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A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização

A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização

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Diante da declaração de constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 na ADC 16-DF e de diversas Reclamações Constitucionais, está afastada a aplicação da Súmula 331 do TST?

1.INTRÓITO

Estes apontamentos versam sobre a aparente derrota da Súmula 331/TST diante dos efeitos da declaração de constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da lei 8666/93 na ADC 16-DF. Ainda, diante dos efeitos dos julgamentos feitos nas várias das Reclamações Constitucionais afastando a aplicação da Súmula 331/TST em relação à Administração Pública.

O Colendo Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária ocorrida em 24/11/2010, na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 16-DF) ajuizada pelo Distrito Federal, em relação a qual ingressaram como Amicus Curiae a União e diversos outros entes da Federação, entendeu pela constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8.666/93.

O entendimento fixado na ADC 16-DF culminou no provimento das inúmeras Reclamações Constitucionais (dentre elas as Rcls 7517 e 8150) contra decisões do TST e de Tribunais Regionais do Trabalho fundadas na Súmula 331/TST, objeto da controvérsia, ao espeque que o verbete nega vigência ao preceito da Lei de Licitações. Deste modo, foi afastada a aplicação do verbete, que trata da responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas na terceirização, em relação à Administração Pública Direta e Indireta.

Ainda, as Rcl 7901 ; Rcl 7711; Rcl 7712 e Rcl 7868 foram providas, com cassação de quatro decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), baseadas na Súmula 331 (inciso IV), por conta de outro fundamento: a Súmula, indiretamente, reconhece a inconstitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, sem a observância da cláusula da reserva de plenário, em ofensa ao art. 97, CF, e à autoridade da Súmula Vinculante n. 10 do STF.

Na problematização do tema, as questões a serem postas são as seguintes: houve uma derrota da Sumula 331/TST? Doravante, o Judiciário Trabalhista acha-se incondicionalmente inibido, nos casos concretos postos a seu julgamento, de fixar a responsabilidade subsidiária da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista pelos serviços terceirizados contratados? Há um discreto retorno da teoria da irresponsabilidade estatal dos idos do Estado autoritário? Como deve ser redirecionada a questão no Judiciário Trabalhista a luz das regras e princípios constitucionais diante de um caso concreto?

Por isso, é importante analisar os referidos julgamentos, que se revestem de grande interesse prático, máxime porque a Constituição de 1988 está repleta de enunciados normativos que não podem prescindir dos métodos da tópica e sistemático-teleológico para que possam ser adequadamente interpretados e aplicados.

Convém, assim, analisar a posição atual do STF quanto às diferenças entre a declaração de constitucionalidade in abstrato e in concreto e seus respectivos efeitos, para fins de (re) posicionamento do Judiciário Trabalhista diante da aparente derrota da Sumula 331/TST.


(In)constitucionalidade em abstrato e em concreto

Todo controle de constitucionalidade é uma atividade comparativa. Compara-se a Emenda constitucional ou a norma ou ato normativo infraconstitucional com a Constituição. Se houver alguma contradição formal ou material, a norma será inválida. No sistema nacional a atividade comparativa da conformidade da norma com a Constituição é feita de duas maneiras: controle de constitucionalidade difuso e concentrado.

No controle difuso, via incidental, in concreto a (in)constitucionalidade da norma aparece como questão prejudicial ao julgamento do mérito de uma causa, exercida por qualquer juiz ou tribunal, no bojo de qualquer processo ou tipo de ação judicial levada a seu conhecimento. Para chegar à decisão do caso, o juiz resolve primeiro a questão constitucional, que se coloca como um antecedente lógico ao julgamento do mérito.

A comparação entre o ato de hierarquia inferior e a Constituição se dá em concreto, ligada à resolução de uma situação individualizada. Assim, os efeitos da declaração são apenas inter partes e fazem coisa julgada material para o caso concreto.

Entretanto, a missão precípua do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, é comparar, no plano abstrato, a lei ordinária federal com a Constituição da República e na hipótese de contrariedade declarar a sua inconstitucionalidade no controle concentrado.

No controle concentrado, direto, realizado pelo STF, a comparação entre a lei ou ato normativo de hierarquia inferior e a Constituição é o próprio mérito da causa. O julgamento se dá no plano puramente normativo, in abstrato, com a função de banir do mundo jurídico as leis ou atos normativos que contrariem a Constituição. Naturalmente, se a decisão for pela constitucionalidade da lei a conseqüência será a manutenção de sua vigência. A declaração é em tese, abstrata, mediante um processo objetivo, desvinculado de qualquer caso concreto. Logo, os efeitos são erga omnes, com força de coisa julgada normativa-abstrata.

Destarte, é pertinente assinalar que não existe equivalência necessária entre os conceitos de controle de constitucionalidade. O controle de constitucionalidade difuso é sempre in concreto. O controle de constitucionalidade concentrado pode ser in abstrato e in concreto.

Assim, cumpre ressaltar que nem sempre o controle realizado concentradamente pelo STF se dá somente em abstrato. Há alguns casos em que o STF exerce a jurisdição constitucional concentrada, direta, com efeitos de coisa julgada material no plano concreto, porque recai sobre situações ou casos concretos, como o que acontece, por exemplo, na ação direta interventiva (CF art. 36, ) e no mandado de injunção (CF art. 5°, inc. LXXI, e art. 102, inc. I, alínea q).

No controle concentrado, em tese, in abstrato, a decisão do STF traz as seguintes conseqüências: na ação direta de inconstitucionalidade (ADln) há retirada da norma declarada inconstitucional do mundo jurídico; na ação declaratória de constitucionalidade (ADC) ou argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) há manutenção da vigência e eficácia da norma, caso seja considerada constitucional.


Eficácia erga omnes e efeitos vinculantes na ação direta de constitucionalidade

A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) em abstrato é desvinculada de casos concretos, não se destina a resolver lides entre partes determinadas, mas, apenas manter a integridade da ordem jurídica, em benefício de toda a sociedade.Justamente por causa das peculiaridades do controle abstrato de constitucionalidade é que a doutrina elaborou as noções de jurisdição constitucional e de processo objetivo.

Nesse diapasão, na ação direta de constitucionalidade julgada procedente, é comum a afirmativa de que se forma uma presunção absoluta de constitucionalidade da norma. A questão radica em perquirir acerca das diferenças entre eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, o que imbrica eficácia subjetiva e objetiva, em cuja análise deve ser considerado, também, os plano concreto e abstrato da declaração de (in) constitucionalidade.


Limites subjetivos

A eficácia subjetiva da declaração direta de (in) constitucionalidade será, portanto, erga omnes, oponível a todos, e de força vinculante, oponível aos demais órgãos do Judiciário e à Administração Pública, conforme dicção do artigo 102, § 2º, CF :

"As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações direta de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário é à administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal"

De modo que, em princípio, todas as pessoas e todos os órgãos do Estado mencionados ficarão vinculados, não sendo mais possível questionar a validade da norma. Tratando-se de uma decisão pela constitucionalidade da lei, esta se manterá em vigência com uma presunção absoluta em favor de sua validade. Em tese, não poderá mais deixar de ser aplicada por outros órgãos do Judiciário, uma vez que o STF emitiu pronunciamento sobre a questão, e a reabertura da discussão importaria violação do § 2° do art. 102, da Constituição.

Embora parte da doutrina afirme que o artigo 102, § 2º, CF e a Lei 9868/99, artigo 28, conferem tratamento uniforme aos institutos da eficácia erga omnes e do efeito vinculante, o plano pragmático-jurídico revela que são institutos afins, mas distintos, pelo menos no que tange à ação direta de constitucionalidade.

Na declaração de constitucionalidade a eficácia subjetiva erga omnes é contra todos, não se confunde com efeito vinculante, adotado pela EC n. 3/93 e regulada pela Lei 9868/99 que faz referência "aos demais órgãos do Poder Judiciário".

Assim,o efeito vinculante não abrange o próprio STF e tampouco o Legislativo. O próprio STF entende que a declaração de inconstitucionalidade não impede o legislador de promulgar lei de teor idêntico ao texto censurado [01], sob pena de ofensa ao pacto da tripartição dos poderes (art. 2º, CF).

Isto porque, há que se ter mente que na ação direta de declaração de (in) constitucionalidade a eficácia erga omnes (contra todos) e os efeitos vinculantes possuem limites objetivos, porque in abstrato.


Limites objetivos e os "fundamentos determinantes da decisão" declaratória de constitucionalidade

Registre-se, na teoria dos efeitos vinculantes da declaração de constitucionalidade deve ser levado em conta que a decisão decorre da análise da compatibilidade da lei em tese, no seu sentido abstrato e geral, plano diferente da lei individualizada e aplicada no plano concreto. De outro turno, analisando o tema sobre o enfoque dos limites objetivos da eficácia erga omnes e dos efeitos vinculantes verifica-se que estão estritamente conectados com "os fundamentos determinantes da decisão" declaratória de constitucionalidade.

Assim, é permitida a reapreciação da matéria pelo STF, a qualquer tempo, diante do fenômeno da chamada inconstitucionalidade superveniente [02]. Destarte, pode haver a reedição de uma demanda direta de (in) constitucionalidade, nas seguintes hipóteses : a) mudança de conteúdo da Constituição, quando o enunciado que serve de parâmetro para a decisão anterior, houver sido emendado; b) mudança de conteúdo da norma objeto de controle c) modificação da orientação jurídica sobre a matéria, quando houver mutação constitucional na via interpretativa.


Efeitos vinculantes dos "fundamentos determinantes da decisão de constitucionalidade" e os vários sentidos da norma

O enunciado normativo, no seu modo final de aplicação, possui vários sentidos. Assim, a interpretação e aplicação da norma no plano abstrato não se confunde com o plano concreto.

José Carlos Vasconcellos dos Reis [03], com apoio nas lições de Humberto Ávila e Lênio Streck, assevera que:

"Ao interprete, assim, não cabe meramente descrever o significado previamente existente dos dispositivos. Sua atividade é mais profunda: consiste em, efetivamente, construir esses significados, uma vez que não é plausível aceitar a idéia de que a aplicação do Direito envolve uma atividade de subsunção de conceitos prontos antes mesmo do processo de aplicação’. Por isso é que Lênio Streck, inspirado em Gadamer e Heidegger, compreende o processo interpretativo como verdadeiramente produtivo e não reprodutivo."

Nessa trilha, José Joaquim Gomes Canotilho [04], demostra que sem interpretar o enunciado normativo não se chega à norma, pois o significado de uma norma não constitui um dado prévio, mas é resultado da tarefa interpretativa.

José Carlos Vasconcellos Reis [05] anota que "sem a interpretação não se chega a nada que seja representado ou expresso por meio de um texto". Assim, exemplifica com a distinção entre a música e a partitura, eis que "a notação musical, que apenas dá ao interprete os elementos básicos para que possa realizar a obra de arte sonora que o compositor procurou representar por meio de sinais escritos."

Considerando que a norma possui vários sentidos, máxime no seu modo de aplicação, agregue-se à discussão, no controle de (in) constitucionalidade abstrato, o tema relativo aos "limites objetivos do efeito vinculante" adstrito aos "fundamentos determinantes da decisão", bem como, a polêmica questão da "transcendência dos fundamentos determinantes" ou "irradiação dos motivos determinantes".

Em geral, no direito processual, impera a regra de que os fundamentos da decisão não transitam em julgada. Essa regra sofre exceção no controle concentrado de constitucionalidade. Primeiro, à vista o caráter dúplice da ADC e da ADI, pois se a ADC for julgada improcedente significa que a norma é inconstitucional e vice-versa. Ademais, deve ser considerado o principio da ultrapetição, pois é possível declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo por outros fundamentos, distintos dos deduzidos na peça inicial [06].

Gilmar Ferreira Mendes [07] ao abordar a coisa julgada no controle da constitucionalidade, entende que o efeito vinculante não está adstrito somente à parte dispositiva da decisão, mas se estende também aos chamados "fundamentos determinantes" ou razões de decidir, sob pena de tornar despiciendo o instituto do efeito vinculante e equipará-lo singelamente à coisa julgada [08].

Ressalte-se, contudo, que na ação direta de constitucionalidade a decisão do STF é comparativa-interpretativa, num dado sentido da norma, baseada no critério da generalidade e no conteúdo literal do enunciado normativo. A coisa julgada é formada no processo objetivo, no plano meramente abstrato, desvinculado de casos concretos e, do modo final de aplicação do Direito.

Logo, se o julgado de constitucionalidade apreciou apenas um dos sentidos da norma , o STF emitiu a palavra final, no plano abstrato, que deve ser respeitada, mas vinculada aos "motivos determinantes". Assim, os demais sentidos da norma, que surgem em contextos diversos, não estão sob o manto do efeito vinculante.

No plano do modo final de aplicação a norma possui vários sentidos, assim, os efeitos vinculantes da declaração de constitucionalidade abarca somente os fundamentos determinantes da decisão em dado sentido. Nessa senda, Lênio Streck,aponta a chamada "cláusula de reserva de plenário" , em reforço á defesa da tese da possibilidade de reapreciação da questão da constitucionalidade pelos demais Tribunais, no controle difuso:

"No plano hermenêutico, há uma nítida diferença entre declarar a nulidade de uma lei, isto é, retirá-la do ordenamento, e declarar que essa mesma lei é válida. Os âmbitos são distintos. A expunção da lei impedirá a reconstrução, de qualquer modo, do texto nulificado. ( ... ) Nada resta da lei no sistema. O mesmo não acontece na decisão que rejeita a inconstitucionalidade. ( ... ) Quando o Tribunal rejeita a inconstitucionalidade, recusa um determinado sentido atribuído na ação pelo autor. É cediço que um texto normativo admite vários sentidos, que surgem em contextos diversos. Afastar esse sentido significa dizer, tão-somente, que a lei não é inconstitucional por aquele fundamento. ( ... ) Esse fundamento não pode abarcar, automaticamente, de forma vinculativa, ( ... ) os demais sentidos que esse texto possui, até porque o texto normativo infraconstitucional pode ser confrontado com outros dispositivos da Constituição."

b) razões de excepcionalidade não previstas pela própria regra

Ainda, pensamos que é possível que a inconstitucionalidade se manifeste, in concreto, no momento do contato da lei com determinadas situações concretas, não cogitadas pela Corte Constitucional quando do controle da constitucionalidade in abstrato. Em determinadas circunstâncias particulares não previstas pela norma, a obrigação imposta pela regra, a princípio tida como absoluta, pode ser superada por "razões não previstas pela própria regra." [09]

Baseado nos textos de Humberto Ávila e outros juristas de escol [10], alinhada à idéia da desmistificação da aplicação do modo "tudo ou nada" da regra e; admitindo que não é possível separar a interpretação da ponderação, seja na aplicação da regra ou do princípio, é correta a concepção de que há, pelo menos, quatro situações de ponderação de regras:

a)ponderação entre duas regras em rota de conflito: a solução se dá pela atribuição de maior peso a uma delas, pala ponderação dos valores que cada uma delas, cujo resultado deve ser uma solução constitucionalmente adequada;

b) ponderação da regra e suas exceções: trata-se da chamada ponderação das razões ou razões excepcionais, ou teoria de excepcionalidade, ou " aptidão para cancelamento (defeasibility) das regras". A regra comporta exceções, que podem estar prevista ou não na ordem jurídica. Assim:

(i) se a exceção está prevista no ordenamento jurídico, a solução se dá pela aplicação de "outras razões calcadas em outras normas, para afastar a regra (overrling); as outras razões, consideras superiores à própria razão para cumprir a regra, são fundamento para o seu não-cumprimento." [11] A regra pode ter, prima facie, um dado sentido que é superado por razões contrárias calcadas em outras normas.

(ii) se a exceção não está prevista no ordenamento jurídica solução se dá pelo conteúdo finalístico, pelo sopesamento e ponderação entre "as razões geradora da norma e as razões substancias para o seu não-cumprimento" [12]. Assim, envolve a ponderação dos argumentos favoráveis e contrários ao estabelecimento de uma exceção, diante das circunstâncias do caso concreto (tópica), com base na finalidade da própria regra ou em outros princípios. Mas, aqui há maior rigor quanto ao dever de argumentação-fundamentação, ou seja, mister se faz "uma fundamentação que supere a importância das razões de autoridade que embasam o cumprimento incondicional da regra." [13]

c) ponderação de regras abertas, hipóteses de conceitos jurídicos indeterminados:

neste caso a hipótese normativa é semanticamente aberta, com alta grau de generalidade e formulação imprecisa, para aplicação a situações inicialmente não previstas. Assim, "será necessário ao interprete ponderar de todas as circunstâncias do caso para decidir que o elemento de fato tem prioridade para definir a finalidade normativa." [14].

d) ponderação de regras na analogia e contrário sensu: a utilização da forma argumentativa da analogia e contrário sensu e uma atividade de ponderação que leva em consideração as razões e contra razões, pois onde há a mesma razão idêntica deve ser a solução .

Do exposto é possível haurir três conclusões. a) aplica-se, também, às regras a técnica da ponderação; b) na tarefa da aplicação da regra, a sua não incidência, fundada na imprecisão legislativa para o caso concreto, resulta em aparente negativa de vigência, mas que não pode ser equiparada com a declaração de inconstitucionalidade. Por outras palavras, a negativa de vigência de dada norma, no caso concreto, não conduz, necessariamente, a conclusão de que, direta ou indiretamente, foi reconhecida a sua inconstitucionalidade, pois a técnica da ponderação de regras não admite o resultado incondicional do "tudo ou nada", a gosto do neopositivismo; c) o intérprete deve respeitar as possibilidades semânticas do enunciado normativo, qual seja, privilegiar a aplicação da regra, só poderá deixar de aplicar uma regra se restar demonstrada, de forma cabal, uma imprevisão legislativa da situação do caso concreto ou, se a incidência do enunciado normativo, na hipótese concreta, produz um resultado (uma norma) inconstitucional. [15]


Transcendência dos motivos determinantes

Convém expor, brevemente, a teoria da expansão do alcance dos efeitos vinculantes. Registre-se, por oportuno, a polêmica instaurada acerca do viés expansionista da jurisdição constitucional, o fenômeno do ativismo jurisdicional, e o tema relativo ao alcance dos efeitos vinculantes no controle de constitucionalidade, denominado de "transcendência dos motivos determinantes" ou "efeitos irradiativos dos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato das normas".

Trata-se da hipótese de extensão dos efeitos vinculantes, das razões de decidir a outros casos que não guardam a exata identidade com o tema central da decisão proferida na ADI ou ADC. Essa tese conturbada foi aplicada nas Recl 1923-RG , Recl 2.126-SP e Rcl 1.987-DF no sentido de que uma norma declarada inválida significa " uma exegese da norma aplicável segundo a dicção fixada pela Corte, e não o texto em sentido estrito."

Essa postura foi amplamente resistida por alguns Ministros do próprio STF, na Rcl 4219-GO, julgada em 21.09.2006, em que se retomou os debates quanto a aplicabilidade da transcendência dos fundamentos determinantes, oportunidade em que quatro Ministros externaram posição negativa à adoção da tese. Isto porque, a transcendência dos fundamentos determinantes agride a sensibilidade do julgador, como se este pudesse reconhecer a vinculatividade de uma decisão editada sob distinta moldura constitucional no tema especifico. [16]

Registre-se a atual reconfiguração do conceito da transcendência dos fundamentos determinantes, haurida do voto do Ministro Gilmar Mendes, que sob outro enfoque descarta a aplicação dos efeitos vinculantes a outros casos (leis ou atos normativos semelhantes) que não guardam perfeita identidade com a tese central da ADC ou ADI. À contrapartida, exorta a idéia de que a reclamação constitucional se apresenta como uma oportunidade a mais, um novo instrumento de controle da constitucionalidade, feita diretamente pelo STF, no caso concreto, sem a necessidade da utilização das figuras da ADI. ADC, ADIO e ADPF. Novos e acesos debates são travados na doutrina acerca da natureza da Reclamação Constitucional.

Assim, levando em conta os vários sentidos da norma, as possibilidades de exceções, as diferença fáticas, as incertezas da Corte em relação aos limites dos efeitos vinculantes e, as várias possibilidades das Reclamações Constitucionais, vis a vis, à transcendência dos fundamentos determinantes,o Ministro Gilmar Mendes na Rcl 4.987-PE, DJ 13.03.2007, explicitou:

"parece bastante lógica a possibilidade de que, em sede de reclamação o Tribunal analise a constitucionalidade de leis cujo teor já foram objeto de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Como explicitado, não se está a falar, nessa hipótese, de aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se isso sim, de um poder ínsito à própria competência do Tribunal de fiscalizar incidentalmente a constitucionalidade das leis o dos atos normativos. Esse poder é realçado quando a corte se depara com leis de teor idêntico aquelas já submetidas ao seu crivo no âmbito do controle abstrato (....), poder-se-á, por meio da reclamação, impugnar a sua aplicação ou rejeição por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo a declaração incidental de sua inconstitucionalidade ou constitucionalidade, conforme o caso."

A declaração de constitucionalidade em abstrato, no controle concentrado, não impede que, pela via do controle difuso, se declare a inconstitucionalidade no caso concreto do mesmo ato normativo, tendo em conta os vários sentidos da norma e as varias possibilidades de exceções, ou derrotabilidade, até porque o texto normativo infraconstitucional pode ser confrontado com outros dispositivos da Constituição. O confronto abstrato entre o texto da lei e a Constituição não condiciona, necessariamente, todos e quaisquer casos que envolvam a sua aplicação.

Considerando a importante e singular figura da Reclamação Constitucional e, a tendência moderna do seu papel de novo instrumento de controle da constitucionalidade incidental, no caso concreto, mister se faz traçar uma distinta abordagem ao tema:

a) uma norma declarada constitucional, no controle concentrado, poder vir a ser considerada inconstitucional em sede de controle difuso, inclusive na via da reclamação constitucional;

b) uma reclamação constitucional pode vir a ser julgada improcedente porque diverso o fundamento invocado, eis que desvinculados dos fundamentos determinantes exarados no controle abstrato, porque a decisão reclamada vem fundada em determinadas circunstâncias particulares não previstas pela norma declarada constitucional, que a princípio tida como absoluta, foi superada uma excepcionalidade, por razões não previstas pela própria regra;

c) uma reclamação constitucional pode não ser conhecida, porque a decisão reclamada vem fundada em situação concreta, no conjunto fático-probatório, cuja via não se presta ao reexame de fatos e provas.

Luiz Roberto Barroso [17] enfatiza que as situações concretas, individualizadas, determinadas, não podem prescindir da tutela jurisdicional adequada, sempre que necessário. O efetivo exercício do controle difuso de constitucionalidade deve ser compreendido como um dever de todos os juízes e tribunais, que não pode ser elidido pela existência de decisão do STF, ainda que em sede de controle concentrado, no sentido da constitucionalidade da lei ou ato estatal aplicável ao caso.

Na mesma esteira, e com mais profundidade, Lênio Streck [18] adotando o triângulo dialético de Canotilho, exorta que o controle difuso de constitucionalidade, em qualquer grau de jurisdição, exercitado pelo juízes, deve ser considerado cláusula pétrea, como direito-instrumento-garantia, tendo em conta seu papel, por excelência, de servir de instrumento de acesso à Justiça por parte do cidadão, pois:

"Importa referir, nesse contexto, pela inegável importância que assume o controle difuso de constitucionalidade no plano do acesso à justiça, que qualquer tentativa de esvaziá-lo e/ou expungi-lo do sistema jurídico brasileiro ferirá, de morte, o núcleo político da Constituição".

De fato, a declaração de constitucionalidade com expansão para além dos fundamentos determinantes decisão, pode levar à idéia absurda de que todos os sentidos da norma e as respectivas exceções, estão sob o manto dos efeitos vinculantes na ação direta de constitucionalidade. Assim, restaria subtraído o acesso ao judiciário, no caso concreto, a lesão ou ameaça de lesão à direito, e em flagrante coartação da atividade jurisdicional dos demais órgãos do Poder Judiciário, conclusões que não encontram agasalho na própria Constituição Federal.

Procede, pois a afirmativa de Lênio Streck [19] no sentido de que a decisão que acolhe a inconstitucionalidade faz coisa julgada material, não pode ser reapreciada em nenhum outro processo. Entretanto, a decisão que acolhe a constitucionalidade tem força de coisa julgada forma; logo não impede a reapreciação da questão. Nada impede, assim, que um juiz entenda, ao julgar um certo caso, que a lei "x" é inconstitucional e julgando outro caso (presentes outras circunstâncias) decida que a mesma lei "x" é constitucional.

Do exposto, pensamos que é preferível falar em "coisa julgada normativo-abstrato" e "coisa julgada in concreto", bem como, em "principio da adstrição dos efeitos vinculantes aos fundamentos determinantes". Significa dizer, em conclusão, que os efeitos vinculantes da ação declaratória de constitucionalidade estão adstritos aos fundamentos determinantes da decisão proferida em sede de controle abstrato, em um dado sentido da norma. Ainda, deve ser levado em conta as razões de excepcionalidade e as circunstâncias particulares não previstas pela própria norma.

O artigo 102, § 2º, da CF deve ser interpretado no sentido de que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações direta de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão, no plano abstrato, eficácia contra todos e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário é à administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal.

Essas conclusões podem ser hauridas dos precedentes do próprio STF, nas reclamações constitucionais, o que reforça a tese que de que a vinculatividade das decisões no controle de constitucionalidade, num dado sentido da norma, não descarta outros sentidos, á luz do modo final de aplicação do direito, no caso concreto.


Texto e contexto : precedentes do STF e estudo de casos

Nesse diapasão, a pesquisa das decisões no campo da jurisdição constitucional, mostra que o próprio Supremo Tribunal Federal já chancelou que, a constitucionalidade in abstrato não afasta, de modo categórico, a inconstitucionalidade in concreto, tendo em conta a diferenciação entre texto e contexto e o modo final de aplicação do direito.

A interpretação e a aplicação da Constituição, no caso concreto, não podem ser desconectadas das circunstâncias de fato que rodeiam a lide.Sinale-se alguns casos em que o STF considerou que os efeitos da declaração de constitucionalidade de lei, no plano abstrato, é relativo e, portanto, não impede a análise da sua inconstitucionalidade no caso concreto: ADC 4-DF; ADI 1.232-DF e respectivas Rcl 2.303-RS; Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS; Rcl 4.366-PE; Recl 4.164-RS; Rcl 4.374-6-PE; Rcl 3.805-SP [20]; e ainda, a Rcl 3.034-PB.

a)ADC N. 4-DF

O exemplo mencionado na doutrina diz respeito a ADC n.4-DF, em que o STF concluiu pela constitucionalidade da proibição da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, estabelecida pela Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997(STF,ADC 4-MC/DF, rel. Min. Sydney Sanches,j. em 11.02.1998, publ. DJ de 21.05.1999.)

O instituto da antecipação de tutela é vocacionado a conferir celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, antecipando, in limine, antes da decisão final de mérito, a satisfação concreta do direito do autor.Nesse diapasão, a lei proibiu o instituto da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, e o STF declarou constitucional, referida proibição, no controle concentrado e abstrato.

Entrementes, em determinado caso concreto, envolvendo direito à saúde, direito fundamental da pessoa humana conectado com o direito à vida, o próprio Supremo Tribunal Federal, diante do caso concreto reconheceu o direito de um cidadão que pleiteou, com fundamento em direitos subjetivos assegurados pela Constituição, o fornecimento, pelo Estado, de determinado medicamento, sem o qual corria o risco de morte. Assim, em sede difusa, qualquer Juiz ou Tribunal, mesmo diante da decisão do STF, não está impedido de conceder a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, para que o autor tenha, desde logo, o seu direito satisfeito.

Veja-se que no plano abstrato, não existe inconstitucionalidade na vedação da tutela antecipada contra o Estado. Mas, no caso concreto a situação é diversa, pois seria inconstitucional justamente, o comportamento de negativa da tutela antecipada em favor do cidadão. Decorre, assim, que o acatamento da letra fria da lei, sem a perquirição das circunstâncias específicas do caso, levaria ao perecimento do direito à vida com conseqüências e danos irreversíveis.

Nesse mesmo sentido, uma decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que serviu de paradigma para outras decisões semelhantes, que teve como Relator o Desembargador Araken de Assis:

"É vedado antecipar os efeitos do pedido perante a Fazenda Pública, consoante o art. 1 ° da Lei n° 9.494/97, proclamado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e, portanto, de aplicação obrigatória pelos órgãos judiciários. No entanto, a contraposição entre o direito à vida e o direito patrimonial da Fazenda Pública, tutelado naquela forma, se resolve em favor daquele, nos termos do art. 196 da CF/88, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, pois se trata de valor supremo, absoluto e universal. Irrelevância da irreversibilidade da medida. Existência de norma local assegurando semelhante prestação (art. 10 da Lei n° 9.908/93). Eventual sacrifício da vida, em nome de interesses pecuniários da Fazenda Pública, conduziria o órgão judiciário a contrariar o direito e praticar aqueles mesmos erros, recordados por Gustav Radbruch, pelos quais os juristas alemães foram universalmente condenados."(TJ-RS, 4ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento n° 598.398.600, de 25.11.1998, rel. Des. Araken de Assis). [21]

b) ADI 1.232-DF

Outro caso paradigma, trata-se da ação direta de constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8742/91 (LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social). Para fins do direito ao benefício da Assistência social, previsto no artigo 203, da CF, o artigo 20, § 3º, da Lei 8742/91 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Considerando que o artigo 7º, inciso IV, da CF estabelece que a pessoa necessita de um salário mínimo para atender as suas necessidades básicas, o Procurador Geral da Republica ajuizou a ADI 1.232-DF. Entretanto, o STF considerou constitucional o § 3º, do artigo 20., da Lei 8742/93 (LOAS). Os votos vencedores foram dos Ministros Nelson Jobim, Sepulveda Pertence, Mauricio Correa, Moreira Alves o Otávio Galotti.

No voto vencido do Ministro Ilmar Galvão, na ocasião, já restou assentado que o critério estabelecido em lei, em si, não é inconstitucional, mas poderia ser considerado inconstitucional se entendido como único meio da pessoa deficiente comprovar a sua incapacidade econômica, sob pena de exclusão de grande parte dos destinatários hipossuficientes do benefício de assistência social. Assim, não haveria problemas em se adotar o critério da renda per capita familiar de até ¼ do salário mínimo, desde que propiciado outros meios para comprovação da necessidade econômica. Registre-se, aqui uma abertura no sentido de que a declaração de constitucionalidade de lei não exclui a análise do caso concreto e suas circunstâncias e provas.

A ADI nº 1.232 foi julgada em 27.8.98 e várias Reclamações Constitucionais se seguiram (Rcl 2.303-RS Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS, Rcl 4.366-PE Recl 4.164-RS Rcl 4.374-6-PE Rcl 3.805-SP), nas quais resta demonstrada a evolução do pensamento dos membros do STF de que os efeitos da declaração de constitucionalidade, in tese, não suprime do Judiciário o poder jurisdicional de analisar o tema, na via difusa, à luz das circunstâncias do caso concreto.

b.1) Rcl 2.303-RS

Inicialmente, o STF deixou assentado,na Recl 2.303-RS, voto da Ministra Ellen Gracie, que o critério de ¼ do salário mínimo é objetivo e não pode ser conjugado com outros fatores indicativos da miserabilidade do jurisdicionado, não cabendo ao juiz criar outros requisitos para aferição do estado de pobreza. Com o que discordou o Ministro Carlos Brito, no sentido de que a decisão prolatada no caso concreto não fere a decisão da ADI 1.232, pois o objetivo da Constituição é a "promoção humana e integração na vida comunitária". Assim, ainda que a renda ultrapasse o limite legal, no caso concreto é possível " num dado instante, o idoso ou o deficiente econômico demonstrar que não possui meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provido pela respectiva família."

Verifica-se, ao longo dos anos, que a posição do STF veio, gradativamente, se afirmando no sentido de que, a declaração de constitucionalidade, in abstrato, quanto ao requisito da renda per capita familiar de até ¼ do salário mínimo, para fins de alcance do direito ao benefício da assistência social, não inibe a concessão do benefício no caso concreto, se provado que, embora superior a renda per capita, os gastos mensais demonstram que há hipossuficiência econômica do autor. Referidas posições podem ser extraída das decisões monocráticas ou colegiadas das seguintes Reclamações Constitucionais: Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS; Rcl 4.366-PE; Recl 4.164-RS; Rcl/MC 4.374-6-PE; Rcl 3.805-SP.

b.2) Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS; Rcl 4.366-PE

Nas Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS, Rcl 4.366-PE, os Ministros Celso de Mello, Carlos Ayres Brito e Ricardo Lewandowski, sistematicamente, têm negado seguimento às Reclamações ajuizadas pelo INSS sob o fundamento de que a via é inadequada para reexaminar o conjunto fático-probatório em que se funda a decisão reclamada.

b.3) Recl 4.164-RS

Na Recl 4.164-RS o Ministro Marco Aurélio toma posição clara nos sentido de que o critério definido de renda per capita de ¼ do salário mínimo é insuficiente para a efetividade do artigo 203, V, da CF. Portanto, é possível haurir do julgado que uma norma declarada constitucional pode ser considerada inconstitucional no caso concreto.

b.4) Rcl 4.374-6-PE

Na Rcl 4.374-6-PE, o Ministro Gilmar Mendes, analisando a liminar requerida pelo INSS, para suspender a decisão de origem que não observou a renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo, lembrou que o artigo 20, § 3º, da Lei 8742/93 teve a sua constitucionalidade declarada, mas ponderou que a existência de legislação superveniente (Lei 10.689/2003 que instituiu o Bolsa Família e Lei 10.210/2001 que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentação) permite considerar que o próprio legislador reinterpretou o artigo 203, da CF, no que tange ao conceito de necessitado.

O Ministro Gilmar Mendes reconheceu a insuficiência do critério da renda per capita baseada em 1/4 do salário mínimo, mas assentou que "o correto não seria declarar a inconstitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8742/93 mas reconhecer a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores capazes de indicar o estado de miserabilidade do cidadão". E ainda, fundamento que, mais cedo ou mais tarde o Plenário, inevitavelmente, deverá enfrentar o tema diante da reinterpretação que vem sendo dada ao artigo 203, CF, tanto pelo legislador quanto pelo próprio STF. Sinale-se aqui a questão da inconstitucionalidade superveniente, de lei antes declarada constitucional, pela mutação constitucional interpretativa.

b.5) Rcl 3.805-SP

Na Rcl 3.805-SP a Ministra Carmem Lucia cassou a liminar concedida, ao fundamento de que a concessão do beneficio de assistência social, em situações comprovadas de absoluta incapacidade de meios de subsistência da pessoa. Fundamentou que, ainda que não observado o critério objetivo de ¼ do salário mínimo não representa afronta ao entendimento fixado na ADI 1.232, pois " a constitucionalidade do artigo 20 da Lei 8742 não significa inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender ao principio constitucional da dignidade humana, tenham de conceder o beneficio assistencial diante da constatação da necessidade da pessoa com deficiência"

Ainda, com todas as letras a Ministra concluiu que "no julgamento da ADI 1.232 o SFT teve por constitucional, em tese, a norma do artigo 20, da Lei 8742, mas não afirmou inexistirem situações concretas que impusessem atendimento constitucional e não subsunção àquela norma."

c) Recl 3.034-PB

A interpretação do Supremo, ao artigo 100, § 2º, da CF, de modo uniforme, é no sentido de que só é possível o sequestro de verba pública, para pagamento de precatório, quando houver preterição do direito de precedência do credor. Entretanto, na Recl 3034-PB, em decisão de 21.09.2006, na análise do agravo regimental, o STF considerou também a hipótese de não pagamento de precatório alimentício à pessoa idosa.

O Ministro Eros Grau, no Agravo Regimental na Reclamação citada, no voto-vista, afirmou que o fato de o credor, via precatório, estar acometido de doença grave tornava a situação excepcional, pois a norma só vale para as situações normais, de sorte que as situações de anormalidades foge à regra, pois o caso não está contemplado pela norma. O Ministro Eros Grau deixou claro, no voto, que há distinção entre a norma abstrata e sua aplicação no caso concreto:

"7. Permito-me, ademais, insistir em que ao interpretarmos/aplicarmos o direito (...) porque aí não há dois momentos distintos, mas uma só operação (...) ao praticarmos essa única operação, isto é ao interpretarmos/aplicarmos o direito não exercitamos no mundo das abstrações, porém trabalhamos com a materialidade mais substancial da realidade. Decidimos não sobre teses, teorias ou doutrinas mas situações do mundo da vida. Não estamos aqui a prestar contas a Montesquieu ou a Kelsen, porém vivificamos o ordenamento, todo ele. Por isso o tomamos na sua totalidade. Não somos meros leitores de seus textos (...) para o que nos bastaria a alfabetização (....) mas magistrados que produzem normas, tecendo e recompondo o próprio ordenamento."


ADC 16 – (art. 71, § 1º, da Lei 8666/93)

Com efeito, o artigo 1º, da Lei de Licitações 8.666/1993, trata da contratação de obras e serviços, incluídos os contratos de prestação de serviços terceirizados, e expressamente disciplina sua aplicabilidade à Administração Pública Direta e Indireta federal, estadual, distrital e municipal, verbis:

"Art. 1º. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (...)"

O artigo 71, caput e parágrafo 1º, da mesma lei, à seu turno, trata da responsabilidade do Poder Público nas licitações, verbis:

"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (...)"

A seu turno a Sumula 331/TST, que trata da Terceirização, traz a seguinte diretriz jurisprudencial:

"IV- o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações publicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial ( art. 71 – da Lei n. 8.666, de 21.6.1993).

Em março de 2007, o governador do Distrito Federal ajuizou ação direta de Declaração de constitucionalidade do artigo 71, da Lei 8666/93. Fundamentou que o comando legal apontado tem sofrido ampla retaliação por parte de órgãos do Poder Judiciário, em especial o Tribunal Superior do Trabalho na aplicação a da Sumula 331. Apontou que a Sumula 331/TST nega vigência ao parágrafo 1º, do artigo 71, da Lei 8666/93, eis que responsabiliza, subsidiariamente, a Administração Pública, Direta e Indireta, pelos aos débitos trabalhistas na contratação de qualquer serviço de terceiro especializado. Ingressaram na ação de constitucionalidade, como amicus curiae (amigos da corte), a União, a maioria dos Estados e muitos Municípios.

O Relator Ministro Cezar Peluso, diante da complexidade da matéria, entendeu necessária uma decisão colegiada e, assim , negou a liminar pretendida. Iniciado o julgamento em setembro de 2008, o Relator votou pelo não conhecimento da ação. O Ministro Menezes Direito (falecido) pediu vista dos autos. O Ministro Marco Aurélio votou pelo conhecimento e julgamento do mérito.

Em 24 de outubro de 2010, o julgamento foi retomado. O Presidente do STF e Relator Ministro Cezar Peluso, manteve a posição pelo arquivamento da ação, à míngua de controvérsia, na medida em que, no seu entendimento, ao editar o Enunciado 331, o TST não declarou a inconstitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93.

Entretanto, a Ministra Cármen Lúcia (sucessora do Ministro Menezes Direito) apresentou divergência; votou pelo conhecimento da ação e julgamento pelo mérito, tendo em conta a discussão acerca da constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93 . Apontou a existência de inúmeros questionamentos das decisões do Tribunal Superior do Trabalho e demais Tribunais Regionais do Trabalho, bem como, considerável numero de ações pendentes de julgamento e de Reclamações Constitucionais (RcLs), junto ao Supremo, todas atacando a Sumula 331/TST.

O Ministro Marco Aurélio asseverou que a Súmula 331 foi editada com base no artigo 2º, da CLT, que demarca a figura do empregador e no artigo 37, parágrafo 6º, da CF, que responsabiliza as pessoas de direito público por danos causados por seus agentes a terceiros.

O Ministro Ayres Britto lembrou que só há três formas constitucionais de contratação pessoal no setor público: por concurso, por nomeação para cargo em comissão e por contratação por tempo determinado, para suprir necessidade temporária. Assim, embora amplamente praticada, a terceirização não tem previsão constitucional. Portanto, na hipótese de inadimplência das obrigações trabalhistas do contratado, atrai a responsabilidade civil do Poder Público.

O Ministro Dias Toffoli, que atuou na ação como Advogado Geral da União, deu-se por impedido.

Enfim, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) . O comando legal prevê que o inadimplemento das obrigações trabalhistas na terceirização não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento.

A questão, doravante, radica em perquirir sobre: os efeitos da declaração de constitucionalidade, bem como os efeitos do julgamento das Reclamações Constitucionais frente a Sumula 331/TST; como deve se posicionar o Judiciário Trabalhista na análise das ações que envolvem a terceirização no setor público.


A derrota aparente da Súmula 331/TST na ADC 16-DF

Face ao entendimento fixado na ADC 16, o Pleno do STF deu provimento a inúmeras Reclamações (RCLs) contra decisões do TST e de Tribunais Regionais do Trabalho fundamentadas na Súmula 331/TST, dentre elas as RCLs 7517 e 8150.

O Presidente do STF, entretanto , ressalvou que isso "não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa" , pois o "STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público".

Ressalvou, ademais, que o fundamento utilizado pelo TST é a responsabilidade pela omissão culposa da Administração Pública, em relação à fiscalização da empresa contratada, quanto a idoneidade e cumprimento ou não dos encargos socais nos contratos de licitação de prestação de serviços.

Houve um consenso no julgamento no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos. Portanto, o Judiciário Trabalhista deverá primar pela busca da verdade real, qual seja, investigar, com rigor, se a inadimplência dos direitos trabalhistas pelos contratados, fornecedores de mão de obra, teve como causa principal, direta ou indireta, a inexecução culposa ou a omissão culposa na fiscalização do cumprimento do contrato de licitação, pelo órgão público contratante.

No neoconstitucionalismo, o sentido das normas constitucionais já não pode ser mais designada a priori, pela simples leitura do seu enunciado abstrato. Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, asseveram que :

"Em diversas situações, inclusive e notadamente nas hipóteses de colisão de normas e de direitos constitucionais, não será possível colher no sistema, em tese, a solução adequada: ela somente poderá ser formulada à vista dos elementos do caso concreto, que permitam afirmar qual desfecho corresponde à vontade constitucional. ( ... ) É preciso saber se o produto da incidência da norma sobre o fato realiza finalisticamente o mandamento constitucional." [22]

Deste modo, o conteúdo da norma é revelado por ocasião da interação entre o texto normativo e as circunstâncias do caso concreto. Dessarte, "a norma, na sua dicção abstrata, já não desfruta da onipotência de outros tempos. Para muitos, não se pode sequer falar da existência de norma antes que se dê a sua interação com os fatos, tal como pronunciada por um intérprete." [23]

A constatação de que uma norma pode ser constitucional em tese, in abstrato, mas não exclui a possibilidade de ser inconstitucional in concreto, à vista da situação submetida a exame, é corolário do raciocínio tópico.

Conclui-se, pois, que a declaração de constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93 não impede a fixação da responsabilidade da Administração Publica na terceirização, no caso concreto, á luz das circunstâncias e provas, visando resguardar os princípios da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho (art. 1º, III, IV da CF), sendo plenamente compatível com a decisão do STF na ADC nº 16.


A cláusula de reserva de plenário e a Sumula 331/TST

Diante do comando do artigo 97, da Constituição, temos que:

"Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público".

A polêmica acerca da aplicação da Sumula 331/TST com relação à Administração Pública teve novo direcionamento, por conta de outro fundamento (noticia TST 13/12/2010). A Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou quatro decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) baseadas na Súmula 331 (inciso IV) que impõe a responsabilidade subsidiária da Administração Publica aos contratos de terceirização, com base na cláusula da reserva de plenário nos recursos (agravos regimentais) das Reclamações Constitucionais dos Estados de Amazonas (Rcl 7901-AM), Rondônia (Rcl 7711 e 7712) e Sergipe (Rcl 7868).

Segundo a Súmula Vinculante n. 10 viola a cláusula de reserva de plenário (artigo 97, CF) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Anteriormente, a Ministra havia negado seguimento às reclamações, contra julgados do TST, ajuizadas sob alegação de descumprimento da Súmula Vinculante n. 10, do Supremo. A Ministra redirecionou a sua decisão, tendo em vista que, em sessão plenária realizada no dia 24 de novembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 16, declarou constitucional o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações) que proíbe a transferência de responsabilidades por encargos trabalhistas para os entes públicos.

Entendeu, que ao afastar a aplicação do § 1º, do artigo 71, da Lei n. 8.666/93, com base na Súmula 331, inc. IV, o Tribunal Superior do Trabalho descumpriu a Súmula Vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal. A Ministra ressaltou que ao analisar a ADC nº 16, o Supremo decidiu que os Ministros poderiam julgar monocraticamente os processos relativos à matéria, "na esteira daqueles precedentes".

Nota-se que a derrota da Súmula 331/TST no caso, é de ordem formal, e não material: inobservância da reserva de plenário. Não se discute aqui o fato de a Súmula 331/TST ter sido aprovada pelo Pleno do TST, mas sim o fato de que o item IV, na sua aprovação, não foi precedida de debates acerca da (in)constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93.

Nesse contexto, a melhor interpretação da Súmula Vinculante n. 10 é a de que a negativa de vigência de uma norma, no caso concreto, não conduz, necessariamente, a conclusão de que, direta ou indiretamente, foi reconhecida a sua inconstitucionalidade, no todo ou em parte. A inconstitucionalidade que se equipara à negativa de vigência é aquela em que o juiz deixa de aplicar a norma porque a incidência do enunciado normativo, na hipótese concreta, produz um resultado (uma norma) inconstitucional.


(Re) posicionamento do Judiciário Trabalhista

Dos debates em torno da aplicação da Súmula 331/TST, em relação a Administração Pública, exsurge que: houve o deslocamento da questão para o contexto fático- probatório.

Verifica-se, por conseguinte, que a derrota da Sumula 331/TST à mais aparente que real. Isto porque a Súmula citada comandava a responsabilidade do Poder Público, na terceirização, fundada na presunção absoluta da culpa, ou seja, responsabilidade objetiva, bastando tão só o inadimplemento das obrigações trabalhistas.

Nesse sentido, o Excelso Pretório salientou não haver possibilidade de invocar-se o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que trata da responsabilidade objetiva, porque o inadimplemento de verbas trabalhistas se perfaz pela empresa prestadora dos serviços terceirizados, contratada administrativamente, e não pela Administração Pública na condição de contratante.

Logo, a Corte Constitucional sinalizou que não é possível aplicar as regras da responsabilidade objetiva ou, fundada na mera presunção de culpa in vigilando. Desta feita, a questão foi deslocada para o caso concreto, para o contexto fático- probatório, com relevo para: o raciocínio tópico, com foco no problema a ser resolvido; o ônus da prova, na analise das provas coligidas dos fatos, do nexo causal, da culpa, e do dano e sua extensão (art. 333, CPC e 818, CLT); tudo legitimado pela ônus da argumentação-fundamentação adequada (art. 93, IX, CF), que desempenha um papel destacado na atualidade, para viabilizar o controle da aplicação racional e razoável da Constituição.

Mister, pois, a prova da ilicitude, fraude, inexecução culposa, ou omissão ou imperfeição na fiscalização do contrato de licitação. Assim, a partes e o Juiz devem cuidar das provas, da efetiva atuação culposa, subjetiva, do agente publico, no sentido de causar, direta ou indiretamente, o indébito trabalhista para os empregados que lhes tenham prestado serviços intermediados. O Juiz decidirá de acordo com o livre convencimento motivado, cujo ônus é expor o raciocínio e as razões de decidir fundamentadamente.

A declaração de constitucionalidade Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), artigo 71, parágrafo 1º, pelo Supremo Tribunal Federal (ADC 16) foi feita in abstrato, desvinculado de qualquer caso concreto, na consideração de um processo de licitação em condições de legalidade e normalidade. Portanto, não constitui salvo conduto ou incondicional ausência de responsabilidade pelos danos à que deu causa a Administração Publica, por meio de contratação precedida de procedimento licitatório. Se restar provado que a Administração Pública, por seu agente público, de qualquer modo, concorreu com descumprimento da legislação trabalhista, atrai a responsabilidade pelos débitos trabalhistas.

Por outras palavras, há no caso uma aparente derrota da Súmula 331, do TST, pois o seu conteúdo não foi suplantado, mas sim o seu modo de aplicação final. As conclusões aqui externadas não são incompatíveis com a idéia de nova redação para a Súmula 331, agora firmada na esteira dos debates travados no STF.

O artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, não trata da hipótese em que o inadimplemento das obrigações trabalhistas decorre, direta ou indireta, da conduta culposa da Administração Pública. Havendo nexo causal, não obsta o reconhecimento da responsabilidade do Poder Público, ainda que subsidiária, por conta da aplicação de outras normas previstas no ordenamento jurídico. Nesse sentido, o artigo 37, XXI, da CF/88 determina a exigibilidade de o Poder Público, observar o procedimento licitatório para celebrar contratos com particulares e, nos termos da lei geral que regula as licitações. A seu turno o artigo 27 da Lei 8666/93 comanda....... e, ainda os artigos arts. 58, III e 67, caput e § 1º, da Lei 8666/93, comandam a responsabilidade na fiscalização da execução do contrato de licitação. Se o administrador Público não cumpre as obrigações constitucionais e legais a seu cargo, no dever de fiscalizar o contrato firmado, seja em sua celebração, bem como durante todo o período de execução , qualquer lesão daí oriundo, acarreta a sua responsabilização, por danos causados a terceiros.

O dever do Administrador de fiscalizar, tanto na celebração do contrato, como em sua execução, razão porque sua ação ou omissão gera, inexoravelmente, como conseqüência, o dever de reparar os danos decorrentes de sua incúria no cumprimento do dever constitucional e legal imposto.


Julgamentos do TST pós ADC n. 16

Das considerações acima articuladas conclui-se que, nada impede o Judiciário Trabalhista, independente da existência, validade, invalidade ou revogação, do item IV, da Súmula 331/TST, continuar julgando, cada caso concreto, e apurar e decidir acerca da responsabilidade do Poder Publico na terceirização.

As questões que merecem cuidado cingem-se ao : conjunto fático probatório, ônus da prova, a busca da verdade real e, o dever da fundamentação tendo em conta a necessidade de controle da racionalidade sistêmica na aplicação do Direito.

Em pesquisa recente verifica-se que o TST já se conclui alguns julgados, envolvendo terceirização no setor público, após o pronunciamento do STF na ADC n. 16, conforme ementas abaixo:

"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADC 16. CULPA IN VIGILANDO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO NA FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DESPROVIMENTO. Confirma-se a decisão que, por meio de despacho monocrático, negou provimento ao agravo de instrumento, por estar a decisão recorrida em consonância com a Súmula 331, IV, do c. TST. Nos termos do entendimento manifestado pelo E. STF, no julgamento da ADC-16, em 24/11/2010, é constitucional o art. 71 da Lei 8666/93, sendo dever do judiciário trabalhista apreciar, caso a caso, a conduta do ente público que contrata pela terceirização de atividade-meio. Necessário, assim, verificar se ocorreu a fiscalização do contrato realizado com o prestador de serviços. No caso em exame, o ente público não cumpriu o dever legal de vigilância, registrada a omissão culposa do ente público, ante a constatada inadimplência do contratado no pagamento das verbas trabalhistas, em ofensa ao princípio constitucional que protege o trabalho como direito social indisponível, a determinar a sua responsabilidade subsidiária, em face da culpa in vigilando. Agravo de instrumento desprovido".(TST, Ag-AIRR - 153040-61.2007.5.15.0083 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 15/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 28/01/2011)

"RECURSO DE REVISTA - ENTE PÚBLICO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADC Nº 16 - JULGAMENTO PELO STF - CULPA IN VIGILANDO - OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE DOS AUTOS - ARTS. 58, III, E 67, CAPUT E § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 - INCIDÊNCIA. O STF, ao julgar a ADC nº 16, considerou o art. 71 da Lei nº 8.666/93 constitucional, de forma a vedar a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas devidos pela prestadora dos serviços, nos casos de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do vencedor de certame licitatório. Entretanto, ao examinar a referida ação, firmou o STF o entendimento de que, nos casos em que restar demonstrada a culpa in vigilando do ente público, viável se torna a sua responsabilização pelos encargos devidos ao trabalhador, já que, nesta situação, a administração pública responderá pela sua própria incúria. Nessa senda, os arts. 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei nº 8.666/93 impõem à administração pública o ônus de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo vencedor da licitação (dentre elas, por óbvio, as decorrentes da legislação laboral), razão pela qual à entidade estatal caberá, em juízo, trazer os elementos necessários à formação do convencimento do magistrado (arts. 333, II, do CPC e 818 da CLT). Na hipótese dos autos, além de fraudulenta a contratação do autor, não houve a fiscalização, por parte do Estado-recorrente, acerca do cumprimento das ditas obrigações, conforme assinalado pelo Tribunal de origem, razão pela qual deve ser mantida a decisão que o responsabilizou subsidiariamente pelos encargos devidos ao autor. Recurso de revista não conhecido"(TST, RR - 67400-67.2006.5.15.0102 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 07/12/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: 17/12/2010)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇO - ENTIDADE PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CULPA -IN VIGILANDO-. ISONOMIA SALARIAL. OJ 383, SBDI-1/TST. Na hipótese, o Regional consignou que a Reclamante foi contratada por intermédio de empresa terceirizada e passou a laborar como caixa, percebendo, contudo, remuneração inferior aos empregados da CEF que exerciam as mesmas funções. É entendimento desta Corte que a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Trata-se de aplicação analógica do art. 12, -a-, da Lei 6.019, de 03.01.1974 (OJ 383, SDI-1/TST). Noutro norte, as entidades estatais têm responsabilidade subsidiária pelas dívidas previdenciárias e trabalhistas das empresas terceirizantes que contratam, nos casos em que desponta sua culpa -in vigilando-, quanto ao cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária por parte da empresa terceirizante contratada. É, portanto, constitucional o art. 71 da Lei 8.666/93 (ADC 16, julgada pelo STF em 24.11.2010), não implicando, porém, naturalmente, óbice ao exame da culpa na fiscalização do contrato terceirizado. Evidenciada essa culpa nos autos, incide a responsabilidade subjetiva prevista nos arts. 186 e 927, -caput-, do CCB/2002, observados os respectivos períodos de vigência. Assim, em face dos estritos limites do recurso de revista (art. 896, CLT), não é viável reexaminar a prova dos autos a respeito da efetiva conduta fiscalizatória do ente estatal (Súmula 126/TST). Agravo de instrumento desprovido". (TST, AIRR - 71240-34.2009.5.13.0006 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 01/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 10/12/2010)


CONCLUSÃO

A conclusão que se extrai do presente estudo é a de que, os casos paradigmáticos acima, por si sós, explicam a ressalva feita pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, na ADC n.16, no julgamento da constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei 8666/93, no sentido de que tal "não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa" , pois o "STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público".

Em suma, é possível concluir, que segundo entendimento do STF, na ADC nº 16-DF :

1. Ao admitir a possibilidade de fixação da responsabilidade da Administração Pública, à vista do caso concreto e, ou fundado em outras normas, o STF assumiu o papel que lhe cabe, de guardião da Constituição, de fazer valer prevalência dos princípios constitucionais fundantes do Estado Democrático e assegurar caminhos para a efetivação dos direitos fundamentais.

2. É totalmente inapropriado impedir o Judiciário Trabalhista de reapreciar a constitucionalidade ou não do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, anteriormente declarada válida, à vista de novos argumentos e das circunstâncias fáticas-probatórias, que só acontece no contato da norma com a realidade, qual seja, no caso concreto, qual seja, no modo final de aplicação do direito

3. É no momento da interpretação, no caso concreto, e à luz das suas circunstâncias reais, que o enunciado normativo adquire vida e significado e passa a determinar condutas, quer estatais, quer dos particulares.

4. A constitucionalidade do artigo 71, da Lei 8666/93, não significa inconstitucionalidade dos "comportamentos judiciais" que, no caso concreto, à luz dos fatos e provas, venham a decidir pela responsabilidade da Administração Pública, para atender ao principio constitucional da dignidade humana.

5. Assim, a proteção social do trabalhador, que presta serviços em favor da Administração Pública e acaba por não receber seus créditos trabalhistas, não pode conduzir à consideração de responsabilidade objetiva do Poder Público pelo indébito causado por terceiro. Nada obsta, contudo, a perquirir se o agente público agiu com culpa para a ocorrência do inadimplemento dos débitos trabalhistas. Se não for evidenciada, de qualquer modo, ação ou omissão, direta ou indireta, na modalidade culposa, do agente público em detrimento do contrato administrativo para a prestação de serviços terceirizados, não há como emergir responsabilidade da Administração Publica em relação às obrigações trabalhistas da empresa contratada, à luz do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. Essa é a linha do entendimento pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.

6. Se a Administração Pública "deu causa" ao inadimplemento das verbas trabalhistas, na terceirização, seja por ato comissivo ou por omissão, conjunto de direitos ligados à manutenção da própria vida humana, é defensável a sindicabilidade judicial da conduta estatal em prol da tutela da dignidade da pessoa humana.

7. Isto porque, não é possível olvidar que há normas constitucionais, de larga envergadura, têm implicações sociais, políticas e econômicas, a exemplo dos princípios fundamentais positivados no art. 1º, tais como a dignidade da pessoa humana , o valor social do trabalho e da livre iniciativa; bem como os direitos fundamentais que se afirmam através de princípios ligados aos direitos sociais ( art. 6º e 7º) à ordem econômica (art. 170), à seguridade social (art. 194), à saúde (art. 196), à assistência social (art. 203) e à cultura (art. 215), entre tantos outros dispositivos constitucionais.

8. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outras situações envolvendo direitos fundamentais, dotados de um núcleo mínimo irredutível, ligados à manutenção do mínimo existencial, consistente no direito às condições mínimas de existência humana digna" e que exigem do Estado prestações positivas e ou que vinculam os particulares nas relações privadas.

9. As questões que merecem cuidado cingem-se ao : conjunto fático probatório, ônus da prova, a busca da verdade real e, o dever da fundamentação, tendo em conta a necessidade de controle da racionalidade sistêmica na aplicação do Direito. Assim, é exigida maior investigação e, não apenas a presunção ou mera consideração de dever de eleição ou de vigilância em relação à execução do contrato administrativo. Resulta, pois a exortação do: uso da tópico, foco na solução do caso concreto, cuidado com as provas e, da questão do convencimento motivado juiz, demonstrado cabalmente pela argumentação-fundamentação adequada (art. 93, IX, CF).

10. Enfim, houve uma derrota meramente aparente da Súmula 331/TST. Não houve um discreto retorno à teoria da irresponsabilidade estatal dos idos do Estado autoritário, interpretação que não se coaduna com o texto constitucional, sob pena de desconstrução do Estado Democrático de Direito, máxime na vertente da responsabilidade do Estado.

Doravante, o Judiciário Trabalhista deve redirecionar a questão para a análise do caso concreto, com base no conjunto fático-probatório posto a seu julgamento, centrado no nexo causal, culpa e dano, para fixar a co-responsabilidade da Administração Pública, pelos serviços terceirizados contratados, à luz das regras e princípios, diante de um caso concreto. Trata-se, pois da atividade de ponderação da regra e suas exceções, ou ponderação das razões ou razões excepcionais, ou teoria de excepcionalidade, ou " aptidão para cancelamento (defeasibility) das regras".

O artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, trata da regra geral que isenta de responsabilidade a Administração Publica, mas não cuida da hipótese em que a mesma deu causa ao inadimplemento. A leitura do texto é no sentido de que a inadimplência do contratado, sem o concurso da Administração Pública, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere a responsabilidade por seu pagamento.

Logo, a regra comporta exceções previstas na ordem jurídica, pois cumpre à Administração Pública fiscalizar o procedimento licitatório de terceirização, no ato da contratação e na fase de execução, máxime no que tange a regularidade trabalhista e fiscal. Se por sua omissão culposa resultar dano, todo aquele que ação ou omissão, causar dano, comete ato ilícito e deve reparar (art. 37, XXI, CF e arts. 27, IV, 58, III, e 67 caput e § 1º, da Lei 8666/93 e art. 186, CC). Assim, há outras razões calcadas em outras normas, para afastar a regra geral (overrling) fundada em exceção prevista no próprio ordenamento jurídico. O requisito de apresentação de certidão de regularidade trabalhista e fiscal e outros documentos comprobatórios da quitação mensal das verbas trabalhistas, na terceirização, durante a execução do contrato, previne lesões e responsabilidades.

Na tarefa do modo final de aplicação da norma, o correto não será declarar a inconstitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/91. É inapropriado, também, falar em negativa de vigência do referido texto legal, tendo em conta a sua inespecificidade ao caso concreto. O correto é apenas, reconhecer, pela técnica da ponderação, que há possibilidade de que o artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93 seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores e normas, que trazem as exceções, tais como as previstas no art. 37, XXI, CF, e arts. 27, IV, 58 III e 67 caput e § 1º, da Lei 8666/93, e demais regras da responsabilidade civil encravadas no Código Civil.


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Notas

  1. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Martires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. São Paulo:Saraiva, 4ª ed. 2009, p 1325-1343, passim.
  2. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Martires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. São Paulo:Saraiva, 4ª ed. 2009, p 1325-1343, passim.
  3. in, Desafios do Neoconstiucionalismo – Aplicação das normas constitucionais e a tensão entre a justiça e a segurança. Neocontitucionalismo. Coord. Regina Quaresma, Maria Lúcia de Paula Oliveira. Farlei Martins Riccio de Oliveira. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 544.
  4. José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999, pp.126-1.128.
  5. Desafios do Neoconstiucionalismo – Aplicação das normas constitucionais e a tensão entre a justiça e a segurança. Neocontitucionalismo. Coord. Regina Quaresma, Maria Lúcia de Paula Oliveira. Farlei Martins Riccio de Oliveira. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.544.
  6. Gilmar Ferreira Mendes e Ives Grandra da Silva Martins. Controle concentrado de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 425.
  7. Ob. Cit. p. 1336.
  8. O Ministro Gilmar Mendes, na Rcl 2.126, para preservar a autoridade da decisão proferida na ADI 1.662 em decisão monocrática, deferiu a liminar e suspendeu a ordem de sequestro no precatório, sob o fundamento de que o alcance dos efeitos vinculantes da decisão da ADI não pode estar limitado à sua parte dispositiva, eis que se devem considerar também os fundamentos determinantes, sem os quais a vinculatividade pouca contribuição prestaria à proteção mais abrangente à Constituição.
  9. Veja-se o famoso julgado do STF a respeito do revogado artigo 224 do Código Penal (atual artigo 217-A, criado pela Lei 12015/09, que instituiu o crime de "estupro de vulnerável") que prevê o estupro e estabelece uma presunção absoluta e incondicional de violência se a vítima é menor de 14 anos. O STF afastou a incidência da norma, porque no caso em que a vitima possua 12 anos de idade, sob o fundamento das circunstâncias particulares não previstas pela norma, quais sejam: conjunção carnal com o consentimento da vitima e aparência física e mental de pessoa mais velha (STF-HC 73.662-9, Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 20.09.96)
  10. Humberto Ávila. Teoria dos Princípios. Da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.44-69. Ainda, Anna Paula de Barcellos. Ponderação, Racionalidade e Atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. José Carlos Vasconcellos dos Reis. Desafios do Neoconstitucionalismo – A aplicação das normas constitucionais e a tensão entre justiça e segurança jurídica. Neocontitucionalismo. Coord. Regina Quaresma, Maria Lúcia de Paula Oliveira. Farlei Martins Riccio de Oliveira. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp.552-553.
  11. Humberto Ávila fundamenta que as regras " podem ter suas condições de aplicabilidade preenchidas, e, ainda assim, não ser aplicável, pela consideração a razões excepcionais que superem a própria razão que sustenta a aplicação normal da regra", denominada de " aptidão para cancelamento ( defeasibility) das regras", ob. cit, p. 69.
  12. Humberto Ávila, ob. cit. p. 69
  13. José Carlos Vasconcellos dos Reis, ob. cit. p. 553.
  14. José Carlos Vasconcellos dos Reis, ob. cit. p. 553.
  15. Anna Paula Barcellos. Ponderação, Racionalidade, e Ativismo Jurisdicional, ob. cit, p. 220 e ss.
  16. Na ADI 1.662 foi argüida a inconstitucionalidade da equiparação entre "não inclusão de verba no orçamento para pagamento de precatório" com "preterição pela inobservância na ordem de pagamento" e o STF entendeu que o sequestro de verba publica só é possível diante da inobservância da ordem cronológica apontada. Várias reclamações constitucionais se seguiram, embora as legislações postas em confronto fossem de diferentes entes da federação, estaduais e municipais. Na Recl 1923-RG, embora não existisse ato normativo arrimando a decisão a reclamação foi provida, porque aplicado a transcendência dos efeitos vinculantes. Na Recl 2.126-SP ( Min. Gilmar Mendes) e na Rcl 1.987-DF a questão foi retomada no sentido de que uma norma declarada inválida significa " uma exegese da norma aplicável segundo a dicção fixada pela Corte, e não o texto em sentido estrito", com o que discordou o Ministro Sepúlveda Pertence, secundado pelo Ministro Marco Aurélio, pois, a ADI 1.662 cuidava de um instrumento normativo editado por Tribunal Trabalhista anteriormente a Recl 1.987-DF, e ainda, invocava outro fundamento constitucional reconfigurado pela EC n. 30. Desta feita, restou sinalizado que a transcendência dos motivos determinantes, a outros casos concretos que não guardam exata identidade com a tese central do controle concentrado de constitucionalidade, agride a sensibilidade do julgador, como se este pudesse reconhecer a vinculatividade a uma decisão editada sob distinta moldura constitucional no tema especifico.Comentários dos julgados na obra de Vanice Regina Lirio do Vale (Org). Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009, p 47-54.
  17. Luís Roberto Barroso expõe, no "Post Scriptum" à 5ª edição de Interpretação e Aplicação da Constituição, algumas reflexões importantes sobre essa possibilidade cogitada no texto. Veja-se, ainda, especificamente sobre o tema, Ana Paula de Barcellos. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 229-234.
  18. Lênio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica ao Direito, 2ªEd., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 840.
  19. in, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, ob. cit., p. 778.
  20. Comentários sobre a ADI 1232 e respectivas Reclamações Constitucionais, os julgados mencionados acham, alentadamente, na obra de Fernanda Penteado Balera. O beneficio da prestação continuada para pessoas com deficiência no SFT. In Jurisprudência Constitucional: Como decide o STF?. Diogo R. Coutinho e Adriana M. Vojvodic (Org.). São Paulo: Malheiros, 2009. pp.500-513.
  21. Comentários de julgado citado vem na obra de Ana Paula Ávila. "Razoabilidade, Proteção do Direito Fundamental à Saúde e Antecipação de Tutela contra a Fazenda Pública". In: Ajuris, nº 86. Porto Alegre, 2003, pp. 361 e ss.
  22. Gilmar Ferreira Mendes, O Começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro, In Luiz Roberto Barroso (Org). A nova interpretação constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 333-334.
  23. Gilmar Ferreira Mendes, O Começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro, In Luiz Roberto Barroso (Org). A nova interpretação constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 333-334.

Autor

  • Ivani Contini Bramante

    Ivani Contini Bramante

    Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Mestre e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Relações Coletivas de Trabalho pela Organização Internacional do Trabalho. Professora de Direito Coletivo do Trabalho e Direito Previdenciário do Curso de Graduação do Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Direito das Relações do Trabalho da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ex- Procuradora do Ministério Público do Trabalho.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAMANTE, Ivani Contini. A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18479. Acesso em: 28 abr. 2024.