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Dispensa de licitação e os limites objetivos do administrador frente o art. 24, VIII, da Lei nº 8.666/93

Dispensa de licitação e os limites objetivos do administrador frente o art. 24, VIII, da Lei nº 8.666/93

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INTRODUÇÃO

O Estado moderno passa por uma enorme transformação social e econômica, resultado das rápidas e constantes mudanças causadas num espaço de tempo limitado e que acaba afetando diretamente as estruturas e instituições modernas, gerando inúmeras incertezas quanto à eficácia destas.

O panorama sócio-econômico altera-se constantemente, repercutindo diretamente na política e no Direito. As instituições não conseguem acompanhar o ritmo frenético da sociedade atual, sendo, portanto, imperioso uma imediata redefinição do papel do Estado e de sua estrutura. Neste espectro, a Administração Pública assume especial relevo, já que cabe a ela concretizar o interesse público na prática de seus atos, possibilitando, dessa forma, a realização de uma verdadeira democracia.

Assim, é dever do Estado brasileiro e, mais especificamente, da Administração Pública pátria adaptar-se às novas circunstâncias, revendo muitos de seus conceitos tradicionais, conduzindo a novas formas de administrar a coisa pública, inserindo-se cada vez mais no campo da iniciativa privada.

A administração da "coisa pública", neste sentido, deve valer-se de novas alternativas para lidar com as crescentes exigências que surgem, expurgando antigos apegos a determinados dogmas tidos como quase "absolutos".

No entanto, a tradicional doutrina da separação dos poderes não é afetada se adaptada à nova conjuntura do direito administrativo, assim como o princípio da legalidade não será afetado, apenas toma nova feição, transformando-se em princípio da jurisdicidade. Isto e outros temas serão analisados no presente trabalho, objetivando demonstrar que a reformulação é necessária e pode surtir excelentes resultados, basta que haja vontade de refletir sobre determinadas questões anteriormente inquestionáveis.

Por isso, a Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993 será utilizada, em especial o art. 24, VIII (dispensa de licitação) que visa atender aos anseios da sociedade da melhor forma possível, munindo-se de instrumentos bastante complexos e que não raro geram problemas de interpretação. Trata-se, portanto, de tema bastante controverso no ordenamento jurídico administrativo pátrio, qual seja, a delimitação do poder discricionário aplicado aos casos concretos.

Sendo assim, a pesquisa terá como método de abordagem o dedutivo, pois a partir do estudo da norma geral consubstanciada na Lei nº 8.666/93 será realizada análise de caso específico (procedimento administrativo de dispensa de licitação, com base no art. 24, VIII da Lei nº 8.666/93) e suas peculiaridades.

Assim, poderá ser ter uma noção de todo o contexto que circunda o instituto da licitação, fazendo uso como método de procedimento o sistemático. Através do método comparativo serão realizadas comparações com diversos autores estrangeiros, mormente franceses e portugueses, como forma de propiciar comparações acerca do direito administrativo, da legislação e do instituto da licitação pátrio e seu nível de atendimento aos anseios da sociedade brasileira. Já o método monográfico permitirá uma avaliação da dispensa de licitação e os diferentes rumos que o administrador público poderá tomar frente ao mesmo artigo da Lei de Licitações.

Para tanto, o estudo versará sobre diversas questões polêmicas no direito administrativo brasileiro atual, especialmente em relação ao ato administrativo discricionário (capítulo 1) como a conceituação da legalidade e discricionariedade (item 1.1) e sua estreita relação em determinadas situações. Posteriormente, será tratado da contextualização do instituto da licitação no tempo e no espaço (item 1.2), apresentando um apanhado de normas que possibilitaram a utilização do referido instituto e sua evolução.

O próximo tema em enfoque será o regime jurídico administrativo e suas tensões, prerrogativas e sujeições (item 1.3). Nesse ponto, será abordado o direito administrativo de modo geral.

O capítulo 2 irá tratar da dispensa de licitação a partir do art. 24, VIII da Lei de Licitações (item 2.1), abordando de modo teórico a prováveis questões que envolvam a aplicação do referido artigo.

No final do capítulo haverá um tratamento doutrinário do art. 24, VIII, da Lei de Licitações (item 2.2) anteriormente analisado, retomando entendimentos acerca do tema e demonstrando diversos enfoques gerados sobre o mesmo dispositivo legal.


1. ATO DISCRICIONÁRIO E DIREITO ADMINISTRATIVO

1.1 Legalidade e Discricionariedade

Os conceitos de legalidade e da discricionariedade sempre estiveram intimamente ligados, pois aquele permeia e delimita este último. Assim, quanto maior a extensão do princípio da legalidade, menor será o campo destinado à discricionariedade.

O objetivo do presente trabalho consiste em estimular o pensamento reflexivo sobre os limites do ato discricionário no âmbito da Administração Pública, onde será utilizado o procedimento de dispensa de licitação, mais especificamente, o art. 24, VIII, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), como forma de demonstração dos limites objetivos impostos implicitamente e explicitamente pelo ordenamento jurídico ao administrador público.

Dessa forma, através do estudo do instituto da licitação (na forma dispensável) e a discricionariedade ínsita a mesma, será possível uma visão geral e prática destas questões que seguidamente surgem àqueles que lidam com a máquina estatal e os conflitos inerentes a esta atividade.

A falência do Estado Liberal no século XIX e o surgimento do Estado Democrático no início do século XX culminaram com a derrocada das antigas instituições e os conceitos antes tidos como absolutos. O Estado e sua soberania sofreram enorme relativização e as instituições tornaram-se incapazes de atender aos anseios da sociedade moderna.

Nesse processo de redefinição do papel estatal, houve a necessidade de se redefinir o papel da Administração Pública e de todos os instrumentos a ela pertinentes. Nessa esteira, importante mencionar BUCCI (2002, p. 02) que atesta que a transferência de parte dos serviços públicos à iniciativa privada exige uma nova configuração das formas de relacionamento da Administração com aqueles que passaram a se ocupar dela, através do regime de concessões de serviços públicos, bem como formas de descentralização e desconcentração de atividades, etc.; no intuito de rever a nova tarefa do direito administrativo frente à nova ordem social.

Conceitos do direito administrativo, tais como legalidade e discricionariedade não podem mais ser vistos como a doutrina outrora os caracterizava. Praticamente todos os conceitos existentes na Administração Pública sofreram algum redimensionamento. Apesar da relutância de alguns operadores do direito, arraigados aos termos que por muito tempo pareciam intransponíveis, não há possibilidade de qualquer eficácia prática, hoje, na aplicação do direito administrativo, sem um enfoque atinente ao mundo circundante e seu enorme espectro de novas e diferentes relações.

A complexidade do assunto enseja conhecimentos do direito administrativo, pois este ramo específico do direito, conforme assevera DI PIETRO (1991, p. 24)

(...) criou princípios e institutos que derrogaram em grande parte postulados básicos do individualismo jurídico: o reconhecimento de privilégios para a Administração opõe-se ao ideal da igualdade de todos perante a lei; a criação pelo Estado, de entidades públicas e privadas, com personalidade jurídica própria, coloca intermediários entre o Estado e o indivíduo, (...) O rol de atividades assumidas pelo Estado como serviço público cresceu de tal modo que, ao abranger atividades de natureza social e econômica, antes reservadas aos particulares, levou a uma crise da noção de serviço público. Isto porque o Estado passou a transferir a execução de grande parte dessas atividades a particulares, por meio de concessão de serviços públicos e, posteriormente, mediante a criação de sociedades de economia mista e empresas públicas, para execução sob regime jurídico predominantemente privado. (grifo nosso)

Legalidade, discricionariedade, mérito, ato, vinculação, enfim, todos aqueles termos do direito administrativo carecem de imediata reformulação. Apesar de grande parte, da doutrina, entender que a discricionariedade restringida ao máximo, no intuito de impedir prováveis fraudes ao erário público. Infelizmente tais medidas não correspondem à tendência atual, pois as relações tornam-se cada vez mais complexas e inalcançáveis ao legislador, exigindo maior flexibilidade e fiscalização principiológica.

Nessa esteira, DI PIETRO (1991, p. 27)

Sob a influência do positivismo jurídico, o princípio da legalidade a que se submete a Administração Pública passou a ser visto de forma diversa. Enquanto no Estado de Direito liberal se reconhecia à Administração ampla discricionariedade no espaço livre deixado pela lei, significando que ela pode fazer tudo o que a lei não proíbe, no Estado de Direito social a vinculação à lei passou a abranger toda a atividade administrativa; o princípio da legalidade ganhou sentido novo, significando que a Administração só pode fazer o que a lei permite. Kelsen e seus seguidores não podiam conceber uma Administração Pública desvinculada da lei; a própria discricionariedade tinha que ser explicada dentro do sistema jurídico, ou seja, como poder emanado da norma legal.

Parece que muitos autores ainda vêem a discricionariedade como forma disfarçada de arbitrariedade. Contudo, diante dos inúmeros meios de controle da legalidade que se apresentam hoje, mesmo no exercício da discricionariedade verificam-se limites impostos pelos princípios constitucionalmente reconhecidos e positivados pelo Estatuto Político de 1988. Veja-se que não há como o administrador utilizar-se da anteriormente denominada "margem de apreciação subjetiva", para satisfazer seus próprios interesses, pois sempre estará submetido aos princípios informadores do direito em geral, do direito administrativo e mais especificamente aos princípios que regem o procedimento licitatório.

Dentre os seguidores de Hans Kelsen, no direito administrativo e falando do princípio da jurisdicidade da Administração, MERKEL apud DI PIETRO (1991, p. 27)

(...) toda ação administrativa concreta, se quer ter-se a certeza de que realmente se trata de uma ação administrativa, deverá ser examinada sob o ponto de vista de sua relação com o ordenamento jurídico. Só na medida em que possa ser referida a um preceito jurídico ou, partindo do preceito jurídico, possa derivar dele, manifesta-se essa ação como função jurídica, como aplicação do direito e, devido à circunstância de que esse preceito jurídico tem que ser aplicado por um órgão administrativo, mostra-se como ação administrativa.

Conforme será tratado durante todo este trabalho, a idéia ultrapassada de que discricionariedade seja mera arbitrariedade ou juízos subjetivos desvinculados de qualquer norma ou ainda um "poder" exercido aleatoriamente pelo administrador; deve ser descartada.

Em sentido contrário, alguns autores como Eduardo Garcia de Enterría, Tomás-Ramóm Fernández, Marcello Caetano, Martin Bullinger, Walter Campaz, dentre outros, que (...) concebem a discricionariedade sob um "critério formal ou negativo", ou seja, como um poder conferido à Administração para que esta opte por uma dentre várias soluções igualmente válidas perante a lei, sem que essa liberdade esteja condicionada a qualquer fim legal. (LUCIAN, 2003)

Entretanto, não cabem mais no atual e moderno ordenamento jurídico constitucionalizado, tais assertivas. Do contrário, não seria necessário que o legislador dispusesse discrição ao administrador, pois este não estando submetido à finalidade pública de seu ato poderia realizar todo tipo de arbítrio (simplesmente por atender a estrita legalidade do ato), sem perquerir a real motivação que deu enseja a prática do ato administrativo.

Por isso, o princípio da finalidade constitui marco fundamental no controle da legalidade. É através dele que, mesmo sob as mais variadas possibilidades ofertadas ao administrador público, este ainda deverá cumprir os objetivos atinentes ao interesse público, nada mais nada menos do que isso.

Salienta-se, que os autores supracitados não concebem liberdade irrestrita ao administrador durante o exercício do poder discricionário, mas liberdade de escolha dentro dos ditames da lei, quando essa ensejar duas ou mais soluções em relação a determinado caso concreto. Esta, sem dúvida é o melhor entendimento.

Celso Antonio Bandeira de Mello e Juarez Freitas apresentam entendimentos reformulados, diferente da antiga distinção entre legalidade e discricionariedade, considerando que a discricionariedade administrativa deva ser inserida em um sistema jurídico representado por regras, normas e princípios; estando sempre vinculada. (MELLO, 1988)

Dessa forma, mesmo um ato discricionário, segundo Bandeira de Mello, possuirá margem de vinculação. Não existe, segundo o mestre administrativista, um sistema puro entre ato vinculado e discricionário.

Principalmente no que concerne aos princípios, à vinculação da discricionariedade sempre existirá, pois o direito deixou de ser direito por regras transformando-se em direito por princípios ou direito constitucionalizado, onde a Constituição e os princípios elencados nela são o verdadeiro norte a ser seguido pela Administração Pública, muito mais do que meras leis.

O princípio da legalidade passa a ter nova feição através do princípio da jurisdicidade, ou seja, não basta que o ato seja legal, deve ser justo também, adequado à finalidade legal que lhe deu ensejo, sob pena de ser anulado, revogado ou convalidado.

Segundo a teoria tradicional do direito administrativo, anulação ocorre quando o Poder Judiciário verifica a ocorrência de vício de legalidade. Na revogação e convalidação há controle interno efetuado pela própria Administração Pública.

A Constituição da República apresenta especial importância no Estado Democrático de Direito, já que constitui a maior e mais completa "norma jurídica" a ser respeitada. Neste sentido, é ela a Lei Maior, de observância obrigatória pelo administrador público em todas e quaisquer decisões suas.

Para melhor elucidação da legalidade e discricionariedade administrativa, é conveniente dissertar acerca do procedimento de licitação, pois através do estudo deste instituto será possível uma melhor visualização prática desta dicotomia entre o legal e o discricionário, entre o vinculado e a margem de apreciação subjetiva.

1.2 A contextualização do Instituto da Licitação

As raízes do procedimento licitatório advêm do direito romano, e desde àquela época, já objetivava resguardar o interesse de toda a coletividade neste processo a fim de evitar-se o conluio dos participantes e prováveis prejuízos advindos deste tipo de conduta.

O instituto da licitação, desde os primórdios, visava afastar toda e qualquer desigualdade entre os concorrentes concomitantemente à busca da melhor proposta de negócio para a Administração Pública. É anterior, assim, até mesmo ao conceito de direito administrativo, que somente teve início no século XIX na França.

Acerca do direito administrativo francês, donde o direito administrativo brasileiro teve forte influência, é interessante saber sobre sua jurisdição administrativa.

Esta foi caracterizada por ser independente da jurisdição comum ou judicial, com Tribunais Administrativos autônomos, decidindo sobre todas as questões não contenciosas versadas no âmbito das funções administrativas e sem qualquer ingerência do Poder Judiciário. Nesta senda, cabe esposar entendimento sobre a estrutura do direito administrativo francês e seu grau de independência frente o Judiciário. Na França, segundo DI PIETRO (1991, p. 11-12-19).

A Administração, como hoje entendemos, quer em seu sentido subjetivo (conjunto de pessoas que exercem a função administrativa do Estado), quer em sentido objetivo (atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos), somente se estruturou a partir da formação do Estado de Direito que, trazendo em seu bojo o princípio da separação de poderes, tornou bem nítida a distinção entre as três funções do Estado, limitou o exercício do poder e proclamou e garantiu os direitos fundamentais do homem, dentre os quais a igualdade e a liberdade. (...) A primeira etapa do Estado moderno é conhecida como Estado de Polícia, em que a forma de Governo adotada é a monarquia absoluta. A segunda etapa corresponde ao surgimento do Estado de Direito. Segundo MERKL (1980, p.92-3) em seu ensaio Teoria general del derecho administrativo, "o Estado de Polícia se apresenta como aquele cuja administração se acha legalmente incondicionada, enquanto o Estado de Direito oferece uma administração condicionada legalmente." (...) Pode-se afirmar que a discricionariedade, nesse período não era vista como um poder jurídico, mas como poder político.

Portanto, de acordo com aquela teoria tradicional que estabelecia o ato administrativo discricionário não como poder jurídico, mas como mero poder político, este estava imune a qualquer apreciação do Poder Judiciário.

Como o direito administrativo francês influenciou enormemente o direito administrativo pátrio, é possível pode-se notar a falta de tratamento em diversas matérias de grande relevância a este ramo do direito, como a quase ausência de normas que disciplinem o procedimento licitatório, assim como a falta de delimitação da discricionariedade administrativa. O resultado disso foi à equivocada forma que considerava a discricionariedade, mero poder político e não poder jurídico. Isto ainda é perceptível quando da análise da legislação administrativa brasileira.

Portanto, até bem pouco tempo a regra no direito administrativo brasileiro era da arbitrariedade camuflada pela discricionariedade impermeável, intocável pelo Poder Judiciário, o que gerava grandes abusos por muitas pretensas autoridades.

Somente após a discussão do tema no direito francês, é que começou a ser questionada a impenetrável decisão administrativa. Neste sentido, importante a informação de JUSTEN (2003, p. 21-2) sobre a jurisdição francesa e sua evolução:

A crescente atividade administrativa para servir aos interesses dos cidadãos colocou uma outra problemática para os doutrinadores e operadores do direito: a delimitação do campo de aplicação de regras de direito administrativo, e, mais ainda, a delimitação da competência do contencioso administrativo a cargo do Conselho de Estado.

No início do século XIX, a primeira fase da jurisdição administrativa francesa, muitos autores franceses falavam em poder gracioso em oposição ao poder contencioso. Com relação ao primeiro somente os Tribunais administrativos e a própria Administração Pública podiam se manifestar, já em relação ao segundo, cabia controle judicial. Dentre estes autores destaca-se Chaveau, que entendia o poder gracioso como de interesse dos agentes administrativos e não da coletividade (ou administrados). Nesta linha, era evidente a enorme amplitude dada ao poder discricionário, sem que o Judiciário e o Legislativo pudessem exercer qualquer controle, o que contribuía enormemente à prática do conluio e do arbítrio.

Todavia, a Jurisprudência francesa influenciou enormemente no direito administrativo daquele país, gradativamente aumentando o controle sobre os atos administrativos discricionários, originando entendimentos acerca da total apreciação dos atos dos agentes públicos pelos tribunais administrativos. Portanto, apenas inicialmente os atos provenientes da Administração Pública da França gozavam de ampla liberdade de atuação, pois o controle destes pelos tribunais administrativos efetivou-se sobre toda atividade administrativa, exercendo um irrestrito controle após aquela primeira fase (JUSTEN, 2003, p. 23-4).

No Brasil, o primeiro instrumento normativo que regula a licitação somente foi editado já em pleno século XX, com o Código de Contabilidade Pública da União de 1922, seguido do Decreto nº 200/67, Lei nº 5.456/68, Lei nº 6.946/81, Decreto nº 2.300/86 e Decreto nº 2.360/87, o que tornava este instituto de fácil aplicabilidade, porém com amplo espaço para o exercício da discricionariedade, o que por vezes gerava abusos e muitas vezes aplicações de má fé. Assim, em decorrência do número crescente de aquisição de bens e contratação de serviços, a legislação sofrera constantes alterações e passou a ser mais rigorosa no que diz respeito à licitação.

Cabe esposar, a conceituação de licitação segundo MUKAI (1999, p. 01) senão vejamos:

A licitação significa um cotejo de ofertas (propostas), feitas por particulares ao Poder Público, visando a execução de uma obra, a prestação de um serviço, um fornecimento ou mesmo uma alienação pela Administração, donde se há de escolher aquela (proposta) que maior vantagem oferecer, mediante um procedimento administrativo regrado, que proporcione tratamento igualitário aos proponentes, findo o qual poderá ser contratado aquele que tiver oferecido a melhor proposta.

No entanto, o aludido doutrinador estabelece interpretação restritiva, quando aduz que o procedimento de licitação somente ocorra entre particulares e Poder Público. Ora, a própria Lei de Licitações estabelece a possibilidade de instauração de licitação em contratações entre as diversas entidades e órgãos pertencentes à Administração.

O entendimento de MEIRELLES (2001, p. 225-6-7) segue a mesma linha de pensamento, sem, contudo, restringir a incidência de licitação a particulares contratantes com a Administração Pública, senão vejamos:

Licitação é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o conseqüente lógico da licitação. Mas esta, observa-se, é apenas um procedimento administrativo preparatório do futuro ajuste, de modo que não confere ao vencedor nenhum direito ao contrato, apenas uma expectativa de direito. Realmente, concluída a licitação, não fica a Administração obrigada a celebrar o contrato, mas se o fizer, há de ser com o proponente vencedor. É o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.

Segundo MOTTA COELHO (1994, p. 21): "A palavra licitação comporta vários significados. Quer-nos parecer que quase todos estão ligados à idéia central de oferecer, arrematar, fazer preço sobre a coisa, disputar ou concorrer".

Carlos Pinto Coelho Motta atenta para a relevância do "aspecto principiológico", como informador dos atos administrativos no procedimento licitatório e como "a meta da eficácia"; assim dispondo:

Pela primeira vez na história constitucional, temos um artigo – o art. 37 da Constituição de 1988 – destinado a submeter à Administração Pública direta, indireta e fundacional aos clássicos princípios do direito administrativo: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade. Estes princípios norteiam a totalidade da atividade administrativa e os dispositivos das leis infraconstitucionais específicas não fazem mais do que indicar as formas e caminhos de sua realização.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, à União coube legislar, privativamente, em matéria de licitação. Entretanto, tal competência deveria restringir-se apenas a emitir normas gerais sobre o assunto.

Residualmente, caberia aos Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecer regras específicas sobre licitação, mas devido à União ter adentrado em pormenores quando da feitura da Lei 8.666/93, que regulamentou o art. 22, XXVII da Constituição Federal, isto restou prejudicado.

Para FRIEDE (1998, p.98-101) existem inúmeros princípios (constitucionais, específicos e correlatos) que regem a atividade administrativa, positivados e não positivados, mas que constituem importante instrumento de limitação da discricionariedade e meio de realização de uma democracia participativa e transparente. Nessa mesma linha cabe citar outros, tais como: probidade administrativa; vinculação à proposta; proibição de exigências irrazoáveis; garantia de qualificação técnica e econômica; cumprimento da obrigação; isonomia; julgamento objetivo, participação popular; direito de defesa; responsabilização do servidor; necessidade de fundamentação (art. 93, X, CF/88).

Assim, a discricionariedade administrativa deve ser concebida como forma de integração e complementação do ordenamento jurídico-constitucional, afastando-se a antiga concepção que atribuía à discrição o poder ilimitado, campo propício ao arbítrio.

Os entendimentos doutrinários, jurisprudenciais e até mesmo legislativos apontam para um controle de todo e qualquer ato administrativo, seja vinculado ou discricionário. O controle social é a regra do novo direito administrativo e a ele nenhum ato está imune, nem mesmo aquele vinculado, sob a égide da lei, pois se não atingir a finalidade legal poderá ser controlado.

É certo que todo ato vinculado possui alguma margem de discricionariedade em seu bojo. Assim como todo ato discricionário possuem margem de vinculação.

O ato administrativo apresenta cinco elementos: sujeito, objeto ou conteúdo, forma, motivo e finalidade. Em relação ao sujeito não há qualquer margem para atuação discricionária. Já em relação ao conteúdo muitos entendem existir hipóteses de vinculação e de discricionariedade. Há também muita divergência doutrinária acerca da forma, havendo entendimentos favoráveis a existência de discricionariedade (muitos entendem que o formalismo não necessariamente significa submissão à lei). Em relação ao motivo da prática do ato administrativo, toda doutrina brasileira entende haver possibilidade de discricionariedade.

Mas em relação à finalidade muitos entendem que há pura discricionariedade, pois o administrador está jungido apenas a conceitos gerais como interesse público e moralidade, possuindo ampla margem de liberdade. No entanto, outros doutrinadores entendem que há ínsita vinculação à finalidade do ato administrativo, pelo fato do agente público ou administrador estar sempre vinculado ao alcance do máximo interesse público, da melhor solução à sociedade.

Neste diapasão, o exercício da discricionariedade ocorre através do mérito administrativo mediante juízo de oportunidade e conveniência. Representa, portanto, aquele campo que somente toma forma de ato quando aplicado ao caso concreto, por isso, de difícil apreciação pelo Poder Judiciário ou mesmo pelo Tribunal de Contas.

Tais asserções suscitam muitas dúvidas em relação à discricionariedade dentro do conceito do próprio ato administrativo, o que denota a complexidade do assunto. Para tanto, cabe também, saber acerca do regime jurídico administrativo e a constante e aparente ambigüidade, tratados no próximo item.

1.3 Regime Jurídico Administrativo e Sua Tensão: prerrogativas e sujeições

O professor DALLARI (1997, p. 01) sintetiza como funciona a Administração Pública brasileira, asseverando que:

(...) a Administração Pública se movimenta dentro de um conjunto de princípios e normas que, paradoxalmente, ao mesmo tempo que, lhe asseguram privilégios e prerrogativas, impõem limites e restrições inexistentes para os particulares.

A Administração Pública e, conseqüentemente, o direito administrativo, possuem este aspecto dualista: a manutenção da ordem social e o respeito às liberdades individuais. Apesar, da enorme dificuldade de coexistência destes princípios, aparentemente antagônicos, ainda assim deve ser o ideal de todo Estado Democrático de Direito e sem dúvida, constitui seu maior desafio.

Esta dicotomia resulta da própria essência do ser humano, neste sentido relevante asserção faz OMMATI (2004, p. 17):

Num Estado Democrático de Direito, em que, claro, deve haver governantes utilizando-se de poder para garantir uma administração realmente voltada para os administrados, a necessidade de uma medida para o uso desse poder faz-se ainda mais necessária. Todo poder tende a transformar maleficamente o ser humano, viciando-o. A consciência humana ainda está longe de se acostumar ao uso do poder.

O administrador, no exercício do poder discricionário, deve atender aos anseios da coletividade, estando sempre submetido à realização do interesse público. As leis servem para estabelecer os limites do exercício desta margem de livre apreciação (quando a discricionariedade é concedida deliberadamente pelo legislador), mas os verdadeiros norteadores da atividade da Administração serão os princípios constitucionais e administrativos. Estes limitarão de modo eficaz a discricionariedade administrativa (muito mais do que simples leis positivadas), devendo ser aplicados através de um estudo sistematizado, diante do caso concreto, à luz da melhor hermenêutica.

A hermenêutica jurídica constitui importantíssimo instrumento de todo e qualquer intérprete da lei; entretanto, poucos juristas fazem uso deste procedimento de interpretação, o que resulta em inúmeras decisões alheias à realidade social, formalismos sem qualquer comprometimento com a sociedade, portanto, inúteis no ponto de vista prático.

Conforme explica, MAXIMILIANO (2003, p. 08) "A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito".

As leis positivas são formuladas em termos gerais, abstratos, donde se retira a idéia do texto legal e se aplica ao caso concreto. Diante das peculiaridades e fatores sociais da situação concreta será alterada a aplicação da norma de modo a auferir a máxima adequação com o sistema jurídico.

Tais concepções avolumam-se numa sociedade moderna, onde o aplicador da lei deve estar sempre atento aos anseios da coletividade, de modo a satisfazer o interesse público. Dessa forma, em um Estado Democrático de Direito, deve ser expurgados os formalismos, dogmatismos ou outros instrumentos que desfigurem a realidade. A realização e concretização de uma efetiva democracia é responsabilidade daqueles que aplicam as leis (seja do administrador, seja do juiz) assim como dos que as elaboram (legislador) e também da sociedade, como agente fiscalizador de todas estas ações do Estado.

Continua o mesmo autor:

Graças ao conhecimento dos princípios que determinam a correlação entre as leis dos diferentes tempos e lugares, sabe-se qual o complexo de regras em que se enquadra um caso concreto. Estrema-se do conjunto a que parece aplicável ao fato. O trabalho não está ainda concluído. Toda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o sentido e o alcance das suas prescrições.Incumbe ao intérprete aquela difícil tarefa. Procede à análise e também à reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto; compara-os com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica, e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta. (MAXIMILIANO, 2003, p. 08)

Em que pese o elevado grau de abstração dos princípios, torná-los exeqüíveis ao caso concreto, como já mencionado, cabe a boa hermenêutica jurídica uma interpretação comprometida com a efetividade destes conceitos excessivamente gerais, mas que possuem vital importância ao Direito (especialmente em sede de discricionariedade), exatamente pela grande generalidade (e aplicabilidade prática) que possuem.

Neste sentido, analisando-se questão específica da concretização dos princípios constitucionais e sua eficácia prática, assevera FREITAS (1995, p. 43):

O Direito existe para que sejam alcançadas e viabilizadas concretizações de princípios e valores, que dele necessitam para receber o apoio para que se façam eficazes e efetivos, num determinado contexto histórico.

Apesar de todas estas normas atinentes ao Instituto da licitação, ainda assim, existiam inúmeras irregularidades e divergências quanto à aplicação das mesmas.

Dessa forma, foi editada a Lei nº 8.666/93, norma de extrema relevância àqueles que lidam com o erário público, e que prevê longas etapas destinadas à contratação com a Administração, com profusão de documentos a comprovar a legalidade e legitimidade dos atos, gerando, em conseqüência, uma lentidão do Estado no provimento de suas necessidades administrativas.

É sabido que em determinadas situações, não há tempo para que o administrador siga todo o procedimento da Lei de Licitações, sob pena de desatender ao interesse público, sendo assim, o próprio legislador estabeleceu expressamente determinados casos (exceções) onde não há imposição de realização do certame licitatório.

Assim, o regramento das licitações e contratos administrativos prevê que em determinadas situações, o Administrador Público possa (poder discricionário) e/ou deva (poder vinculado) dispensar os procedimentos licitatórios, atendendo de tal sorte as necessidades que se apresentam conforme a situação enfrentada (decisões imediatas).

A hipótese onde cabe ao administrador avaliar discricionariamente a necessidade ou não da realização do procedimento de licitação está inserta no art. 24 e demais incisos da Lei de Licitações. Já na hipótese em que o administrador deve não proceder à licitação enquadra-se no art. 25 e incisos do mesmo diploma legal.

Cabe salientar, que logo após a promulgação da Lei de licitações ou Lei nº 8.666/93, esta passou por diversas alterações pela Lei nº 8.880/94, Decreto nº 1.070/94, Lei nº 9.032/95, Lei nº 9.648/98 e Lei nº 9.854/99 e recentemente pela Lei nº 10.520/02; e apesar de ser considerada como grande avanço pela imensa maioria da doutrina, ainda assim, sofre constantes críticas, principalmente quanto a sua aplicabilidade, como assevera DALLARI (1997, p. 05-6):

Na prática das licitações o que se observa é que, muitas vezes (por má-fé ou ignorância), a regularidade do procedimento é questionada por interpretações literais ou "burocráticas", no pior sentido desse termo. A isso se presta uma legislação detalhista, minuciosa e pretensiosamente completa. (...) A evolução econômica não foi acompanhada pelas instituições, advindo daí o desajustamento, a morosidade ou o emperramento da máquina administrativa. (...) A realização de uma licitação não é garantia última e definitiva da probidade administrativa. Para quem objetiva auferir proveitos indevidos de uma contratação administrativa, em lugar da simples dispensa de licitação, é muito mais conveniente e mais seguro articular um procedimento viciado, manipulado, dirigido. É preciso melhorar, e muito, os mecanismos de controle, especialmente aqueles que possam ser utilizados diretamente pelos cidadãos.

A pretensão de prever todas as situações relativas ao processo de licitação certamente não foi o intuito do legislador quando da feitura da Lei nº 8.666/93, pois na própria norma existem hipóteses de discricionariedade concedidas expressamente pelo Poder legislativo, a exemplo do art. 24 e incisos do diploma legal em comento.

Assim, em que pese o excessivo apego pelas leis, hoje a principiologia aliada da hermenêutica e lastreada pela razoabilidade constituem os meios mais eficientes de realização da norma ápice do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a Constituição Federal da República de 1988.

O Estado moderno necessita de novos meios de realização de suas promessas, conforme dispõe CAETANO (2001, p. 07) o exercício da Administração Pública atual exige diversos meios eficazes para a realização da boa administração:

Mas a própria complexidade do Estado moderno, que chamou para si o papel da criação do Direito, subordinado a acção de todos os órgãos á legalidade, e na aplicação das leis conferiu independência à função judiciária, implica problemas particulares na formulação da teoria da sua administração pública.

A fiscalização e controle dos entre os três poderes constitui requisito básico para que a Administração Pública e o próprio Estado contemporâneo funcionem adequadamente, diante das novas exigências e da nova ordem mundial globalizada.

Neste mesmo sentido, segue CAETANO (2001, p. 14-5):

O que hoje se chama administração pública é um sistema de órgãos do Estado e de pessoas colectivas que com ele cooperam por força da lei na satisfação das necessidades colectivas. Ora, esse sistema está longe de actuar no sector restrito da função executiva do Direito mediante o uso exclusivo da via administrativa. Ele visa, é certo, a execução do Direito pela via administrativa: mas não muitas vezes actua também pela via jurisdicional, como a sua ação decorre em larga medida nos campos das funções política e técnica. Para além da execução do Direito, existe na administração pública uma zona metajurídica de atividade política e técnica em que os órgãos administrativos se movem com liberdadede, consoante as conveniências e oportunidades inspiram ou as regras de da eficácia determinam. (grifo nosso)

Essa zona de metajurídica mencionada por Marcello Caetano consiste exatamente no caso concreto que será esposado no capítulo 2 deste trabalho, qual seja, o art. 24, VIII da Lei nº 8.666/93 (Dispensa de Licitação).

A Administração Pública poderá contratar diretamente sem licitação, baseada na Lei nº 8.666/93, contudo, como já mencionado, sempre estará limitada ao expressamente permitido pela lei. Este é o objetivo do presente trabalho, o de sistematizar de forma objetiva o ato discricionário administrativo e sua escolha pelos pressupostos legais.

Neste prisma, verifica-se que art. 3º da Lei de Licitações inseriu todos aqueles princípios constitucionais, anteriormente mencionados, e que servem de valioso instrumento de limitação da discricionariedade no âmbito das funções administrativas, assim dispondo:

Art. 3º - A licitação destina-se a garantir a isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Nesta senda, os antigos "temores" do direito administrativo devem ser revistos, tais como: a ingerência de um poder sobre o outro ou da discricionariedade como zona propícia ao arbítrio e da incerteza, pois o contexto atual não admite mais dogmas e estruturas estandardizadas.


2. DISPENSA DE LICITAÇÃO

2.1 Dispensa de Licitação a partir do art. 24, VIII da Lei nº 8.666/93

Dos conceitos esposados anteriormente, pode-se concluir que, no espectro da legislação brasileira, licitação constitui importante instrumento jurídico, de atendimento às formas de um processo administrativo regular, sendo gerenciada por uma seqüência de atos e etapas, visando à seleção de um fornecedor de bens e/ou serviços, com fito de atender as necessidades da Administração Pública.

Convém saber quais os principais artigos presentes no Estatuto Político que dispõem sobre o procedimento licitatório:

"Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte:

(...)

IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Art. 175 – Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Outros princípios e normas constitucionais, apesar de possuírem caráter geral, também se aplicam direta ou indiretamente às licitações e contratos administrativos, tais como:

Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

(...)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes;

(...)

LXI – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem;

Art. 37 -

(...)

XXI -

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagem que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Art. 195 -

(...)

§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios."

Estando tal procedimento vinculado à lei, afasta-se de plano a discricionariedade quando da execução de uma competição em condições normais. Entretanto, não podendo o Administrador ficar engessado quando da satisfação das necessidades administrativas, tratou a própria lei de conceder-lhe poderes discricionários para cuidar dos casos excepcionais, adstritos às hipóteses do artigo 24 da Lei de regência (8.666/93).

O presente trabalho pretende enfocar o art. 24, VIII, da Lei de Licitações como forma de análise do ato discricionário e seus limites face ao princípio da legalidade e seus diversos enfoques. Neste aspecto, parece que o direito administrativo apresenta um elevado grau de divergências quanto à questão teórico-prática, e este artigo em comento oferece uma visão geral desta problemática no âmbito da Administração.

Neste ponto reside o tema central deste trabalho, que pretende discorrer acerca da limitação do poder discricionário, já que o próprio texto legal não estabelece um parâmetro exato.

Para tanto, há que se perquirir sobre os princípios gerais de Direito e, em especial, os princípios basilares do direito administrativo, tais como: da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo (art. 3º, lei 8.666/93) dentre outros princípios específicos da licitação.

Apesar do art. 3º, antes referido, não mencionar o princípio da razoabilidade, este também é importante aliado do administrador no trato da Lei de Licitações. Assim como o princípio da eficiência, recentemente inserido na Carta Política, mediante EC nº 19/98 e que consiste em importante instrumento de limitação à atuação da Administração Pública e auxilia nos julgamentos do ato praticado sob o standard da discricionariedade.

Dentre todos estes princípios, o da legalidade assume maior relevo, pois a Administração Pública tem que obedecer a normas legais de direito administrativo, não podendo afastar-se de tais ditames. Por isso todo e qualquer agente da máquina estatal somente poderá fazer aquilo que a lei admitir, enquanto que, de maneira inversa, no direito privado a regra é a de seja possível fazer tudo quanto à lei não proíba.

Na dispensa de licitação, vale dizer, contratar diretamente, o administrador continua adstrito aos princípios enumerados anteriormente, sem prejuízo de justificar (motivação do ato de dispensa). Verifica-se, portanto, que assim agindo, o administrador estará submetido a um procedimento sucinto (semelhante ao próprio procedimento de licitação) onde estará sempre vinculado ao atendimento do interesse público.

A dispensa de licitação, portanto, não deve ser confundida com arbitrariedade, mas aquela margem de atuação do agente administrativo, prevista pelo legislador, consubstanciada na escolha de qual solução tomar em determinados casos frente à Lei nº 8.666/93, e que permite diferentes leituras ou interpretações acerca desta discricionariedade administrativa e sua aplicação aos casos concretos.

Neste passo e em face ao princípio da eficiência, há necessidade do abandono dos formalismos inúteis e sem efeito prático. Por isso, é fundamental o pensamento de NIEBUHR (2003, p. 19) acerca da aplicabilidade imediata dos princípios através de uma "(...) corrente teórica principiológica, que sustenta a normatividade dos princípios jurídicos e normas programáticas, capazes de por si sós, produzirem direitos subjetivos."

Como bem assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, os princípios representam o ápice de um sistema, verdadeiro alicerce, disposição fundamental, que se irradia sobre diferentes normas moldando o pensamento e estipulando critérios para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, dando harmonia a todo o sistema. Sendo assim, violar um princípio consiste em violação de todo um conjunto, não somente de regras. (MELLO, 2005)

Dessa forma, a discricionariedade administrativa é a prerrogativa legal traduzida pela margem de atuação dos agentes públicos, onde a interpretação sistemática, lastreada nos princípios informadores dos contratos administrativos e da licitação, pode proporcionar o melhor atendimento da finalidade pública.

A administrativista DI PIETRO (1991, p. 09-12) expõe de modo prático e sucinto qual o verdadeiro papel da Administração e da utilização da discricionariedade como forma de realizar direitos subjetivos dos administrados.

Nesse contexto, tem-se que a doutrina denomina de mérito administrativo, que é justamente a valoração das circunstâncias presentes à situação concreta, na qual a legislação fornece aos agentes públicos um ampliado leque de atuação.

Isto significa dizer que, quando a lei proporcionar esta lacuna a ser preenchida pelos agentes administrativos, estes, ao praticarem o ato administrativo, deverão atender à conveniência da prática de tal ato, bem como a oportunidade na realização do mesmo, devendo, além disso, respeitar à finalidade do ato. Ou seja, mesmo no exercício desta discricionariedade o administrador sempre deverá estar adstrito à finalidade de seu ato, que é o interesse público. Discricionariedade não é sinônimo de arbitrariedade, mas apenas um mecanismo que se vale à administração pública para se adequar melhor às situações concretas e excepcionais.

Neste sentido, DI PIETRO (1991, p. 10):

(...) o estudo da discricionariedade tem que ser paralelo ao do princípio da legalidade; de maneira como este é encarado influirá sobre a extensão da discricionariedade. Quando a lei é vista dentro de um sistema lógico-jurídico, despido de qualquer conteúdo axiológico – como ocorreu com Kelsen e seus adeptos – a discricionariedade administrativa resultará mais forte, porque a Administração Pública só tem que observar a lei em seu sentido formal, único aspecto também a ser considerado pelo Poder Judiciário. Quando porém, à lei formal se acrescentam considerações axiológicas, amplia-se a possibilidade de controle judicial, porque, por essa via, poderão ser corrigidos os atos administrativos praticados com inobservância de certos valoresdotados como dogmas em cada ordenamento jurídico. O controle fica mais difícil porque, em se tratando de valores, são delimitados com muito menos clareza, os confins da atuação discricionária. A tarefa do juiz fica muito mais complexa, uma vez que ele passará a perquirir zonas de maior incerteza. Além da maior dificuldade, a sua tarefa aumenta, na medida em que novos limites se impõem à discricionariedade administrativa. Quando se estuda a evolução destes limites, verifica-se que eles foram, de início, essencialmente formais, pois diziam respeito apenas à competência e á forma; começaram depois a adquirir um sentido material, na medida em que começaram a ser examinados os fins e, depois, os fatos determinantes do ato administrativo. Hoje esses dados são insuficientes para delimitar a discricionariedade. Na medida em que a lei foi adquirindo seu sentido axiológico perdido na época do Estado liberal, novos princípios foram sendo elaborados como formas de limitar a discricionariedade administrativa e, paralelamente, ampliar a esfera de controle pelo Poder Judiciário. Ao lado do princípio da legalidade – em sua nova feição – colocam-se os princípios gerais de direito e os princípios da moralidade, da razoabilidade, do interesse público, da motivação, como essenciais na delimitação do âmbito da discricionariedade que a lei confere à Administração Pública. (grifo nosso)

Tal entendimento sintetiza de maneira exemplar a complexidade de se estipular um controle quando o objeto apresenta sentido axiológico, valorativo, possuindo enorme campo de abstração. Não é suficiente um controle da legalidade (entendida como formalidade) apenas; deve-se perquirir acerca da jurisdicidade, ou seja, do atendimento de todo sistema jurídico no momento do ato administrativo, mormente no discricionário. Devido a este assunto ser bastante recente, ainda existe muitas dúvidas quanto sua real e eficaz aplicabilidade prática.

2.2 Posições Doutrinárias sobre Dispensa de Licitação

A dispensa de licitação, como ocorre no art. 24, VIII da Lei nº 8.666/93, também se submete a um procedimento administrativo, como bem demonstra JUSTEN FILHO (2004, p. 239-40)

A contratação direta (inexigibilidade e dispensa) exige um procedimento prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. Somente em hipóteses-limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades. Seriam aqueles casos de emergência tão grave que a demora, embora mínima, pusesse em risco a satisfação do interesse público. Nas etapas iniciais, a atividade será idêntica, seja ou não a futura contratação antecedida de licitação. (...) Tudo isso estará documentado em procedimento administrativo, externando-se em documentação constante dos respectivos autos. (...) Esse procedimento envolve ampla discricionariedade para a Administração, mas a liberdade se restringe às providências concretas a serem adotadas. Não há margem de discricionariedade acerca da observância de formalidades prévias. (...) Deverá evidenciar que, nas circunstâncias, a contratação foi a melhor possível. (sem grifos no original)

Analisando este mesmo dispositivo, SUNDFELD (1999, p. 58-62) também explica que a o procedimento de dispensa de licitação sujeita aos mesmos trâmites do processo de licitação, afastando qualquer arbitrariedade dos agentes públicos, assim dispondo:

(...) a licitação é possível, logo exigível, em princípio. Porém, a lei contempla casos de dispensa, que são aqueles em que embora viável o certame, a critério do legislador é inconveniente faze-lo, por circunstâncias diversas. Nele, apesar de a licitação atender aos reclamos do princípio da isonomia, permitindo a disputa igualitária pelos negócios públicos, desatende outros valores, também juridicamente tutelados. Atenta a essa possível contradição entre o interesse dos particulares pela disputa, de um lado, e o interesse público, de outro, a Constituição, ao impor a obrigatoriedade da licitação, expressamente admitiu que a lei a dispensasse (art. 37, XXI). (...) Cada hipótese de dispensa descrita na lei tem por trás uma finalidade de interesse público a ensejá-la. Se, em virtude das peculiaridades do caso concreto, tal finalidade não é atingida com a dispensa, a norma não pode incidir. Do contrário, a aplicação da norma se faria em prejuízo de seus objetivos determinantes. (...) A decisão de contratar sem licitação deve expressar-se em despacho motivado do agente competente. Entretanto, salvo nas hipóteses de dispensa por baixo valor (art. 24, I e II), essa decisão não é desde logo eficaz, sendo inviável celebrar imediatamente a avença. Para adquirir eficácia, o despacho deve ser submetido à ratificação da autoridade superior e publicado. A ratificação serve ao controle hierárquico da legalidade e da conveniência ou oportunidade do ato. Já a publicação destina-se a permitir o controle externo e difuso das decisões administrativas. Na dispensa de licitação há um "choque" de valores intrínsecos a este procedimento do direito administrativo, qual seja: o interesse público e o princípio da isonomia dos contratantes. Contudo, em que pese à obrigatoriedade da Administração tratar todos os candidatos de maneira uniforme, antes disso, a Administração Pública visa à melhor proposta.

Assim, se existirem (como Sundfeld mencionou), peculiaridades no caso concreto que resultem em proposta mais vantajosa à Administração e haja lei que autorize (art. 24, VIII, Lei nº 8.666/93) a contratação direta, será perfeitamente possível à dispensa da licitação. Ora, o procedimento licitatório existe como instrumento da Administração conseguir as melhores propostas com o máximo de igualdade entre os pretendentes a contratar com ela. Mas, a finalidade precípua deste instituto, como restou evidente, é adquirir produtos e serviços com a maior qualidade e menor preço possível. E se o resultado já se mostra previsível, porque realizar um procedimento dispendioso e demorado como o da licitação? Portanto, agiu corretamente o legislador, quando estabeleceu o art. 24 e demais incisos, prevendo de antemão algumas circunstâncias em que a licitação acabaria por impedir que a Administração fosse beneficiada (o que seria enorme contradição, já que a licitação visa, primeiramente, o melhor resultado à Administração Pública).

BASTOS (1999, p. 123) sintetiza este pensamento, dizendo que "A razão subjacente é que, em todos os casos, (art. 24 e incisos) apesar de possível a licitação, os transtornos da sua realização são superiores às próprias vantagens que dela pudessem advir."

A imposição de procedimento licitatório a todos os contratos realizados pela Administração Pública, sob as mais variadas alegações, não procede. Como visto, o princípio da supremacia do interesse público se sobrepõe ao princípio da isonomia. Também não há dúvida que existe maior controle (interno e externo) quando o agente público decide dispensar a licitação.

Questão que merece ser referida é a concernente ao fato de que a discricionariedade administrativa, como conseqüência lógica do princípio da legalidade, não pode ser considerada margem decisória estabelecida tão-somente em relação a textos legais.

Vê-se que a discricionariedade não é fruto somente das leis, aí consideradas regras jurídicas, mas de todo um ordenamento jurídico, onde se faz uma análise das normas jurídicas com um todo. Sendo assim, no exercício de seu poder discricionário caberá, também, ao administrador, fazer um estudo de hermenêutica, de interpretação sobre as leis, jurisprudência e princípios do direito administrativo (especialmente do princípio da razoabilidade e da legalidade). Para melhor entender o que foi dito, é necessário que se faça à distinção existente entre regras jurídicas e os princípios. Normas é gênero donde se retiram duas esppécies, quais sejam: as regras e os princípios. Aquelas (as regras) são dirigidas a casos específicos eleitos pelo legislador, enquanto estes (os princípios) possuem maior abstração, podendo ser usados em um número indeterminado de hipóteses.

Acerca deste tema, é pedagógica a definição dada por ÁVILA (2004, p. 70):

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação de correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Conceituando-se, pois, discricionariedade, sob o viés do direito Administrativo como um todo, teríamos uma fórmula onde estaria presente, não somente as margens volitivas proporcionadas pelos textos legais positivados, mas - numa visão bem mais ampla - a valoração da possibilidade de atuação delimitada pelo ordenamento jurídico, tutelando, assim, todas as normas de Direito Administrativo (regras e princípios).

Não é correto, por exemplo, separar a discricionariedade administrativa dos princípios da supremacia do interesse público e da finalidade dos atos. Daí a necessidade de se limitar tal margem de atuação concedida à Administração Pública ao princípio da finalidade, desde que esse traduza o real interesse de toda a coletividade.

Autores como Celso Antonio Bandeira de Mello e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, sustentam que o poder discricionário encontra limite na finalidade com que os atos discricionários são praticados. Para esses estudiosos, deve-se analisar qual a finalidade das normas jurídicas (e não somente das regras jurídicas) ensejadoras da prática do ato. (MELLO, 2005)

Dessa forma, é correto afirmar que a possibilidade de atuação discricionária da Administração deve ser pautada não pelo que dispõe este ou aquele diploma legal, mas pelo que estabelece, e com muito mais força, o ordenamento jurídico-administrativo como um todo, respeitando-se, mormente, os princípios que norteiam o direito público brasileiro.

Incorreto seria condicionar a atuação discricionária somente aos casos em que algum preceito positivado assim dispusesse. Se isso fosse possível, estar-se-ia limitando por demais a atuação da administração, do mesmo modo em que poderia ocorrer o distanciamento entre o ato em questão e sua real finalidade.

Entretanto a amplitude que se propugna, em decorrência da colocação do ordenamento e não de um dispositivo legal como marco da discricionariedade, não significa o alargamento puro e simples dos atos administrativos em que é possível o elemento discricionário, a ponto de confundi-lo com o arbítrio, considerado tanto como ilícito como ilegítimo por nosso sistema jurídico. Daí a importância da utilização da interpretação e da hermenêutica, como forma de dissipar qualquer dúvida sobre a "aparentemente" melhor escolha ou a melhor solução no momento da prática do ato administrativo discricionário.

Tal assertiva significa que o ordenamento pode conceder, de forma abstrata, certa margem de atuação aos agentes administrativos e que a opção ficará a cargo destes. Entretanto, sempre limitados pelas normas jurídicas (princípios e regras) do direito público.

Mas, quando tal discricionariedade for possível, a atuação da Administração Pública restringir-se-á pela situação concreta que ensejar a opção. Resta que seja definido o que vem a limitar a liberdade administrativa a ponto de restringir aquilo que abstratamente é dado pelo ordenamento jurídico como as possíveis opções.

Assim, explicitada a necessidade e a possibilidade de concessão de poder discricionário ao administrador, resta verificar no corpo legal a existência do permissivo.


CONCLUSÃO

A nova ordem mundial exige do Estado e da Administração Pública, mais especificamente, uma profunda mudança estrutural, sob pena de tornarem-se incapazes de satisfazer o interesse público.

Neste espectro, a Administração Pública assume especial relevo, já que cabe a ela concretizar o interesse público na prática de seus atos. A reflexão sobre o novo contexto sócio-econômico e político em que o direito administrativo está inserido é fundamental para a eficácia das atividades administrativas.

Os antigos dogmas do direito administrativo, tais como legalidade, discricionariedade, termos indeterminados ou vagos, arbitrariedade, margem de apreciação subjetiva, são conceitos que até bem pouco tempo eram tidos como certos ou quase que absolutos, agora devem ser relativizados.

Nesta senda, o capítulo 1 (item 1.1) pretendeu estabelecer a distinção entre legalidade e discricionariedade dentro do âmbito administrativo contemporâneo, demonstrando a ínsita relação destes importantes signos, no intuito de questionar suas concepções tradicionais e que não mais atendem aos reclamos da coletividade.

No (item 1.2) foram debatidas as origens do procedimento licitatório, assim como seus instrumentos normativos e sua contribuição para a evolução das atividades e funções administrativas no Brasil, principalmente com o advento da Constituição Federal de 1988, que abarcou princípios e normas que norteiam de maneira mais eficaz a atividade da Administração Pública.

No (item 1.3) deste capítulo foi tratado a respeito do regime jurídico administrativo brasileiro e suas tensões, de modo a explicar e caracterizar as prerrogativas e sujeições da Administração Pública. Dessa forma, o objetivo foi buscar os elementos que justificam determinados privilégios conferidos à Administração Pública, assim como certas limitações impostas à atividade administrativa. À primeira vista pode parecer paradoxal, mas é justamente neste aparente antagonismo que se originam a maioria das relações no âmbito do direito administrativo e direito público como um todo.

A importância da hermenêutica jurídica também é abordada neste item do trabalho apresentando-a como aliada de todo e qualquer operador do direito, não somente aos agentes públicos. Dessa forma, convém desde a elaboração da lei, que esta fosse concebida, mediante um estudo sistemático e contextualizado, sob pena de tornar-se inócua (o que não raro pode ser constatado, talvez pelo despreparo dos legisladores, talvez pela falta de vontade). Os juízes também deveriam atentar para este aspecto, pois decisões legalistas ou meramente formais não cabem mais no novo contexto do direito, especialmente no direito administrativo.

Já no Capítulo 2, (item 2.1) foi abordada a dispensa de licitação a partir do inciso VIII do artigo 24 da Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, também conhecida como Lei de Licitações e suas alterações, sob um espectro essencialmente teórico de modo possibilitar a visão de sua aplicação prática diante de casos concretos.

Por fim, foi tentando no (item 2.2) deste capítulo apresentar um tratamento doutrinário da dispensa de licitação, mas demonstrando a aplicabilidade dos conceitos e apresentando posicionamento frente às teorias doutrinarias mais relevantes sobre o assunto, com possíveis alternativas mais atinentes à nova ordem do direito administrativo contemporâneo.

Em suma, o poder discricionário concedido à Administração Pública foi tratado sob a égide da Lei nº 8666/93, art. 24, VIII (dispensa de licitação) por esta significar instrumento ímpar para atividade administrativa. Devido à importância deste dispositivo legal e seu conhecido engessamento legal (norma geral mais que disciplinou muitas situações que deveriam ser objeto de normas específicas) oferecendo farto campo de discussão sobre a discricionariedade administrativa e seus limites objetivos.

Assim, no decorrer do estudo ficou demonstrado que na discricionariedade administrativa também há vinculação (interesse público, eficiência, etc.) o que afasta a antiga idéia de obscuridade em relação à atuação discricionária do agente público.

Dessa feita, a moderna teoria do ato administrativo discricionário, assim como os novos aplicadores da lei devem saber que o cumprimento da lei estritamente, sem análise contextual ou principiológica não é sinônimo de segurança jurídica. Pelo contrário, os novos desafios da sociedade moderna exigem soluções rápidas e eficazes, sendo vital para tanto uma discricionariedade responsável no âmbito da Administração Pública do século XXI.


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MACHADO, Rafael Uberti. Dispensa de licitação e os limites objetivos do administrador frente o art. 24, VIII, da Lei nº 8.666/93. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2944, 24 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19612. Acesso em: 5 maio 2024.