Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/4800
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O Ministério Público no Brasil e na Argentina

O Ministério Público no Brasil e na Argentina

Publicado em . Elaborado em .

O Ministério Público do Brasil, após a conquista da plena autonomia e da ampliação de seu papel, graças à Constituição de 1988, tornou-se uma das instituições mais importantes para o resgate da cidadania dos brasileiros.

RESUMO

O Ministério Público do Brasil, após a conquista da plena autonomia administrativa e financeira, e da ampliação de seu papel no contexto do Estado Democrático, graças ao perfil que lhe deu a Constituição Federal de 1988, tornou-se uma das instituições mais importantes para o resgate da cidadania dos brasileiros. Sua menor relevância no período que antecedeu a Constituição vigente não despertava o interesse dos doutrinadores locais que, na maior parte das vezes, tratavam do Ministério Público apenas como tópico do direito processual, em curtas abordagens. Cabe à doutrina, portanto, saldar o débito para com o Ministério Público, dedicando-lhe estudos particularizados e mais profundos. Esta monografia nasce com a pretensão de contribuir para tais estudos, bem assim, de compor um trabalho maior, que vem sendo elaborado pelo mestrando ao longo do curso de Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Versa, precisamente, um estudo comparativo do Ministério Público do Brasil com o da Argentina, abrangendo os aspectos da definição, natureza jurídica, organização (divisões, cargos, carreira e investidura nos cargos), funções e garantias da instituição e dos seus membros.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA, 1.1 O Ministério Publico do Brasil, 1.2 O Ministério Publico argentino, 1.2.1 O Ministério Publico da Nação, 1.2.2 Ministérios Publicos das Províncias; 2 ORGANIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA: DIVISÕES, CARGOS, CARREIRA E IN-VESTIDURA NOS CARGOS, 2.1 O Ministério Público do Brasil, 2.2 O Ministério Público da Argentina, 2.2.1 O Ministério Público Federal da Argentina, 2.2.2 Os Ministérios Públicos das Províncias argentinas; 3 FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA, 3.1 No Brasil, 3.2 Na Argentina, 3.2.1 Órbita federal, 3.2.2 Nas Províncias; 4 GARANTIAS DA INSTITUIÇÃO "MINISTÉRIO PÚBLICO" E DOS SEUS MEMBROS, 4.1 No Brasil, 4.2 Na Argentina, 4.2.1 Órbita federal, 4.2.2 Nas Províncias, CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA .


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o Ministério Público tem se revelado como uma das instituições mais importantes no cenário jurídico-político brasileiro, mercê de notórios resultados positivos de sua atuação, quer seja no campo da moralidade administrativa, quer seja em outras matérias como a exigência de políticas públicas no campo social, a cobrança do respeito aos direitos dos trabalhadores etc.

Importa que sejam ampliados, tanto quanto possível, os conhecimentos acerca dessa instituição, principalmente porque, pelo menos quanto ao exemplo do Brasil, ela tem ajudado a proporcionar uma transformação no padrão moral, com diminuição da sensação, que tem estado presente na sociedade deste país, de se estar vivendo uma situação de anomia social.

O ensejo da conclusão da disciplina "Teoria do Direito Comparado", para o que se exige a produção de uma monografia, se constitui numa ótima oportunidade para trazer a lume mais alguma contribuição científica sobre o Ministério Público.

O estudo levado a efeito nos itens seguintes do presente texto consiste numa comparação entre o Ministério Público do Brasil e o da vizinha Argentina, observando-se os aspectos da definição, natureza jurídica, organização (divisões, cargos, carreira e investidura nos cargos), funções e garantias da instituição e dos seus membros. Outrossim, na pretensão de se configurar como um efetivo estudo de Direito Constitucional Comparado [1], não se restringe a monografia ao simples lançamento dos textos legais que regem a matéria, adentrando, principalmente, na compreensão que a doutrina de cada um dos países envolvidos manifesta sobre a instituição examinada.

Por fim, deve-se advertir que os textos legais e de doutrina argentinos que constam transcritos ao longo deste trabalho, embora colhidos das fontes originais, foram concomitantemente traduzidos para o Português, pelo próprio autor. Ressalvam-se, dessa observação, apenas alguns trechos de lei ou doutrina, em relação aos quais, eventualmente, se considerou conveniente manter a versão original.


1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA

Conceituar o Ministério Público constitui uma tarefa para a qual há uma histórica dificuldade. Com efeito, a noção de Ministério Público, naturalmente, deve corresponder ao desenho que os Estados lhe dão, seja pela via constitucional ou legislativa, e isso não se dá de modo uniforme no Direito Comparado. A propósito disso, há inclusive um setor da doutrina sobre o Ministério Público, para a qual "nem sua natureza nem sua função podem ser determinadas ou estabelecidas apriorística ou dogmaticamente"... Em tal sentido, aliás, "a legislação constitui a respeito um amplo mostruário" [2].

A configuração da instituição Ministério Público é sempre uma "criação histórica singular" que se apresenta, iniludivelmente, "(...) vinculada ou ajustada às tradições, às necessidades e aos ideais de cada povo e regulada pela inteligência dos legisladores", de modo que "(...) a instrumentação normativa de tal regime deveria responder a critérios aptos para o cumprimento permanente de suas funções e pô-la a coberto das contingências próprias da rotação do poder político" [3].

Em síntese, não é possível firmar uma definição de Ministério Público que seja válida universalmente, pois essa instituição varia ao sabor de fatores históricos e das legislações de cada Estado.

Com essa prévia advertência, os tópicos seguintes visam ao traçado de uma definição e dos contornos da natureza jurídica do Ministério Público no Brasil e na Argentina, tendo como base a legislação e a doutrina vigentes em cada um desses países.

1.1 O Ministério Público do Brasil

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, define o Ministério Público, no "caput" do seu artigo 127, traçando suas demais características nos respectivos parágrafos 1º e 2º, a saber:

"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento".

Referindo-se às Cartas Constitucionais anteriores, Vigliar e Macedo Júnior [4] observam que (...) de uma maneira mais ou menos precisa, as diversas Constituições estabeleceram como era, nas não disciplinaram o que era e para que era o Ministério Público. Faltou sempre estabelecer quais eram as características fundamentais da instituição, dando-lhe uma definição precisa e determinando suas atribuições próprias".

A Constituição Federal de 1988 superou todas as anteriores, quanto ao tema "Ministério Público", pois, além de ter dado uma definição para a Instituição, cuidou de traçar cuidadosamente suas características fundamentais.

Um dos pontos mais marcantes do atual Ministério Público do Brasil é que ele não integra mais a estrutura de nenhum dos três tradicionais Poderes da União, ou seja, uma posição da qual, no passado, somente teve o prestígio de gozar com a Constituição de 1946. A Constituição de 1967, posterior a esta e anterior à vigente, o inseria no Poder Judiciário; e após essa Carta ter sido alterada pela Emenda nº 01, de 17/10/1969, passou a integrar o Poder Executivo. Assim, o Ministério Público do Brasil é, antes de tudo, uma instituição independente, o que a coloca, quanto a esse aspecto, em condição equivalente à dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário [5].

Tendo-se em consideração a referida peculiaridade, mais as particularidades de seu ofício, a forma de desempenhá-lo e a sua definição no texto constitucional, pode-se afirmar, acompanhando Sawen Filho, que o Ministério Público brasileiro tem a natureza jurídica de um "órgão institucional autônomo, de caráter permanente, essencial à função jurisdicional do Estado" [6].

Semelhante é o conceito de Leite [7], para quem o Ministério Público, na Constituição do Brasil de 1988, tem a natureza de "(...) um órgão especial não subordinado a nenhum dos Poderes, mas de natureza estatal, cujo fim precípuo repousa na defesa dos interesses mais relevantes do cidadão e da sociedade, ainda que a violação a tais interesses provenha dos representantes dos Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) da República".

Convém aduzir alguma explicação acerca de cada um dos elementos que integram o conceito e qualificam a natureza jurídica da instituição em referência.

Inicia-se a explicação pela autonomia do Ministério Público, enquanto instituição. Sob esse aspecto, a autonomia ministerial abrange a autonomia funcional, a autonomia administrativa e financeira, bem assim a iniciativa do processo legislativo.

Dispondo de autonomia funcional, a instituição é desvinculada dos demais Poderes tradicionais do Estado; e seus membros, graças a tal autonomia, não estão vinculados aos seus pares na carreira, ainda que mais graduados, ou a quaisquer agentes públicos ou políticos externos, no desempenho de suas atribuições, para cujo exercício gozam de inteira liberdade.

A autonomia administrativa reside no fato de poder o Ministério Público propor ao Poder Legislativo, observado o disposto no princípio do orçamento público, a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público, bem como dar início ao processo legislativo visando à organização da própria instituição (CF, art. 128, § 5º). E aí reside, pois, também a terceira característica acima referida, corolário da autonomia do Ministério Público, ou seja, a iniciativa do processo legislativo.

Por fim, no que concerne à autonomia financeira, embora não explicitamente mencionada na Constituição, ela decorre da interpretação sistemática dos arts. 127, §§ 2º e 3º, 168 e 169 da Constituição Federal de 1988. Significa que ao Ministério Público é dado implementar toda a infra-estrutura indispensável ao seu regular funcionamento. No sentido da autonomia financeira, foi expressa a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993), no art. 3º.

Quanto à expressão "o Ministério Público do Brasil é uma instituição permanente", significa que "(...) o Constituinte, partindo do pressuposto de que o Estado atual é permanentemente compelido a realizar o cidadão na sociedade por ele organizada, reconhecendo-lhe direitos, defendendo seus legítimos interesses, preservando a ordem jurídica e o próprio regime democrático (...), reconheceu ao Ministério Público o caráter de órgão governamental permanente, através do qual manifesta sem solução de continuidade a sua soberania para atender a esses misteres" [8].

O Ministério Público brasileiro é uma instituição "essencial à função jurisdicional do Estado" porque é indispensável para que a função Jurisdicional do Estado possa cumprir, efetivamente, o seu papel de fazer atuar concretamente o Direito quando com base nele as partes não se compõem espontaneamente, sobretudo na pretensão punitiva dependente de ação penal pública e nas ações civis que visam à defesa de interesses difusos ou coletivos.

A expressão "essencial à função jurisdicional do Estado", segundo Mazzilli [9], diz menos do que o Constituinte deveria dizer, mas, paradoxalmente, também o diz mais. Diz menos, porque o Ministério Público não oficia em todos os feitos submetidos à prestação jurisdicional; porém, diz mais, porque essa instituição exerce inúmeras funções independentemente da prestação jurisdicional, tais como na direção dos inquéritos civis, na tomada de termos de compromisso de ajustamento de conduta, na expedição de recomendações, no atendimento ao público, nas funções de ombudsman etc.

Por fim, dizer que o Ministério Público brasileiro é uma instituição a quem incumbe a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", significa, de uma maneira simplificada, que lhe cabe zelar pelas principais formas de interesse público [10]. Como fiscal da lei ou como órgão agente, promotor de ações, a missão do Ministério Público deve sempre se orientar no sentido da defesa das instituições que fazem do Brasil um Estado Democrático, e de Direito. Sobretudo, cabe ao Ministério Público, a defesa dos interesses sociais através da ação civil pública.

1.2 O Ministério Público argentino

O Brasil e a Argentina adotam em comum, nas respectivas Constituições, o modelo federalista de Estado. Isso implica na existência de uma Constituição rígida, onde as competências entre as unidades da Federação estejam claramente delimitadas; devem ter, também, poder Constituinte próprio (no Brasil, os Estados-Membros), seu próprio território, um povo próprio; os poderes de cada unidade autônoma devem derivar de sua Constituição; a vontade do povo deve estar representada proporcionalmente a cada unidade federativa no órgão legislativo federal e a supremacia da Constituição Federal deve ser garantida por uma Corte Constitucional [11].

Os mencionados traços, definidores da autonomia das unidades de uma federação, são muito mais marcantes na Federação Argentina do que na Federação Brasileira. A debilidade do federalismo brasileiro é perceptível, por exemplo, na exagerada participação da União na arrecadação tributária dos Estados, gerando completa dependência dos Estados em relação àquela; assim como nos seus monopólios e estatais [12].

Essa diferença entre as duas federações em referência é nítida, também, quando se observa a organização do Poder Judiciário e do Ministério Público nos dois países: no Brasil, embora a Constituição Federal outorgue aos Estados a competência para organizarem suas Justiças e seus Ministérios Públicos, subordina o exercício desse poder a certas regras básicas previstas na própria Constituição Federal, revelando a tendência limitadora da autonomia dos Estados-membros [13]. Assim, ao organizarem seus Ministérios Públicos, os Estados-membros brasileiros devem observar os princípios inscritos na Constituição Federal, nos arts. 127 a 130.

É possível, por isso, dizer da natureza jurídica do Ministério Público do Brasil a partir de uma análise da Constituição Federal, sem necessidade de exame das normas dos Estados, pois as regras da primeira valem, indistintamente, para o Ministério Público organizado e mantido pela União e para os organizados e mantidos pelos Estados-membros. O mesmo, todavia, não se pode dizer do Ministério Público na Argentina, eis que nesse país a "Constituição da Nação" não contém princípios aos quais as Províncias devam obediência quando da estruturação dos seus Ministérios Públicos.

Por essa razão, enquanto um único tópico foi suficiente para o exame do Ministério Público do Brasil, são necessários dois para o trato do Ministério Público da Argentina, sendo um sobre o Ministério Público na órbita Federal e o outro sobre o Ministério Público na esfera das Províncias.

1.2.1 O Ministério Público da Nação

A vigente Constituição da Argentina trata do Ministério Público no seu art. 120, in verbis:

Art. 120. O Ministério Público é um órgão independente com autonomia funcional e autarquia financeira, que tem por função promover a atuação da justiça na defesa da legalidade, dos interesses gerais da sociedade, em coordenação com as demais autarquias da República....

A Constituição em referência é a mesma que foi sancionada pelo "Congresso Geral Constituinte" em 1º de maio de 1853. Todavia, o texto originário da citada Carta foi reformado pela "Convenção Nacional ad hoc" em 25 de setembro de 1860, pelas Convenções de 1866, 1898, 1956 e, finalmente, pela Convenção Nacional Constituinte em 22 de agosto de 1994.

Antes da última reforma constitucional, conforme assinala Díaz, verificava-se uma "(...) situação de perigosa indefinição normativa e teórica que, na prática, estava claramente perfilhada em direção à dependência do Ministério Público ao Poder Executivo Nacional, mediante uma inadmissível intromissão deste nas funções específicas do instituto que nos ocupa" [14].

Na doutrina Argentina, mesmo bem antes da reforma levada a efeito pela Convenção Nacional de 22 de agosto de 1994, muito já se discutia sobre qual seria o melhor desenho para o Ministério Público, havendo quem defendesse desde a posição doutrinária dos que o localizam no âmbito do Poder Executivo, passando pela que o insere na órbita do Poder Legislativo e a que o inclui na esfera do Poder Judiciário, até a que o concebe como "órgão extrapoder".

Mas, de consonância com a definição Constitucional que restou corporificada no atual art. 120, da Constituição da Nação Argentina [15], superou-se a indefinição anterior e prevaleceu a última tese referida, ou seja, o Ministério Público, à luz da Constituição vigente, tem a natureza de um órgão extrapoder. Com efeito, "(...) um dos logros mais aplaudidos da reforma constitucional do ano de 1994, foi a consolidação no sistema constitucional do poder do Ministério Público Federal como um órgão extrapoder ou, para dizê-lo com maior precisão, com a autonomia funcional de um órgão que não depende de forma exclusive, excludente ou protagônica, de alguns dos outros poderes constitucionais [16]".

O Ministério Público Federal da Argentina, portanto, é um órgão extrapoder, mercê de sua independência, que tem como corolários a autonomia funcional e a autarquia financeira. Aliás, outra não poderia ser a posição do Legislador da reforma de 1994, dado que a Lei nº 24.309, que autorizou a empreitada da reforma constitucional, "(..) habilitou a Convenção Reformadora da Constituição Nacional para debater a inclusão na mesma ‘do Ministério Público como órgão extrapoder’ [cf. art. 3º, inc. G]", de maneira que aquela, "ou se negava a constitucionalizar o Ministério Público ou aceitava a proposta de ser um órgão extrapoder" [17].

Para Díaz, (...) a metodologia utilizada para seu tratamento dentro da estrutura correspondente às autoridades da Nação (Governo Federal), distinguindo-o claramente dos três restantes órgãos supremos do ordenamento constitucional argentino, permite concluir que se lhe instituiu como um ‘quarto poder’ " [18]. Relembre-se, conforme referido antes [19], que há quem veja o Ministério Público do Brasil, igualmente, como o quarto poder do Estado.

A natureza do Ministério Público Federal argentino, ou seja, de um órgão extrapoder, vem a ser, mutatis mutandis, a mesma do Parquet do Brasil.

Essa identificação da natureza dos Ministérios Públicos do Brasil e da Argentina não vale, todavia, quando se cogita dos Ministérios Públicos das Províncias argentinas, posto que as Províncias têm autonomia suficiente para dar-lhes o desenho que desejarem.

1.2.2 Ministérios Públicos das Províncias

Relembre-se que a Argentina, como o Brasil, é um Estado Federal, sendo que naquela as esferas de Governo são o Governo Federal e os das Províncias. Todavia, conforme já foi antecipado, a Constituição Argentina confere aos Governos das Províncias autonomia muito mais ampla do que a conferida pela Constituição do Brasil aos seus Estados-Membros [20], ao Distrito Federal e aos Municípios. Assim, a Constituição Argentina não fixa nenhuma regra geral ou conjunto mínimo de diretrizes a serem observadas pelas Províncias quando da organização de seus Ministérios Públicos.

Por isso, nas Províncias argentinas, os Ministérios Públicos têm perfis nem sempre coincidentes entre si, ou mesmo com o perfil do Ministério Público da órbita federal. A posição tradicional e majoritária no Direito Comparado provincial, na Argentina, revela a tendência de inserção do Ministério Público dentro da estrutura do Poder Judiciário.

A Província de Buenos Aires serve de paradigma, já que é a principal Província da Argentina. A vigente Carta Fundamental dessa Província, no art. 189, ao discriminar os órgãos (cargos) do Ministério Público, fixa, como exigências para investidura nos cargos da carreira, as mesmas exigências que são estabelecidas para os cargos de níveis correspondentes do Poder Judiciário, o que revela a tendência de equiparação entre as duas funções.

Tal tendência é afirmada na Doutrina Argentina, como se corrobora com a seguinte afirmação de Díaz: "O paralelismo de formas entre os dois ramos do Poder Judiciário evidencia-se não só a respeito dos requisitos exigidos para o acesso ao cargo, mas também no mecanismo de designação" [21].

Ainda com referência à Província de Buenos Aires, ora tomada como paradigma dos Ministérios Públicos das províncias argentinas, destaca-se que, se é certo que sua Constituição deixa apenas implícita a pertinência do Ministério Público ao Poder Judiciário, por outro lado, sua "Lei do Ministério Público" (Lei 12.061, sancionada em 11/12/1997, promulgada em 19/12/1997 e publicada no Boletim Oficial de 8 e 9/01/1998) o faz mediante declaração expressa, verbis:

Art. 2º - Princípios. O Ministério Público é parte integrante do Poder Judiciário e goza da autonomia e independência que lhe outorga a Constituição para o devido cumprimento de sua função requerente.

Sua organização é hierárquica, e está regida pelos princípios de: unidade, indivisibilidade, flexibilidade e descentralização.

Em suma, nas Províncias argentinas, a regra geral é a de que o Ministério Público seja parte integrante do Poder Judiciário, distinguindo-se, no seio desse Poder, a "Magistratura de Império" e a "Magistratura composta de magistrados que têm a seu cargo as tarefas próprias do Ministério Público" [22].


2 ORGANIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA: DIVISÕES, CARGOS, CARREIRA E INVESTIDURA NOS CARGOS

Quanto ao Ministério Público no Brasil, é possível averiguar detalhadamente sua divisão, os cargos, a carreira e o modo de investidura nos cargos, diretamente da análise da Constituição Federal, pois esta adentra em praticamente todos os detalhes. O mesmo não se dá, porém, com relação ao Ministério Público Argentino. Nos tópicos seguintes constam os dados atinentes aos dois Parquets sob exame.

2.1 O Ministério Público do Brasil

No Brasil, a Constituição Federal é dividida em Títulos, Capítulos e Seções. A "Organização dos Poderes" corresponde ao Título IV, que por sua vez dedica seu Capítulo I ao "Poder Legislativo", seu Capítulo II ao "Poder Executivo", seu Capítulo III ao "Poder Judiciário" e seu Capítulo IV às denominadas "Funções essenciais à Justiça".

O Ministério Público está disciplinado no referido Capítulo IV, como uma das Funções essenciais à Justiça, especificamente na Seção I, intitulada "Do Ministério Público". Além do Ministério Público, são também inseridas e regulamentadas no Capítulo IV, como Funções essenciais à Justiça, a Advocacia-Geral da União (na Seção II, intitulada "Da Advocacia-Geral da União") e a Advocacia e a Defensoria Pública (estas, na Seção III, intitulada "Da Advocacia e da Defensoria Pública).

Como se nota, embora inserido no mesmo capítulo constitucional dedicado à organização dos Poderes, o Ministério Público não é relacionado como um Poder, mas sim como uma Função essencial à Justiça. A Seção I, do Capítulo IV, em referência, compreende os arts. 127 a 130.

O art. 127 da Constituição Federal contém a definição do Ministério Público – que vale, indistintamente, para o da União e para os dos Estados [23] – assim como a sua incumbência geral, ou seja, "(...) a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

Por sua vez, o art. 128, ao tempo em que antecipa que existirão Ministérios Públicos nos níveis da União e dos Estados, determina a composição do Ministério Público da União, a saber:

"Art. 128. O Ministério Público abrange:

I – o Ministério Público da União, que compreende:

a)o Ministério Público Federal;

b)o Ministério Público do Trabalho;

c)o Ministério Público Militar;

d)o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

II – os Ministérios Públicos dos Estados".

Constam no citado artigo cinco parágrafos, os quatro primeiros definindo como deve ser a escolha dos dirigentes, tanto do Ministério Público da União quanto dos Estados. O quinto parágrafo do art. 128, por sua vez, dispõe:

"§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

Omissis".

Como se vê, a Constituição Federal deixa a cargo dos Procuradores-Gerais de cada Ministério Público [24] o encaminhamento dos projetos relativos às leis orgânicas que devem definir a organização, as atribuições e o estatuto dos Ministérios Públicos da União e dos Estados-membros, contudo, dede logo antecipa que haverá um Ministério Público organizado pela União e um organizado por cada Estado-Membro, além de estabelecer a subdivisão do primeiro (art. 128, caput e incisos I e II); e antecipa, ainda, como deve ser escolhido o dirigente de cada parquet (§§ 1º a 4º do art. 128), além das garantias (inciso I do § 5º, do art. 128) e das vedações aos membros (Inciso II do § 5º, do art. 128).

Importante, ainda, o parágrafo terceiro do art. 129 da Carta Federal de 1988, onde determina que o ingresso na carreira dar-se-á somente por meio de concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil na sua realização e observada a ordem de classificação dos aprovados para a nomeação.

Em cada Estado já existe a lei orgânica do respectivo Ministério Público, o mesmo ocorrendo quanto ao Ministério Público da União, cuja lei orgânica é a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.

Outrossim, importa registrar que a Constituição Federal de 1988, além de estabelecer um perfil do Ministério Público que se impõe indistintamente à União, Estados Membros e Distrito Federal, ainda reservou ao Presidente da República, no art. 61, § 1º, II, "d", a iniciativa privativa da lei sobre as normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Em suma, passou a ser da esfera federal não apenas a iniciativa da Lei-Complementar para organização do Ministério Público da União, mas também a de lei (seja complementar ou ordinária) destinada a traçar normas gerais sobre a organização dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Por isso mesmo, além da Lei Complementar Federal nº 75/1993, sobre o Ministério Público da União, restou editada também a Lei Ordinária Federal nº 8.625, de 12/3/1993, contendo diretrizes gerais que devem ser observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal nas respectivas Leis Complementares de organização dos seus Ministérios Públicos [25].

Por fim, cabe indicar a denominação dos cargos no Ministério Público da União e nos dos Estados-Membros.

O Ministério Público da União, conforme visto, é integrado pelos Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e, ainda, pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

No Ministério Público Federal, os membros (também denominados de "órgãos") são o Procurador-Geral da República, os Subprocuradores-Gerais da República, os Procuradores Regionais da República e os Procuradores da República (art. 43 da LC nº 75/1993).

Por sua vez, os membros (igualmente, denominados "órgãos") do Ministério Público do Trabalho são o Procurador-Geral do Trabalho, os Subprocuradores-Gerais do Trabalho, os Procuradores Regionais do Trabalho e os Procuradores do Trabalho (art. 85 da LC nº 75/1993).

Finalmente, constituem cargos (órgãos) do Ministério Público Militar, o Procurador-Geral da Justiça Militar, os Subprocuradores-Gerais da Justiça Militar, os Procuradores Regionais Militares, os Procuradores da Justiça Militar e os Promotores da Justiça Militar (art. 118 da LC nº 75/1993).

2.2 O Ministério Público da Argentina

Já se ressaltou que, diferentemente do que se dá no Brasil, as províncias argentinas gozam de autonomia muito mais efetiva, o que lhes permite organizar livremente seus Ministérios Públicos. Por isso, justifica-se subdividir este tópico em mais dois, sendo um para tratar da organização do Ministério Público argentino na órbita federal e outro para fazê-lo quanto ao Ministério Público argentino na seara das províncias.

2.2.1 O Ministério Público Federal da Argentina

A Constituição da Nação Argentina é dividida em Partes, Títulos, Seções e Capítulos, distribuídos de maneira não uniforme. As Partes são duas, contendo a primeira apenas dois Capítulos destinados, exclusivamente, às declarações e à estipulação dos direitos e garantias fundamentais (o Capítulo Primeiro é intitulado "Declaraciones, Derechos y Garantias", e o segundo, "Nuevos Derechos y Garantias").

A Segunda Parte da Constituição da Nação Argentina destina-se a tratar das autoridades ou Poderes da Nação e das Províncias, sendo intitulada "Autoridades de la Nación". Contém a Segunda Parte dois Títulos, sendo o primeiro dedicado às autoridades federais ("Autoridades de la Nación") e o segundo aos governos das províncias ("Gobiernos de Província"); bem assim, quatro Seções e treze Capítulos dos quais, sete na Seção Primeira, quatro na Seção Segunda e dois na Seção Terceira. As Seções Primeira, Segunda e Terceira da Segunda Parte são dedicadas, respectivamente, aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O Ministério Público está disciplinado na Seção Quarta da mesma Segunda Parte, sob o título "Del Ministerio Público", que contém apenas um artigo (o artigo 120). Tal localização da disciplina do Ministério Público Federal Argentino – ou seja, numa Seção particular, igualmente aos Poderes do Estado – colocam-no em igualdade de condições com estes últimos, podendo-se concluir que foi intenção do constituinte de 1994 colocá-lo como um Poder do Estado Argentino [26].

Eis o teor do mencionado art. 120, da Constituição Argentina:

Art. 120 O Ministério Público é um órgão independente com autonomia funcional e autarquia financeira, que tem por função promover a atuação da justiça em defesa da legalidade, dos interesses gerais da sociedade, em coordenação com as demais autoridades da República.

Está integrado por um procurador geral da Nação e um defensor geral da Nação e dos demais membros que a lei estabeleça.

Seus membros gozam de imunidades funcionais e intangibilidade de remunerações.

Atualmente, a lei a que se refere o dispositivo constitucional transcrito é a Lei nº 24.946, de 11/3/1998 (Lei Orgânica Ministério Público Federal da Argentina), publicada no Boletim Oficial de 23/3/1998. Nessa lei, a estrutura do Ministério Público está disciplinada nos artigos 2º a 4º, que contém, igualmente, as denominações dos diversos cargos (órgãos) e os órgãos do Judiciário (federal) junto aos quais oficiam:

Artigo 2º – O Ministério Público está composto pelo Ministério Público Fiscal e o Ministério Público da Defesa.

Artigo 3º – O Ministério Público Fiscal está integrado pelos seguintes magistrados:

a) Procurador Geral da Nação.

b)Procuradores Fiscais ante a Corte Suprema de Justiça da Nação e Fiscal Nacional de Investigações Administrativas.

c)Fiscais Gerais ante os tribunais colegiados, de cassação, de segunda instância, de instância única, os da Procuração Geral da Nação e os de Investigações Administrativas.

d)Fiscais Gerais Adjuntos ante os tribunais e dos organismos enunciados no inciso "c".

e)Fiscais ante os juízes de primeira instância; os Fiscais da Procuração Geral da Nação e os Fiscais de Investigações Administrativas.

f)Fiscais Auxiliares das fiscalias de primeira instância e da Procuração Geral da Nação.

Artigo 4º – o Ministério Público da Defesa está integrado pelos seguintes magistrados:

g)Defensor Geral da Nação.

h)Defensores Oficiais ante a Corte Suprema de Justiça da Nação.

i)Defensores Públicos de Menores e Incapazes ante os Tribunais de Segunda Instância, de Cassação e ante os Tribunais orais no Criminal e seus Adjuntos; e Defensores Públicos Oficiais ante a Câmara de Cassação Penal, Adjuntos ante a Câmara de Cassação Penal, ante os Tribunais Orais no Criminal, Adjuntos ante os Tribunais Orais no Criminal, de Primeira e Segunda Instância do Interior do País, ante os Tribunais Federais da Capital Federal e os da Defensoria Geral da Nação.

j)Defensores Públicos de Menores e Incapazes Adjuntos de Segunda Instância, e Defensores Públicos Oficiais Adjuntos da Defensoria Geral da Nação.

k)Defensores Públicos de Menores e Incapazes de Primeira Instância e Defensores Públicos Oficiais ante os Juízes e Câmaras de Apelações.

l)Defensores Auxiliares da Defensoria Geral da Nação. Integram o Ministério Público da Defesa na qualidade de funcionários os Tutores e Curadores Públicos cuja atuação a presente lei regula.

Da leitura dos artigos acima transcritos, constata-se que o Ministério Público Federal da Argentina contém duas grandes subdivisões: um Ministério Público Fiscal e um Ministério Público da Defesa.

O Ministério Público Fiscal é chefiado pelo Procurador Geral da Nação, que é o fiscal perante a Corte Suprema de Justiça da Nação. Por sua vez, o Ministério Público da Defesa tem como chefe máximo o Defensor Geral da Nação, desempenhando suas funções perante a Corte Suprema de Justiça da Nação, conforme o artigo 5º da Lei nº 24.946 (Lei Orgânica do Ministério Público da Nação).

Os dois chefes acima mencionados são escolhidos pelo Executivo, devendo a escolha ser aprovada por dois terços dos membros presentes do Legislativo, à semelhança do que se dá no Brasil. Todavia, não se exige que o dirigente seja pertencente à carreira, como ocorre aqui (art. 5º da Lei nº 24.946). Para o ingresso nos demais cargos do Ministério Público (Federal) é necessária a aprovação em "concurso público de oposición y antecedentes" [27], do qual podem participar "abogados" com experiência na advocacia, na magistratura de império ou na magistratura do Ministério Público, de 2, 4, 6 ou 8 anos, conforme o cargo de que se cuide (art. 6º da Lei nº 24.946).

No Ministério Público Fiscal se destaca, como órgão dependente da Procuração Geral da Nação, um ramo especializado denominado "Fiscalia de Investigações Administrativas", que é comandado, por sua vez, pelo Fiscal Nacional de Investigações Administrativas, de que trata o art. 3º, "b", da Lei 24.946. O procedimento para ingresso nos cargos da Fiscalia de Investigações Administrativas é o mesmo para ingresso nos demais cargos do Ministério Público.

Vê-se, portanto, que o Ministério Público Federal da Argentina adota uma estrutura que lhe possibilita atuar por todo o território do país, perante as várias instâncias do Judiciário organizado pela esfera federal de governo. Visto isso, importa, agora, mencionar algo a respeito da organização do Ministério Público nas províncias.

2.2.2 Os Ministérios Públicos das Províncias argentinas

Conquanto cumpram, basicamente, o mesmo papel do Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos das Províncias argentinas podem apresentar pequenas variações entre si e com relação àquele, no tocante à estrutura.

Para citar um exemplo de estruturação do Ministério Público em província, mais uma vez se toma o exemplo da província de Buenos Aires. Esta não dedica nenhum capítulo especial de sua Constituição ao Ministério Público, apenas a ele se referindo no artigo 189, para determinar que aquele será desempenhado pelo Procurador e pelo Subprocurador Geral da Suprema Corte de Justiça (dos quais se exige as mesmas qualidades exigidas para ser juiz da Suprema Corte – art. 177); pelos Fiscais de Câmaras, que deverão reunir as condições requeridas para ser juiz das Câmaras de Apelação; por Agentes Fiscais [28], Assessores de Menores e Defensores de Pobres e Ausentes, os quais devem reunir as condições requeridas pare ser juiz de primeira instância [29].

A organização detalhada do Ministério Público de Buenos Aires foi efetivada pela Lei 12.061, com vigência a partir de 1º de julho de 1998. Desta lei, destaca-se a previsão de sua inclusão no Poder Judiciário (art. 2º); a equiparação dos membros do Ministério Público aos do Judiciário, em termos de direitos e imunidades (art. 4º); e a previsão de partida orçamentária própria (art. 7º).

A discriminação dos cargos (membros ou órgãos) consta do artigo 9º da citada Lei Orgânica, a qual guarda correspondência com o referido art. 189, da Constituição da Província de Buenos Aires:

Art. 9º - Membros. São membros do Ministério Público:

1 O Procurador-Geral da Suprema Corte de Justiça.

2 O Subprocurador-Geral da Suprema Corte de Justiça.

3 O Fiscal do Tribunal de Cassação e o Defensor do Tribunal de Cassação.

4 Os Fiscais de Câmaras e os Defensores-Gerais Departamentais.

5 Os Adjuntos do Fiscal e Defensor do Tribunal de Cassação e dos Fiscais de Câmaras e Defensores-Gerais Departamentais.

6 Os Agentes Fiscais, os Defensores Oficiais e os Assessores de Incapazes.

7 Os Adjuntos dos Agentes Fiscais, dos Defensores Oficiais e dos Assessores de Incapazes.

Nas demais Províncias, a estrutura do Ministério Público é basicamente a mesma do Ministério Público Bonaerense, havendo apenas variações que não desnaturam o esquema geral acima visto.

O chefe do Ministério Público da Província é escolhido pelo Executivo, com a participação do Legislativo, à semelhança do que ocorre no Brasil. Para o ingresso nos demais cargos do Ministério Público na Província de Buenos Aires são exigidos os mesmos requisitos exigidos para o ingresso na carreira de Juiz, consoante dispõe o art. 10 da Lei nº 12.061. Significa que para o ingresso no Ministério Público da Província de Buenos Aires é necessária a aprovação em "concurso público de oposición y antecedentes". Nas demais Províncias, o ingresso nos cargos do Ministério Público também se dá pela via do concurso.


3 FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL E NA ARGENTINA

Doravante, serão examinadas as funções do Ministério Público em ambos os sistemas jurídicos comparados nesta pesquisa.

3.1 No Brasil

Mesmo a despeito de haver definido a função ou incumbência genérica da instituição no transcrito art. 127 ("a defesa da ordem jurídica..."), a Constituição Federal de 1988 ainda aponta, no seu art. 129, de forma não exaustiva, as funções institucionais específicas do Ministério, a saber:

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União nos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria de entidades públicas".

§§ 1º a 4º - omissis.

Vê-se do texto constitucional que as funções do Ministério Público são por este desempenhadas, ora na qualidade de órgão agente, provocador, quer pela via extrajudicial como judicial; ora como órgão interveniente, no processo judicial. Outrossim, sua atuação se dá tanto em matéria comum como em matéria criminal.

No crime, destaca-se o fato de ser o Ministério Público o titular privativo da ação penal pública. Quanto ao cível, há várias disposições legais prevendo a atuação do Ministério Público, cabendo-lhe intervir obrigatoriamente em determinadas ações, como o Mandado de Segurança, a Ação Rescisória, as ações de família, as que envolvam interesses de menores. A propósito, nos termos do art. 82, III, do Código de Processo Civil Brasileiro, cabe ao Ministério Público funcionar como fiscal da lei em todas as causas onde vislumbrar interesse público.

No Brasil, o Ministério Público, através do Procurador-Geral da República [30], exerce, ainda, as ações destinadas ao controle direto (ou abstrato) da constitucionalidade das leis federais ou estaduais em face da Constituição Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação de Inconstitucionalidade Por Omissão, Representação Interventiva e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental).

Os Procuradores-Gerais de Justiça, nos Estados, desempenham o mesmo papel, perante os Tribunais de Justiça Estaduais, visando ao controle das leis estaduais ou municipais em face das Constituições estatuais (art. 125, § 2º da Constituição Federal).

Por fim, é importante o registro da importantíssima função de ombudsman (ou de Defensor del pueblo, que é a denominação dessa instituição na Espanha e nos países de sul e centro-américa, de língua espanhola, que a adotaram) desempenhada pelo Ministério Público do Brasil, por imposição do inciso II, do art. 129, acima transcrito [31].

3.2 Na Argentina

Aqui também, pelas razões já conhecidas, impõe-se tratar do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos provinciais da Argentina em textos separados.

3.2.1 Órbita federal

Tem a Fiscalia de Investigações Administrativas uma organização destacada no Ministério Público Fiscal, sendo integrada, além do Fiscal Nacional de Investigações Administrativas, também pelos Fiscais Gerais de Investigações Administrativas, Fiscais Gerais Adjuntos e Fiscais de Investigações Administrativas. Sua função é de investigar os administradores e servidores, quanto a desvio de recursos públicos, gestão desonesta etc., bem assim, promover ações perante os órgãos do Judiciário competentes, visando à responsabilização dos culpados. Tem essa Fiscalia atribuições semelhantes a uma das funções outorgadas pela Constituição Federal do Brasil ao Ministério Público como um todo, ou seja, a de ser um órgão de controle da Administração Pública.

O restante do Ministério Público Fiscal [32] tem a finalidade de realizar as demais atribuições típicas de Ministério Público, que podem ser resumidas em fiscalizar o cumprimento da lei e defender os interesses maiores da sociedade.

Ao Ministério Público da Defesa, como se vê do texto da lei orgânica, acima transcrito, cabe exercer atribuições de advogados públicos de pobres e incapazes, função essa que, no Brasil, através da promulgação da Constituição de 05/10/1988, foi retirada do Ministério Público, dada a incompatibilidade, quase sempre, das atividades de advocacia com as de Ministério Público [33].

Essa divisão do Ministério Público argentino leva Jofré [34] a considerar o Ministério Público da Defesa (também denominado pela doutrina de "Ministério Público Pupilar", em contraposição ao Ministério Público Fiscal) como uma criação das leis argentinas, pois constitui uma superafetação do Ministério Público Fiscal. Isto porque, por exemplo, os modelos italiano e francês atribuem ao Ministério Público as faculdades que correspondem às dos fiscais, assessores de menores e defensores argentinos, mas sem recorrer à divisão que se registra nos ordenamentos da Argentina.

Mas, se por um lado o Ministério Público Federal argentino – à semelhança dos Ministérios Públicos francês e italiano – ainda acumula as funções de advogar para (defender) pobres e incapazes, pelo menos foi excluída das suas atribuições a representação Judicial da Nação, conforme se deduz da leitura do artigo 9º (Incompatibilidades) da Lei nº 24.946, que veda o exercício da advocacia e da representação de terceiros em juízo, e, especialmente, do art. 27, que é expresso nesse sentido, verbis:

Artigo 27 – Ficam excluídas das funções do Ministério Público: a representação do Estado e/ou do Fisco em juízo, assim como o assessoramento permanente ao Poder Executivo e o exercício de funções jurisdicionais. Não obstante isso, o Poder Executivo por intermédio do Ministro correspondente, poderá dirigir-se ao Procurador ou ao Defensor Geral da Nação, conforme o caso, a fim de lhes propor a emissão de instruções gerais tendentes a coordenar esforços para tornar mais efetiva a defesa da causa pública, a persecução penal e a proteção dos incapazes, inabilitados, pobres e ausentes.

Tal como no Brasil e, aliás, em qualquer lugar, o Ministério Público na Argentina tem funções extrajudiciais e judiciais, atribuições penais e não-penais. Mas difere do Brasil, porque na Argentina o Ministério Público não é o titular privativo da ação penal pública.

Diferentemente do Brasil, não há previsão na Constituição Argentina de um meio de controle concentrado (também denominado controle direto ou, ainda, controle abstrato) de constitucionalidade das leis, tendo o Ministério Público como órgão legitimado.

O Ministério Público argentino também não tem a função de ombudsman, pois já dispõe desta última instituição, sob a denominação de Defensor del Pueblo, conforme previsto no art. 86 da Constituição Argentina [35], a qual tem inclusive legitimidade para agir judicialmente na defesa de direitos fundamentais dos indivíduos (cfe. Art. 86, no seu segundo parágrafo, e o art. 43, também no segundo parágrafo, da Constituição da Nação Argentina) [36].

3.2.2 Nas Províncias

Toma-se mais uma vez o exemplo da Província de Buenos Aires, desta vez para demonstrar as funções do Ministério Público nas diversas Províncias. A Lei Orgânica do Ministério Público Bonaerense, reza, no art. 1º, o seguinte:

Art. 1º. Função. O Ministério Público é o corpo de Fiscais, Defensores Oficiais e Assessores de Incapazes que, encabeçado pelo Procurador-Geral, atua com legitimação plena em defesa dos interesses da sociedade e em resguardo da vigência equilibrada dos valores jurídicos consagrados nas disposições constitucionais e legais.

Em tal caráter, tutela o interesse público e as garantias dos habitantes, requerendo a justa aplicação da lei e do direito, seja no concernente a interesses coletivos, difusos ou individuais, devendo velar pela limitação de seu exercício abusivo ou disfuncional.

O artigo 3º da mesma lei, em paralelo com o que ocorre com o Ministério Público no âmbito federal, impõe a órgãos do Ministério Público da Província de Buenos Aires – os Defensores Oficiais – a incumbência de defender os pobres e incapazes, podendo ter advogados como colaboradores.

Impõe-se o registro de que, na órbita das Províncias, é perceptível uma resistência no sentido de não se permitir avanços do Ministério Público na área da defesa de interesses difusos e coletivos. Para ilustrar tal assertiva, cabe aqui, mais uma vez, invocar o paradigma tomado antes, ou seja, o Ministério Público da Província de Buenos Aires.

Com efeito, a Lei do citado Ministério Público, em seu art. 1º, contém a definição das funções que competem ao órgão, enquanto o conceitua conforme transcrição supra, como "o corpo de fiscais, defensores oficiais e assessores de incapazes que, encabeçado pelo procurador geral, atua com legitimação plena na defesa dos interesses da sociedade e no resguardo da vigência equilibrada dos valores jurídicos consagrados nas disposições constitucionais e legais".

Ocorre que, do texto original do citado artigo, restou vetado pelo Poder Executivo o seguinte parágrafo: "Em tal caráter, tutela o interesse público e as garantias dos habitantes, requerendo a justa aplicação da lei e do direito, seja no concernente a interesses coletivos, difusos ou individuais, devendo velar pela limitação de seu exercício abusivo ou discricionário" [37].

O Poder Executivo, não obstante reconhecesse a plena autonomia orgânica e administrativa do Ministério Público, objetou a referência aos interesses coletivos ou difusos, por entender que significaria incursionar "em matéria sumamente árdua, que deve necessariamente entender-se e compatibilizar-se com normas constitucionais e competências e faculdades atribuídas a diversos funcionários específicos, como os juízes ou tribunais no contencioso administrativo e o defensor do povo" [38].

Em suma, persiste o visível desejo, nas províncias, de não se permitir que o Ministério Público conquiste o poder de interferir com veemência em temas que envolvem interesses difusos, pois isto, decerto, redundaria em seu constante enfrentamento, sobretudo, com o próprio Poder Público, de quem iria cobrar, em favor da sociedade, prestações sociais (direitos humanos de segunda geração), políticas públicas etc.

Na tentativa inútil de dissuadir a verdadeira conotação da postura descrita - qual seja a de impedir o alargamento das atribuições do Ministério Público na seara da proteção social contra os Poderes Constituídos -, os Governos Provinciais alegam que esse papel cabe a outras instituições, como o Defensor del Pueblo e os Tribunais.

Visto por esse ângulo que se acaba de demonstrar, pode-se afirmar que o Ministério Público do Brasil encontra-se bem mais avançado do que o Argentino, posto que a instituição como um todo – ou seja, o Ministério Público da União como também o dos Estados-membros, e não apenas o Ministério Público da órbita Federal, como ocorre na Argentina – tem amplos poderes para atuar em prol de direitos coletivos e difusos da sociedade, inclusive contra o Poder Público.

As demais observações feitas a respeito do Ministério Público argentino na órbita federal são todas aplicáveis aos Ministérios Públicos nas Províncias, devendo-se apenas ressaltar que o Defensor del Pueblo só é previsto na Constituição da Nação, tendo atribuições em todo o território.


4 GARANTIAS DA INSTITUIÇÃO "MINISTÉRIO PÚBLICO" E DOS SEUS MEMBROS

Na Argentina, assim como no Brasil, cuidou-se de estatuir garantias tanto para a instituição "Ministério Público" como para os seus membros, com vistas a possibilitar uma atuação eficaz e imparcial. A seguir, aponta-se as referidas garantias, começando pelo Brasil.

4.1 No Brasil

Aqui no Brasil, as garantias do Ministério Público e de seus membros estão previstas no art. 128, da Constituição, conforme transcrição infra:

Art. 128. Omissis

§§ 1º a 4º. Omissis

"§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I – as seguintes garantias:

a)vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

b)inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, por voto de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa;

c)irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à remuneração, o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III, § 2º, I;

II – as seguintes vedações:

d)receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

e)exercer a advocacia;

f)participar de sociedade comercial, na forma da lei;

g)exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

h)exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei".

Tratou o Constituinte de 1988, também, de estabelecer como princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (§1º do art. 127) e de assegurar-lhe autonomia funcional e administrativa, a iniciativa de lei para a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares (com obrigatoriedade de provimento mediante concurso público), para fixação da política remuneratória e lei para a instituição dos planos de carreira (§2º do art. 127). Ademais, estabeleceu que o Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites da lei de diretrizes orçamentárias (§ 3º).

4.2 Na Argentina

Aqui se torna conveniente, mais uma vez, examinar separadamente as órbitas federal e provincial, como segue.

4.2.1 Órbita Federal

A atual Lei Orgânica do Ministério Público (Federal) argentino – Lei 24.946, de 11 de março de 1998, publicada no Boletim Oficial de 23/3/1998 –, no art. 1º confirma as garantias de independência, autonomia funcional e autarquia financeira da instituição, previstas no vigente art. 120 da Constituição da Nação. Além disso, nos dois primeiros dentre os três parágrafos do mesmo art. 1º, prevê a citada Lei as garantias de unidade para fins de atuação e a independência funcional dos membros da instituição, como se lê adiante:

Artigo 1º – O Ministério Público é um órgão independente, com autonomia funcional e autarquia financeira, que tem por função promover a atuação da justiça na defesa da legalidade e dos interesses gerais da sociedade.

Exerce suas funções com unidade de atuação e independência, em coordenação com as demais autoridades da República, mas sem sujeição a instruções ou diretivas emanadas de órgãos alheios à sua estrutura.

O princípio da unidade de atuação deve entender-se sem prejuízo da autonomia que corresponda como conseqüência da especificidade das funções dos fiscais, defensores e tutores ou curadores públicos, em razão dos diversos interesses que devem atender como tais.

Possui uma organização hierárquica que exige que cada membro do Ministério Público controle o desempenho dos inferiores e dos que lhe assistem, e fundamenta as faculdades e responsabilidades disciplinares que nesta lei se reconhecem aos distintos magistrados ou funcionários que o integram.

Em tais particularidades se verifica muita semelhança entre o Ministério Público do Brasil (como um todo) e o Ministério Público da Argentina (da órbita federal).

4.2.2 Nas Províncias

Nas Províncias, a matéria varia em cada Província, mas, no que concerne ao aspecto da independência, observa-se também a tendência das Províncias no sentido de assegurá-la de maneira cada vez mais ampla, ou seja, conferindo-se independência funcional aos membros, autonomia administrativa à instituição, e também financeira, esta mediante o destaque de dotações orçamentárias próprias para atender a necessidades peculiares de pessoal, material etc., além daquelas verbas do próprio Judiciário (quando neste inseridos), das quais já usufrui só pelo fato de ser parte desse Poder.

Com referência à Província de Buenos Aires, ainda tomada como paradigma dos Ministérios Públicos das províncias argentinas, veja-se o que reza a sua "Lei do Ministério Público" (Lei 12.061, sancionada em 11/12/1997, promulgada em 19/12/1997 e publicada no Boletim Oficial de 8 e 9/01/1998):

Art. 2º - Princípios. O Ministério Público é parte integrante do Poder Judiciário e goza da autonomia e independência que lhe outorga a Constituição para o devido cumprimento de sua função requerente.

Sua organização é hierárquica, e está regida pelos princípios de: unidade, indivisibilidade, flexibilidade e descentralização.

Da leitura do citado dispositivo legal, conclui-se que o Ministério Público de Buenos Aires é parte integrante do Poder Judiciário, o que por si só já lhe assegura independência em relação aos demais Poderes. Não obstante, a Constituição é enfática na outorga de autonomia e independência para o devido cumprimento de sua função requerente.

Por sua vez, os princípios da unidade, indivisibilidade, flexibilidade e descentralização visam à garantia do funcionamento imparcial e eficaz da instituição.

Há que se destacar, ainda, o artigo 4º, da mesma Lei, que equipara os membros do Ministério Público aos do Judiciário, em termos de direitos e imunidades, dando-lhes, assim, segurança para exercer com maior independência o seu papel.

Em termos de recursos, está previsto no art. 7º, da citada Lei do Ministério Público, que, além dos recursos previstos no orçamento geral do Poder Judiciário, o Ministério Público terá assinalada uma partida especial para atender os gastos que demandem o equipamento dos órgãos, capacitação de seus membros, o sustento de programas de assistência e proteção à vítima, testemunhas e incapazes e o devido cumprimento de suas funções.


CONCLUSÃO

Do quanto foi exposto, constata-se que, de modo geral, as características do Ministério Público da Argentina são semelhantes às do Ministério Público do Brasil (como um todo), sobretudo quando se toma como parâmetro o Parquet organizado e mantido na esfera federal da Argentina. Mas há diferenças marcantes que podem ser destacadas, à guisa de conclusão.

Uma característica vista no Parquet do Brasil, não encontrada no argentino, é a titularidade exclusiva da ação penal pública pelo primeiro.

Outra característica não verificada no Ministério Público Argentino e vista no do Brasil é que este tem avançado sobremaneira no que concerne à atuação em matéria não criminal. Nos dias atuais, o Ministério Público é o ente que mais atua, no Brasil, na defesa de interesses difusos e coletivos nas mais diferentes áreas, tais como no campo do trabalho e da Previdência Social, dos direitos dos consumidores, do meio ambiente, das populações indígenas, da improbidade na Administração Pública (defesa do patrimônio público e social) etc.

Também constitui característica que distingue o Ministério Público do Brasil em relação ao Parquet argentino o fato de o primeiro ser um dos principais legitimados da ação visando ao controle concentrado de constitucionalidade das leis e demais atos normativos em face da Constituição Federal. Na Argentina, apenas se verifica o controle difuso [39] da constitucionalidade das leis e atos normativos, não havendo papel a ser desempenhado pelo Ministério Público nessa área, a não ser exarar o parecer e interpor eventuais recursos no interesse público.

Mesmo a despeito de haver um órgão do Ministério Público argentino especializado no controle da Administração Pública (a Fiscalia Administrativa), não se tem notícias de uma atuação tão incisiva. O Ministério Público do Brasil, ao contrário, tem logrado o efetivo processamento e até mesmo a condenação de pessoas do mais alto escalão no cenário administrativo e político nacional, por atos (administrativos) de improbidade ou mesmo por cometimento de crimes contra a Administração Pública.

Todavia, não se pode deixar de registrar que a pouca atuação do Ministério Público argentino na parte atinente à tutela dos interesses difusos e coletivos (na esfera do direito comum ou não-penal, portanto) é, em parte, compensada com a figura do Defensor del Pueblo, que existe na Argentina mas não existe no Brasil. Neste país, as funções próprias do Defensor del Pueblo foram atribuídas ao próprio Ministério Público (especificamente no art. 129, II, da Constituição Federal).

Mas existe razão para considerar o modelo brasileiro melhor até mesmo em tal particularidade.

Com efeito, é certo que a Constituição Argentina em vigor confere ao Defensor del Pueblo até mesmo o poder de atuar judicialmente na defesa dos direitos humanos, podendo, conforme o art. 43, concorrentemente com associações que tenham finalidades semelhantes, promover a Ação de Amparo para defender os mais diferentes interesses coletivos da sociedade, tais como os relativos ao consumo e ao meio ambiente.

Entretanto, a despeito de ser inserido no Poder Legislativo, não se pode crer que o ombudsman argentino goze, concretamente, de independência - apesar de a Constituição Argentina afirmar o contrário - suficiente para lhe possibilitar o enfrentamento, sem interferências políticas, dos agentes que cometem desmandos com a coisa pública, notadamente no âmbito do Legislativo Federal, já que aquela instituição está inserida no âmbito deste Poder da Nação. O Ministério Público do Brasil, mesmo a despeito de acumular muitas outras funções mais peculiares a esse tipo de instituição, se afigura como um ótimo ombudsman, inclusive mais progressista do que o argentino, pois está razoavelmente aparelhado, em todos os sentidos, para a defesa dos interesses da sociedade, sendo menos vulnerável a interferências externas, eis que é um órgão extrapoder.

Ainda comporta afirmar a superioridade do Ministério Público do Brasil em relação ao da Argentina no fato de o primeiro possuir um perfil uniforme em todas as esferas de Governo, o que otimiza sobremaneira a atuação, sobretudo porque as investigações e as ações judiciais de um de seus órgãos, além de poderem ser realizadas conjuntamente por ramos distintos, ainda há a possibilidade de que investigações ou ações

iniciadas por um órgão sejam continuadas por outro. Ademais, o fato de o Ministério Público ter estrutura e funções uniformes em todo o território permite que a população conheça a instituição e exija, com mais freqüência, a sua atuação em defesa da sociedade.


BIBLIOGRAFIA

ARGENTINA, Leis, Decretos etc. Constitución de la Nación Argentina, de 22 ago. 1994.

______. Leis, Decretos etc. Lei nº 24.946, de 11 mar. 1998.

BECERRA, Nicolas. El Ministério Público y los nuevos desafíos de la justicia democrática. Buenos Aires: Ad-hoc, 1998, p. 31

BUENOS AIRES (Província), Leis, Decretos etc. Lei nº 12.061, de 19 dez. 1997.

BRASIL, Leis, Decretos etc. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 out. 1988.

______. Lei-Complementar nº 75, de 20 mai. 1993.

______. Lei Ordinária Federal nº 8.625, de 12 fev. 1993.

______. Lei Ordinária Federal nº 5.869, de 11 jan. 1973 (Código de Processo Civil).

DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado – Introdução. Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2000.

D’ÁVILA, Luiz Felipe. A federação brasileira, In: BASTOS, Celso [org.], Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 53-76.

DÍAZ, Carlos A. Chiara. Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni editores, 1998

GOZAINI, Osvaldo Alfredo. El defensor del pueblo (ombudsman). Buenos Aires: Ediar Sociedad Anónima Editora Comercial, Industrial y financiera, 1989.

GUASTAVINO, Elías P. Tratado de la jurisdicción administrativa y su revisión judicial. In LEX SED LVX, t. I.

LAVIÉ, Humberto Quiroga. Las constituciones latinoamericanas. México: Fondo de Cultura Económica, 1994.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho doutrina, jurisprudência, prática. São Paulo: LTr, 1998, p. 63-64.

LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

MAIORANO, Jorge Luis. El ombudsman: defensor del pueblo y de las instituciones republicanas. Tomo I. 2.ed. Buenos Aires: Ediciones Macchi, 1999.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2000.

SAAD, Eduardo Gabriel. Direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 1994.

SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

SOARES, Esther Bueno, União, Estados e Municípios, In: BASTOS, Celso [org.], Por uma nova federação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 78-95.

VIGLIAR, José Marcelo Meneses; MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. MINISTÉRIO PÚBLICO II: DEMOCRACIA. São Paulo: Atlas, 1999, p. 177-192.


Notas

01. Pois, consoante adverte Ivo Dantas, "(...) a simples descrição dos diversos sistemas jurídicos não significa que estejamos fazendo Direito Comparado". In Direito Constitucional Comparado – Introdução. Teoria e Metodologia., Rio de Janeiro-São Paulo, Renovar, 2000, p. 153.

02. LÓPES, Mario Justo, In: Mensaje a la Asamblea Del VIII Congresso Interamericano Del Ministério Público, Mar Del Plata, 1983, cit. Por GUASTAVINO, Elías P., Tratado dela jurisdicción administrativa y su revisión judicial, LEX SED LVX, Buenos Aires, t. I, pp. 146 e ss.

03. As partes transcritas entre aspas neste trecho são de DÍAZ, Carlos A. Chiara, In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 118-119.

04. In: Ministério Público II: Democracia, São Paulo: Atlas, 1999, p. 30.

05. Há na doutrina até quem veja no Ministério Público o quarto poder da República, devido à reunião de tais características. Nesse sentido, Eduardo Gabriel Saad, in: Direito Processual do Trabalho, São Paulo, LTr, 1994, p. 282. No entanto, tal afirmação é refutada pelo fato de a Constituição de 1988 haver discriminado, no art 2º, como Poderes da União, apenas o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

06. In Ministério público brasileiro e o Estado democrático de direito, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 198.

07. In Ministério Público do Trabalho doutrina, jurisprudência, prática. São Paulo: LTr, 1998, p. 63-64.

08. Cf. Sawen Filho, 1999, p. 199.

09. In: Regime jurídico do Ministério Público, 2000, p. 131-132.

10. Cf. Mazzilli, 2000, p. 128.

11. A respeito do assunto, SOARES, Esther Bueno, União, Estados e Municípios, In: BASTOS, Celso [org.], Por uma nova federação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 78-95.

12. Cf. D’ÁVILA, Luiz Felipe, A federação brasileira, In: BASTOS, Celso [org.], Por uma nova federação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, 53-76 (precisamente nas páginas 64-65).

13. Para saber mais sobre uma comparação entre as federações da América Latina, inclusive as do Brasil e Argentina, ler Lavié, 1994, p. 104-117.

14. In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 140.

15. Ler o respectivo texto, transcrito no item "1.1", supra.

16. Cf. BECERRA, Nicolas, In El Ministério Público y los nuevos desafíos de la justicia democrática, Buenos Aires, Ad-hoc, 1998, p. 31.

17. Os dois trechos destacados entre aspas são de DÍAZ, Carlos A. Chiara, In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 140 e 141, respectivamente.

18. In: Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 140-141.

19. Ver nota nº 5, supra.

20. Dispõe a Constituição Argentina, que os governos de província: "Art. 122 – Se dan sus proprias instituciones locales y se rigen por ellas. Eligen sus gobernadores, sus legisladores y demás funcionarios de provincia, sin intervención Del Gobierno federal".

21. In Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 150-151.

22. SARMIENTO GARCÍA, Jorge y otros, Derecho Público, Ediciones Ciudad Argentina, España, 1997, p. 468, citados por Díaz, In op. cit., p. 137, assinalam que: "La tesis judicialista es la mayoritaria em el Derecho Comparado provincial y también em la doctrina local – ya reseñada -. Se habla de dos ramas del Poder Judicial, una de magistrados con imperio y otra de funcionarios que tienen a su cargo las tareas propias del Ministerio Público; de que la función requirente es, en esencia, similar a la jurisdiccional; de que el Ministerio Público constituye ‘una magistratura particular del Poder Judicial, cuya función es la de auxiliar o complementar la labor del juez y determinar su acción. Si el fin de la actividad jurisdiccional no es otro que aplicar la ley a los casos sometidos a la jurisdicción y el Ministerio Público colabora en ese sentido, lógico es que goce de la misma independencia que el juez".

23. Recorde-se o comentário inserido no item "1.2", supra, a respeito da tendência centralizadora da União, no Brasil, que a distingue da Argentina, onde as Províncias têm mais autonomia. Por isso que a Constituição Federal do Brasil traça normas gerais sobre o Ministério Público, que obrigam inclusive os Estados-Membros.

24. Quanto ao Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República; e quanto aos Ministérios Públicos dos Estados, os respectivos Procuradores-Gerais de Justiça.

25. Mazzilli comenta tal imposição aos Estados-Membros, oriunda de lei federal, de normas gerais a serem seguidos para a organização dos seus Ministérios Públicos. O referido autor enxerga uma incompatibilidade dessa imposição com o Princípio Federativo (In Regime jurídico do Ministério Público, 2000, p. 424-440).

26. Tal afirmação vale apenas para o Ministério Público na órbita federal, pois a Segunda Parte da Constituição Argentina, ora comentada, disciplina apenas as "autoridades federais".

27. Esse concurso é aberto a todos os "abogados" que preencham as exigências legais, mas, em comparação com o concurso exigido no Brasil, seria semelhante a um concurso de títulos (sem provas, portanto) no qual os títulos correspondem aos "antecedentes" do candidato. A diferença em relação a um concurso de títulos do Brasil é que lá se pode fazer "oposición" aos candidatos. E além disso, o concurso é apenas para formar uma "terna" de aprovados, a qual será enviada pelo Procurador-Geral da Nação ou pelo Defensor-Geral da Nação, conforme o caso, ao Poder Executivo, a quem cabe escolher um só candidato, ficando a escolha, ainda, à mercê de aprovação pela maioria simples dos presentes do Senado.

28. A terminologia "agente fiscal" foi abandonada na Província de Santa Fé, com base no entendimento de que essa denominação – que foi substituída, simplesmente, por "fiscais" – remeteria à sua originária pertinência ao Poder Executivo (agente do Poder Executivo ante os Tribunais).

29. Salvo quanto ao cargo de Sub-procurador Geral, que não há nas outras províncias, essa é a estrutura adotada em praticamente todas as demais províncias.

30. No caso da da Ação Direta de Constitucionalidade em face da Constituição Federal a legitimidade do Procurador-Geral da República é concorrente com o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assmbléia Legislativa (de Estado), Governador de Estado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no Congresso Nacional e a Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103 da Constituição Federal). Outrossim, na Ação Declaratória de Constitucionalidade, sua legitimidade é concorrente com a do Presidente da República, a da Mesa do Senado Federal e a da Mesa da Câmara dos Deputados (art. 103, § 4º, da Constituição Federal).

31. Ou seja, a função de "zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia". Sobre a função de Defensor do Povo, do Ministério Público brasileiro, recomenda-se a leitura de Mazilli, 2000, p. 378-382.

32. Ou seja, o Ministério Público Fiscal com exclusão da Fiscalia de Investigações Administrativas.

33. No Brasil, o Ministério Público Federal fazia as vezes de Advogado da União, até que, pela Constituição de 1988, foi instituída a Advocacia Pública (Advocacia-Geral da União e Procuradorias dos Estados), ente da estrutura dos Executivos, com a finalidade de realizar esse papel. Do mesmo modo, a "(...) orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (...) foi destinada a órgão específico, a Defensoria Pública, que também integra o Poder Executivo, sendo dotado de uma estrutura peculiar prevista na Constituição e em Lei Orgânica específica, Federal (no caso da Defensoria Pública da União e da do Distrito Federal e Territórios), ou Estadual, quanto aos Estados-Membros. A Defensoria Pública se insere, assim como o Ministério Público e a Advocacia Pública, entre as denominadas Funções Essenciais à Justiça. Assim, o Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça – arts. 127 a 135 da Constituição do Brasil) compreende: a) a Seção I (Do Ministério Público – arts. 127 a 130); b) a Seção II (Da Advocacia Pública – arts. 131 e 132); e c) a Seção III (Da Advocacia e da Defensoria Pública – arts. 133 a 135). De ressaltar-se que, antes da vigência da Constituição Federal de 1988, leis federais e estaduais, atualmente derrogadas, impunham ao Ministério Público a obrigação de promover ações para necessitados, em algumas hipóteses. Aliás, ainda hoje vigora o art. 793 da Consolidação das Leis do Trabalho, que lança ao Ministério Público do Trabalho a incumbência de promover ação trabalhista em favor de trabalhador menor, entre 16 e 18 anos de idade, na falta de representantes legais deste.

34. Conforme Díaz, 1998, p. 124.

35. O Defensor do Povo da Argentina está inserido no Poder Legislativo Federal, havendo, entretanto, a expressa previsão de que se trata de órgão independente.

36. Para quem pretenda uma leitura completa sobre o ombudsman ou Defensor Del Pueblo da Argentina e de todos os demais países que o instituíram, ler Maiorano, 1999, Tomo I.

37. Cf. Díaz, in Reforma al procedimiento penal y a la organización del ministerio publico bonaerense, Buenos Aires, Rubinzal – Culzoni editores, 1998, p. 159.

38. Ibid.

39. Ou seja, aquele que o juiz exerce apenas diante de um caso concreto, valendo a decisão somente para o caso cogitado e apenas entre as partes que dele participaram.


Autor

  • Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O Ministério Público no Brasil e na Argentina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 218, 9 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4800. Acesso em: 28 abr. 2024.