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O controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública

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18/02/2008 às 00:00
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Merece específica abordagem a problemática conducente ao controle de constitucionalidade efetuado no âmbito de tais ações civis públicas.

Sumário: 1. Apontamentos Iniciais; 2. Do objeto da Ação Civil Pública; 3. Do Controle Jurisdicional de Constitucionalidade; 4. Da Ação Civil Pública no âmago da Jurisdição Constitucional; 5. Conclusão; Referências bibliográficas.

Palavras-chaves: Ação Civil Pública; controle de constitucionalidade; jurisdição constitucional; objeto da Ação Civil Pública; efeitos erga omnes da Ação Civil Pública.


1.APONTAMENTOS INICIAIS: DOS PROBLEMAS A SEREM ENFRENTADOS NESTE ARTIGO

Não raro, ouve-se a asserção de que a Ação Civil Pública detém o título de divisor de águas no que tange à tutela jurisdicional coletiva no Brasil.

De fato, com ela despontaram as primeiras experiências no campo da legitimidade de agir, por substituição social, especialmente em prol de direitos difusos e coletivos. Conforme restará esmiuçado em tópico sucessivo, desde a sua introdução em 1985 (Lei nº 7.347) a Ação Civil Pública ganhou corpo e espaço, sendo hoje um dos instrumentos processuais coletivos mais disseminados e versáteis.

Gilmar Mendes ressalta que numa sociedade de massa o processo coletivo exsurge como fenômeno inafastável de superação do clássico modelo individualista de direitos subjetivos, revelando-se, inclusive, como autêntico corolário do princípio da economia processual [01].

Ocorre que, não obstante as inúmeras vantagens propiciadas pela Ação Civil Pública, o seu advento ensejou alguns questionamentos que persistem controversos. Dentre eles, merecerá específica abordagem in casu a problemática conducente ao controle de constitucionalidade efetuado no âmbito de tais ações civis públicas.

Certamente a celeuma instalada ao redor do tema ora esquadrinhado repousa suas raízes no art. 16 da Lei nº 7.347/85 (LACP), segundo o qual a sentença proferida em sede de Ação Civil Pública produz eficácia erga omnes.

Deveras, à semelhança do que acontece em qualquer outro processo jurisdicional, também ao apreciar uma Ação Civil Pública o magistrado pode ser instado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de ato ou norma. O problema é que diversamente do que sucede com as causas em geral, o resultado de uma decisão exarada em sede de Ação Civil Pública transcende às partes envolvidas na espécie, alcançando uma esfera ultra partes.

A partir deste fenômeno processual peculiar da Ação Civil Pública, avultam alguns questionamentos, tais como: (i) os efeitos erga omnes da sentença sufragados no art. 16 da LACP alcançam inclusive o controle de constitucionalidade incidental promovido em sede de Ação Civil Pública? (ii) Seria a Ação Civil Pública um processo de índole objetiva, assemelhado, quanto aos efeitos, a uma ação de controle concentrado de constitucionalidade? (iii) Teria sido franqueado à Ação Civil Pública um controle difuso de constitucionalidade mais abrangente que aquele conferido ao próprio Supremo Tribunal Federal, na medida em que no caso deste último os efeitos ultra partes estaria condicionado à prévia atuação do Senado (art. 52, X, CF/88)? (iv) Em assim sendo, qualquer juiz singular teria maiores poderes que a Corte Máxima brasileira, no que concerne ao juízo difuso de constitucionalidade? (v) Que mecanismos o ordenamento jurídico pátrio fornece para coibir eventuais abusos no manejo de ações civis públicas?

Antecipa-se que não serão objeto de estudo as ações civis públicas julgadas improcedentes, haja vista que em tais ocasiões não há que se falar em eficácia geral (art. 16 da LACP).

Acrescenta-se, outrossim, que o escopo do vertente artigo não será dissecar o tema controle de constitucionalidade, mas sim estudar a sua aplicação em sede de Ação Civil Pública, pelo que serão articuladas noções superficiais a propósito do tema.


2. DO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Indispensável para a compreensão da temática em foco é identificar, ab initio, a extensão e contornos dos possíveis objetos de uma Ação Civil Pública.

A Lei nº 7.347/85, em sua redação original, indicava como alvo da Ação Civil Pública danos ocasionados ao meio ambiente, ao consumidor ou ainda a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A Carta Maior de 1988, ao seu turno, nomeou a Ação Civil Pública como mecanismo de proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, além de "outros interesses difusos e coletivos" (art. 129, III).

Alguns autores enxergam no indigitado art. 129, III, o princípio da não-taxatividade, de acordo com o qual a Constituição de 1988 teria contemplado um rol não exaustivo de temas passíveis de discussão por meio de Ação Civil Pública [03].

Em 1990, com a superveniência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) - art. 117 -, o art. 21 da Lei 7.347/85 experimentou modificação, estendendo-se à Ação Civil Pública configuração similar às ações coletivas de defesa do consumidor.

Gregório Assagra de Almeida assinala que com o surgimento do CDC, a Ação Civil Pública alçou contornos muito mais amplos, consubstanciando verdadeiro microssistema de tutela dos direitos e interesses coletivos, abarcando não só os direitos coletivos em sentido estrito e difusos, como também os direitos individuais homogêneos [04].

Eduardo Arruda Alvim lembra, ao seu turno, que a inclusão dos direitos individuais homogêneos sofre temperamentos no que se refere ao Ministério Público, o qual só deve intentar Ação Civil Pública tendente a salvaguardar direitos individuais homogêneos indisponíveis, a teor do art. 127, caput, da Lei Fundamental [05].

Ainda a respeito da inclusão dos direitos individuais homogêneos, convém trazer à baila ressalva consignada por Hely Lopes Meirelles, para quem o alargamento temático da Ação Civil Pública, notadamente no que pertine aos direitos individuais homogêneos está circunscrita aos três primeiros incisos do art. 1º da Lei 7.347/85, isto é, ao meio ambiente, consumidor, patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico [06]. Tal posição, s.m.j., não logrou ampla ressonância no meio doutrinário.

Num segundo momento, a MP 2.180-35/01 voltou a alterar a dicção da Lei 7.347/85, desta vez do art. 1º, com vistas a elastecer o rol de matérias suscetíveis de Ação Civil Pública, acrescentando, nesta ordem, a infração à ordem econômica e à economia popular, bem como o danoà ordem urbanística.

A mesma MP 2.180-35/01 inseriu, de outra mão, um parágrafo único no art. 1º, vedando a propositura de ações civis públicas em matéria tributária, inclusive contribuições previdenciárias, e sobre FGTS.

Como bem se percebe, a Ação Civil Pública ostenta um vasto e aberto leque de atuação. Entretanto, a despeito de sua inexorável ductilidade, o objeto da Ação Civil Pública pressupõe sempre uma decisão de efeitos concretos, que pode ser condenatória, mandamental, executória ou cautelar.

Isto significa que a pronúncia de inconstitucionalidade de uma norma abstrata e geral, per se, não pode figurar dentre os possíveis pedidos subjacentes a uma Ação Civil Pública. É o que ora se passa a analisar.


3. DO CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE: MODALIDADES E REPERCUSSÕES

Canotilho propõe uma classificação dos modelos de "Justiça Constitucional" levando-se em conta (i) os sujeitos de controle (político ou jurisdicional); (ii) o modo de controle (incidental ou principal); (iii) o momento do controle (preventivo ou sucessivo); (iv) a legitimidade ativa; e (v) os efeitos do controle (gerais, particulares, retroativos, prospectivos, declarativos ou constitutivos) [07].

Tal classificação tem sido apregoada por abalizada parcela dos constitucionalistas brasileiros [08].

Tendo em vista a riqueza de desdobramentos que o tema sugere, o presente ensaio deter-se-á, de forma concisa e superficial, nos principais aspectos concernentes ao modo e efeitos do controle de constitucionalidade.

3.1. Do controle incidental e concreto

A forma incidental de controle de constitucionalidade guarda íntima relação com os efeitos concretos, pois, a rigor, o controle exercido incidenter tantum irradia seus efeitos tão-somente no caso em particular.

O controle difuso e concreto caracteriza-se por poder ser exercido em qualquer órgão do Poder Judiciário, em oposição ao regime concentrado, no qual dito mister cabe normalmente a um Tribunal de cúpula [09].

O sistema difuso reconhece aos magistrados o direito-dever de aferir a constitucionalidade das normas discutidas nos processos submetidos a julgamento, inexistindo, neste sentido, qualquer restrição, seja de natureza fundamental ou não [10].

Outro ponto distintivo do controle difuso e concreto cinge-se ao pedido motriz da ação. Decerto, quando a questão constitucional posta em xeque consubstancia o próprio objeto da demanda, está-se diante de um juízo de constitucionalidade pela via principal, ao passo que quando configurar imbróglio meramente prejudicial ao mérito da causa, falar-se-á em um exame pela via de exceção ou difusa.

Glauco Ramos recorda que o controle difuso nada mais é que um reflexo lógico do postulado da inafastabilidade do controle jurisdicional, o qual num sistema pautado pela Jurisdição constitucional deve ser orientado em última instância pelo Texto Magno [11].

O primeiro caso de controle de constitucionalidade difuso e concreto que se tem notícia na História do constitucionalismo remonta a 1803, nos Estados Unidos, na disputa de Marbury v. Madison, levada a efeito na Suprema Corte norte-americana, ocasião na qual o Juiz Marshall admitiu afastar in concreto, porquanto inconstitucional, determinada norma. A partir daí ganhou forma o judicial review ianque [12].

3.2. Do controle principal e concentrado

O controle concentrado, por sua vez, teve como patrono Hans Kelsen e estreou com a promulgação da Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920 [13].

Em sua formulação primitiva, o controle concentrado de constitucionalidade, a cargo de cortes constitucionais, traduzia convicções doutrinárias de Hans Kelsen, seu idealizador, e que se distanciavam daquelas firmadas no sistema difuso norte-americano. Podem-se apontar duas razões fático-jurídicas que induziram ao desenvolvimento de um modelo alternativo nos países continentais europeus: a) a inexistência de stare decisis [14] em seus sistemas judiciais; e b) a existência de magistratura de carreira para a composição dos tribunais [15].

Como sua própria nomenclatura sugere, este regime de controle é "concentrado" em um único órgão, a quem incumbirá de modo exclusivo manifestar-se acerca da (in)constitucionalidade de uma norma.

Relacionado com o controle concentrado e principal está o controle abstrato, nos moldes do qual a impugnação da constitucionalidade de uma norma se realiza dissociada de qualquer litígio concreto [16].

3.3. Modelo brasileiro: Jurisdicional híbrido

O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade foi concebido em 1891 sob forte inspiração do constitucionalismo difuso e por via de exceção norte-americano [17].

O modelo pátrio evoluiu e passou finalmente a partir da Carta de 1988 a consagrar definitivamente um modelo "misto" de jurisdição constitucional.

Com efeito, a Constituição vigente autoriza o controle difuso de constitucionalidade, exercido pelos Juízes e Tribunais em geral, ao tempo em que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, bem assim aos Tribunais de Justiça a função de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade [18].

As vicissitudes da concepção brasileira restarão melhor desveladas ao longo dos tópicos subseqüentes.

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4. DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO ÂMAGO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Como já antecipado no item 2, conquanto amplíssimo, o objeto das ações civis públicas é aquele declinado pela CF/88, pela LACP e pelo CDC, tendo como alvo tutelas materializáveis no plano fático, seja condenatória, mandamental ou executória. Pretende-se, pois, uma decisão de efeitos concretos, ainda que contemple um universo difuso e metaindividual.

Gilmar Mendes observa, no entanto, que a Ação Civil Pública foi dotada de um alcance tal que implicaria no seu deslocamento para a seara do controle de constitucionalidade [19].

Isto decorre em boa medida em função do multicitado art. 16 da LACP. Deveras, conforme já antecipado alhures, o art. 16 da LACP prescreve que a sentença [20] oriunda de Ação Civil Pública terá repercussão ultra partes.

O próprio art. 16, em sua parte final, impõe, contudo, uma primeira restrição à citada eficácia geral [21].

Com efeito, o aventado art. 16 preconiza que a sentença faz coisa julgada nos limites da competência territorial do órgão prolator.

Em que pesem as vozes que se insurgem contra a constitucionalidade e/ou aplicação desta parte do assestado art. 16 [22], o fato é que dito regramento sinaliza que um eventual controle de constitucionalidade levado a cabo no bojo de uma Ação Civil Pública não terá o condão de cessar definitivamente e de maneira vinculante a aplicação de qualquer norma inquinada de inconstitucional.

Ao revés, de acordo com a restrição territorial imposta pelo mencionado art. 16, qualquer decisório emanado ficará constrito ao alcance geográfico do Juízo natural.

De um modo geral, prevalece a compreensão de que o juízo de constitucionalidade efetivado nas ações civis públicas é realizado incidenter tantum. Esta diferenciação é de relevância curial, afinal dela dependerá o raio de projeção dos efeitos sentenciais.

Senão, veja-se.

Segundo Luís Roberto Barroso o controle de constitucionalidade pela via incidental é exercido quando seu pronunciamento faz parte do itinerário lógico do raciocínio jurídico a ser desenvolvido [23].

O art. 469, III, do CPC, por sua vez, reza que a "apreciação de questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo" não se convola em coisa julgada.

Cotejando-se o mencionado art. 469, III com os arts. 467, 468 e 475 do Estatuto de Ritos, será inevitável a conclusão de que somente a parte dispositiva de uma sentença transmuta-se em coisa julgada material.

De fato, a sentença é constituída por três elementos distintos, a saber, relatório, fundamentação e dispositivo (art. 458, CPC), sendo que a imutabilidade e a indiscutibilidade provenientes da coisa julgada material afetam exclusivamente o dispositivo da sentença, pois é aí que reside a solução dada ao caso sub examine [24].

Pois bem. Tecidas estas considerações, cumpre retroceder ao caso específico da Ação Civil Pública.

Foi visto que o objeto da Ação Civil Pública desenhado tanto na Lei Superior quanto na legislação infraconstitucional não contempla o exame puro acerca da constitucionalidade abstrata de normas.

Assim sendo, qualquer controle de constitucionalidade que se fizer necessário no ínterim de uma Ação Civil Pública deverá ser feito não de maneira principaliter, mas sim pela via de exceção. Como conseqüência natural disto, esta análise incidental que, frise-se, não faz parte do pedido, não comporá a porção dispositiva da sentença.

Não integrando o dispositivo sentencial, não há que se falar em eficácia erga omnes.

Ainda nesse diapasão, Ada Pellegrini traz a lume aspecto que milita a favor da aludida dimensão incidental do exame de constitucionalidade em Ação Civil Pública. Ela acentua que a apreciação de constitucionalidade na Ação Civil Pública, por não constituir pedido e não compor a parte dispositiva do decisum, pode ser reapreciada por qualquer outro juízo [25].

Ora, se o controle de constitucionalidade verificado em uma Ação Civil Pública não fosse incidental, inevitavelmente impediria a sua reapreciação em outro foro jurisdicional.

À vista do expendido, extrai-se a ilação de que o objeto da Ação Civil Pública não é o controle de constitucionalidade, devendo este, à semelhança das demais ações judiciais, ocorrer incidenter tantum.

4.2. Processo objetivo ou subjetivo?

Um dos argumentos comumente veiculados é de que a Ação Civil Pública teria feição objetiva.

O fato de não ser possível identificar o universo por ela abrangido, corroboraria esta tese.

O Ministro Gilmar Mendes lança contundentes e abalizados motivos no sentido de que não se pode falar em controle de constitucionalidade difuso e concreto no seio de uma Ação Civil Pública, afinal não se tem um caso concreto; "pelo contrário, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de interesse específico, mas exatamente de interesse genérico amplíssimo, de interesse público" [26].

Levando-se em conta que as partes na ação civil pública atuam não na defesa de interesse jurídico específico, mas, propriamente, na proteção do interesse público, toda e qualquer pretensão com vistas a limitar a eficácia das decisões apenas às partes formais do processo redundaria na sua completa nulificação [27].

Para o eminente Ministro, a partir do momento em que a CF/88 outorgou a uma Corte Especial, o Supremo Tribunal Federal, competências específicas para apreciar questões constitucionais, houve uma mitigação de tais atribuições no que toca às instâncias ordinárias. Realmente, ao alargar os legitimados para desencadear o controle abstrato, fez o constituinte uma opção por reduzir o campo do controle difuso [28].

O prof. Gilmar Mendes assinala ainda a dificuldade de se sustentar que um controle de constitucionalidade tópico, levado a efeito no bojo de uma Ação Civil Pública, possa ter seus efeitos encerrados no processo, na medida em que se trata de uma substituição processual, onde as partes pleiteiam direitos de outrem [29].

Por fim, ante (i) a inviabilidade de limitar-se a incidência dos efeitos do controle constitucional (processo objetivo) e (ii) a inviabilidade de controle abstrato por parte das ações civis públicas [30], melhor seria vedar o controle de constitucionalidade no âmbito destas [31].

Há, contudo, corrente doutrinária que vislumbra o caráter subjetivo da Ação Civil Pública. Dentre eles vale menção Gilberto Schäfer, que assim pontifica:

(...) nas Ações Civis Públicas, existem partes e que não são apenas formais. No pólo passivo, há um (ou vários) Réu, conforme for a relação de direito material em jogo. Há uma vasta possibilidade conforme seja a alegação das mais diversas. São réus causadores de danos, responsáveis por situações ou fato ensejadores de uma ação danosa. (...)

Na ACP, há partes e pode haver condenação, reparação e multa. Se a ACP fosse processo objetivo, não poderia haver a defesa de um interesse jurídico, que pode não ser próprio, mas é difuso, coletivo ou individual homogêneo.

Nessa ação, não são tutelados os interesses públicos, mas interesses difusos e individuais homogêneo. O interesse público objeto da ADIn é diferente do interesse concreto de agir da ACP [32].

A propósito, convém trazer à baila excerto da lavra do Min. Moreira Alves, por ocasião do julgamento de Questão de Ordem na ADC 01, quando se decidiu que o processo objetivo é caracterizado pela inexistência de partes contrapostas:

Igualmente, com relação ao sujeito passivo, sua ausência não descaracteriza a ação direta de inconstitucionalidade. Ela pode decorrer da dispensa do pedido de informações ao poder ou órgão de que emana o ato normativo impugnado, e dispensa essa que é admitida pelo Regimento Interno deste Tribunal (art. 170, § 2º, in fine, e artigo 172). Como também, nessa ação, podem ocorrer hipóteses em que os legitimados ativo e passivo se confundem, o que implica, em última análise, a inexistência de legitimado passivo. Assim, por exemplo, se um Governador de Estado impugnar como inconstitucional ato normativo de seu antecessor, caso em que o requerente não pode ser, ao mesmo tempo, o requerido. E também não ocupa a posição formal de réu o advogado-geral da União, que não é parte, mas curador da presunção de constitucionalidade do ato normativo atacado.

Schäfer prega que no caso da Ação Civil Pública existem partes definidas e impulsionadas por interesses desencontrados. A depender da dimensão do objeto da Ação Civil Pública, o grau de subjetividade poderá ser maior ou menor. No caso de ação de defesa do consumidor, verbi gratia, as partes são identificáveis, adquirindo a perspectiva subjetiva uma maior relevância [33].

Nesse sentido, a Recl. 602-6/SP de relatoria do Min. Ilmar Galvão:

RECLAMAÇÃO. DECISÃO QUE, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, CONDENOU INSTITUIÇÃO BANCÁRIA A COMPLEMENTAR OS RENDIMENTOS DE CADERNETA DE POUPANÇA DE SEUS CORRENTISTAS, COM BASE EM ÍNDICE ATÉ ENTÃO VIGENTE, APÓS AFASTAR A APLICAÇÃO DA NORMA QUE O HAVIA REDUZIDO, POR CONSIDERÁ-LA INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PREVISTA NO ART. 102, I, A, DA CF.

Improcedência da alegação, tendo em vista tratar-se de ação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo reclamado em sede de controle in abstracto de ato normativo. Quadro em que não sobra espaço para falar em invasão, pela Corte reclamada, da jurisdição concentrada privativa do Supremo Tribunal Federal. Improcedência da reclamação.

Luís Roberto Barroso acrescenta que o processo da Ação Civil Pública, em verdade, nada teria de objetivo. Haveria, segundo ele, partes determinantes e uma "pretensão" deduzida em juízo por intermédio de um "pedido", que em nenhuma hipótese poderia ser confundido com uma declaração de inconstitucionalidade. O objeto imediato do pedido é a providência jurisdicional solicitada, ao passo que o objeto mediato do pedido é o bem que o autor pretende conseguir por meio dessa providência. É claro que a tutela do interesse público, via de regra, estará presente, mas com feição nitidamente subsidiária. E isto, por si só, não é capaz de alterar a natureza do processo ou encobrir a existência do caso concreto [34].

Outro ponto que merece relevo cinge-se às situações em que a substituição processual ocorre em benefício de interesses individuais homogêneos, onde os destinatários da tutela judicial podem ser individualizados. Nestes casos, a subjetividade do processo está bem delineada. Seria o caso, v. g., de Ação Civil Pública intentada por entidade sindical representativa de determinada categoria de servidores públicos.

Ex positis, não obstante estar longe de ser matéria pacífica e bem torneada, as características da Ação Civil Pública não parecem demonstrar que esta equivale a um processo de feição nitidamente objetiva. O grau de subjetividade será cambiável a depender a situação concreta posta.

4.3. Diferenças entre a ADI e a Ação Civil Pública

No intuito de evitar repetições e, ainda, considerando não ser este o foco do vertente artigo, serão apontadas de modo sintético as principais distinções entre as ações de controle abstrato de constitucionalidade e a Ação Civil Pública.

Por expressa previsão constitucional, o controle abstrato de constitucionalidade foi atribuído ao Supremo Tribunal Federal (ADI, ADC, ADPF) e aos Tribunais de Justiça estaduais (ação direta de inconstitucionalidade em face de lei ou ato normativo estadual ou municipal ofensivo à Carta Estadual).

A diferença precípua entre a ADI (gênero) e a Ação Civil Pública prende-se ao objeto da demanda. Enquanto na ADI se busca como causa principal o controle concentrado de constitucionalidade, na Ação Civil Pública dito controle, quando desempenhado, o é como questão prejudicial ao mérito da lide.

Além disso, a ADI é processo objetivo, de competência una e exclusiva, que vincula todos os membros do Judiciário. A Ação Civil Pública, de outra ponta, mais se assemelha a um processo subjetivo, cujo controle de constitucionalidade repercute inter partes.

Conforme enaltecido por Joseane Quinto, a Ação Civil Pública apresenta outro ponto distintivo da ADI, a saber, sua submissão a uma cadeia recursal, inclusive com a possibilidade de reapreciação pelo STF pela via do recurso extraordinário, inexistente no caso da ADI (instância singular) [35].

Esta característica inibe o argumento de que o controle difuso de constitucionalidade realizado na Ação Civil Pública teria maior prospecção do que aquele feito pelo STF.

É certo que, em teoria, a pronúncia de inconstitucionalidade averbada pelo STF só ultrapassa a barreira do caso concreto quando assim dispõe o Senado Federal (art. 52, X, CF/88).

Fala-se "em teoria" porquanto recentemente tem-se verificado que as decisões pretorianas, ainda quando exaradas em sede de controle difuso, têm propagado seus efeitos como se vinculantes fossem, independentemente de qualquer prévia manifestação da Casa Alta do Legislativo.

Acontece que o STF terminará tendo a oportunidade de rediscutir o controle de constitucionalidade exercido em uma Ação Civil Pública, pela via de recurso extraordinário. Tal quais os demais processos não originários no Pretório Excelso, também as ações civis públicas tendem a bater às portas do STF, por meio de recursos derradeiros, até mesmo por conta da imanente repercussão transcendente.

Deste modo, caberá ao Supremo Tribunal dar a última palavra acerca da constitucionalidade envolvida em ações civis públicas, razão pela qual não parece adequado dizer que ditas contendas se sobreporiam à competência daquele Tribunal.

4.4. Dos abusos e desvirtuamento perpetrados por algumas ações civis públicas

Ao cabo do presente trabalho, pode-se dizer que a maioria das preocupações manifestadas a respeito do controle de constitucionalidade em sede de Ação Civil Pública provém de práticas destorcidas identificadas em casos pontuais.

Com efeito, casos há, nos quais o autor de Ação Civil Pública maneja tal processo com o intuito dirigido ao controle de constitucionalidade.

Sucede que, como demonstrado retro, o objeto de uma Ação Civil Pública não pode ser o controle de constitucionalidade, porquanto tal papel cabe privativamente ao Supremo Tribunal Federal.

A competência do Supremo Tribunal Federal para arrostar a inconstitucionalidade de lei federal é, nos moldes do art. 102, I, letra "a", da Lei Fundamental, exclusiva e nenhum outro órgão judiciário do país a tem em identidade de condições [36].

Doutrina e jurisprudência se posicionam, de maneira geral, avessos a esta deformação do instituto da Ação Civil Pública, tendo o STF recepcionado reclamações com o fito de coibir tais procedimentos [37].

Nesse diapasão, vide Recl. 2.224, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, que representa apenas uma das múltiplas reclamações presentes e cuja ementa ostenta a seguinte dicção:

Reclamação: procedência: usurpação da competência do STF (CF, art. 102, I, a). Ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade de leis federais, da privativa competência originária do Supremo Tribunal.

Além das reclamações junto ao STF, outro mecanismo processual pode ser manuseado para se encerrar uma Ação Civil Pública quando esta consistir em tentativa disfarçada de ADI. Basta declarar-se a ilegitimidade passiva da parte indicada para o pólo passivo, afinal se o escopo da contenda for per se elidir norma inquinada de inconstitucional, então o pólo passivo precisaria ser necessariamente preenchido pelo ente legislativo e/ou executivo responsável pela edição desta, tal como ocorre nas ações de controle pela via principal.

Por conseguinte, ao se averiguar que uma Ação Civil Pública almeja precipualmente o controle de constitucionalidade, esta deve ter seu processamento tolhido, por manifesta tentativa de usurpação de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
Rodrigo Albuquerque de Victor

mestrando em Direito Constitucional e especialista em Direito Tributário pelo IDP, professor-tutor da UnB e ESAF, advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTOR, Rodrigo Albuquerque. O controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1692, 18 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10951. Acesso em: 23 abr. 2024.

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