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A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana nas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região sobre assédio moral no ambiente de trabalho

A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana nas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região sobre assédio moral no ambiente de trabalho

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RESUMO

 A presente monografia busca estudar a questão da aplicação do princípio da dignidade humana pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região em sua jurisprudência sobre assédio moral no ambiente de trabalho. O assédio moral é um fenômeno cuja ocorrência vem crescendo nos últimos anos, sendo fator de degradação do meio ambiente do trabalho e de grave violação da dignidade humana. Por sua vez, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado, para onde converge todo o sistema jurídico, devendo ser respeitado e promovido. Assim, pretende-se conhecer e demonstrar as conseqüências jurídicas desse fenômeno; estudar as principais dimensões do princípio da dignidade da pessoa humana e sua importância no ordenamento jurídico pátrio; e analisar de que forma as decisões judiciais do referido tribunal vêm aplicando este princípio aos casos de assédio moral. O trabalho foi orientado por pesquisa bibliográfica sobre os institutos jurídicos pertinentes no sentido de indicar as categorias analíticas utilizadas; e pesquisa e análise da jurisprudência sobre assédio moral no trabalho do referido tribunal. Ao cabo, verifica-se que as decisões judiciais não vêm aplicando devidamente o princípio da dignidade humana.  

Palavras-chave: Assédio moral no trabalho. Princípio da Dignidade humana. Meio ambiente do trabalho. TRT 8ª Região.


ABSTRACT

This monograph studies the question of applying the principle of human dignity by the Regional Labor Court of the 8th Region in its case law on bullying in the workplace. Bullying is a phenomenon whose occurrence is increasing in recent years, a factor of environmental degradation of work and serious violation of human dignity. In turn, the principle of human dignity is the foundation of the state, where converges entire legal system and should be respected and promoted. Thus, we intend to meet and demonstrate the legal consequences of this phenomenon, studying the key dimensions of the principle of human dignity and its importance in Brazilian law, and examine how the judicial decisions of this court have applied this principle to cases of bullying. The work was guided by literature on the relevant legal institutions in order to indicate the analytical categories used, and research and analysis of case law on bullying at work of the court. In the end, it appears that court decisions are not properly applying the principle of human dignity.

Keywords: Bullying at work. Principle of Human Dignity. Working environment. TRT 8th Region.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. ASSÉDIO MORAL E AMBIENTE DO TRABALHO. 1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO. 1.1.1. Definição Doutrinária. 1.1.2. Previsão Legal. 1.1.3. Definição Jurisprudencial. 1.2. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. 1.2.1. O Direito ao Meio Ambiente do Trabalho Saudável. 1.2.2. Aspectos Normativos.  2. PRINCÍPIO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 2.1. O QUE É PRINCÍPIO. 2.2. A TEORIA DOS PRINCÍPIOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS. 2.3. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NOS CASOS DE ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO. . 3.1. APLICAÇÃO . 3.2. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma monografia que se dispõe a discutir a eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente aplicada às decisões do Tribunal Regional do Trabalho o da 8ª Região sobre o fenômeno conhecido como assédio moral no ambiente de trabalho.

Com efeito, este trabalho encontra-se estruturado em três capítulos. Os dois primeiros preocupam-se em delimitar o alcance dos institutos jurídicos analisados, enquanto o último demonstra como a aplicação destes institutos ocorre na jurisprudência.

O capítulo 1 cuida dos institutos ligados diretamente ao Direito do Trabalho e apresenta as definições do fenômeno do assédio moral no âmbito doutrinário, legal e jurisprudencial. Ainda, analisa a idéia de meio ambiente de trabalho e seu alcance, assim como o seu papel de direito fundamental dos trabalhadores.

Já o capítulo 2 trata do debate acerca da questão dos princípios e apresenta o conceito utilizado por esta pesquisa. Em seguida, discute o conteúdo e alcance do princípio da dignidade da pessoa humana.

O capítulo 3 relaciona os institutos estudados à sua aplicação pela jurisprudência trabalhista. Assim, define os critérios utilizados para que se considere efetivada a aplicação e demonstra, através da pesquisa jurisprudencial realizada, como se deu esta aplicação no âmbito das decisões judiciais do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região.

Esta pesquisa justifica-se pela relevância do tema tratado, frente ao crescimento do fenômeno do assédio moral e seus reflexos que contribuem para a degradação do meio ambiente do trabalho, violando ainda gravemente a dignidade humana, uma garantia constitucional.

O interesse no tema surgiu a partir do conhecimento de algumas situações que caracterizavam a ocorrência do assédio moral no trabalho e dos efeitos nocivos decorrentes deste contexto.

Busca-se, assim, abordar a questão da aplicação dos princípios constitucionais garantidos em nossa Carta Magna, em particular o princípio da dignidade da pessoa humana.

Este princípio, consolidado como fundamento da República no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, é sustentáculo basilar da democracia e dos direitos humanos e deve ter sua eficácia garantida pelos tribunais a fim de que seja promovido o Estado Democrático de Direito e os ideais de justiça consagrados na Constituição:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

(...)

III -  a dignidade da pessoa humana;

Nestes termos, a perseguição, o "terror psicológico" (GUEDES, 2008) chamado assédio moral, ao atingir, principalmente, o trabalhador em seu ambiente de trabalho, concorre para que este tenha a sua dignidade frontalmente violada, causando profundo sofrimento, vindo a degenerar-se em doenças, como a depressão. Ressalte-se que os reflexos advindos do assédio moral atingem não só a vítima, mas também toda a coletividade em seu entorno: familiares, vizinhos, amigos, enfim.

Ainda, o mobbing - como também é conhecido o assédio moral - atinge somente na Europa, cerca de doze milhões de pessoas (GUEDES, 2008, p. 28). É, portanto, um fenômeno de alcance social bastante significativo, não podendo ser desprezado.

Destarte, urge uma resposta dos tribunais no sentido de garantir a integridade do texto constitucional, através da efetividade plena do princípio já referido.

No entanto, a aplicação de um princípio não é um mecanismo tão simples. Faz-se, antes, de extrema importância, conhecer o que é princípio e como se dá a sua atuação em nosso ordenamento. Além disso, é mister delimitar claramente o âmbito de aplicação e efetividade deste fundamento.

Desta forma, no intuito de alcançar o objetivo pretendido, este trabalho se propôs a: desenvolver uma pesquisa bibliográfica a fim de conhecer os diferentes aspectos dos institutos analisados; identificar os danos causados pelo assédio moral ao ambiente de trabalho e à dignidade humana; apresentar o conteúdo e abordar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico; realizar uma pesquisa jurisprudencial no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região de modo a conhecer as decisões deste tribunal relativas à aplicação do referido princípio nos casos de assédio moral no trabalho.


1. ASSÉDIO MORAL E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.

Neste capítulo, buscou-se delimitar os aspectos gerais do tema proposto. No primeiro tópico foi feita uma análise geral do chamado assédio moral no trabalho de modo a conhecer suas implicações na qualidade de vida do trabalhador e na empresa. Após, foram apresentadas as acepções conceituais apreendidas a partir da construção oferecida pelos doutrinadores, as trazidas pelas leis existentes e as consagradas pela jurisprudência dos tribunais.

Em seguida, foram feitas considerações gerais acerca do meio ambiente do trabalho, a sua efetivação como direito fundamental e as implicações decorrentes de sua degradação, especialmente em razão do assédio moral.

Ainda, foram demonstrados os aspectos normativos que garantem ao trabalhador o direito a um meio ambiente laboral saudável que garanta a boa qualidade de vida, saúde e segurança do trabalhador.

1.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO.

A ocorrência do fenômeno do assédio moral no ambiente de trabalho não é novidade, porém foi uma questão tangenciada por muito tempo e que só começou a ganhar relevância no final do século passado. Afirma a vitimóloga francesa Marie-France Hirigoyen:

Embora o assédio moral no trabalho seja uma coisa tão antiga quanto o próprio trabalho, somente no começo desta década foi realmente identificado como fenômeno destruidor do ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2010, p. 65).

Explica-se pelo fato de a evolução do modo de produção capitalista, consoante à globalização e à mudança no modo de organização produtiva do trabalho ter alterado profundamente os paradigmas da relação entre patrão e empregado, assim como entre os próprios trabalhadores, com estímulo ao individualismo e à competitividade. Se antes, principalmente no período em que vigorou o chamado pleno emprego, o colega de trabalho era visto como um aliado na estrutura da empresa, agora é tido como mais um concorrente no mercado de trabalho.

Assim, este processo de reengenharia, gera como um dos seus efeitos perversos, a idéia de eliminação do adversário do ambiente de trabalho. Essa precarização das relações de trabalho tem entre suas principais dimensões o assédio moral.

Há de se entender que a prática do assédio moral no trabalho é extremamente perniciosa tanto para o assediado, quanto para a empresa.

Por um lado, o assédio moral é verdadeira tortura psicológica, uma cruz que é carregada diariamente pela vítima. Para esta, o trabalho é apenas fonte de dor, sofrimento e desilusão. A vítima revive a tragédia de Prometeu, que, segundo a mitologia grega, tinha seu fígado, que se regenerava, dilacerado a cada dia. É este o drama vivido pelo assediado: sua agonia é renovada todos os dias. Assim, não é difícil compreender como a vítima chega a um estágio depressivo. Neste estado, não vê muitas perspectivas. A vítima busca tão somente livrar-se deste martírio, seja pedindo demissão, ou, em casos extremos, tentando até mesmo o suicídio.

De outro modo, o ambiente da empresa fica bastante prejudicado. As relações interpessoais são contaminadas por um clima de desconfiança, imperando o medo. A fim de evitar também se tornarem vítimas de assédio, ou apenas por querer agradar, há uma verdadeira submissão voluntária e coletiva ao poder do assediador:

No caso específico do assédio moral no trabalho não só o interesse de "salvar a própria pele", como o de conquistar a simpatia do chefe no sentido de obter uma eventual promoção prevalecem. (PRATA, 2008, p. 376)

Marie-France Hirigoyen complementa:

Trata-se de um fenômeno assustador, porque é desumano, sem emoções e piedade. Os que estão em torno, por preguiça, egoísmo, ou medo preferem manter-se fora da questão. (HIRIGOYEN, 2010, p. 66)

O assédio moral pode ocorrer em virtude de diversos fatores. Pode ter um caráter preconceituoso, isto é, de uma idéia pré-concebida estabelecida na pessoa do assediador. Destarte, não é incomum a perseguição iniciar a partir de aspectos de discriminação por idade, orientação sexual, gênero, cor da pele, etnia, condição física, ou convicções religiosas ou políticas. É, portanto, uma agressão ao indivíduo. Uma violência moral.

Neste ínterim, faz-se importante conhecer mais detidamente as características deste fenômeno. O que é, enfim, o assédio moral no trabalho?

Diante da falta de legislação sobre o tema (a exceção são algumas leis estaduais no âmbito dos servidores públicos, como se verá mais a frente), não há uma definição legal deste fenômeno no Brasil em nível federal (ao contrário de países como França, Inglaterra, Bélgica e Argentina que já possuem leis sobre o assunto). Nesse deslinde, restam os aspectos doutrinários, os conceitos trazidos pelas leis estaduais (de caráter específico aos servidores da administração pública) e pela jurisprudência.

1.1.1. DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA

Apesar das múltiplas definições apontadas na doutrina, não há substancial divergência entre elas, sendo comum a idéia de perseguição, humilhação, exposição a situações vexatórias, discriminação, ou intimidação prolongada no tempo.

Marie-France Hirigoyen caracteriza o assédio moral como sendo:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2002, p. 65).

O pesquisador alemão radicado na Itália, Harald Ege, presidente da Associazone contro il Mobbing e lo stress Psicossociale – PRIMA, não se distancia, e preceitua (tradução nossa):

O mobbing é uma forma de terror psicológico, que é exercitado no local de trabalho através de ataques repetidos por parte de seus colegas ou do chefe¹.

Para Márcia Novaes Guedes, o assédio moral no trabalho está relacionado com a degradação do meio ambiente de trabalho. Assim, a autora conceitua o terror psicológico como:

Fenômeno patológico do ambiente de trabalho no qual uma pessoa é individualizada e escolhida como vítima e passa a sofrer ataques diretos ou indiretos, de modo reiterado, durante certo lapso de tempo, que atingem sua liberdade de comunicação, suas relações sociais, sua imagem pessoal e social, sua reputação moral e profissional e sua saúde, podendo colocar em risco sua integridade física, psíquica, emocional e moral, degradar o ambiente de trabalho, e comprometer sua capacidade de resistência e manter-se no trabalho. (GUEDES, 2008, p. 39)

A fim de contemplar de modo sintético a matéria acerca da análise doutrinária do fenômeno, traz-se à luz o conceito formulado por Marcelo Rodrigues da Prata:

O assédio moral no trabalho se caracteriza por qualquer tipo de atitude hostil, individual ou coletiva, dirigida contra o trabalhador por seu superior hierárquico (ou cliente do qual dependa economicamente), por colega do mesmo nível, subalterno ou por terceiro relacionado com a empregadora, que provoque uma degradação da atmosfera de trabalho, capaz de ofender a sua dignidade ou de causar-lhe danos físicos ou psicológicos, bem como de induzi-lo à prática de atitudes contrárias à própria ética, que possam excluí-lo ou prejudicá-lo no progresso em sua carreira. (PRATA, 2008, p. 57)

O assédio moral no trabalho, enfim, não compreende apenas a degeneração do ambiente laboral, mas gera uma cadeia de transtornos sociais que se estende até as pessoas que fazem parte do convívio social da vítima, como filhos, cônjuge, parentes, amigos etc.

Isto se dá pelo fato de a situação estressante a que é imposta à vítima. Com isso, o assediado, em geral, passa a externar a sua insatisfação para as pessoas de seu circulo íntimo, principalmente a família. Esta, por sua vez, reage ao comportamento agressivo da vítima. Marcelo Rodrigues da Prata chama isso de "duplo mobbing":

Esse é o quadro de duplo mobbing, no qual a vítima é abusada no trabalho e ainda é privada da compreensão e ajuda familiar, sendo atacada dentro da própria casa (PRATA, 2008, p. 81).

A título ilustrativo, imagine um lago com água parada na qual é jogada uma pedra. Há neste caso movimentação da superfície em forma de círculos concêntricos sucessivos que vão se espalhando até a borda do lago, formam-se ondas. Assim é a repercussão do abalo sofrido pela vítima do assédio moral. Ocorre em ondas sucessivas e persistentes que afetam todos os membros do seu convívio social.

De outro modo, o tempo exposto a situações humilhantes e vexatórias leva a distúrbios psíquicos graves, podendo a vítima chegar a cogitar a hipótese de suicídio. Neste sentido, é importante o ensinamento de Marie-France Hirigoyen:

Esses estados depressivos estão ligados ao esgotamento, a um excesso de estresse. As vítimas sentem-se vazias, cansadas, sem energia. Nada mais lhes interessa. Não conseguem mais pensar ou concentrar-se, mesmo nas atividades mais banais. Podem, então, sobrevir as idéias de suicídio (HIRIGOYEN, 2010, p. 178).

É este o entendimento, também, de Marcelo Rodrigues da Prata, ao considerar que:

No caso do assédio moral no trabalho, a vítima é levada à depressão pelos maus-tratos sofridos e pelas conseqüências do assédio. A sua auto-estima e autoconfiança estão solapadas (PRATA, 2008, p. 373).

Assim, o terror psicológico no trabalho caracteriza-se como um grave distúrbio social no ambiente laboral de perigosos contornos para a sociedade.

E, dentro deste espírito, alguns estados e municípios passaram a combater o assédio moral no âmbito do seu funcionalismo público através da edição de leis com o objetivo de inibir a ocorrência deste fenômeno maligno.

Destarte, foram editadas leis visando a coibir o assédio moral no trabalho, as quais serão analisadas a seguir.

1.1.2. PREVISÃO LEGAL

A popularização do fenômeno do terror psicológico no âmbito do funcionalismo público levou à mobilização desta classe - notadamente no Rio de Janeiro e em São Paulo - no sentido de forçar o Estado a proteger os servidores do assédio moral no ambiente de trabalho.

Em resposta, o Legislativo desses entes federados aprovou normas de combate ao assédio moral em seus órgãos, repartições, autarquias, enfim, nas entidades da administração pública estadual e municipal.

Ressalte-se que o assédio moral no serviço público é revestido de algumas peculiaridades, sejam políticas, sejam administrativas. Por um lado, o servidor possui estabilidade funcional, sendo a sua exoneração subordinada a exames burocráticos. Conta-se também com certo corporativismo existente no seio do funcionalismo. E ainda há o fato de certos cargos serem ocupados por indicações de caráter político. Tais fatores tornam a punição ao assediador mais difícil do que no âmbito privado.

Especificamente neste último caso, a interferência política do "padrinho" em relação ao indicado dificulta bastante a penalização deste assediador. O combate ao assédio moral não se resume a uma atuação meramente legislativa, ou judicial, mas por uma verdadeira reforma nas instituições públicas e de uma mudança cultural na sociedade.

Os estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo são os únicos no Brasil que contém leis de combate ao terror psicológico no trabalho no âmbito do serviço público. Já entre os municípios, cinqüenta e três possuem estas leis. Insta notar que tais iniciativas situam-se preponderantemente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, onde as organizações e movimentos de trabalhadores é bem mais forte. As regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentam poucas iniciativas e a região Norte não possui nenhum estado ou município que tenha editado lei de combate ao assédio moral no trabalho em seu serviço público.

Não é interessante apresentar aqui todos os conceitos legais que o fenômeno recebeu. Destarte, traz-se para conhecimento a definição recebida pelo fenômeno nas leis dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Assim afirma o art. 2º da Lei n. 12.250/06 do estado de São Paulo:

Art. 2º. Considera-se assédio moral para os fins da presente lei, toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio usuário, bem como à evolução, à carreira e à estabilidade funcionais do servidor, especialmente:

I - determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos inexeqüíveis;

II - designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos;

III - apropriando-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem.

Parágrafo único - Considera-se também assédio moral as ações, gestos e palavras que impliquem:

I - em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros;

II - na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis a sua vida funcional;

III - na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços, que atinjam a dignidade do servidor;

IV - na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Percebe-se que a lei acima busca exaurir as situações caracterizadoras do terror psicológico no ambiente laboral, descrevendo exaustivamente as condutas ensejadoras do ato ilícito. É uma tendência seguida pelas demais leis, como se verá adiante.

A Lei n. 12.561/06, do estado do Rio Grande do Sul, trata assim o assédio moral:

Art. 2º Considera-se assédio moral, para os fins do disposto nesta Lei Complementar, toda ação, gesto ou palavra que, praticados de forma repetitiva por servidor público, no exercício de suas funções, vise a atingir a auto-estima e a integridade psicofísica de outro servidor, com prejuízo de sua competência funcional.

Parágrafo único - Evidencia-se o assédio moral a servidor público quando:

I - forem-lhe impostas atribuições e atividades incompatíveis com o cargo que ocupa ou em condições e prazos inexeqüíveis;

II - for ele designado para exercer funções triviais, em detrimento de sua formação técnica;

III - forem-lhe tomadas, por outrem, propostas, idéias ou projetos de sua autoria;

IV - forem-lhe sonegadas informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções;

V - forem contra ele praticadas ações, gestos ou palavras que denunciem desprezo ou humilhação, isolando-o de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores; e

VI - forem-lhe dirigidos comentários maliciosos, críticas reiteradas sem fundamento, ou houver a subestimação de esforços que atinjam a sua dignidade.

A Lei do estado do Rio Grande do Sul traz um conceito mais generalista do que a Lei de São Paulo, porém também lista um rol exemplificativo dos atos que, segundo a lei, são considerados caracterizadores do assédio moral.

Já a Lei 3.921/02, do estado do Rio de Janeiro, define o assédio moral em seu artigo 2º deste modo:

Artigo 2º - Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer representante que, no exercício de suas funções,abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido.

Parágrafo único - O assédio moral no trabalho, no âmbito da administração pública estadual e das entidades colaboradoras, caracteriza-se, também, nas relações funcionais escalões hierárquicos, pelas seguintes circunstâncias:

I - determinar o cumprimento de atribuições estranhas ou atividades incompatíveis com o cargo do servidor ou em condições e prazos inexeqüíveis;

II - designar para funções triviais, o exercente de funções técnicas, especializadas ou aquelas para as quais, de qualquer forma, sejam exigidos treinamento e conhecimento específicos;

III - apropriar-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem;

IV - torturar psicologicamente, desprezar, ignorar ou humilhar o servidor, isolando-o de contatos com seus colegas e superiores hierárquicos ou com outras pessoas com as quais se relacione funcionalmente;

V - sonegar de informações que sejam necessários ao desempenho das funções ou úteis à vida funcional do servidor;

VI - divulgar rumores e comentários maliciosos, bem como críticas reiteradas, ou subestimar esforços, que atinjam a saúde mental do servidor; e

VII - na exposição do servidor ou do funcionário a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.

No mesmo sentido, dispõe o art. 1º da Lei municipal n. 6.986/06 de Salvador, Bahia:

Art. 1º - Para as finalidades desta Lei, assédio moral é toda ação, seja ela gestual, verbal, visual ou simbólica, praticada de forma constante, por agente, servidor, empregado ou qualquer pessoa de Administração Pública da autoridade inerente a suas funções, tenha por objetivo os efeitos atingir a auto-estima ou a autodeterminação de outro agente, servidor, empregado ou pessoa exercente de cargo ou função publica, tais como:

I - Marcar tarefas com prazos impossíveis de serem cumpridos;

II - Transferir, ainda que dentro do próprio setor, alguém de determinada competência e/ou atribuição para o exercício de funções banais;

III - Tomar créditos de idéias alheias;

IV - Ignorar a presença do servidor, utilizando-se de terceiros para a ele fazer qualquer referência ou pedido;

Sonegar informações de modo continuado;

V - Espalhar rumores maliciosos;

VI - Criticar ações de servidor, de modo depreciativo e reiterado

VII - Subestimar esforços

VIII - Dificultar condições de trabalho ou criar situações humilhantes e/ou desagradáveis

IX - Afastar ou transferir agente publico, sem justificativas.

Em geral, as normas de punição à prática do assédio moral no trabalho trazem acompanhando a definição, uma lista exemplificativa de condutas ilícitas, de modo a auxiliar a aplicação da lei ao caso concreto, o que entendo ser uma abordagem correta. De fato, as normas legais refletem o entendimento doutrinário acerca do tema, não havendo divergência substancial.

1.1.3. DEFINIÇÃO JURISPRUDENCIAL

Diz a doutrinadora Márcia Novaes Guedes que:

Na aferição do mobbing, o observador deve ter presentes dois aspectos essenciais: a regularidade dos ataques – trata-se de uma violência sistemática e que dura certo tempo – e a determinação de desestabilizar emocionalmente a vítima para obrigá-la a se afastar do trabalho. (GUEDES, 2008, p. 37)

Neste sentido, a jurisprudência pátria é uniforme ao buscar caracterizar objetivamente o assédio moral, coadunando-se com a tese defendida pela autora. Note-se alguns exemplos aqui colacionados:

ACÓRDÃO. TRT8 /2ª T./RO 01628-2007-012-08-00-3

DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. No âmbito das relações trabalhistas, o assédio moral consiste no tratamento humilhante, constrangedor ou vexatório proporcionado pela empresa contra o trabalhador, de forma prolongada, reiterada e intensa, mas geralmente muito sutil, a ponto de reduzir a sua auto-estima e tornar insuportável a continuidade do contrato de trabalho, uma vez que atinge a dignidade da pessoa humana, com graves reflexos na vida pessoal, familiar e social.

ACÓRDÃO. TRT8 4ªT/RO 01657-2007-004-08-00-0

ASSÉDIO MORAL. O assédio moral, caracteriza-se nas relações de trabalho, como as perseguições, pressões, humilhações, constrangimentos repetidos e prolongados pelo empregador em relação a seu empregado durante a prestação de serviços, desestabilizando-o psicologicamente, produzindo um dano psíquico, colocando-o à margem do ambiente de trabalho.

ACÓRDÃO TRT4 0052600-97.2008.5.04.0028 (RO)

EMENTA: Assédio moral. Constrangimento provocado por terceiros. Omissão patronal. Indenização. Constitui-se em assédio moral a exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jornada de trabalho ou no exercício das funções profissionais, ainda que provocadas por terceiros, desde que o empregador omita-se, injustificadamente, no fornecimento de ferramentas e recursos que possam reduzir a situação de conflito e constrangimento.  

ACÓRDÃO TRT4 0139700-39.2007.5.04.0024 (RO)

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ASSÉDIO. O  tratamento desrespeitoso emprestado pelos superiores hierárquicos ao trabalhador caracteriza  assédio moral.  

Ainda, cabe destacar situações que a jurisprudência já consolidou como caracterizadoras do assédio moral. É o caso do trabalhador obrigado a "pagar prendas", isto é, sancionar o empregado de forma em que ele seja exposto a situação vexatória e humilhante perante os colegas por determinação da empresa. Ocorre quando o vendedor, a título exemplificativo, não alcança a meta de vendas em certo período de tempo e como punição é obrigado a usar adereço ou fantasia.

ACÓRDÃO TRT3 01245-2005-012-03-00-0 (RO)

EMENTA: ASSÉDIO MORAL. O empregador que exige dos seus empregados resultados que extrapolem as metas previamente estabelecidas, ameaçando-os, com intimidações e xingamentos, e impondo "castigos" (como trabalhar de pé, proibindo-os de ir ao banheiro, tomar água ou lanchar), excede manifestamente os limites traçados pela boa-fé e pelos costumes e ainda vulnera o primado social do trabalho, ultrapassando os limites de atuação do poder diretivo, para atingir a dignidade e a integridade física e psíquica desses empregados, praticando ato abusivo, ilícito, que ensejará justa reparação dos danos causados aos ofendidos. Não se pretende defender que a produção estimulada e a busca por resultados cada vez maiores sejam um exercício maléfico nas relações de trabalho vigentes num mercado de trabalho, como o atual, que labora em constante transformação e adaptação às práticas comerciais que vão surgindo a cada momento. Mas há várias formas de estimular o empregado na conquista de resultados mais favoráveis ao empreendimento econômico do empregador, como, por exemplo, através da oferta de cursos de capacitação e liderança ou da conhecida vantagem econômica, prática muito embora controvertida, mas largamente adotada, de remunerar os trabalhadores por produção, desde que respeitados, naturalmente, os seus limites físicos e psíquicos, tudo se fazendo sem atingir, todavia, a sua dignidade ou integridade física e psíquica. 

Não havendo diferença no entendimento, vê-se que já está entronizada, isto é, consolidada nos tribunais a idéia sobre o que é o assédio moral e suas conseqüências, como danos à saúde psíquica e à dignidade das vítimas. A compreensão pela justiça da gravidade do problema é um passo importante para a prevenção e combate a este fenômeno perverso.

1.2. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, garante a todos o direito ao meio ambiente saudável e propício ao desenvolvimento humano em toda a sua extensão. Assim preceitua o referido dispositivo constitucional (BRASIL, 1988):

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

E inserido nesta idéia de "meio ambiente ecologicamente equilibrado" está o meio ambiente do trabalho, conforme explica Luís Paulo Sirvinskas, quando afirma que o "Meio ambiente do trabalho é uma das espécies do meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da CF" (SIRVINSKAS, 2010, p. 26).

José Afonso da Silva diz que o meio ambiente do trabalho é "o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente" (SILVA, 2009, p. 21).

Assim, a proteção ao meio ambiente do trabalho objetiva a promoção da segurança e saúde do empregado em seu ambiente de trabalho. É neste lugar que o trabalhador passa cerca de um terço do tempo diariamente. Deve, portanto, ter especial amparo no sentido de que seja garantido um ambiente saudável para o bom desenvolvimento do trabalho e convivência social.

Com efeito, afirma Marcelo Rodrigues da Prata que:

Fala-se hoje em dia em meio ambiente do trabalho sadio, ou seja, as empresas devem se preocupar não apenas em não poluir e reciclar, mas também oferecer aos seus colaboradores uma atmosfera de trabalho saudável, na qual o operário não se sinta perseguido nem tenha a sua saúde exposta a riscos desnecessários (PRATA, 2008, p. 133).

Destarte, faz-se necessário apontar o que se entende por meio ambiente de trabalho. Seria apenas o estabelecimento da empresa? Seria formado pelo prédio e máquinas do empregador?

Celso Antônio Pacheco Fiorillo considera como meio ambiente do trabalho:

O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores (apud MELO, R. S., 2008, p. 26)

De outro modo, entende-se que o meio ambiente de trabalho compreende não apenas o espaço interno material da empresa, mas também o conjunto de interações pessoais ocorridas em função do trabalho exercido. Não está, portanto, restrito às paredes do espaço físico em que é prestado o serviço. O meio ambiente laboral "se estende ao próprio local de moradia ou ambiente urbano", segundo os ensinamentos de Júlio César da Rocha (apud MELO, 2001, p. 28).

Consoante, afirma José Afonso da Silva que:

O ambiente de trabalho é um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o freqüentam (SILVA, 2009, p. 22).

Assim, aquele empregado que toma ônibus para chegar ao trabalho tem como parte de seu meio ambiente laboral o interior do transporte urbano, p. ex. A rua em que o trabalhador caminha para chegar ao local do emprego também faz parte de seu ambiente de trabalho. A qualidade do ambiente laboral é diretamente vinculada a condições externas às paredes da empresa.

O autor Rodolfo de Camargo Mancuso corrobora esta tese ao dizer que o meio ambiente do trabalho é um verdadeiro

Habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema (apud MELO, 2001, p. 29)

Considerando-se que o trabalhador passa, em média, um terço do tempo do seu dia no ambiente laboral, é necessário que o período dedicado ao trabalho seja utilizado em um meio prazeroso, isto é, que não se torne motivo de sofrimento e angústia. Um ambiente de trabalho sadio garante não somente a boa qualidade de vida do empregado, mas também aumenta sua produtividade, o que é interessante para a empresa. Afirma Raimundo Simão de Melo que:

É preciso saber que as conseqüências dos ambientes de trabalho inadequados são as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho que podem custar caro para o empreendedor que não cuida da segurança e saúdes dos seus trabalhadores. (...) Isso pode representar grandes passivos trabalhistas capazes de até mesmo inviabilizar o negócio empresarial (MELO, R. S., 2008, p. 69).

É com este espírito que nosso ordenamento jurídico garante como direito fundamental o direito a um meio ambiente equilibrado e saudável.

Desta forma, a ocorrência do assédio moral no âmbito da empresa prejudica toda esta rede de proteção à qualidade de vida, não só da vítima, mas de todos aqueles que integram o ambiente de trabalho.

De modo a garantir este ambiente de qualidade para o desenvolvimento do trabalhador e de todos que o compartilham, nossa legislação garantiu o direito ao meio ambiente do trabalho saudável.

1.2.1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL

O direito ao meio ambiente equilibrado e de qualidade é um direito fundamental [02]. Guarda, assim, relação estreita com os direitos humanos [03]. Ou seja, garantir um meio ambiente sadio é permitir o desenvolvimento integral da pessoa em toda a sua dignidade. É garantir o direito à saúde e em última análise dar guarida ao direito à vida.

Conforme o espírito constitucional, não há como se pensar em atingir os objetivos do Estado (art. 3º e incisos) e garantir seus fundamentos (art. 1º e incisos) sem observar os preceitos relativos à proteção e defesa do meio ambiente, em especial do meio ambiente do trabalho.

Neste sentido, preleciona José Afonso da Silva:

A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana (SILVA, 2009, p. 58).

Destarte, é um imperativo garantir a eficácia dos mandamentos constitucionais que buscam a promover esses valores. Não há, portanto, efetiva garantia ao direito à vida, à saúde, à dignidade, sem um meio ambiente do trabalho equilibrado e saudável que possibilite o desenvolvimento da pessoa humana:

E é como aspecto integrante e indissociável do meio ambiente geral que o meio ambiente do trabalho caracteriza-se como direito fundamental, na medida em que é indispensável para o alcance do direito à vida com qualidade. (MELO, 2001, p. 69)

A partir destes entendimentos, urge então questionar-se: qual seria o bem tutelado por este direito? Qual a sua finalidade? Sem qualquer hesitação, pode-se responder aquilo que de certa forma já foi explicitado: a vida. A vida do trabalhador é o fim último deste direito, sendo-lhe conjuntamente garantida a proteção à sua dignidade e saúde, aspectos imprescindíveis para a concretude do primeiro.

Consoante, afirma Sandro Nahmias Melo:

O bem ambiental, nessa visão, é o objeto do Direito Ambiental. Quer no aspecto material quer no imaterial, diz respeito ao valor maior do ser humano: a vida. Por isso estabelece a Carta Maior (art. 225, caput) que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida do ser humano (MELO, 2001, p. 30).

No mesmo sentido ensina Celso Antônio Pacheco Fiorillo:

O objeto jurídico tutelado é a saúde e segurança do trabalhador, qual seja da sua vida, na medida que ele, integrante do povo, titular do direito ao meio ambiente, possui direito à sadia qualidade de vida. O que se procura salvaguardar é, pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce seu labuto, que é essencial à sua qualidade de vida (FIORILLO; RODRIGUES, 1997, p. 66).

Isso porque, para o Direito do Trabalho, a vida do trabalhador, não apenas como pessoa, mas também como parte integrante e dinamizadora da sociedade, deve ser preservada através da implementação de normas que garantam condições adequadas de trabalho. É, assim, obrigação do empregador "preservar e proteger o meio ambiente laboral e, ao Estado e sociedade, fazer valer a incolumidade deste bem" (MELO, R. S., 2008, p. 30).

Deste modo, percebe-se que o assédio moral no ambiente de trabalho é grave violação à sua qualidade. O comprometimento do ambiente laboral saudável pelo terror psicológico ataca a saúde psíquica da vítima e atinge também as pessoas em volta que partilham daquele ambiente, visto que passa a vigorar ali um clima de tensão, estresse e insegurança. É necessário apontar que o meio deteriora-se não apenas para o assediado, mas para todos.

A situação é pior quando ocorre o chamado "bossing" (PRATA, 2008, p. 77), isto é, o assédio moral como política de empresa que busca através dele reduzir custos, p. ex., ao forçar pedidos de demissão ou de aposentadoria, ou mesmo ao atacar dirigentes e lideranças sindicais. Neste contexto, o ambiente da corporação é o pior possível para os trabalhadores, tornando-se um meio verdadeiramente insalubre, onde prolifera o estresse, o medo, a insegurança e, por conseqüência, os danos psíquicos e à saúde dos empregados.

Neste sentido, aponta-se decisão da 3º Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em que prevaleceu o entendimento de que a boa e adequada condição do meio ambiente laboral é ligada diretamente à produtividade, à qualidade de vida e ao desenvolvimento pessoal do empregado:

ACÓRDÃO. TST / 3ª Turma

PROCESSO Nº TST-RR-985/2006-025-03-00.7

RECURSO DE REVISTA. 1. ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. 1. A produtividade do empregado está vinculada ao ambiente de trabalho saudável e à sua satisfação. 2. A construção de um ambiente de trabalho propício ao crescimento pessoal e profissional depende do modo de atuação do empregador na condução e direção da atividade econômica. 3. Adoção de prendas e castigos como justificativa para aumento da produtividade implica violação do dever de respeito à dignidade da pessoa humana. 4. Tal procedimento configura assédio moral e autoriza a reparação pelo dano sofrido. Recurso de revista conhecido e provido. (grifos nossos)

O assédio moral no trabalho é, assim, um fator degenerativo da qualidade do meio ambiente laboral, atingindo frontalmente direitos fundamentais do trabalhador.

1.2.2. ASPECTOS NORMATIVOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, assinada pelo Brasil quando da sua aprovação, assegurou em seu artigo XXXIII o direito do trabalhador a boas condições para realização do trabalho:

Artigo XXIII

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. (grifos nossos)

Neste sentido, percebe-se de forma clarividente que a ONU alçou ao patamar de direito fundamental da pessoa humana o direito a um meio ambiente de trabalho de qualidade. Um ambiente laboral que seja compatível com as condições de desenvolvimento humano, de forma a valorizar o trabalho e, sobretudo, proteger a saúde, segurança e a vida do trabalhador. Consagra-se, deste modo, a idéia de que um ambiente laboral sadio é essencial para a boa qualidade de vida humana.

Ainda no plano internacional, destaca-se, entre outras, a Convenção de número 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – ratificada pelo Brasil em 1992 -, que apresenta políticas de defesa da saúde e segurança do trabalhador, assim como do meio ambiente de trabalho que devem ser promovidas pelos países que fizerem parte da Convenção. O artigo 4 desta convenção preceitua:

Artigo 4

1. Todo Membro deverá, em consulta às organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e a prática nacionais, formular, por em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho.

2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho. (grifos nossos)

A legislação brasileira parece seguir este entendimento. Destarte, foram editadas ao longo dos anos normas de proteção ao meio ambiente de trabalho, inclusive garantindo-se na Constituição Federal de 1988 o direito ao meio ambiente, inclusive o do trabalho, como já foi analisado, equilibrado como garantia fundamental, conforme o já citado art. 225 da Constituição.

Como já foi abordado, o meio ambiente ecologicamente equilibrado tratado na Constituição inclui o meio ambiente do trabalho, sendo, como afirma o mandamento constitucional, dever do Estado e da sociedade defendê-lo e preservá-lo, ou seja, criando mecanismos de proteção que beneficiarão, não somente o trabalhador, mas toda a coletividade.

Ainda, nossa Lei Fundamental garantiu a preservação da qualidade do meio ambiente laboral como um dos princípios gerais da atividade econômica. Assim dispõe o art. 170 (BRASIL, 1988):

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (grifos nossos)

Ora, percebe-se que a proteção ao meio ambiente do trabalho, garantindo a qualidade de vida e a defesa da saúde e da segurança do trabalhador não é mero exercício retórico, nem conteúdo normativo desprovido de eficácia. É, sim, princípio norteador da atividade econômica, sendo reconhecida a sua importância também para o processo e desenvolvimento da ordem econômica. Entende-se, deste modo, que não pode haver dinamização econômica sem o reconhecimento do valor do trabalho e da pessoa do trabalhador, sendo-lhe garantida a devida condição para o exercício de sua atividade.

E, mantendo este espírito, o art. 200 da Constituição preceitua:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(...)

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (grifos nossos)

Destarte, tem-se o comprometimento dos órgãos do Estado para a preservação do meio ambiente do trabalho de qualidade. Ainda em âmbito constitucional, é interessante ressaltar que foi determinada a competência dos entes federativos no sentido de criarem políticas de defesa do meio ambiente, aí incluído o meio ambiente do trabalho. Neste sentido, dispõe o art. 23 da Constituição:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (grifos nossos)

É cristalino, então, o dever estatal de apresentar e executar ações públicas que visem à proteção do ambiente laboral e prezem pela saúde, segurança e condições adequadas de trabalho dos empregados.

Por conseguinte, a Lei n. 6.938/81 - Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - vem ao encontro do mandamento constitucional e estabelece políticas públicas de proteção e defesa do meio ambiente, que, segundo a lei, é:

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

De fato, a lei não cita especificamente o "meio ambiente do trabalho", o que não significa que este não é protegido por ela. Como já foi analisado, o meio ambiente do trabalho está inserido na idéia de meio ambiente equilibrado trazida pela Constituição, sendo protegido pela referida lei. Neste sentido, afirma Norma Sueli Padilha que "quando a Lei n. 6.938/81 conceitua o meio ambiente (art. 3º, I), deve ser compreendido, nessa definição legal, também o meio ambiente do trabalho" (apud MELO R. S., 2008, p. 34).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), editada anos antes da Constituição de 1988, reservou um capítulo que trata especificamente de normas de segurança e medicina do trabalho. Ainda que de forma involuntária, o legislador da época criou na verdade dispositivos legais de prevenção e proteção ao meio ambiente laboral. Vale destacar, neste sentido, a delegação, prevista no art. 200, que confere poder ao Ministério do Trabalho e Emprego para a edição de normas regulamentadoras acerca da segurança, medicina e higiene do trabalho. O que veio a se concretizar com a publicação da Portaria de n. 3.214/77 dotada de vários dispositivos de proteção ao meio ambiente laboral.

Não cabe, nem é objetivo deste trabalho, analisar pormenorizadamente os mecanismos de defesa e proteção ao meio ambiente do trabalho existentes. Busca-se tão somente demonstrar que este é um direito fundamental que deve ser prestigiado, protegido e resguardado, além de apontar como o fenômeno maligno do assédio moral no trabalho é instrumento de violação deste direito, devendo, portanto, ser combatido.


2. PRINCÍPIO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Neste capítulo, buscou-se discutir e determinar a abrangência dos termos apresentados no título: princípio e dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, foram estruturados três tópicos de forma a sistematizar a dinâmica empreendida. A delimitação aqui estabelecida é importante no sentido de fundamentar teoricamente a análise jurisprudencial realizada no terceiro capítulo.

No primeiro tópico foram apresentadas as principais teorias que buscam explicar o papel que os princípios cumprem no ordenamento jurídico, assim como suas características predominantes. A partir disso, no segundo tópico, foi analisada mais detidamente a tese adotada por este trabalho.

No último tópico houve a abordagem acerca da dignidade da pessoa humana, seus principais aspectos e a sua função no ordenamento jurídico.

2.1. O QUE É PRINCÍPIO?

A questão proposta acima é tema bastante controvertido. Seria muito pretensioso, e nem faz parte do escopo deste trabalho, chegar a esta resposta, quando há também bastante repercussão doutrinária. Visa-se, na verdade, apontar uma noção do conceito de modo a se criar um fundamento para alcançar o principal objetivo do trabalho: analisar e demonstrar a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana nas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região sobre assédio moral no trabalho. Assim, convém indicar e discutir as várias teses existentes acerca do tema e o entendimento acolhido por este trabalho.

Os princípios jurídicos são historicamente entendidos como normas de conteúdo abstrato e axiológico, isto é, uma norma dotada de valores em que sua aplicabilidade depende de certo exercício de ponderação. É como se fossem proposições jurídicas que pairassem no ar e que, para serem aplicadas, devem ser apanhadas pelo intérprete e confrontadas com a realidade concreta, fundamentando a decisão, e dando substrato à norma.

Neste sentido, Josef Esser afirma que "princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado" (apud ÁVILA, 2009, p. 35). Esser caracteriza o princípio como a espécie de norma que tem conteúdo no sentido valorativo: uma norma que contém valores, em oposição a outro tipo de norma caracterizada pela forma. Embora admita que em muitas vezes o essencial é a forma, pois é ela quem confere "significação jurídica àquele conteúdo fundamental" (apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 96).

Com efeito, Karl Larenz defende os princípios:

Como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento (apud ÁVILA, 2009, p. 35)

Deste modo, o autor entende os princípios como norteadores da regulamentação jurídica, não tendo aplicabilidade material, pois lhe faltaria a identidade formal de proposição jurídica, ou seja, não seria uma regra de efeito imediato, mas tão somente um direcionador para a obtenção desta.

Para Robert Alexy:

Os princípios jurídicos consistem apenas em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas (apud ÁVILA, 2009, p. 35)

Este autor compreende os princípios como instrumentos de potencialização normativa aplicada de acordo com as normas e circunstâncias do caso concreto, não determinando esta conseqüência de forma direta. Destarte, esclarece Humberto Ávila (2009, p. 38):

Daí a definição de princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas: normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos.

Destarte, para Alexy os princípios são norteadores do sistema jurídico devendo ser operados dentro de certos limites impostos tanto pela situação do caso concreto – a realidade – como pelas possibilidades jurídicas. Seriam, portanto, mandatos de otimização normativos:

Os princípios são mandatos de otimização, caracterizados pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus, e a medida do seu cumprimento não depende apenas das possibilidades reais, mas também das possibilidades jurídicas (apud BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 103).

Ronald Dworkin aborda de forma bastante profunda o papel dos princípios, tendo estes como partes indissociáveis do Direito. Neste sentido, Dworkin utiliza a expressão "princípio" em dois aspectos diversos, ora como método de interpretação e aplicação da norma, ora como parte integrante da norma e que deve ser aplicada como tal:

Com muita freqüência, utilizarei o termo "princípio" de maneira genérica, para indicar todo esse conjunto de padrões que não são regras (DWORKIN, 2010, p. 36).

Ainda, esclarece:

Denomino "princípio" um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade (DWORKIN, 2010, p. 36).

O autor investe na distinção entre princípios e regras, análise que não é cabível neste trabalho. Aqui interessa conhecer o conceito de princípio na filosofia do autor. Neste diapasão, Dworkin apresenta as características pertinentes aos princípios.

Assim, os princípios "não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas" (DWORKIN, 2010, p. 40). Isto é, quando lhe apresentada a situação fática, não tem o princípio o conteúdo normativo que lhe permita ser aplicado imediatamente.

De outro modo, Dworkin confere aos princípios um caráter de importância diferenciado quando expostos à colisão entre si. É o que o autor denomina "dimensão de peso" (dimension of weight):

Os princípios possuem uma dimensão que as regras não tem - a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (...), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um (DWORKIN, 2010, p. 42).

Assim, quando houver confronto entre princípios diferentes, o intérprete do Direito deverá fazer uma espécie de mensuração quanto ao valor que deve prevalecer no caso concreto, ou seja, dará uma importância relativa na circunstância em análise a um dos princípios colidentes.

José Afonso da Silva, adotando a teoria defendida por José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, afirma que os princípios são normas nas quais "confluem valores e bens constitucionais" (SILVA, 2007, p. 92).

Em sentido diametralmente oposto, o jurista Luís Antônio Rizzato Nunes afirma que há uma confusão entre "princípio" e "valor". Segundo ele, deve-se afastar a confusão existente na linguagem jurídica entre estes dois conceitos. Para o autor, enquanto o "valor" é relativo, ou seja, está condicionado a um conjunto de fatores históricos, políticos, sociais, econômicos etc., o princípio é absoluto:

Enquanto o valor é sempre um relativo, na medida em que "vale", isto é, aponta para uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta qualquer espécie de relativização (NUNES, 2010, p. 20).

Ainda, esclarece o autor:

O valor sofre toda a influência de componente histórico, geográfico, pessoal, social, local etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretação (...). O princípio, não. Uma vez constatado, impõe-se sem alternativa de variação (NUNES, 2010, p. 20).

Feita a distinção, Rizzato Nunes vem a corroborar a tese de Ronald Dworkin ao afirmar que os princípios são constituídos de aspectos de generalidade e abstração. Defende que "os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico" (NUNES, 2010, p. 35). E, sendo parte integrante do ordenamento jurídico, os princípios são dotados de eficácia plena. Com efeito, a interpretação da norma jurídica deve ser pautada em conformidade com os princípios jurídicos: "o intérprete tem sempre de constatar que o sistema jurídico legal – escrito e não escrito (costumes) – está assentado em princípios" (NUNES, 2010, p. 37).

O jurista Inocêncio Mártires Coelho afirma que os princípios cumprem um papel de fundamentação decisória da norma, isto é, apontam a maneira como deve ser aplicada a norma. Assim afirma:

Os princípios jurídicos não se apresentam como imperativos categóricos, mandados definitivos nem ordenações de vigência diretamente emanadas do legislador, antes apenas enunciam motivos para que o seu aplicador se decida neste ou naquele sentido (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 99).

Desta forma, o legislador, em se tratando de princípios, não delimita claramente a sua hipótese de incidência normativa, conferindo ao intérprete o exercício de investigação da adequação do princípio à situação fática apresentada. Ou seja, é o aplicador do Direito que, frente à realidade concreta oferecida, irá fazer o juízo de ponderação do princípio, averiguando a sua hipótese de cabimento. Neste sentido, os princípios atuam como verdadeiros mandatos de otimização recebidos do legislador.

O autor afirma que o princípio é produzido em duas fases. Na primeira, o legislador formula-os, dotando-os de caráter geral e abstrato. Em seguida, quando efetivados pelo intérprete da norma, atuam como "normas do caso ou normas de decisão" (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 100).

Em última análise, estabelece outra dimensão para os princípios, alargando a sua finalidade:

Os princípios jurídicos possuem, igualmente, uma importante dimensão institucional, como fatores de criação e manutenção de unidade política, à medida que, nos momentos constituintes, por exemplo, graças à amplitude e à indeterminação do seu significado, eles viabilizam acordos ou pactos de convivência sem os quais as disputas ideológicas seriam intermináveis, e os conflitos delas resultantes não permitiriam a promulgação consensual das leis fundamentais (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p.101).

Destarte, a positivação dos princípios na Constituição cumpre um roteiro pragmático com sentido de facilitar concessões políticas entre membros de diferentes correntes ideológicas. Isto se dá pelo grau de indeterminabilidade e abstração dos princípios. Essas características vêm acompanhadas de outros aspectos, como o caráter de fundamentalidade (os princípios têm uma importância estruturante no ordenamento), proximidade com a idéia de Direito (funcionam como padrões vinculantes aos deveres de justiça) e possuem uma "natureza normogenética", isto é, fundamentam as regras, "são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas" (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 104).

Sem prejuízo das posições apresentadas, entendeu-se, para os fins desta monografia, mais adequada a teoria defendida pelo jurista Humberto Ávila, a qual será aprofundada no tópico seguinte.

2.2. A TEORIA DOS PRINCÍPIOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS

Humberto Ávila apresenta divergência em relação às demais teorias que buscam explicar o papel dos princípios. Em virtude disso, criou a Teoria dos Princípios, que se propõe a explicar o funcionamento dessa espécie de norma:

É fácil de encontrar dois modos opostos de investigação dos princípios jurídicos. De um lado, podem-se analisar os princípios de modo a exaltar os valores por ele protegidos, sem, no entanto, examinar quais são os comportamentos indispensáveis à realização desses valores e quais os instrumentos metódicos essenciais à fundamentação controlável da sua aplicação. Nessa hipótese privilegia-se a proclamação da importância dos princípios, qualificando-os como alicerces ou pilares do ordenamento jurídico. Mais do que isso, pouco. (ÁVILA, 2010, p. 64)

A crítica apresentada refere-se à excessiva importância dispensada pela ciência jurídica em geral à idéia de princípio como mero fundamento da ordem legal, sem a preocupação de aprofundar os estudos acerca de seu método de aplicação. Isto é, a doutrina predominante costuma exaltar os valores contidos nos princípios, assim como seu papel de base do ordenamento jurídico. No entanto, não aponta os meios que possibilitariam a implementação desses mesmos valores.

Considera-se que essa atuação subestima a real preponderância dos princípios no ordenamento, relegando-os a um papel secundário, quando, na verdade, são primordiais. Neste sentido, os princípios tornam-se apenas depósitos de conteúdo axiológico, os quais, sem o devido aprofundamento sobre a questão de sua aplicação, não são efetivados. Permanecem, assim, subaproveitados, funcionando como "enfeites" normativos que apenas "decoram" o ordenamento jurídico, sem maiores efeitos práticos.

Ao romper de certo modo com esse tipo de análise, propõe-se que o estudo sobre os princípios seja direcionado à apreciação de seu esqueleto normativo. Assim, tendo como fim principal, por um lado, descobrir o método adequado que deve ser utilizado para a efetivação de seus valores e, por outro, justificar e garantir que a sua aplicação se dê em conformidade com a realidade jurídica.

Esclarece ÁVILA (2010, p. 64):

Pode-se investigar os princípios de maneira a privilegiar o exame da sua estrutura, especialmente para nela encontrar um procedimento racional de fundamentação que permita tanto especificar as condutas necessárias à realização dos valores por eles prestigiados quanto justificar e controlar sua aplicação mediante reconstrução racional dos enunciados doutrinários e das decisões judiciais.

Destarte, a própria estrutura do princípio contém os meios mais adequados à sua efetiva aplicação. Com efeito, os princípios teriam assim uma "dimensão" (ÁVILA, 2010, p. 69), mas diferentemente da "dimensão de peso" de Dworkin, trata-se de uma dimensão finalística. Neste sentido, os princípios cumprem uma função normativa de realização de seus valores através da aplicação da norma jurídica.

Com efeito, os princípios possuem essa característica de "normas imediatamente finalísticas" (ÁVILA, 2010, p. 71), pois promovem determinados estados de coisas que dependem de certas condutas para serem alcançados. Assim propõe ÁVILA (2010, p. 71):

Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante. (...) Os princípios estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido (state of affairs, Idealzustand), em virtude do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já escolhido para resguardar tal tipo de coisas.

Esses "estados de coisas" (ÁVILA, 2010, p. 71) referem-se a uma realidade concreta dotada de certas qualidades e se transformam em uma finalidade quando alguém busca alcançar os valores contidos neles. Portanto, quando o princípio do Estado de Direito, p. ex., propõe estados de coisas, como a responsabilidade estatal, em que para a sua efetivação necessita de determinadas condutas, como instrumentos processuais, o princípio está realizando o seu comportamento finalístico.

Nota-se então mais um aspecto dos princípios: seu caráter "deôntico - teleológico" (ÁVILA, 2010, p. 72). Explica-se: são deônticos, pois constituem determinados fundamentos para a criação de obrigações, permissões ou proibições; de outro modo, são teleológicos porque cumprem a sua finalidade a partir do estabelecimento de certas condutas que visam a promover o estado de coisas proposto. Assim, "os princípios são normas-do-que-deve-ser (ought-to-be-norms): seu conteúdo diz respeito a um estado ideal de coisas" (ÁVILA, 2010, p. 72).

Nesse espírito, os princípios possuem ainda outra faceta. Refere-se ao que ÁVILA (2010, p. 73) chama de "natureza da justificação exigida", isto é, a espécie de alegação que deve ser sustentada. Destarte, ao invocar um princípio (composto de um elemento finalístico), deve-se fundamentar a alegação correlacionando-se os efeitos da conduta devida com a realização do estado de coisas pretendido.

Assim, consiste esse aspecto no tipo de argumentação que deve ser utilizado para a fundamentação de um princípio. Por isso, é necessária que esta argumentação estabeleça-se no sentido de analisar e avaliar a conduta necessária a ser efetivada para que o ideal e os valores contidos na norma principiológica sejam atingidos. Arremata: "os princípios não determinam imediatamente o objeto do comportamento, mas determinam a sua espécie" (ÁVILA, 2010, p. 76). E em razão de apontarem situações a serem construídas, pode-se afirmar que os princípios possuem um aspecto predominantemente prospectivo.

Outra característica pertinente aos princípios é no tocante ao que se chama de "critério da medida de contribuição para a decisão" (ÁVILA, 2010, p. 76). Refere-se à forma pela qual os princípios auxiliam a tomada de decisão pelo intérprete da norma e aplicador do Direito. Deste modo, considera-se que os princípios têm na verdade uma função complementar, atuando juntamente com outros fatores para a formação da decisão a ser aplicada. Assim dispõe Humberto Ávila:

Os princípios consistem em normas primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para a tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão (ÁVILA, 2010, p. 76).Não há que se pensar de modo algum que, devido a esse aspecto, os princípios teriam um papel tangencial na motivação da decisão. Deve-se compreender que, por terem uma finalidade mediata, os princípios não possuem em si todos os elementos que permitam a construção de per si do entendimento decisório: os princípios têm peso preponderante, mas não exclusivo.

Assim, reforça-se o papel diretivo dos princípios, isto é, a função de apontarem valores que devem ser efetivados, mas sem conter em sua constituição normativa a conduta a ser realizada.

Cabe, ainda, tecer alguns comentários acerca do sentido das expressões "primariamente complementares" e "preliminarmente parciais". Por não terem a pretensão de monopolizar a motivação decisória, isto é, de não conglobar todos os elementos responsáveis pela tomada da decisão em seu conteúdo normativo, os princípios são assim considerados "preliminarmente parciais". De outro modo, diz-se que exercem função de complementaridade ao agirem em conjunto com outros e diversos fatores, visando a contribuir para a formulação da decisão.

Nesse sentido, esses aspectos são reflexos da natureza dos princípios: de um lado, atuam concomitantemente a outros fatores; de outro, não abrangem por si só todos os elementos motivadores da decisão.

Com fundamento nas características apresentadas, Humberto Ávila afirma, então:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária (ÁVILA, 2010, p. 78).

É importante destacar o aspecto finalístico dos princípios, isto é, a finalidade pretendida por eles a partir da concretização de seus valores. Ao apontar um objetivo e atuar de forma diretiva para o estabelecimento das condutas que efetivaram seus valores, busca-se satisfazer o escopo final do princípio. Este fim representa não um término do Direito, ou um ponto final da história, mas sim a realização, a concretização do seu conteúdo, um valor salutar e prestigiado pela sociedade.

Crucial, deste modo, são os meios utilizados para a obtenção do fim desejado. Como já foi observado, os princípios necessitam do cumprimento de certas condutas (seja um objeto, uma ação, uma situação, ou um comportamento, p. ex.) para que sejam efetivados. Assim, caso o meio utilizado não seja o adequado, ficará frustrada a aplicação do princípio, na medida em que não satisfará o seu objetivo.

Destarte, o princípio da dignidade da pessoa humana nunca será concretizado se, por exemplo, o empregador não opera a conduta adequada em relação a seus empregados, tratando-os com desrespeito, expondo-os a situações humilhantes ou vexatórias. Prejudicadas a realização de atos que exigem respeito e urbanidade, fica, então, frustrado o fim pretendido. Em conseqüência, o princípio não é concretizado.

Com efeito, Humberto Ávila defende que:

Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários (ÁVILA, 2010, p. 80).

Consoante, mesmo que indiretamente, os princípios exigem do legislador que, ao exercer sua função, determine as condutas adequadas à perseguição de seu fim em caráter positivo, especialmente através da instituição de regras jurídicas (assim entendidas as normas de aspecto retrospectivo e de caráter de decidibilidade e abrangência total, em contraponto aos princípios). E é essa qualidade que também diferencia os princípios dos valores. Os primeiros têm um caráter deontológico, pois apontam comportamentos que devem ser adotados, enquanto os valores situam-se num plano axiológico, apenas atribuindo qualidades aos elementos.

A partir dessa análise preliminar, faz-se necessário conhecer como se dá a eficácia dos princípios no plano jurídico-normativo. Diz Humberto Ávila que:

As normas atuam sobre outras normas do mesmo sistema jurídico, especialmente definindo-lhes o seu sentido e valor. Os princípios, por serem normas imediatamente finalísticas, estabelecem um estado ideal de coisas a ser buscado, que diz respeito a outras normas do mesmo sistema, notadamente as regras (ÁVILA, 2010, p. 97).

Não há dúvidas, portanto, que os princípios agem de modo integrativo sendo importantes para a compreensão da acepção normativa das regras. Essa qualidade é chamada "função eficacial" (ÁVILA, 2010, p. 97), quer dizer, refere-se à eficácia dos princípios.

Essa função dos princípios tem dois sentidos com diferentes reflexos: uma eficácia em âmbito interior, denominada de "eficácia interna" (ÁVILA, 2010, p. 97) e outra com implicação em âmbito exterior, chamada "eficácia externa" (ÁVILA, 2010, p. 99).

A eficácia interna refere-se à forma de atuação dos princípios no domínio normativo, isto é, na esfera de integração com as outras normas. Assim, quando a ação do princípio sobre uma norma se dá sem interposição de outra norma (princípio, ou regra), diz-se que essa eficácia é direta. Decorre desse tipo de eficácia a função integrativa do princípio. Explica-se: quando o princípio atua sobre a norma, sem interposição ou colaboração de outra, são agregados novos elementos, independentemente de previsão. Há, portanto, uma integração desses elementos à aplicação da norma. Neste sentido, exemplifica Humberto Ávila:

Se não há regra expressa que oportunize a defesa ou a abertura de prazo para manifestação da parte no processo – mas elas são necessárias -, elas deverão ser garantidas com base direta no princípio do devido processo legal (ÁVILA, 2010, p. 97).

De outro modo, quando o princípio, ao atuar sobre a norma, utiliza-se do apoio de outras normas, diz-se que há, então, a eficácia indireta. Destarte, quando o princípio é dotado de eficácia interna indireta, surgem funções relativas ao papel desempenhado por ele. Com efeito, ao delimitar a área de atuação de um princípio mais amplo, conhecido como "sobreprincípio" [04] (ÁVILA, 2010, p. 98), há a função definitória. Ou seja, um princípio "inferior" especifica o comando posto pelo princípio "superior". Nesta relação, o princípio da confiança e boa-fé, p. ex., delimita os aspectos do princípio da segurança jurídica (ÁVILA 2010, p. 98).

Por outro lado, quando os princípios agem sobre normas de alcance mais contido, construindo esses sentidos ao ampliá-los, ou restringi-los a partir da interpretação, exercem a função interpretativa. O princípio do devido processo legal atua dessa maneira ao impor a interpretação de regras que garantem citação e defesa de forma a proteger os interesses do cidadão, mesmo os elementos desse princípio já estando previstos no ordenamento, por exemplo (ÁVILA, 2010, p. 98). Nesse sentido, os princípios são considerados "decisões valorativas objetivas com função explicativa" (ÁVILA, 2010, p. 98).

E há, ainda, a função bloqueadora dos princípios. Ocorre quando a atuação deles se dá no sentido de afastar elementos expressos que confrontem os valores que os princípios pretendem realizar. Tem caráter relevante essa função pelo fato de agir de maneira protetiva em relação aos fundamentos defendidos pelos princípios.

É importante ressaltar, ainda nesse contexto, a função rearticuladora, específica dos sobreprincípios. Este caráter permite a essa espécie de princípios fazer a interação entre os elementos componentes do estado ideal de coisas objetivado. Assim ocorre quando o sobreprincípio do devido processo legal permite o relacionamento entre princípios que compõem a sua finalidade, como o da ampla defesa e do contraditório, e regras, como as de citação, intimação etc.

Em relação à eficácia externa, observa-se que é referente à atuação dos princípios sobre fatos e provas, de forma a obter a sua compreensão, não sobre normas, como ocorre na eficácia interna. Humberto Ávila afirma que:

As normas jurídicas são decisivas para a interpretação dos próprios fatos. Não se interpreta a norma e depois o fato, mas o fato de acordo com a norma e a norma de acordo com o fato, simultaneamente (ÁVILA, 2010, p. 99).

Na aplicação da norma cabe avaliar os fatos considerando um exame de pertinência e de valoração, isto é, os fatos devem ser analisados acerca da sua conformidade e de qual a interpretação adequada, no sentido de relacioná-los com a finalidade pretendida pelo princípio.

A eficácia externa pode ser tratada em vários níveis. Distingue-se num primeiro plano entre eficácia externa subjetiva e eficácia externa objetiva. A primeira refere-se à forma de atuação dos princípios jurídicos como direitos subjetivos no sentido de proteger os direitos de liberdade. Decorre daí a função protetora. O Estado, além de respeitar os direitos fundamentais, tem que promovê-los, a partir de medidas que os concretize (ÁVILA, 2010, p. 102).

Já a eficácia externa objetiva é subdividida em eficácia seletiva e eficácia argumentativa. Aquela é referente à forma de interpretação dos fatos. Defende que deve ser feita uma seleção dos fatos que podem alterar a previsibilidade, a mensurabilidade, a continuidade e a estabilidade, apontando os fatos pertinentes à pacificação do conflito. Essa ponderação é realizada a partir dos parâmetros valorativos contidos nos princípios, considerando-se pertinentes aqueles fatos imprescindíveis à identificação do bem jurídico resguardado pelo princípio.

Por outro lado, a eficácia argumentativa atua após a eficácia seletiva. Se esta seleciona os fatos pertinentes, a primeira faz o juízo de valoração, privilegiando a interpretação que aponte os aspectos desses fatos que se coadunam com a finalidade dos princípios, gerando a função eficacial valorativa.

Essa eficácia pode ser direta, quando os princípios não estabelecem previamente a conduta a ser adotada para promover o estado ideal de coisas que propõem. E por isso mesmo esses princípios necessitam da complementação de outras normas para a sua aplicação.

A eficácia argumentativa indireta é relacionada à ponderação entre princípios colidentes, orientando o intérprete a utilizar os meios que considerar adequados ao objetivo finalístico dos princípios.

Com efeito, a aplicação dos princípios é condicionada a um método criterioso, observando-se as funções dessas normas, a fim de concretizar os valores e objetivos contidos.

Nesse sentido, é importante conhecer, não apenas a estrutura normativa dos princípios, mas também os efeitos decorrentes de sua aplicação, para que o intérprete não seja frustrado no seu escopo de concretizar o estado ideal de coisas proposto.

2.3. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O objetivo principal deste trabalho é demonstrar o modo de aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana pela jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região nos casos de assédio moral no ambiente de trabalho. A partir da apreensão das noções sobre assédio moral e seus efeitos sobre o ambiente de trabalho, e sobre os princípios e suas formas de aplicação, cabe então compreender os aspectos gerais do princípio da dignidade da pessoa humana, com o fim de colacionar subsídios teóricos para a futura análise jurisprudencial.

Nesse diapasão, cumpre questionar em sede preliminar o que se entende por dignidade da pessoa humana e porque esse valor é tão caro.

Na verdade, a idéia de dignidade do ser humano é uma construção histórica e funda-se, predominantemente, no pensamento de Immanuel Kant, como preceitua Ingo Sarlet:

É justamente no pensamento de Kant que a doutrina mais expressiva – nacional e alienígena – ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2010, 39).

Afirma Kant que a dignidade da pessoa humana funda-se na própria idéia de autonomia da vontade, isto é, na faculdade de determinar a si mesmo e conforme a lei (qualidade exclusiva dos seres racionais). Com efeito, o autor defende que:

O Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim (apud SARLET, 2010, p. 38).

Nesse sentido, a noção de dignidade é intrínseca à idéia de autodeterminação. Não há como pensar em dignidade sem a garantia do efetivo exercício de sua independência volitiva, isto é, de sua autonomia da vontade.

Nota-se que não há de fato um conceito de dignidade da pessoa humana. Michael Sachs aponta que isso ocorre pelo fato de, ao contrário de outras normas fundamentais que tratam de temas de certa forma específicos da vida humana (saúde, segurança, liberdade, propriedade etc.), a dignidade cuida de um atributo da pessoa, um valor próprio do ser humano (apud SARLET, 2010, p. 47).

Destarte, a dignidade é constituída de alguns aspectos que refletem determinadas características. Nesse contexto, diz-se que a dignidade é inerente à condição humana. Ou seja, independe de qualidades especiais, seja de cunho social, intelectual, sexual, religioso etc. A simples condição de pessoa basta para que seja dotada desse atributo: a dignidade. Consoante, ensina Chaves de Camargo:

Toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na superioridade racional a dignidade de todo ser. Não admite discriminação, quer em razão do nascimento, da raça, da inteligência, saúde mental, ou crença religiosa (apud NUNES, 2010, p. 64).

E sendo propriedade, isto é, atributo intrínseco e indissociável da pessoa, compondo seu patrimônio humano, a dignidade é dotada de certos aspectos. É inalienável e irrenunciável, não podendo mesmo ser separada do indivíduo, e são assim todos os direitos decorrentes dela (integridade física, psíquica e moral; vida e outros). Constitui-se em verdadeiro valor supremo, devendo ser protegida e garantida a sua realização. E para isso não importa sequer a conduta social do indivíduo, quer dizer, mesmo "um criminoso inconteste tem dignidade a ser preservada" (NUNES, 2010, p. 64).

Nesse sentido:

A dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente (SARLET, 2010, p. 50).

Interessante notar que a dignidade pode ser inobservada, objeto de violação ou desrespeito, no entanto, nunca será dissociada, ou seja, destacada do sujeito. É uma qualidade que o indivíduo carrega por toda a vida, existindo independentemente de reconhecimento pela ordem jurídica a que está subordinado.

Ressalte-se que neste sentido só é cabível de desrespeito a dignidade de pessoa determinada, de forma que não existe atentado contra a dignidade no plano abstrato, mas tão somente em dimensão concreta:

Importa considerar que apenas a dignidade de determinada (ou de determinadas) pessoa é passível de ser desrespeitada, inexistindo atentados contra a dignidade da pessoa em abstrato (SARLET, 2010, p. 60).

De outro modo, não se pode resumir a dignidade exclusivamente a uma qualidade inata da pessoa. Reside aí também um aspecto cultural, visto que esse atributo foi sendo formado historicamente. É um atributo cujo sentido está sujeito a constante rediscussão:

Importa mencionar que a dignidade da pessoa humana, como símbolo lingüístico que também é (e como tal tem sido utilizada), não tendo, como já frisado, um conteúdo universal e fixo, no sentido de representar uma determinada e imutável visão de mundo e concepção moral, dificilmente poderá ser traduzida por uma fórmula que tenha a pretensão de ser "a verdadeira" noção de dignidade da pessoa humana, mas acaba, pelo menos em parte, sendo permanente objeto de reconstrução e repactuação quanto ao seu conteúdo e significado (SARLET, 2010, p. 55).

Nesse deslinde, cabe ressaltar que a dignidade da pessoa humana é construção histórica, sendo "fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a experiência humana" (NUNES, 2010, p. 62). Assim, é natural e salutar que a sua concepção, o seu conteúdo e seus valores estejam em constante redimensionamento, isto é, em perene discussão e reorganização, conformando-se à realidade histórico-cultural de cada sociedade.

Isso porque a "dignidade não está acima das especificidades culturais" (SARLET, 2010, p. 65) que em determinados momentos admite condutas que em outro contexto podem ser consideradas atentatórias a esta mesma dignidade. Essa relação varia tanto no tempo, como no lugar ou sociedade. Ou seja, em certo momento histórico, pode ser admitido determinado ato que em outro momento é considerado como violador da dignidade, ou ainda, num mesmo contexto temporal uma conduta pode ser aceita num lugar ou sociedade e rechaçada em outro.

Nota-se deste modo que, apesar da indissociabilidade da dignidade com a condição individual, ela possui um aspecto social, ou seja, de grupo, denominado "caráter intersubjetivo e relacional da dignidade da pessoa humana" (SARLET, 2010, p. 61). Assim, a dignidade possui uma dimensão transversal, ultrapassando os limites individuais e refletindo em toda a comunidade:

Sem prejuízo de sua dimensão ontológica e, de certa forma, justamente em razão de se tratar do valor próprio de cada uma e de todas as pessoas, apenas faz sentido no âmbito da intersubjetividade e da pluralidade (SARLET, 2010, p. 63).

Ainda, a dignidade impõe-se de dois modos: ao ser oposta pelo indivíduo contra o Estado, no sentido de limitar o poder estatal; e ao instituir a este mesmo Estado o dever de promover ações que importem no pleno exercício da dignidade. Assim, a dignidade comporta-se de forma a criar obrigações positivas e negativas para o Estado. É negativa quando impede o poder público de restringir a dignidade; e positiva quando impõe uma prestação a ser cumprida para a devida efetivação da mesma.

Com efeito, acolhendo a perspectiva da autodeterminação do indivíduo, da limitação da tutela estatal e da promoção de ações positivas pelo Estado, Ingo Sarlet aponta a dignidade da pessoa humana como:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida (SARLET, 2010, p. 70).

Luís Antônio Rizzato Nunes preceitua que a dignidade ainda prevalece em duas outras dimensões. Uma no sentido já consagrado de considerar-se a dignidade como qualidade inata do indivíduo. A outra consiste no plano de relacionar a dignidade à idéia de vida digna, tendo um reflexo social (NUNES, 2010, p. 64). Nesse sentido, a dignidade não é vivida de forma isolada, mas, como já foi suscitado, dentro de um contexto social e histórico comum a um grupo de pessoas, ou uma comunidade. É assim um valor conjunto.

Destarte, tendo em vista as características apresentadas, passa-se a apresentar-se a positivação da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico e as suas implicações.

Antes, é importante aferir que a proteção da dignidade humana ganhou impulso, principalmente, após a segunda guerra mundial, quando os horrores praticados pelo nazismo foram conhecidos. Assim afirma Luís Antônio Rizzatto Nunes: "foi claramente a experiência nazista que gerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana" (NUNES, 2010, p. 62).

Nesse contexto, em reação às atrocidades praticadas no período, buscou-se criar instrumentos normativos que garantissem a proteção à dignidade da pessoa humana.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe:

Artigo 1º - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. (grifos nossos)

Há, portanto, o reconhecimento pelo Direito da dignidade da pessoa humana. Vale ressaltar que este documento não cria, ou concede a dignidade, pois esta é uma qualidade que nasce com a pessoa e acompanha-a por toda a vida, mas reconhece, ou seja, admite a existência desse atributo.

E, neste espírito, a Constituição Federal do Brasil de 1988 não somente reconheceu, mas elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento do Estado brasileiro. Também a estabeleceu como princípio constitucional fundamental a ser observado, garantido e promovido pelo Brasil. Dispõe o art. 1º, inciso III da Constituição:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

(...)

III -  a dignidade da pessoa humana; (grifos nossos)

Esse caráter de princípio constitucional dado à dignidade tem um significado especial, não podendo ser entendido como mero texto declaratório. Isso porque, ao alçar a dignidade ao patamar de princípio, ela deixa de ser apenas um atributo do indivíduo e passa a ser um valor pelo qual devem ser observados todos os atos estatais. Isto é, ao efetuar determinadas políticas públicas, o Estado deve objetivar a realização da dignidade da pessoa humana. Isso envolve o Estado em todas as suas dimensões, abrangendo inclusive o Poder Judiciário que, ao aplicar a norma (através de seus membros), deve observá-la e interpretá-la sempre à luz da dignidade da pessoa humana, afastando a aplicação quando esta se mostrar inadequada aos fins daquela.

Diz Luís Antônio Rizzato Nunes que:

Por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas (NUNES, 2010, p. 65).

Neste sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser entendido mesmo como um sobreprincípio (ou supraprincípio), sendo considerado num plano acima de todos os outros:

Tratando-se de um método de ponderação de bens à luz do caso concreto, é intuitivo que a priori não exista uma hierarquia fixa e abstrata entre os diversos princípios, ressalvada – porque fora de cotejo axiológico – apenas a dignidade da pessoa humana como valor-fonte dos demais valores, valor fundante da experiência ética ou, se preferirmos, princípio e fim de toda ordem jurídica (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 102).

Consoante à idéia de sobreprincípio, afirma Paulo Bonavides sobre o princípio da dignidade da pessoa humana que:

Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser portanto máxima e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados (SARLET, 2010, p. 86).

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana torna-se elemento propriamente constitutivo do Estado Democrático de Direito. Importante notar que, nesse contexto, ficou estabelecida que a atuação do Estado deve ocorrer em função da pessoa, tornando-se o indivíduo fim último da atividade estatal, e o Estado, meio para que a pessoa humana tenha garantida a sua dignidade. Desta forma, ensina José Joaquim Gomes Canotilho:

A dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização que serve ao homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. (CANOTILHO, 2007, p. 221)

Destarte, o princípio da dignidade, além da dimensão normativa, compõe-se também de um caráter vinculante no sentido de sempre relacionar toda a atuação estatal à finalidade do princípio.

Com efeito, Jorge Reis Novais afirma que:

No momento em que a dignidade é guindada à condição de princípio constitucional estruturante e fundamento do Estado democrático de Direito, é o Estado que passa a servir como instrumento para a garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas (apud SARLET, 2010, p. 76).

Deste modo, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha contornos que realçam sua função informadora e de integração de todo o sistema jurídico, tornando-se uma espécie de régua por onde deve se pautar a efetividade deste ordenamento. Diz Ingo Sarlet que:

Neste passo, impõe-se seja ressaltada a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio na medida em que este serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico (SARLET, 2010, p. 91).

Luís Antônio Rizzato Nunes defende essa abordagem:

Sempre haverá aqueles que pretendem dizer ou supor que Dignidade é uma espécie de enfeite, um valor abstrato de difícil captação. Só que é bem ao contrário: não só esse princípio é vivo, real, pleno e está em vigor como deve ser levado em conta sempre, em qualquer situação (NUNES, 2010, p. 65)

Nesse contexto, torna-se necessário identificar os elementos que compõem esse princípio tão importante. Afinal, do que é constituída a dignidade?

Ao tomar a dignidade da pessoa humana como valor supremo da Constituição, não há dúvida de que ela é formada pelos meios necessários e adequados que garantam aos indivíduos e à sociedade em geral uma vida digna.

Nesse sentido, pode-se verificar que se relacionam com o princípio da dignidade e têm a função de efetivá-lo todos aqueles direitos e garantias considerados fundamentais pela Constituição. Ensina Ingo Sarlet que:

Sendo correta a premissa de que os direitos fundamentais constituem – ainda que com intensidade variável – explicitações da dignidade da pessoa, por via de conseqüência e, ao menos em princípio (já que exceções são admissíveis, consoante já frisado), em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa (SARLET, 2010, p. 96).

Destarte, não há como se pensar em vida digna sem a garantia de direitos como à saúde, à segurança, à honra, à imagem, à educação, ao trabalho, ao devido processo legal, de propriedade etc. Compreende-se, dessa forma, que os direitos fundamentais (especialmente os direitos sociais) mantêm estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana (embora nem todos estejam fundamentados nessa idéia) e permitem entender que a Constituição comporta-se de modo a efetivar, através de suas normas, a dignidade, o valor supremo que deve ser garantido, protegido e promovido. É esse o "estado de coisas" visado pelo referido princípio.

Argumenta Ingo Sarlet que:

Verifica-se ser de tal forma indissociável a relação entre a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá – apenas a partir deste dado – concluir que não se faça presente na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (SARLET, 2010, p. 96).

Assim, existe nítida e íntima relação entre dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais no sentido de que sem estes não é possível concretizar aquele. Ainda, conforme o entendimento de que a dignidade é permanentemente reformulada, de acordo com o contexto social, cultural e histórico, é de bastante salutar o fato de a Constituição prever expressamente a ampliação do rol de direitos fundamentais, permitindo uma constante rediscussão acerca do princípio em análise.

Essa condição de princípio fundamental e estruturante do sistema jurídico conferido à dignidade da pessoa humana importa, por conseguinte, em os direitos fundamentais em geral apontarem para a realização dessa dignidade. Em conseqüência, pode-se afirmar que, para além dos direitos fundamentais, a ordem legal como um todo volta-se para a defesa, garantia e promoção da dignidade.

Destarte, impõe-se ao Estado e à sociedade o dever de respeitar a dignidade de cada indivíduo, assim como implementar atos que apontem para sua promoção. Quando, p. ex., o empregado sofre assédio moral no trabalho, tem violada a sua dignidade, devendo a ordem jurídica agir de forma a condenar essa afronta e restabelecer a dignidade da vítima.

Com efeito, há valorização da dignidade quando a empresa oferece um ambiente de trabalho saudável, ou quando o Estado e a ordem jurídica combatem eventuais abusos que possam violar o princípio.

É necessário que haja uma atuação permanente e conjunta entre sociedade, Estado e pessoas individualmente consideradas para que se possa de fato proteger esse valor tão caro: a dignidade humana.


3. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NOS CASOS DE ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO.

A partir da compreensão dos institutos apresentados anteriormente e da apreensão de suas significações, tornou-se necessário estudar e analisar de que maneira se dá, na prática, a sua ocorrência. Como os tribunais - especialmente o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região – vêm tratando a dignidade da pessoa humana em suas decisões? De que forma a jurisprudência tem entendido o fenômeno do assédio moral como violação à dignidade?

Assim, no primeiro tópico foi realizado estudo sobre a aplicação e eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana. Buscou-se conhecer e delimitar os modos de aplicação deste princípio e se esses meios são suficientes para se dizer que o princípio in casu vem sendo corretamente aplicado, garantindo a sua integridade.

Importante se faz essa pesquisa para que se possa entender de forma clara a partir de que momento pode-se dizer que o referido princípio foi, de fato, aplicado na decisão judicial. Ainda, cabe discutir se essa aplicação é competente no sentido de concretizar o "estado de coisas" objetivado pelo princípio.

No segundo tópico, foi realizada análise das principais decisões sobre assédio moral no ambiente de trabalho proferidas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região.

A análise consistiu na apreciação da jurisprudência deste tribunal, sobre a qual foi realizado estudo em que houve uma ponderação, no sentido de conhecer se tais decisões têm de fato efetivado o princípio em tela, considerados os parâmetros discutidos neste trabalho. Ou seja, a partir dos conceitos apreendidos sobre os institutos aqui apresentados (dignidade da pessoa humana, princípios, aplicação e eficácia, assédio moral no trabalho e meio ambiente do trabalho) foram analisadas as decisões do judiciário trabalhista para conhecer de que maneira vem agindo o tribunal.

3.1. APLICAÇÃO

A função integradora do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que atua como paradigma da aplicação e interpretação normativa do Direito é reafirmada conforme os direitos fundamentais encontram fundamento no referido princípio. Isto é, ao atuar como esteio normativo primordial dos direitos fundamentais, mais reforçado é o papel hermenêutico do princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, com o advento e fortalecimento das teorias neoconstitucionalistas, a partir de 1988, houve um movimento de busca pela garantia da plena efetividade dos direitos firmados no texto constitucional. Assim, a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado e base dos direitos fundamentais, tornou-se o principal parâmetro de integração e efetivação dessas garantias.

Contudo, esta popularização do uso do princípio na hermenêutica jurídica trouxe como efeito certa "vulgarização" da dignidade da pessoa humana, no sentido de os tribunais valerem-se da aplicação deste princípio para a solução de conflitos, mas sem a devida consistência na fundamentação decisória.

Assim afirma Ingo Sarlet:

Não são poucas as decisões que apenas referem uma violação da dignidade da pessoa, sem qualquer argumento adicional demonstrando qual a noção subjacente de dignidade adotada segundo os quais uma conduta determinada (seja qual for sua procedência ou natureza) é considerada como ofensiva (ou não) à dignidade, o que, de certo modo, a despeito da nobreza das intenções do órgão julgador, acaba, em muitos casos, contribuindo mais para uma desvalorização e fragilização jurídico-normativa do princípio do que para a sua maior eficácia efetividade (SARLET, 2010, p. 92).

Com efeito, pode-se apontar claramente o que não caracteriza a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana: a mera referência, ou indicação do princípio, incapaz de realizar o seu conteúdo. Ou seja, não se considera aplicado o princípio quando a decisão apenas faz menção ao dispositivo, sem promover a sua devida importância e relevância no ordenamento jurídico e, ainda, incapaz de concretizar o "estado de coisas" objetivado.

Logo, não é correto pensar que basta uma desinteressada citação ao princípio da dignidade da pessoa humana com fins argumentativos, sem maior fundamentação e consistência, para que sejam realizados seus preceitos. A simples declaração de que naquela decisão foi utilizado o referido princípio não trará ao mundo os efeitos pretendidos pela norma, como numa mágica, em que basta dizer a palavra correta para que a magia aconteça.

De outro modo, ao resumir a aplicação à indicação do princípio no texto decisório, há, na verdade, ocorrência de um efeito inverso, concorrendo o ato para a banalização da dignidade da pessoa humana, mostrando certo descompromisso com a sua concretização.

Destarte, para Ingo Sarlet :

A jurisprudência brasileira está resgatando o princípio da dignidade da pessoa humana como referencial no processo decisório, mas também aponta para a necessidade de maior cautela na utilização - nem sempre apropriada – da dignidade como argumento (SARLET, 2010, p. 94).

O princípio da dignidade da pessoa humana deve atuar como fundamento basilar das decisões, de forma a realizar no plano fático-jurídico todo aquele "estado de coisas" preceituado em seu conteúdo normativo. É nesse contexto que a sua aplicação deve ser pautada, conformando-se em seu papel de fundamento do Estado e verdadeiro "sobreprincípio" do ordenamento jurídico, assim reforçando seu protagonismo.

Faz-se, então, importante conhecer, por outro lado, como se caracteriza a aplicação do referido princípio, isto é, saber identificar claramente a situação em que se pode afirmar que houve, de fato, a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no plano concreto.

Esta aplicação deve necessariamente compreender uma efetiva atuação do princípio no sentido de tornar viável no patamar fático a realização dos objetivos almejados. Se a defesa da dignidade constante na decisão judicial não implicar em efetiva transformação social, mas apenas vagar num plano abstrato, não alcançou seu fim, sendo ineficaz, não cabendo, deste modo, falar em aplicação do instituto.

Em suma, para fins desta monografia, cabe destacar alguns requisitos mínimos para que seja considerado aplicado o referido princípio em uma decisão.

Neste sentido, os membros da sociedade devem ter consciência de seus deveres. Contudo, percebe-se que nem sempre há nas pessoas essa noção de dever social, isto é, em manter um comportamento em consonância com os preceitos éticos e respeito aos direitos de terceiros.

Assim, sendo causado o dano, impõe-se o dever de reparação; de repreensão social; e ainda de ensinamento acerca da inconveniência do dano causado. Destarte, o conteúdo da decisão judicial deve tratar das formas de reparação do prejuízo (a indenização é a principal medida utilizada, visto que dificilmente a situação pode ser restaurada), assim como buscar "oportunizar, ao ofensor, a possibilidade de compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social" (MATTOS, 2010).

Assim, a decisão judicial que utilize o princípio da dignidade da pessoa humana como argumento deve conter uma função didático-pedagógica; outra chamada compensatória, ou reparadora, ou restauradora; e ainda a função punitiva.

Explica-se: a primeira refere-se a uma função de caráter conscientizador da decisão, ou seja, à idéia de que a decisão judicial deve estimular uma reflexão sobre os fatos da lide, de forma a despertar a sociedade para a importância do tema em questão, no caso, a dignidade humana. Procura-se, deste modo, "sensibilizar os indivíduos a coletividade para a construção de valores sociais, conhecimentos, habilidades e competências" (MATTOS, 2010). Assim, o Estado, através do juiz - intérprete e criador da norma jurídica - atua no sentido de promover tão importante princípio:

Já a função reparadora, ou compensatória é referente à idéia de restauração da situação anterior à ocorrência da violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. A aplicação do princípio deve buscar o chamado status quo ante, objetivando, sempre que possível, o restabelecimento da realidade fática existente antes do evento que gerou o dano.

Contudo, em geral não é possível a restauração do dano (até por se tratar de uma agressão de caráter moral), devendo haver então um meio eficaz para que o desrespeito ao princípio não fique impune. Assim, a indenização pela violação causada torna-se o caminho mais comum. Não é cabível aprofundar este tema, posto que não seja escopo deste trabalho, sendo importante a sua abordagem para se compreender a função preponderante da decisão judicial.

Em relação à função punitiva, diz-se que:

Refere-se, simultaneamente, a ação e ao efeito de punir, o que se concretiza pelo respectivo cumprimento da pena imposta ou sofrimento da sanção/condenação imposta" (MATTOS, 2010).

Com efeito, observa-se que o elemento punitivo encontra-se diluído nas duas funções anteriores.

O conteúdo decisório, portanto, deve estar em consonância com a teleologia do princípio da dignidade da pessoa humana, agindo no plano concreto para a efetiva realização do "estado de coisas" preceituado, transformando a realidade social.

Ao atuar como verdadeiro "sobreprincípio", a dignidade da pessoa humana torna-se elemento central do ordenamento jurídico-normativo, em que as normas desta ordem legal confluem para atingir a sua finalidade.

3.2. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Vistos e conhecidos os institutos que norteiam este trabalho, passa-se a analisar como a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região vem tratando essa questão.

A pesquisa foi realizada no portal do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região na internet, no qual foram analisados 45 acórdãos tratando do tema assédio moral no ambiente de trabalho. Em 14 desses acórdãos restou configurada a prática do assédio moral. Passou-se então a estudar essas decisões a fim de conhecer se houve a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e como se deu esta aplicação.

A análise fundamentou-se nos critérios de aplicação estudados no tópico anterior, assim não foi considerado aplicado o princípio da dignidade da pessoa humana quando a decisão formulou tão somente mera referência ao princípio, sem fazer uma abordagem reflexiva mais profunda da matéria.

De fato, a pesquisa realizada confirmou a idéia levantada - no tópico anterior - por Ingo Sarlet segundo a qual, em muitos casos, há na decisão apenas a constatação da violação à dignidade, sem maior aprofundamento da questão. Foi o que se observou no presente trabalho.

Com efeito, grande parte dos acórdãos aqui analisados traz simples menção ao princípio. É o que ocorre no seguinte acórdão, de onde extraímos o trecho:

ACÓRDÃO TRT 4ª T/ RO 00442-2006-005-08-00-8

(...)

Não é demais dizer que o emprego e o trabalho são bens de grande valia para o homem. Negar a prestação do serviço do empregado é atentar contra a sua dignidade. Nesse viés, não há como não reconhecer que a reclamante, na sua subjetividade, intimidade psíquica, não esteja crivada de sofrimento, contendo, na medida que pode, seus sentimentos deveras abalados. In casu, a repercussão negativa dos atos praticados, restou provada diante da situação vivida. (grifos nossos)

Neste caso, configurada a ocorrência do assédio moral no trabalho, a decisão reconhece a violação à dignidade do trabalhador. No entanto, a abordagem acerca da afronta ao princípio é encerrada aí. A abordagem é bastante tangencial e não existe maior preocupação em aprofundar a discussão sobre o desrespeito ao princípio.

Além de não se observar, p. ex., qualquer ato no sentido de demonstrar o conteúdo da dignidade humana, também não há referência ao "estado de coisas" objetivado pelo princípio, pelo que se sustenta que, embora tenha utilizado a dignidade como argumento decisório, não houve efetiva aplicação do princípio nesta decisão.

Neste sentido, outros dois acórdãos analisados apontam o dano causado à dignidade do trabalhador como efeito do assédio moral sofrido por ele no ambiente de trabalho:

ACÓRDÃO TRT 2ª T/RO 01877-2005-015-08-00-6

(...)

O contexto probatório revela que o comportamento da empresa e de seus representantes resultou em constrangimento e humilhação ao reclamante para obrigá-lo a romper o contrato de trabalho ou futuramente poder dispensá-lo por justo motivo, restando caracterizado o assédio moral, pois a reclamada agiu em desrespeito à dignidade do trabalhador. (grifos nossos)

ACÓRDÃO TRT/3ª T/RO 01950-2004-004-08-00-5

(...)

O assédio moral se caracteriza por atitudes repetitivas do empregador, do superior hierárquico ou até mesmo de colegas de trabalho do empregado (no caso, vítima, ou assediado), que o expõem a situações constrangedoras, humilhantes, conseqüentemente, agredindo a dignidade do trabalhador, com danos psicológicos e morais, que ensejam uma mudança no ambiente de trabalho, podendo levar o empregado a perder do emprego. (grifos nossos)

É inegável o nexo de causalidade existente entre a prática do assédio moral e a degradação do ambiente de trabalho e da dignidade da vítima, como já foi demonstrado neste trabalho. Assim, as decisões reconhecem a violação ao princípio da dignidade da pessoa, mas sem estabelecer a real importância desta dignidade.

Isto é, no sentido em que é colocada nas decisões acima, a dignidade torna-se apenas mais uma garantia violada, sem ter ressaltada a sua condição de fundamento do ordenamento jurídico.

Consoante, não se vê presente nesses acórdãos supracitados aquele conteúdo pedagógico tratado anteriormente, visto que não se busca esclarecer as partes acerca dos elementos que constituem a dignidade, a sua relevância no contexto legal, ou a sua finalidade. Há tão somente breve menção ao princípio, o que não corresponde ao seu valor no sistema jurídico.

Ainda, tal comportamento é repetido na seguinte decisão com trecho abaixo transcrito:

ACÓRDÃO TRT 4ª T./RO 00037-2008-008-08-00-0

(...)

O assédio moral, também conhecido como mobbing, terror psicológico, constitui-se em atentado contra a dignidade humana. (grifos nossos)

Mais uma vez o acórdão estabelece o vínculo já consagrado entre a prática do assédio moral no ambiente de trabalho e o ataque à dignidade do empregado, porém se furta de aprofundar a matéria referente ao princípio.

Com efeito, a decisão que segue atua da mesma forma:

ACÓRDÃO TRT 3ª T./ RO 01583-2006-125-08-00-0

(...)

O respeito às relações de trabalho estão diretamente relacionados ao fortalecimento da dignidade da pessoa humana. Não basta que a pessoa tenha um emprego, pois, como já dito acima, o trabalho é uma forma de realização pessoal. No presente caso, a indenização por assédio moral é devida, eis que a honra, a dignidade da pessoa do reclamante, atributos da personalidade foram duramente atingidos pela conduta dos colegas de trabalho, não coibida, mas, ao contrário, incentivada, pelos superiores hierárquicos.
Sinteticamente, é a sujeição, insistente e prolongada, do trabalhador pelo empregador, seus prepostos ou colegas, no curso da relação de trabalho, a condições que lhe violam a integridade psíquica com o propósito de arruinar-lhe a dignidade humana. (grifos nossos)

De outro modo, o seguinte acórdão, em trecho abaixo transcrito, além de vincular a ação que ensejou o assédio moral com o dano ao princípio da dignidade da pessoa humana, faz uma abordagem, embora superficial, do princípio e da sua importância no ordenamento jurídico:

ACÓRDÃO TRT/2ª T./RO 01628-2007-012-08-00-3

(...)

No âmbito das relações trabalhistas, o assédio moral consiste no tratamento humilhante, constrangedor ou vexatório proporcionado pela empresa contra o trabalhador, de forma prolongada, reiterada e intensa, mas geralmente muito sutil, a ponto de reduzir a sua auto-estima e tornar insuportável a continuidade do contrato de trabalho, uma vez que atinge a dignidade da pessoa humana, com graves reflexos na vida pessoal, familiar e social.

Com efeito, a dignidade do trabalhador sempre foi o fundamento central do direito do trabalho. (...) o exercício do poder diretivo do empregador deve observar o princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena da prática sistemática de um tratamento desrespeitoso caracterizar assédio moral. (grifos nossos)

Assim, a decisão reconhece o valor de elemento central do ordenamento jurídico que possui o princípio, devendo por isso ser respeitado, promovido e ter combatida a sua degradação.

Contudo, percebe-se que o tema não é aprofundado e o uso da dignidade como construção argumentativa do acórdão é encerrado na consideração de sua importância como instrumento basilar do sistema.

Não é muito diferente o que ocorre no seguinte acórdão, do qual se extraiu este trecho:

ACÓRDÃO TRT/2ª T./RO 0125000-24.2009.5.08.0009

(...)

A situação física e psicológica em que se encontra em razão da conduta do empregador tem o efeito de produzir no autor distúrbios de ordem emocional, causando-lhe humilhações e afetando-lhe a imagem perante sua comunidade. Atingindo a sua própria saúde o que viola o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, vetor fundamental da República, nos termos do art. 1º, III, da CF/88. (grifos nossos)

Semelhante ao que dispõe a decisão anterior, esta também ressalta o valor de "sobreprincípio" da dignidade da pessoa humana, base do ordenamento jurídico brasileiro. Embora tenha reconhecido o patamar em que se encontra o princípio, a abordagem foi superficial, não tecendo-se outros comentários além deste.

Importante ressaltar que a decisão admite a violação da dignidade por prática de assédio moral, o que já resta pacificado na jurisprudência, no entanto, não explorou a matéria.

Em relação à análise do segundo elemento decisório (a função punitiva, como já foi tratado, está presente nas duas outras funções) que deve estar presente na decisão, isto é, seu conteúdo compensatório, ou restaurador, todas as decisões analisadas estabeleceram o pagamento de indenização pelos danos provenientes do assédio moral.

Assim, destacam-se algumas dessas decisões a fim de apresentar como a jurisprudência tem efetivado este segundo elemento decisório.

ACÓRDÃO TRT 4ª T/ RO 00442-2006-005-08-00-8

ACORDAM OS DESEMBARGADORES (...) EM DEFERIR A PARCELA DE INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL NA QUANTIA DE 10 (DEZ) SALÁRIOS, FICANDO O RECLAMADO OBRIGADO A MANTER A RECLAMANTE NAS SUAS FUNÇÕES NORMAIS, COMO QUALQUER EMPREGADO DO ESTABELECIMENTO, GARANTINDO UM AMBIENTE SALUTAR A MESMA COM A DIGNIDADE QUE DEVE SER DISPENSADA A TODO E QUALQUER TRABALHADOR, PELO TEMPO EM QUE ESTIVER PRESTANDO SERVIÇOS (...). (grifos nossos)

Ressalte-se que não é objetivo desta monografia fazer juízo valorativo sobre as decisões, assim, não cabe aqui analisar se o quantum indenizatório estabelecido foi adequado, ou não. Busca-se, de outro modo, demonstrar se as decisões aplicaram o princípio da dignidade da pessoa humana conforme os critérios definidos no tópico anterior.

ACÓRDÃO TRT 3ª T./ RO 01583-2006-125-08-00-0

INDENIZAÇÃO. ASSÉDIO MORAL. É devida a indenização por assédio moral, eis que a honra, a dignidade da pessoa do reclamante, atributos da personalidade foram duramente atingidos pela conduta dos colegas de trabalho, não coibida, mas, ao contrário, incentivada, pelos superiores hierárquicos. A relação de trabalho deve ser de igualdade e de intenso respeito, cabendo frisar que a igualdade prevista no art. 5º da Constituição da República não restringe a relação de trabalho à mera dependência econômica subordinada: assegura ao trabalhador o necessário respeito à dignidade humana, à cidadania, à imagem, honradez e auto-estima. (grifos nossos)

Observa-se que, em relação à função compensatória, as decisões cumprem este requisito, estabelecendo indenizações pelo dano causado e até obrigações de não - fazer, como no acórdão acima, evitando assim que surjam novos casos de violação à dignidade através da prática do assédio moral.

ACÓRDÃO TRT/2ª T./RO 0125000-24.2009.5.08.0009

DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
I - No âmbito das relações trabalhistas, o assédio moral consiste no tratamento humilhante, constrangedor ou vexatório proporcionado pela empresa contra o trabalhador, de forma prolongada, reiterada e intensa, mas geralmente muito sutil, a ponto de reduzir a sua auto-estima e tornar insuportável a continuidade do contrato de trabalho, uma vez que atinge a dignidade da pessoa humana, com graves reflexos na vida pessoal, familiar e social.
II - À vista das circunstâncias dos autos, deve ser mantido o quantum indenizatório em R$-8.000,00 (oito mil reais), conforme estipulado pela r. sentença recorrida. (grifos nossos)

Não obstante, irrepreensível é o papel das decisões analisadas em relação à função estudada. Assim, a medida indenizatória tem sido o principal vetor de efetivação de compensação pelo dano sofrido em decorrência do assédio moral.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta monografia se propôs a analisar a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região.

Neste sentido, foram apresentadas as definições do assédio moral no trabalho, assumindo-se como pressuposto que este fenômeno atua como fator degenerativo do meio ambiente laboral e que acarreta grave violação à dignidade humana do trabalhador.

Para atingir o objetivo proposto, foram realizadas pesquisas: bibliográfica para que fosse apresentada a conceituação dos institutos discutidos, sob diversos âmbitos; e jurisprudencial a fim de investigar a efetiva aplicação do princípio da dignidade humana nas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Ainda, foram identificadas as conseqüências danosas do fenômeno do assédio moral no trabalho e debatidas a função e o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana no sistema jurídico.

Em relação à primeira etapa, houve investigação bibliográfica sobre o fenômeno do assédio moral e acerca de institutos jurídicos como meio ambiente do trabalho, princípios e princípio da dignidade da pessoa humana. Destarte, o levantamento compreendeu uma revisão sistemática da literatura em livros, artigos científicos e outras publicações.

A segunda etapa envolveu aquela que é a finalidade última desta pesquisa: conhecer se a jurisprudência do referido Tribunal vem dando ao princípio da dignidade da pessoa humana a devida aplicação, especialmente nas decisões que versam sobre o tema do assédio moral no trabalho.

A importância da pesquisa se dá não somente pelo patamar alcançado pelo princípio em análise (fundamento da República), mas pela violação deste princípio decorrente da prática do mobbing. Ressalte-se ainda a pretensão de promover a divulgação deste fenômeno e da real importância da dignidade humana.

Neste sentido, faz-se importante difundir o debate sobre o assédio moral no trabalho, visto tratar-se de uma prática que tem se ampliado, concorrendo para degradação do ambiente laboral e da saúde da vítima. Ao expandir o conhecimento da matéria, estimula-se a criação de formas de prevenção e combate ao fenômeno.

Com efeito, o mesmo ocorre com o princípio da dignidade da pessoa humana, sobre o qual se faz importante a sua constante reafirmação. Apesar de estar consagrada como fundamento do Estado, ainda não se tem dispensado à dignidade a sua merecida importância. Destarte, este trabalho buscou demonstrar o real valor do princípio e sua eficácia no ordenamento.

Ainda, relativamente à análise jurisprudencial empreendida, verificou-se que as decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região sobre assédio moral no trabalho – apesar de utilizarem-se do princípio da dignidade humana como argumento decisório – não têm aplicado devidamente este princípio.

Foram apresentados três critérios relativos à aplicação do princípio na decisão judicial. Embora as decisões analisadas tenham cumprido as funções punitiva e compensatória, não restou caracterizada a existência da função didático-pedagógica em caráter satisfatório (relativamente à questão da dignidade humana, já que o tema do assédio moral foi devidamente aprofundado nos acórdãos estudados). Isto é, foi observado que de fato há um esforço no sentido de fazer uso da dignidade humana como elemento da decisão, no entanto, a abordagem do princípio se dá em caráter superficial, em que muitas vezes há apenas breve referência à sua violação.

Como afirmado, tal procedimento concorre muito mais para a banalização do princípio, do que para a sua afirmação e promoção, visto que não se notou nas decisões analisadas uma conduta que objetivasse a sensibilização e conscientização das partes para o efetivo valor que a dignidade possui no âmbito do ordenamento jurídico.

Para que ficasse caracterizada a efetiva aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, seria necessário que a decisão buscasse definir o conteúdo e o alcance dessa dignidade no caso concreto, apontando os meios pelo qual houve a violação e buscando a reparação ou compensação do dano. A investigação demonstrou que a jurisprudência pesquisada não cumpriu aquele papel.

Com efeito, observou-se que, embora cumprida a função compensatória, as decisões têm restringido esse papel restaurador à concessão de vantagens de cunho meramente pecuniário à vítima. Isto é, a função restauradora encontra-se reduzida à condenação ao pagamento de indenização pelos danos causados. Tal comportamento não é salutar, pois reduz a ação do juiz à função de estabelecer tarifas compensatórias.

Neste sentido, sabe-se que o juiz é dotado de uma função criadora do Direito. É ele quem extrai a norma do texto jurídico, dando-lhe sentido através da interpretação. Assim, o juiz deve buscar, agindo nos limites de sua autonomia, concretizar os valores constitucionais, conforme os mais modernos paradigmas hermenêuticos.

Destarte, é necessária uma atuação do Poder Judiciário de forma a rearticular esta função reparadora, ampliando seus horizontes para que não fique restrita à concessão do quantum indenizatório. Porque não condenar a empresa responsável pela prática do assédio moral a realizar uma campanha preventiva no âmbito interno, além da indenização, por exemplo?

O trabalho de prevenção do assédio moral é um mecanismo imprescindível para a construção de um meio ambiente de trabalho saudável e para a efetivação da dignidade humana.

Ainda, é principalmente através da disseminação de informações, debates, dinâmicas e atuação do poder público e da sociedade que se avançará na promoção, efetivação e combate à violação do princípio da dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS

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SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Constitucional do Meio Ambiente: interpretação e aplicação das normas penais ambientais no âmbito dos direitos e garantias fundamentais. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


Notas

  1. Notas¹ O trecho original diz o seguinte: "Il MOBBING è una forma di terrore psicologico che viene esercitato sul posto di lavoro attraverso attacchi ripetuti da parte dei colleghi o dei datori di lavoro". Disponível em <www.mobbing-prima.it>. Acessado em 05 de agosto de 2010.
  2. A expressão é "reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência, digna, livre e igual de todas as pessoas" (SILVA, 2007, p. 178).
  3. "A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular" (BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 320).
  4. Os sobreprincípios exercem funções típicas dos princípios (interpretativa e bloqueadora), mas, justamente por atuarem "sobre" outros princípios (daí o termo "sobreprincípio"), não exercem nem a função integrativa (porque essa função pressupõe atuação direta e os sobreprincípios atuam indiretamente) nem a definitória (porque essa função, apesar de indireta, pressupõe a maior especificação e os sobreprincípios atuam para ampliar em vez de especificar (ÁVILA, 2010, p. 99).


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICANÇO, Victor Cláudio Araújo. A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana nas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região sobre assédio moral no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2844, 15 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18910. Acesso em: 5 maio 2024.