativos, obviamente na fase de inquérito e em caso de interrogatórios (o mesmo valendo para indiciamentos, onde prevalece o entendimento de que a presença do defensor é obrigatória ou, pelo menos, a oportunidade de fazer-se presente acompanhado de tal profissional) ou, no mesmo objetivo, que as defensorias ofereçam a assistência jurídica gratuita prevista em lei para aqueles considerados hipossuficientes, isto dentro do prazo previsto para os atos e, não, somente horas após [29].

Para tanto, e para que seja preenchida tal inadmissível lacuna, importante que a Defensoria Pública mantenha operante equipes de plantão, tal qual já vem sendo ofertado pelo Ministério Público e pelas Comarcas, com o objetivo de que seja acionado o defensor em tempo de prestar assistência ao detido ou àquele que não possua meios de contratar advogados para que o acompanhe em caso de indiciamento.

A controvérsia sobre a necessidade da presença de defensores, e sobre sua real e efetiva participação durante o interrogatório não é recente, posto que na redação do artigo 6º do Código Penal é prevista a aplicação das regras do interrogatório judicial ao interrogatório policial no que couberem.

Assim, embora aconselhável, não se tornava obrigatória a presença de advogados na fase inquisitorial no que tange ao indiciamento, quer em razão de prisão em flagrante, quer em razão de confecção de auto de qualificação e interrogatório.

Tudo muda com o advento da Lei nº 10.792/2003, a qual, apesar de não trazer qualquer alteração do Capítulo do Código de Processo Penal referente à investigação policial, o artigo 6º, V, da norma adjetiva, prevê que a Autoridade Policial deverá "ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro", o que foi alterado pela nova legislação.

Em breve resumo, das alterações realizadas, praticamente todas terão plena aplicação no interrogatório policial.

Segundo se depreende, o direito ao silêncio não se restringe à fase processual, importando dizer que cabe à Autoridade Policial esclarecer objetivamente e na linguagem inteligível tal item ao indiciado. Ainda, consta que tal cientificação, caso não seja fornecida, mediante recibo, nota de ciência das garantias constitucionais ao conduzido, deve ser consignada no corpo do auto de prisão, sob pena de não-homologação do flagrante e posterior nulidade. [30]

É o que se depreende da decisão reproduzida em sua ementa a seguir:

OFENSIVIDADE. SUBTRAÇÃO DE TRÊS CAMISAS, DEVOLVIDAS E TENTATIVA DE SUBTRAÇÃO DE MOLETONS. Em face da situação peculiar dos autos, nulidade absoluta por terem sido interrogadas as acusadas sem defensor, sem que tivessem as rés sido cientificadas do direito ao silêncio e sem obediência à determinação legal de prévia entrevista com advogado -, da restituição dos objetos subtraídos, do valor da res e da ausência de prejuízo, é de ser decretada a absolvição por ausência de ofensividade, no caso concreto. APELOS PROVIDOS. PREJUDICADO O RECURSO MINISTERIAL. (Apelação Crime Nº 70016667123, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 26/04/2007).

Da mesma forma, também já foi decidido que:

INTERROGATÓRIO DO RÉU. LEI 10.792/03. AUSÊNCIA DE PRÉVIA ENTREVISTA DO RÉU COM O DEFENSOR AD HOC. AUSÊNCIA DA CIÊNCIA AO RÉU DO DIREITO AO SILÊNCIO. POSSIBIIDADE DE PERGUNTAS SUPRIMIDAS À DEFESA. NULIDADE ABSOLUTA. 1. A nova sistemática do interrogatório do réu, introduzida na legislação ordinária pela Lei 10.792/03, na linha das garantias constitucionais, determina a observância da prévia entrevista do réu com o defensor, sua ciência do direito ao silêncio, bem como que seja possibilitado ao defensor, no final do interrogatório, a formulação de perguntas. Isso não foi observado no caso em tela, o que produz nulidade absoluta, por ofensa às garantias constitucionais. PRELIMINAR DESACOLHIDA. POR MAIORIA. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70015189400, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 17/08/2006).

Insta acrescentar que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL mantém tal entendimento há anos, o que reforça a tese aqui defendida. A seguir, somente como exemplo, ementa em julgamento onde o tema foi abordado:

Informação do direito ao silêncio (Const., art. 5º, LXIII): relevância, momento de exigibilidade, conseqüências da omissão: elisão, no caso, pelo comportamento processual do acusado. I. O direito à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra a auto- incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder atualidade. II. Em princípio, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas. III. Mas, em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna dele, a apuração do gravame há de fazer-se a partir do comportamento do réu e da orientação de sua defesa no processo: o direito à informação oportuna da faculdade de permanecer calado visa a assegurar ao acusado a livre opção entre o silêncio - que faz recair sobre a acusação todo o ônus da prova do crime e de sua responsabilidade - e a intervenção ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la: a opção pela intervenção ativa implica abdicação do direito a manter-se calado e das conseqüências da falta de informação oportuna a respeito. [31]

Ainda, pela nova lei o direito de assistência do advogado é garantido constitucionalmente e a possibilidade de entrevista prévia e reservada é inerente à assistência técnica prestada. Em caso de desobediência a tais ritos, nítida também a ocorrência de nulidade.

No que diz respeito ao local de realização do interrogatório, este pode ocorrer tanto no presídio como na sede da delegacia de polícia, a depender da segurança do local. Resta acrescentar que ainda pendente de pacificação o entendimento sobre a possibilidade de realização do interrogatório judicial mediante videoconferência, o que, pelo entendimento do artigo 6º do Código de Processo Penal, também valeria para a fase policial.

Quanto às perguntas feitas ao interrogado, estas devem versar, nos termos do artigo 187 do CPP, sobre a pessoa do investigado e sobre os fatos. Insta esclarecer que os dados qualificativos também fazem parte do interrogatório do indiciado, sendo possível, portanto, que se negue a responder sobre as perguntas que possam identificá-lo, ainda mais se for considerado que tais informações podem ser prejudiciais às teses defensivas.

Dando continuidade à breve análise sobre as inovações, devem ser observadas as regras específicas sobre surdos, mudos e estrangeiros e a separação dos interrogatórios no caso de co-autoria.

Ademais, e, por fim, como avanço observado, é possível que o defensor consigne perguntas no interesse do indiciado, o que revela a intenção do legislador em oferecer ao Juízo, quando do recebimento de cópias das principais peças, todas as ferramentas que permitirão, ou não, a homologação do flagrante. Tal oportunidade é oferecida após a série de perguntas feitas pela Autoridade e equipe policial, sendo que será consignado a preferência por não fazê-las no próprio auto.

Estes os comentários sobre a liturgia a ser obrigatoriamente seguida. Todavia, não há como concordar com a tese segundo a qual a presença de advogados na fase inquisitorial é facultativa, ou seja, deve-se, apenas e simplesmente, oferecer ao preso em flagrante, ao indiciado, oportunidade de contatar um advogado para acompanhar o ato de seu indiciamento. Os estragos causados pela ineficiência estatal, em tais casos, são irreparáveis, devendo ser mencionado que o investigado tem o direito de ter promovida sua defesa para tentar não ser indiciado, denunciado e, por conseguinte, acusado.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), em sua evolução no que diz respeito ao tema em questão, demonstra que, antes da publicação da Lei nº 10.792/2003, o pensamento sobre a obrigatoriedade da assistência de advogados em sede de inquérito policial, ou mesmo no interrogatório judicial, era ambíguo [32]. De tal modo, possível que fossem encontradas decisões que exigiam a presença de defensor durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, como também foram encontradas ementas que apontavam a desnecessidade de tal medida se fosse assegurado ao detido a oportunidade de contatar profissional habilitado para assessorá-lo.

Frise-se que, em caso de interrogatório judicial, a ausência de tal obrigatoriedade baseia-se na tese de que se trata de "ato personalíssimo do juiz", ato este em que as partes não podem intervir.

É o que diz a ementa abaixo reproduzida:

INTERROGATORIO. A AUSENCIA DE ADVOGADO NO INTERROGATORIO JUDICIAL DO REU NAO E CAUSA DE NULIDADE, POSTO QUE SE TRATA DE ATO PERSONALISSIMO DO JUIZ, NO QUAL AS PARTES NAO PODEM INTERVIR. PRELIMINAR REJEITADA. FURTO. REU CONFESSO. PROVA TESTEMUNHAL CONVERGENTE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENACAO MANTIDA. REINCIDENCIA. A AGRAVANTE DA REINCIDENCIA SOMENTE PODE SER APLICADA SE PRESENTE CERTIDAO DO TRANSITO EM JULGADO DA CONDENACAO ANTERIOR. AGRAVANTE EXPUNGIDA. CONFISSAO. SE O REU CONFESSA ESPONTANEAMENTE A AUTORIA DO DELITO, E OBRIGATORIA A APLICACAO DA ATENUANTE CORRESPONDENTE. PENA REDUZIDA [33].

Todavia, como dito, possível encontrar decisões em que a presença do defensor na confecção do procedimento foi considerada essencial para a validade do ato, o que determinou a nulidade da homologação do flagrante.Tais decisões indicavam a necessidade das mudanças na legislação, preconizando, também, o pioneirismo do TJRS em apontar a lacuna existente.

Nesta linha:

HABEAS CORPUS. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE SEM ASSISTÊNCIA DE DEFENSOR AO FLAGRADO NÃO PODE SER HOMOLOGADO, POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUSPENSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL POR ENVOLVIMENTO EM INFRAÇÃO PENAL EXIGE FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. EM SE TRATANDO DE FATO ÚNICO, DESCABE NARRÁ-LO DE MODO LIGEIRAMENTE DISTINTO E CAPITULÁ-LO EM DOIS TIPOS PENAIS DIVERSOS. DESCONSTITUIÇÃO DA DECISÃO QUE HOMOLOGOU O AUTO DE PRISÃO E DA QUE SUSPENDEU O LIVRAMENTO CONDICIONAL, CONFIRMANDO A CONCESSÃO LIMINAR. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM RELAÇÃO A UM DOS DELITOS IMPUTADOS. Ordem concedida [34].

HABEAS CORPUS. ROUBO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO NO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO. O art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que expressa que o preso deve ter assegurada a assistência de advogado, deve ser interpretado com rigor, pois tem em vista evitar que, mesmo remotamente, algum inocente seja preso, o que tem ocorrido até com alguma freqüência, especialmente quando se trata de alguma prisão desnecessária ou descabida. O fato de o preso não ter prestado declarações à Autoridade Policial não significa que não houve prejuízo, pois o prejuízo está na prisão, na perda do maior direito protegido no nosso ordenamento jurídico, a liberdade. O excesso de prazo na conclusão da instrução impõe a concessão da ordem. Paciente preso em 5 de março e decisão de soltura exarada em 6 de julho. CONCESSÃO LIMINAR CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA. [35]

No entanto, nos tribunais superiores a situação permanecia inalterada, pelo menos no que diz respeito a grande maioria das decisões. Este também era o pensamento predominante no SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), onde, inclusive, havia o entendimento de que o interrogatório se tratava de ato personalíssimo, não configurando nulidade alguma sua realização sem a presença de defensor.

A seguir, entendimentos jurisprudenciais em tal sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. INTERROGATÓRIO. PRESENÇA DO ADVOGADO. DESNECESSIDADE. A realização do interrogatório sem a presença do defensor não constitui nulidade porquanto se trata de ato personalíssimo, com as características da judicialidade e da não intervenção da acusação e da defesa. Recurso provido. [36]

CRIMINAL. HC. NULIDADES. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. CONFISSÃO SOB TORTURA. AUSÊNCIA DE DEFENSOR. ATOS DO INQUÉRITO POLICIAL NÃO-ASSINADOS PELA AUTORIDADE COMPETENTE. IRRELEVÂNCIA. PEÇA MERAMENTE INFORMATIVA. PROVA TESTEMUNHAL QUE NÃO TERIA RETRATADO A VERDADE DOS FATOS. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. PATRONO QUE TERIA SIDO IMPEDIDO DE TER VISTA DOS AUTOS E ENTREVISTAR O SEU CLIENTE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INTERROGATÓRIO. ATO PRIVATIVO DO JUIZ. DIREITO CONSTITUCIONAL DE PERMANECER CALADO. OFENSA NÃO-VISLUMBRADA. ORDEM DENEGADA. Os defeitos por ventura existentes no auto de prisão em flagrante não têm o condão de, por eles próprios, contaminarem o processo e ensejarem a soltura do réu, ainda mais se os autos demonstram ter havido o recebimento da denúncia. A presença do advogado no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante não constitui formalidade essencial a sua validade. O fato de que alguns dos atos de investigação não possuíam assinatura da Autoridade Policial não implica na nulidade da ação penal decorrente do investigatório, não só porque não comprovado efetivo prejuízo, mas também, porque o inquérito policial é peça meramente informativa, instrutória, ainda mais se demonstrado que os referidos atos teriam sido assinados pelo escrivão, o qual, devidamente investido no cargo, conta com fé pública. O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como a alegação de que a única prova testemunhal não teria retratado a verdade dos fatos. Evidenciado que o defensor do acusado pediu vista dos autos quando já iniciado o interrogatório e que já teria sido constituído pelo paciente antes do referido ato, não há que se falar em nulidade do interrogatório judicial sob os argumentos de que o patrono do paciente teria sido impedido de analisar os autos do inquérito e de entrevistar seu cliente. O interrogatório judicial é ato privativo do Juiz, e não está sujeito ao contraditório, restando obstada a intervenção da acusação ou da defesa. Não se vislumbra ofensa aos direitos constitucionais do acusado, mormente o de permanecer calado durante as indagações do Julgador no seu interrogatório, se demonstrada a indagação livre de qualquer constrangimento, a negação convicta do acusado quanto às acusações a ele imputadas, bem como a presença do defensor no ato, que nada requereu. Precedente desta Corte. Efetivo prejuízo, hábil a ensejar a declaração de nulidade do ato, não evidenciado. Ordem denegada. [37]

Note-se que, inclusive, as decisões do STJ confirmavam que, tendo sido oferecida a possibilidade, ou melhor, alertado sobre o direito de permanecer calado o interrogado, tal medida teria o condão de sanar quaisquer irregularidades.

Com a publicação da referida legislação, a qual alterou a liturgia no que diz respeito ao interrogatório judicial, e, por conseguinte, também daquele que se realiza na esfera policial, os entendimentos jurisprudenciais começam a modificar-se, dando, alguns, como nulidade a ausência da presença de defensores para assistir ao réu.

Assim, nos termos do que está exemplificado na reprodução das ementas abaixo, iniciaram-se processos com a obrigação da concessão de oportunidade de entrevista prévia do defensor, mesmo ad hoc, com o interrogando, elegendo como nulidade a ausência da defesa técnica.

São os precedentes:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. NULIDADE. INTERROGATÓRIO. INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. NOMEAÇÃO DE ADVOGADO AD HOC EM FACE DA AUSÊNCIA DO DEFENSOR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. A nova dicção do artigo 185 do Código de Processo Penal, dada pela Lei n.º 10.792/03, garante a presença de defensor constituído ou nomeado para acompanhar o interrogatório do acusado. 2. Mesmo nas hipóteses de ausência de intimação do defensor constituído, inexiste prejuízo para o paciente se houve a nomeação de defensor para assisti-lo no interrogatório. 3. In casu, não se verificou nenhum prejuízo ao paciente que pudesse acarretar a nulidade do interrogatório, ainda mais quando a Magistrada nomeou defensor ad hoc para assistir o acusado, oportunizando, inclusive, direito de entrevista, antes da realização da audiência. 4. Ordem denegada. [38]

INTERROGATÓRIO. LEI Nº 10.792/03 (APLICAÇÃO). DEFENSOR (AUSÊNCIA). NULIDADE (CASO). 1. Com a alteração do Cód. de Pr. Penal pela Lei nº 10.792/03, assegurou-se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório do réu; de outro, o direito do acusado de entrevista reservada com seu defensor antes daquele ato processual. 2. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis – direitos decorrentes de norma sensível –, a inobservância pelo juiz dessas novas regras implica a nulidade do ato praticado. 3. Caso em que o réu foi interrogado sem a assistência de advogado, tendo dispensado a entrevista prévia com o defensor nomeado pelo juiz. 4. Recurso provido a fim de se anular o processo penal desde o interrogatório do acusado [39].

No entanto, mesmo que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA venha renovando o entendimento com o advento da Lei nº 10.792/03, persistem resquícios de desatendimento aos preceitos constitucionais, tendo sido decidido pela validade de interrogatório em que, ausente o defensor constituído pelo réu, foi nomeado para o ato defensor ad hoc.

É o que se depreende da leitura da ementa abaixo transcrita:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. NULIDADE. INTERROGATÓRIO. INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. NOMEAÇÃO DE ADVOGADO AD HOC EM FACE DA AUSÊNCIA DO DEFENSOR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. 1. A nova dicção do artigo 185 do Código de Processo Penal, dada pela Lei n.º 10.792/03, garante a presença de defensor constituído ou nomeado para acompanhar o interrogatório do acusado. 2. Mesmo nas hipóteses de ausência de intimação do defensor constituído, inexiste prejuízo para o paciente se houve a nomeação de defensor para assisti-lo no interrogatório. 3. In casu, não se verificou nenhum prejuízo ao paciente que pudesse acarretar a nulidade do interrogatório, ainda mais quando a Magistrada nomeou defensor ad hoc para assistir o acusado, oportunizando, inclusive, direito de entrevista, antes da realização da audiência. 4. Ordem denegada. [40]

Ainda, bom serem reproduzidos trechos do voto do relator Desembargador MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA em julgamento no Habeas Corpus nº 70021911748, Primeira Câmara Criminal do TJRS [41], onde, apesar do desenvolvimento da tese de que a presença de advogado na lavratura do auto de prisão em flagrante é facultativa, sendo obrigatória a cientificação dos direitos constitucionais ao indiciado preso, foram citados argumentos que apontam a necessidade do acompanhamento pelo defensor.

Assim, como forma de justificar tal necessidade, mesmo que o auto sob comento tenha sido homologado pelo Juízo a quo, o relator apontou:

No entanto, tenho que o auto de prisão em flagrante não poderia ter sido homologado, já que indispensável a presença de defensor para o ato, sob pena de violação à norma constitucional, a qual determina, no inciso LXIII do art. 5º, que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Em seguida, reforçou que:

[...] não se pode puramente desconhecer uma garantia constitucional do cidadão, a qual visa justamente escudá-lo de possíveis abusos do acusador, ou seja, do Estado, o qual possui aparato infinitamente superior e não raras vezes tende a se exceder. As formalidades legais, que também se propõem a acastelar o acusado, devem ser respeitadas, mormente em atos concernentes à prisão em flagrante, momento em que o Poder Estatal exerce sua força de modo quase absoluto.

Por oportuno, mister ser apontado que o voto do relator foi derrubado pelo entendimento dos dois outros desembargadores presentes à sessão, os quais firmaram o entendimento de que, se oferecida a oportunidade ao indiciado preso de se fazer representar por defensor contratado, preenchida está a lacuna e cumprida está a prescrição constitucional.

No entanto, ainda o vazio deixado nos casos em que o detido em flagrante, por pobreza, por falta de esclarecimentos ou por quaisquer outras razões, deixar de apontar os dados de profissional habilitado a assessorá-lo em tão importante momento, haja vista que a Autoridade Policial não pode ficar aguardando, por longas horas, a apresentação de advogados na delegacia para que dê início ao interrogatório, sendo que, no mesmo sentido, não pode nomear ou indicar advogados "dativos" para que assessorem o preso.

Assim, a leitura acurada do voto sob observação deixa claro que, na verdade, existe, sim, falha estatal em não dar cumprimento ao que determina a Constituição Federal, não oferecendo assistência jurídica integral e gratuita aos que delas necessitam, provocando, com isso, a anormalidade do sistema (quem tem condições materiais, que aponte seu advogado; quem não as tem, que seja dada, apenas, oportunidade de fazê-lo. Como não tem condições, fica sem defesa.).

Desta forma, observa-se que, mesmo em casos de nomeação de defensores dativos, torna-se imprescindível prévia entrevista do réu com o profissional nomeado, em caráter reservado, isto de forma cogente (nulidade absoluta). Mais uma vez, ressalta-se a lacuna deixada pelo legislador em não prever a necessidade de nomeação de advogados em sede de inquérito policial para acompanhamento daqueles que serão indiciados.

Além disso, preconiza-se que a grande maioria dos estabelecimentos policiais não dispõe de local apropriado para que os defensores tenham acesso ao caso mediante conversa com o detido, o que é agravado pela necessidade de escolta aos presos por policiais. Assim, é usual assistir advogados praticamente cochichando nos ouvidos dos indiciados em conversas "reservadas" levadas a efeito em corredores e ante-salas, com a prevista escolta postada a alguns metros, prática que obviamente não oferece a privacidade que a lei determina.

Portanto, embora as reformas trazidas pela alteração legislativa tenham sido essenciais para o aprimoramento do interrogatório na fase policial, ainda há muito o que ser feito para que os efeitos sejam realmente sentidos na prática, posto que, como exposto por TOURINHO FILHO [42], o investigado ainda é considerado como simples objeto do procedimento, não sendo sujeito como prevê a lei.

1.3 – REMESSA DE CÓPIAS À DEFENSORIA PÚBLICA. A LEI Nº 11.449/2007 E SEUS EFEITOS NA LAVRATURA DO FLAGRANTE.

A atuação da Defensoria Pública no Brasil há tempos é considerada em segundo plano, inclusive com distorções dentro do próprio sistema, havendo, assim, inexitosa flexibilização da legislação no que tange às funções previstas pelas normas constitucionais.

A lei 1.060/50, por exemplo, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, aduz no § 5º do art. 2º que, se no Estado não houver serviço de assistência judiciária gratuita, caberá a indicação à ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.

Entretanto, conforme exposto por JÚNIOR [43], não foi dada alternativa no caso da prisão em flagrante. Segundo tal autor, "[...] se inexistente a informação do nome do advogado do autuado, a Defensoria Pública deve ser comunicada em 24 (vinte e quatro) horas, encaminhando-se cópia integral do auto."

Embora a previsão de remessa de cópias das principais peças no auto de prisão em flagrante do hipossuficiente à Defensoria Pública tenha sido um avanço na busca de resguardo aos direitos e garantias individuais, como já dito, tal medida nada significou no que tange ao procedimento de interrogatório na esfera policial.

O entendimento acima indicado tem fundamento nos argumentos segundo os quais a lei que alterou o artigo 306 do CPP não exigiu a presença do Defensor no momento da lavratura do flagrante, nem condicionou a materialização do ato a sua presença. Segundo apontado, a nova redação do § 1º, do artigo 306 determina a comunicação do Defensor em até 24 horas, caso o preso não informe o nome de seu advogado - ora, é no curso da feitura do flagrante que o capturado será oitivado e quando, na prática, a maioria dos elementos que farão parte do inquérito ali deflagrado serão confeccionados.

De tal modo, observa-se que, se o indiciado preso revelar os dados de seu advogado, por exemplo, citando que o mesmo reside em RIO BRANCO/AC, e que se fará presente assim que conseguir chegar a PORTO ALEGRE/RS, seria normalizada a situação pela previsão da nova lei. Um verdadeiro afronte ao que determina a norma constitucional.

Além disso, não houve previsão expressa acerca da participação do Defensor nos atos subseqüentes. Nos termos do que é apontado por MÁRCIO ALBERTO GOMES SILVA [44], anote-se que tal exigência, deveria ser acompanhada da observância da garantia institucional da intimação pessoal – interpretação do inciso I, do art. 44, da Lei Complementar nº 80/94, que se refere à fase processual, mas que, segundo o citado autor, mereceria interpretação ampliativa para que abarcasse, também, a devida assistência durante o desenvolvimento de inquéritos policiais.

Da mesma forma, nos termos indicados por SILVA [45], o inciso VII, do artigo 4º, da mesma Lei Complementar nº 80/94, determina ser função institucional da Defensoria "atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais". Todavia, tal lei não menciona expressamente o acompanhamento do inquérito policial, o que também não foi abarcado pela nova legislação, impedindo que a Defensoria exerça o papel determinado pelas circunstâncias.

Segundo consta, ainda, o estudo do voto do Deputado Luiz Antonio Fleury, relator do projeto de lei 6.477/06, que deu origem à Lei 11.449/07, revela que "o louvável objetivo do Projeto de Lei do nobre Deputado Albérico Filho é, justamente, permitir que a Defensoria Pública seja, desde logo, informada da prisão e, sendo o caso, tomar providências judiciais, como o pedido de relaxamento de uma prisão ilegal" [46].

Pelo que está exposto, um dos objetivos da nova lei foi permitir o exame prévio da legalidade da prisão em flagrante pela Defensoria Pública, com o fito de que se agilize a confecção do pedido de relaxamento ou de liberdade provisória, na posse o Defensor de cópias das principais peças do flagrante.

Na mesma esteira, há a possibilidade de confecção imediata de pedido de liberdade provisória, caso o Defensor entenda ilegal a restrição, posto que, no mais das vezes, a determinação contida no artigo 310, parágrafo único, do CPP não é observada pelos Juízes [47].

Todavia, a alteração em tela não dá ao Defensor Público um contato prévio com o fato, haja vista que a simples remessa das cópias não lhe permite o devido conhecimento do que ensejou a prisão. Frise-se a importância para a defesa do indiciado a oportunidade de formular perguntas a este durante a lavratura do auto, o que também inclui o pedido de diligências para esclarecimentos dos fatos, o que somente pode ser feito com a presença física do Defensor antes, durante e após o ato.

Em linhas gerais, recebida a comunicação do flagrante pelo Defensor, que deve ser acompanhada de cópia do auto, o que inclui todas as peças consideradas importantes e não somente cópias do interrogatório e dos depoimentos, ele deverá perquirir a observância das formalidades legais, ou seja, se o fato narrado realmente é criminoso, se era caso de prisão em flagrante, se as garantias constitucionais do preso foram observadas, se houve entrega de nota de culpa, se ocorreu comunicação à família ou à pessoa indicada pelo preso, se houve imediata comunicação da prisão ao Juízo competente, dentre outras formalidades.

A partir daí, poderia o Defensor elaborar eventual pedido de relaxamento. Anote-se que a ausência de comunicação ou a comunicação incompleta (desprovida de cópia do flagrante, o que, como dito, inclui todas as peças consideradas de importância), transmudará a prisão em ilegal. Pelo pensamento de SILVA [48], representaria a não-homologação do flagrante, impondo o relaxamento da prisão, a qual poderia vir a ser decretada, isto caso presentes os requisitos que fundamentam a prisão preventiva.

Insta observar que não cabe à Autoridade Policial tecer considerações sobre lavrar ou não o flagrante se estiverem presentes os requisitos legais, por mínimos que sejam. Eventuais considerações acerca da fragilidade da prisão devem ser encaradas e postuladas pela defesa do indiciado preso, o que somente vem a reforçar a importância da presença de defensores em todos os atos.

Segundo SILVA [49], é muito comum que a pessoa presa em flagrante, especialmente em se tratando de hipossuficiente, desconheça seus direitos ou a forma de concretizá-los no decorrer da lavratura do procedimento. Esse desconhecimento, na grande maioria das vezes, também se estende aos familiares do flagranteado.

Não é demais acrescentar a maior fragilidade dos chamados hipossuficientes perante o Direito Penal, haja vista as condições sócio-econômicas brasileiras, o que acarreta falta de oportunidades e, a princípio, interesse pela inclusão no "mundo" do crime por alguns. No entanto, é também fácil perceber que permanece a falta de entendimento sobre os procedimentos no inquérito policial, o que é agravado pela impossibilidade de prestação de defesa técnica satisfatória no momento do flagrante e, da mesma forma, depois dos trâmites administrativos que levarão ao relatório conclusivo.

Na mesma esteira, o citado autor ainda consigna que:

[...] Deve-se anotar ainda que, logo após a prisão, a família da pessoa detida passa por momentos de evidente desespero, não sabendo ao certo que providências adotar. Nesse instante, a prática revela que muitos vendem seus bens, como eletrodomésticos, automóveis ou até mesmo a própria casa, a fim de conseguirem recursos para custear os honorários de um advogado que irá tão-somente ingressar com uma petição liberatória. A maioria assim age por não saber que, se não tiver condições econômicas de contratar um profissional sem prejuízo de seu sustento, o Estado deverá fornecer-lhe um Defensor Público.

De tal modo, a função a ser exercida por defensor que se apresente ao local do flagrante configura-se como direito inquestionável de prestação de assistência jurídica aos que não podem custear os serviços de advogados particulares, o que representa a diferença entre ter ou não defesa na fase pré-processual.

Bom também ser notado que o artigo 306 do Código de Processo Penal traz requisitos do flagrante, razão pela qual o envio de cópias das principais peças do flagrante à Defensoria Pública representa novo pressuposto de regularidade; quer dizer, sem tal envio, não há como ocorrer a homologação do flagrante, o que revela a possibilidade de liberação do detido, caso não seja decretada sua prisão preventiva.

A comunicação do flagrante à Defensoria, acompanhado de cópia integral do auto e das oitivas colhidas, representa, diga-se de passagem, prerrogativa institucional do órgão. Assim, não se trata apenas de garantia para o flagranteado, mas também de direito da Instituição, necessário ao exercício de suas atribuições constitucionais.

Logo, o descumprimento da regra insculpida gera o relaxamento da prisão em flagrante. Todavia, nada impede que o Juízo detecte o vício, declare o relaxamento da prisão em flagrante e, com base no preenchimento dos requisitos, decrete a prisão preventiva.

Como já apontado, importante destacar que a Defensoria somente irá ser comunicada da prisão se o detido não informar o nome, ou melhor, os dados de seu advogado. Informando estes, pode ser lavrado o auto de prisão sem a presença de advogado para a defesa? A resposta cabível, pela letra da lei, é que sim, bastando tais informações para que seja descartada a atuação da Defensoria Pública no inquérito em tela.

Assim, caso o advogado cujos dados foram repassados pelo interrogado não se faça presente, por motivos diversos, este ficará sem defesa, sem orientações e, o pior, sem a possibilidade de contar, ao menos, com a atuação de Defensor Público que receberia cópia das principais peças do flagrante em até 24 (vinte e quatro) horas, observando a regularidade do procedimento e pedidos de liberdade provisória, por exemplo.

Caso o flagranteado informe o nome de seu advogado particular, este poderá agir independentemente de procuração escrita, uma vez que restou consignado a vontade de o autuado ser defendido por aquele causídico, isto de acordo com o artigo 266 do Código de Processo Penal.

Impende ainda salientar que, na hipótese de não possuir advogado e ser assistido pela Defensoria Pública, esta poderá atuar independentemente de procuração, conforme autoriza o art. 43, XI, da Lei Complementar federal n.º 80/1994.

Outro dado importante a ser analisado tem relação com a capacidade econômica do preso em flagrante. O indiciado preso terá sempre direito a um defensor, quer tenha ou não condições de arcar com as despesas. Caso não constitua um advogado particular, ser-lhe-á nomeado Defensor Público, independentemente de suas condições de arcar com as despesas por tais serviços.

Cumpre ressaltar que não basta o envio de cópia dos depoimentos e do interrogatório, mas de todo o conjunto, nos mesmos moldes do material que é enviado ao Juízo e ao representante do Ministério Público. Assim, devem ser enviadas cópias da Nota de Culpa, da Nota de Ciência das Garantias Constitucionais, dos laudos preliminares, dos autos de apresentação e apreensão etc, o que servirá para instrução de eventuais pedidos veiculados pelo Defensor Público.

Dessa feita, não se mostra suficiente nem supre a exigência do CPP o simples envio das oitivas colhidas, uma vez que a Defensoria não poderá analisar se os demais aspectos legais do flagrante foram obedecidos.

Diante do descumprimento, ainda que parcial, dessa regra, outra medida não se impõe a não ser o relaxamento da prisão em flagrante do indiciado, eis que a Defensoria Pública não pode exercer plenamente a fiscalização dos direitos fundamentais do assistido, previstos tanto na Constituição como na legislação ordinária.

O § 1º do art. 306 é claro ao exigir que, não sendo informado nome de advogado pelo flagranteado, seja encaminhado cópia integral do auto e das oitivas colhidas para a Defensoria Pública.

Desse modo, a lei exigiu que, não havendo advogado particular, a assistência jurídica do flagranteado seja prestada pela instituição Defensoria Pública. Não supre assim a exigência legal a comunicação e a assistência feitas por advogados de escritórios jurídicos de faculdades de Direito ou por núcleos de seccionais da OAB.

Assim, mesmo que seja assistido por advogado presente a seu interrogatório [50], cabe à Autoridade Policial a remessa de cópias à Defensoria Pública para fiel cumprimento ao mandamento legal. Como dito, tal providência somente deixará de ser tomada caso o conduzido informe os dados de seu defensor, não tendo sido exigida a presença deste para a lavratura do ato.

Caso não consiga entrar em contato com a Defensoria, ou em situações ocorridas em municípios onde não haja instalado o órgão, a Autoridade Policial deve informar através de ofício ao Juízo competente sobre o não-cumprimento da ordem. Tal providência também deve ser certificada nos autos para que surta os efeitos legais pertinentes, haja vista a possibilidade de relaxamento do flagrante por suposto descumprimento da ordem legal.

De tal forma, em breve análise, visíveis as lacunas deixadas pela nova legislação, o que somente será sanado com o estudo do tema pelos envolvidos nas práticas do inquérito policial, com urgente proposta de alteração legislativa para suprimento das deficiências apresentadas.

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Sobre o autor
Rafael Francisco França

Delegado de Polícia Federal - Departamento de Polícia Federal, lotado na Delegacia Regional Executiva da Superintendência em Porto Alegre/RS. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, e em Segurança Pública. Mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial e exercício de defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11719. Acesso em: 29 mar. 2024.

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