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Fiança: a perda de aplicabilidade no ordenamento pátrio

Fiança: a perda de aplicabilidade no ordenamento pátrio

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Criou-se um novo modelo de liberdade provisória, sem fiança, que passou a ser utilizado como regra no âmbito processual penal na concessão do benefício.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ESTADO DE DIREITO COMO LIMITE AO PODER ESTATAL. 2.1- Estado de direito e princípio do estado de inocência. 2.2- Legitimidades da exigência da fiança e princípio do estado de inocência. 3. CONTEXTO HISTÓRICO. 3.1- Origem. 3.2- Evolução do instituto no ordenamento penal pátrio. 3.3- Conceito. 3.4- Natureza Jurídica. 4. ASPECTOS RELEVANTES. 4.1- Finalidade. 4.2- Fixação do valor da fiança. 4.3- Modalidades de fiança. 5. DELITOS CONSTITUCIONALMENTE INAFIANÇÁVEIS E LIBERDADE PROVISÓRIA. 5.1- Interpretação do artigo 310, parágrafo único. 5.2- Delitos Inafiançáveis. 6. FIANÇA: PERDA DA APLICABILIDADE. 6.1- Contradição. 7. CONCLUSÃO. 8. REFERÊNCIAS


1. Introdução

Para uma melhor compreensão do instituto da fiança, é importante ressaltar que, com o advento da Lei 6416/77 e, mormente, com o status constitucional de direito fundamental alcançado pelo princípio do estado de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, muitas transformações ocorreram no trato da matéria. Neste contexto, criou-se um novo modelo de liberdade provisória, sem fiança, que passou a ser utilizado como regra no âmbito processual penal na concessão do benefício.

Tendo em vista toda esta mudança no nosso ordenamento, indaga-se, na presente pesquisa, acerca da aplicabilidade do instituto, sua utilidade nos moldes em que se encontra hodiernamente estruturado no ordenamento penal pátrio e a necessidade de sua reformulação para que possa servir como instrumento cautelar que vincule efetivamente o indivíduo ao processo, atenda suas demais finalidades e seja utilizado coerentemente, de maneira a evitar as gritantes distorções existentes, ocasionadas, sobretudo, pelo tratamento dado ao instituto sem nenhuma sistematização e pela falta de primor técnico do legislador pátrio. Pergunta-se se é legítimo exigir maiores ônus ao indivíduo preso em flagrante delito em crimes mais levemente apenados e exigir menos encargos àqueles presos em flagrante em delitos mais graves, pelo simples fato de não preencher os requisitos da liberdade provisória mais onerosa.

Para tal mister, serão abordados alguns tópicos lançados pela doutrina e jurisprudência pátrias, procurando demonstrar que a confusão em sua compreensão tem contribuído de maneira decisiva para a incoerência no trato da questão.

A análise do instituto se deterá às hipóteses de prisão em flagrante, visto que são as situações mais freqüentes e importantes em que o instituto encontra aplicação.

O referencial teórico que embasou a referida pesquisa foi o princípio do estado de inocência, garantia constitucional que deita suas raízes no estado de direito e que se mostra plenamente compatível com a exigência da fiança.

Procuraremos demonstrar que, se efetivamente houver uma reformulação da fiança, para que seja exigida coerentemente nas situações cabíveis, adequando-se os ônus suportados pelo indivíduo à gravidade do delito praticado, e que se houver a fixação de seu valor em patamares razoáveis, compatíveis com as condições de fortuna do acusado, o instituto trará inegável contribuição para a jurisdição penal.

O trabalho é dividido em cinco partes: após a introdução, no segundo capítulo, busca-se compreender o princípio do estado de inocência como direito fundamental oriundo do estado de direito e demonstrar sua compatibilidade com a exigência da fiança. O terceiro capítulo trata da origem e evolução do instituto e a controvérsia existente a respeito de sua natureza jurídica, buscando demonstrar que muito de seu tratamento incongruente tem origem nesta controvérsia. No quarto capítulo, passa-se a analisar alguns aspectos relevantes, dentre eles, a sua finalidade, os critérios e a inobservância deles na fixação de seu valor, bem como as diversas alterações no padrão monetário do país que contribuíram para a fixação de seu valor em patamares irrisórios, deixando assim de atender as finalidades para as quais foi criada. No quinto capítulo, analisaremos a discussão a respeito do real alcance e sentido dos delitos inafiançáveis previstos na Constituição Federal e sua relação com a liberdade provisória, bem como doutrina e jurisprudência vêm se posicionando a respeito. No sexto capítulo, demonstraremos as distorções surgidas a partir do advento da Lei 6416/77, e a interpretação, que a nosso sentir, seja a mais correta do parágrafo único do artigo 310 do CPP, a qual contribuirá, ao final, para trilhar a conclusão de que, a partir da reformulação do instituto tendo em vista atender efetivamente as finalidades para as quais foi criado e de que sua exigência não fere o princípio constitucional do estado de inocência, é possível resgatar sua aplicabilidade, reduzida em nosso ordenamento.

O método de abordagem foi o dedutivo, pois é a forma que mais se adéqua aos objetivos propostos na presente pesquisa, partindo-se do pressuposto de que há normas em vigor que servem de base para se chegar a um conhecimento novo. Partindo-se do princípio do estado de inocência e da sua compatibilidade com a cautelaridade, característica imanente à fiança, tem-se o objetivo de demonstrar que a perda da aplicabilidade da fiança ocorreu, sobretudo, devido à confusão na compreensão do instituto, no tratamento assistemático dado pelo legislador e nas inúmeras alterações legislativas que trouxeram incongruência e inegável inconsistência no trato da matéria e que benefícios poderão ser alcançados, sendo necessário, entretanto, uma completa reestruturação da fiança em nosso ordenamento, de modo a dar um tratamento sistemático e coerente à matéria revigorando assim sua utilidade.

A pesquisa assumiu feição multidisciplinar, por existir uma imbricação de elementos pertinentes à Teoria Geral do Estado, ao Direito Constitucional, Penal e Processual Penal.

Quanto às técnicas de pesquisa, optou-se pela documentação indireta, através de pesquisa ao disposto na referência bibliográfica, recorrendo-se, primordialmente, a fontes da doutrina pátria, jurisprudência e artigos científicos para a perfeita conformação do tema.


2. Estado de direito como limite ao poder estatal

2.1 Estado de direito e princípio do estado de inocência

O Estado de direito surge como mecanismo para impor limites e evitar o exercício incontrolado do poder pelo Estado, mediante submissão deste às leis e ao direito, de modo que não só a atuação do executivo, mas também do judiciário deve encontrar respaldo legal. É no governo das leis que se reconhecem direitos, liberdades e garantias aos cidadãos face ao Estado.

O termo Estado de Direito é uma construção lingüística e uma cunhagem conceptual própria do espaço lingüístico alemão, sem correspondentes exatos em outros idiomas; e aquilo que nas suas origens se queria designar com esse conceito, é também uma criação da teoria do Estado do precoce liberalismo alemão, em cujo âmbito significava o Estado da razão; o Estado do entendimento; ou, mais detalhadamente, o Estado em que se governa segundo a vontade geral racional e somente se busca o que é melhor para todos (BÖCKENFÖRDE apud MENDES, 2008, p.41- 42).

Segundo Gomes Canotilho (1993, p.348-349), "o conceito de Estado de direito surge como um conceito temporalmente condicionado, aberto a influências e confluências cambiantes do Estado e da constituição e a várias possibilidades de concretização". As garantias formais e o estabelecimento de regras procedimentais como forma de garantir as liberdades individuais surgiram como manifestação do Estado liberal e formal do direito e dele decorre o surgimento do status negativus do indivíduo, cuja esfera de liberdade só poderia sofrer restrição estatal desde que autorizado por lei e nos limites por ela definidos.

As manifestações modernas do Estado de direito surgiram como resposta ao absolutismo, visando garantir uma esfera de liberdade, de modo que nela, o Estado só poderia intervir se estivesse amparado na lei. Esta proteção num primeiro momento residia principalmente em resguardar a liberdade individual, para que não ocorressem detenções arbitrárias por parte do Estado. Neste sentido, Reinhold Zippelius (1997, p.384-385) afirma que:

A história da liberdade do cidadão é uma história de restrição e do controlo do poder do estado. [...] A ação do Estado devia ser controlada através de regras procedimentais (relativos aos procedimentos legislativos, administrativos e jurisdicionais) protegendo-a contra o arbítrio. Deviam também ser criados mecanismos de controlo judicial e outros cuja função era fiscalizar a observância das regras de jogo do sistema de regulação jurídico.

Destarte, uma das principais funções do Estado de Direito em sua ótica liberal, consistia em evitar e reprimir práticas arbitrárias do Estado contra os indivíduos, de forma que estes tivessem mecanismos para resistir às investidas ilegítimas que violassem suas liberdades. Desta forma, só cabe restringir as liberdades individuais quando e na medida em que for necessário para atingir e proteger os interesses da comunidade.

É neste contexto que se desenvolve o princípio do estado de inocência, entendido como direito fundamental de defesa do indivíduo em face de ingerências do poder estatal em sua liberdade. Neste sentido, Ingo Sarlet (2003, p. 176):

Acima de tudo, os direitos fundamentais - na condição de direitos de defesa - objetivam a limitação do poder estatal, assegurando ao indivíduo uma esfera de liberdade e outorgando-lhe um direito subjetivo que lhe permita evitar interferências indevidas no âmbito de proteção do direito fundamental ou mesmo a eliminação de agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal.

E, neste particular, a partir da norma contida no artigo 5º, §1º [01] , da Constituição Federal, podemos afirmar que tal princípio possui normatividade suficiente para a produção de seus efeitos essenciais, sendo de observância obrigatória e vinculante a todos os poderes estatais, dotado de eficácia plena e aplicabilidade imediata em nosso ordenamento, não necessitando da atividade legislativa para que ele possa vir a ser concretizado.

Luigi Ferrajoli (2002) explica que tal princípio remonta suas origens no direito romano, entretanto, com o advento da idade medieval e do processo inquisitorial acabou ofuscado, só sendo revigorado a partir do início da idade moderna, com o surgimento das correntes iluministas [02], sendo novamente mitigado no fim do século XIX, influenciado, sobretudo, pelo autoritarismo presente na cultura penalista da época e, somente a partir da segunda metade do século XX é que o princípio passou a ser novamente observado em vários ordenamentos jurídicos.

Esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado [...] A presunção de inocência não é apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social: da específica "segurança" fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça, e daquela específica "defesa" destes contra o arbítrio punitivo (FERRAJOLI, 2002, p.441).

Ressalte-se que, apesar de parte da doutrina e jurisprudência se referir "princípio da não culpabilidade" ou "princípio da presunção de inocência", estamos com Eugênio Pacelli, que, ao discorrer sobre o tema, assevera que:

A nossa Constituição, com efeito, não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou da persecução penal, abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (pré-processual) quanto a fase processual propriamente dita (ação penal) (PACELLI, 2007, p. 415).

Desta forma, o autor afirma que, diferentemente de constituições alienígenas que se referem a princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, a nossa não faz nenhuma referência nesse sentido, devendo-se qualificar, portanto, a norma constante no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição como princípio do estado ou situação de inocência, e desta forma, o indivíduo não é presumido inocente até que se prove o contrário, mas sim é inocente até que fique demonstrada a sua culpabilidade.

2.2 Legitimidade da exigência da fiança e princípio do estado de inocência.

No âmbito processual penal, chama-se a atenção para o fato de que, apesar de ter sido o nosso código elaborado sob a égide de um Estado de Direito, alguns institutos, como a prisão provisória, sofreram grandes influências das concepções dominantes da época, algumas delas incompatíveis com o Estado de Direito. Naquele tempo, a regra nos casos de prisão em flagrante era o recolhimento do indivíduo ao cárcere, em que se partia do pressuposto de que o preso em flagrante delito era culpado [03], e desta maneira, a regra era permanecer encarcerado ao longo do processo e, somente em casos excepcionais se admitia a liberdade provisória, e mesmo assim, mediante prestação da fiança que era a única modalidade existente.

Esta situação começou a mudar a partir da edição da Lei 6416/77, que criou outra modalidade de liberdade provisória, sem fiança, exigindo apenas que o acusado comparecesse aos atos do processo quando intimado, invertendo a regra até então vigente de que o indivíduo preso em flagrante somente excepcionalmente seria posto em liberdade.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tal tendência ganhou corpo e se consolidou com o status constitucional de direito fundamental alcançado pelo princípio do estado de inocência, presente no artigo 5º, LVII [04], da Constituição Federal.

Por tal princípio, conforme ensinamentos de Eugênio Pacelli (2007), há duas regras específicas que devem ser observadas. A primeira diz respeito à impossibilidade de o réu durante a persecução penal sofrer restrições pessoais com base exclusivamente na possibilidade de sofrer condenação. A segunda diz respeito ao contexto probatório, em que as provas atinentes a autoria do fato e de sua existência ficaria a cargo exclusivamente da acusação. Eventual alegação de excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, caso alegado pela defesa deveria, ai sim, ser por ela comprovada.

É no contexto da prisão provisória, mormente, que sobressai a importância do primeiro aspecto, uma vez que, somente em casos excepcionais e presentes razões cautelares, é que se deve recolher o indivíduo ao cárcere antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois, fora esta situação, estaria sendo antecipada a prisão-pena, que só é legítima após a condenação definitiva do réu. Desta maneira, se não há razões para se manter no cárcere o indivíduo preso em flagrante delito, descabe conservá-lo na prisão com base exclusivamente na possibilidade de ele vir a ser eventualmente condenado.

Vale ressaltar que nenhum direito ou garantia fundamental é absoluto, de modo que, legítima é a restrição de tais direitos e garantias, desde que devidamente justificado e autorizado por lei e que se mantenha intacto o seu núcleo essencial. É neste contexto que se justifica e se legitima a exigência da fiança, como medida cautelar que restringe direitos fundamentais em prol de interesses maiores da comunidade em esclarecer o delito e punir o responsável. A exigência de fiança não se relaciona com a antecipação da culpabilidade do indivíduo, mas sim como medida destinada a garantir a efetividade da persecução penal e neste sentido com o caráter cautelar.

Destarte, não há qualquer incompatibilidade entre o princípio do estado de inocência e o instituto da fiança, sendo legítima a sua exigência como medida cautelar no seio do processo.

Entretanto, conforme passaremos a ver, não obstante cabível a exigência da fiança para que o indivíduo possa responder ao processo penal em liberdade, o instituto acabou por perder grande parte de sua utilidade e razão de existir no âmbito da prisão em flagrante nos moldes em que se encontra atualmente estruturado. Importante para compreendermos a razão desta perda de aplicabilidade é analisarmos todo contexto histórico em que o instituto está inserido.


3. Contexto Histórico

3.1 Origem

A fiança em sua origem tinha caráter fidejussória, que consistia no empenho da palavra de pessoa idônea, que garantia que o réu iria acompanhar a instrução criminal e se apresentaria em caso de eventual condenação (NUCCI, 2008).

Na Grécia, nos crimes que não envolviam conspiração política ou peculato, permitia-se ao réu ficar em liberdade, desde que, três outros cidadãos prestassem caução e se comprometessem a garantir a presença do réu nos atos processuais (ROCHA; BAZ, 1999).

Já entre os romanos, anteriormente ao período imperial, era permitido ao indivíduo defender-se em liberdade, exceto nos crimes contra a segurança do Estado, desde que pagasse fiança ou prestasse o compromisso de comparecer aos atos processuais, no caso de ser pobre. Com o advento do período imperial, o instituto da liberdade provisória ficou sob o poder discricionário do juiz, como mero favor caso concedido ao indivíduo. No direito português, nas Ordenações eram previstas as seguintes modalidades de liberdade provisória (ROCHA; BAZ, 1999):

Seguro ou carta de segurança: O acusado fazia uma promessa em juízo para se livrar solto e para tanto também era sujeito a observar determinadas condições.

Homenagem ou menagem: Era concedida somente a determinadas pessoas, tidas como qualificadas, e era uma espécie de privilégio que gozavam para responder a processo em liberdade e deveriam permanecer em determinado local, cidade, castelo, durante o processo.

Caução por fiéis carcereiros: Consistia na palavra dada por fiadores considerados idôneos que o réu compareceria a todos os atos processuais, e desta forma, era concedido a ele a graça pelo rei, que permitia que respondesse o processo em liberdade.

Fiança: O réu prestava uma caução que lhe permitiria responder o processo em liberdade e assegurava a sua apresentação no dia do julgamento.

Segundo Eugênio Pacelli (2007), a fiança em sua origem, tinha caráter fidejussória, juntamente com as cartas de seguro, a homenagem, os fiéis carcereiros, e consistia em uma garantia que assegurava a apresentação do preso no dia do julgamento.

Posteriormente, na legislação imperial, a Constituição de 1824, e o Código de Processo Criminal de 1832 resumiram todas as diversas modalidades de liberdade provisória a uma única: a liberdade provisória mediante o pagamento de fiança, já transformada, então, em garantia real, e não mais fidejussória (PACELLI, 2007).

3.2 Evolução do instituto no ordenamento penal pátrio

Na legislação imperial, de todas as espécies de liberdade provisória, conforme supramencionado, somente a fiança foi adotada pelo Código de Processo Penal de 1832 e pela Constituição de 1824. Naquele código, se deferia tanto ao acusado, como a um particular a possibilidade de prestar a fiança, e neste caso, o particular poderia atuar em defesa de seu patrimônio, de forma que a ele fosse dado auxílio para a captura do acusado que tivesse quebrado a fiança ou que tivesse fugido após a condenação (ROCHA; BAZ, 1999).

A liberdade com o pagamento de fiança era a única modalidade de liberdade provisória. Caso o crime fosse inafiançável, deveria o réu aguardar o julgamento preso.

Vem desde a época do império a exigência de o acusado demonstrar que não estava impedido de responder ao processo em liberdade.

Seguindo a tendência da época imperial, a Constituição da República de 1891 e o Código Penal de 1890 também mantiveram a concessão da liberdade provisória somente mediante fiança (1999).

O Código de Processo Penal de 1941, atualmente em vigor, regulou a liberdade provisória no Título IX, Capítulo VI, do Livro I.

O atual código, em sua redação originária, também adotou como regra a prisão do indivíduo, possibilitando somente a liberdade provisória mediante o pagamento de fiança e excepcionalmente, admitia-se a liberdade sem fiança nos casos em que se pudesse comprovar de plano que o crime estava acobertado por uma excludente da antijuridicidade, de acordo com o disposto no artigo 310, caput do CPP (PACELLI, 2007), nas hipóteses constantes no artigo 321 do CPP, em que havia ampla possibilidade de não ser imposta ao réu pena privativa de liberdade ao final do processo devido à leve apenação de tais delitos ou que não fosse cumulativa ou alternativamente imposta pena privativa de liberdade e na hipótese do artigo 350 que dispõe da impossibilidade do réu prestar a fiança por motivo de pobreza. Desta forma quando a lei estabelecia que o crime era inafiançável, ou que para ele não cabia fiança, conforme previsto nos artigos 323 e 324 do CPP, a conseqüência era o preso ser mantido na prisão até julgamento (PACELLI, 2007).

Até o advento da Lei 6416/77, só havia uma modalidade de liberdade provisória, que era mediante o pagamento de fiança e se um crime era inafiançável, não caberia a liberdade provisória.

O Código de Processo Penal originariamente tratava desse tema de forma bastante simples, mas inúmeras alterações legislativas tornaram o assunto extremamente complexo e com uma indisfarçável inconsistência.

Este sistema inicialmente adotado partia da presunção de culpa de quem fosse preso em flagrante delito, fazendo assim um juízo antecipado de culpabilidade sobre o autor do fato. A regra com relação à situação de flagrância era a manutenção da prisão cautelar. A liberdade sem fiança era a exceção, só sendo concedida nas hipóteses previstas, conforme supramencionadas.

Entretanto, este sistema foi reformulado a partir da Lei 6416/77, que inseriu o § único no artigo 310, e, se passou a admitir a liberdade provisória sem a prestação de fiança mesmo quando previsto a inafiançabilidade do crime. Assim a prisão passou a ser a exceção em caso de prisão em flagrante delito, tornando-se a liberdade a regra.

O instituto da fiança teve, após a citada lei, sua aplicabilidade reduzida substancialmente no ordenamento jurídico pátrio, já que o artigo 310,§ único do CPP estendeu a regra nele constante para a quase totalidade dos crimes, excetuado obviamente, àqueles casos previstos em regra especial, presentes tanto no Código de Processo Penal quanto em legislação extravagante que determinam a não aplicação do § único do artigo 310 do CPP.

Desta forma, não se verificando as razões para a prisão preventiva, constantes no artigo 312 do CPP, mediante prévia oitiva do Ministério Público e termo de comparecimento aos atos do processo, o réu tem o direito subjetivo público de obter a liberdade provisória sem necessidade de pagamento de fiança (PACELLI, 2007). Este passou a ser o regime efetivamente utilizado, tornando praticamente inútil o regime da liberdade provisória mediante fiança no âmbito da prisão em flagrante.

A Constituição de 1988 acabou por elencar a fiança como espécie de liberdade provisória, visto que pela primeira vez utilizou a expressão "liberdade provisória, com ou sem fiança" (ROCHA; BAZ, 1999).

Entretanto, deve-se ressaltar que, apesar de a regra geral passar a ser o regime de liberdade provisória sem fiança, há casos em que o legislador infraconstitucional excepcionou tal regra.

O revigoramento do instituto só veio com o advento das leis 7780/89 e 8035/90 (ROCHA; BAZ, 1999).

Esta última acabou por ressuscitar o instituto da fiança, que teve sua utilidade fulminada com o advento da Lei 6416/77. Tal lei vedou a liberdade provisória sem fiança para os crimes cometidos contra a economia popular e aos crimes de sonegação fiscal. Semelhante restrição aplica-se aos delitos previstos na Lei 1521/51 e na Lei 8137/90 que atualmente regula crimes contra a ordem tributária, que se enquadra na hipótese de crime de sonegação fiscal. Com a inserção do §2, incisos I a III no artigo 325 do CPP, restou afastada a aplicação do artigo 310, parágrafo único do CPP, determinando que a liberdade provisória só poderá ser concedida mediante prestação de fiança (NUCCI, 2008).Não obstante a louvável intenção do legislador em dar um tratamento mais severo a estes crimes, tendo em vista a danosidade social de tais práticas, verifica-se mais uma vez o tratamento incongruente dado pelo legislador, pois, ao determinar a não incidência do artigo 310§ único, levou-se em conta a gravidade do delito e o dano à sociedade que advém de tais práticas criminosas, critério, que foi desprezado pela Lei 6416/77, visto que a gravidade do delito por si só não é motivo impediente da concessão da liberdade provisória sem fiança.

Apesar de o artigo 325 §2 excepcionar a regra do artigo 310 parágrafo único do CPP, importa lembrar que, se verificada a impossibilidade de prestar a fiança por motivo de pobreza, conforme preceitua o artigo 350, caputdo CPP, deverá o juiz conceder liberdade provisória sem fiança, desde que o acusado se sujeite às obrigações constantes nos artigos 327 e 328 do CPP. Sendo assim, mesmo nos casos de crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal, poderá o réu obter liberdade provisória sem prestação de fiança.

3.3 Conceito

Segundo Tourinho Filho (2004, p.575):

Fiança, para o legislador processual penal, é uma garantia real. É certo que, na técnica jurídica, fiança é espécie do gênero caução. Esta pode ser real ou fidejussória [...] Entre nós, a fiança consiste em depósito em dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou até mesmo em hipoteca inscrita em primeiro lugar.

De acordo com Guilherme Nucci (2008, p. 624-625):

Considera-se fiança uma espécie do gênero caução, que significa garantia ou segurança. Diz-se ser a caução fidejussória, quando a garantia dada é pessoal, isto é, assegurada pelo empenho da palavra de pessoa idônea, de que o réu vai acompanhar a instrução e apresentar-se, em caso de condenação. Esta seria a autêntica fiança. Com o passar dos anos, foi substituída pela denominada caução real, que implica o depósito ou a entrega de valores, desfigurando, a fiança. Ainda assim, é a caução real a feição da atual fiança, conforme se vê no Código de Processo Penal.

3.4 Natureza Jurídica

Debate-se em doutrina se a fiança seria sucedânea da prisão provisória e nesta ótica, entendida como contracautela ou se enquadraria na classificação própria das medidas cautelares.

Para José Frederico Marques (1997, p. 132):

A fiança criminal, desse modo entendida, é espécie de que a liberdade provisória constitui o gênero. Trata-se, pois, de contracautela destinada a impedir que a dilação do processo condenatório cause dano ao ‘jus libertatis’de par com o caráter de sub-rogado cautelar da prisão provisória.

Sob esta ótica, entende-se que a prisão provisória seria a medida cautelar, destinada a assegurar a efetividade do processo, ao passo que a fiança seria a contracautela desta medida, neste sentido, explicam Luiz Otávio Rocha e Marco Antônio Baz (1999, p.18) que:

[...] a liberdade provisória com fiança já foi vista como uma contracautela, em contraposição à prisão provisória. A prisão em flagrante delito do indiciado seria uma cautela para a regular tramitação do processo penal e sua cessação exigiria uma contracautela, representada pela fiança.

Entretanto, esta concepção não mais pode ser admitida, sobretudo, com o advento da Constituição de 1988 em que o princípio do estado de inocência [05] ganhou guarida constitucional no artigo 5º, inciso LVII, e passou a servir como parâmetro interpretativo e critério orientador para toda a legislação infraconstitucional.

Impende ressaltar que, desde seus meandros até os dias atuais, sobredito princípio tem como base norteadora impor limites a repressão estatal e proteger a liberdade dos indivíduos, porém, o princípio do estado da inocência, nos casos em que estejam em jogo interesses maiores da coletividade não é capaz por si só de afastar a prisão cautelar. Há de se realizar o adequado sopesamento dos valores em jogo, de forma a evitar o sacrifício total de um princípio em face de outro, sempre tendo em vista a preservação do núcleo essencial de cada qual.

A manutenção da prisão cautelar do indivíduo só poderá ser admitida se devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. O inciso LXI do artigo 5º, vem respaldar a necessidade de o juiz fundamentar a manutenção da prisão em flagrante, não podendo mantê-la caso não haja alguma das condições previstas no artigo 312 do CPP. Caso o juiz verifique a necessidade da manutenção da prisão ao preso em flagrante delito, ela deve perdurar somente pelo tempo necessário, isto é, não mais presentes as razões justificadoras da prisão, o indivíduo deverá ser posto em liberdade. Conforme afirma Eugênio Pacelli (2007, p.462):

O exame acerca da existência de razões da prisão preventiva deve ser feito pelo auto de prisão em flagrante, tal como se acha disposto em lei (artigo 310, parágrafo único do CPP), não se podendo exigir que a prova da inexistência das mencionadas razões seja atribuída ao aprisionado.

Do mesmo modo, cabe ao juiz demonstrar a necessidade de manutenção da prisão por ordem escrita e fundamentada [06]. Desta forma, com o status constitucional de direito fundamental adquirido pelo princípio do estado de inocência, a liberdade do indivíduo durante o processo penal passou a ser a regra, não se podendo admitir que a fiança prestada pelo indivíduo seja um contraponto prisão provisória (PACELLI, 2007).

É esta também a posição de Luiz Otávio Rocha e Marco Antônio Baz (1999, p.18):

Essa concepção (contracautela), se aceitável outrora, em época que vigorava a regra da necessidade da manutenção da prisão em flagrante do réu durante o processo, não prevalece diante da ordem constitucional hodierna, pois existe agora expressa presunção da não culpabilidade durante o processo penal, donde o réu somente por exceção deve permanecer preso enquanto tramitar o feito, um vero rigor extremo reservado tão somente para aqueles casos em que a hipótese fática revelar a necessidade absoluta da custódia. O instituto tem natureza cautelar, atinente à liberdade do imputado.

Para Scarance Fernandes (2003, p.323):

[...] a idéia de fiança como contracautela é também equivocada pelo fato de somente se referir a uma contracautela quando o réu já estivesse preso, ao passo que enquanto solto, possuía natureza idêntica a uma, em sua essência, às outras modalidades de medidas cautelares.

O autor, embora admita a natureza cautelar da fiança, só a reconhece no caso do indivíduo estar solto, ao passo que se estiver preso e prestar a fiança ela teria caráter de contracautela.

Segundo Afrânio Silva Jardim (2003, p. 246-247), há determinadas características que devem estar presentes em todas as medidas cautelares, quais sejam:

a) Acessoriedade: em razão de o processo ou medida cautelar encontrar-se sempre vinculado ao resultado do processo principal;

b) Preventividade: vez que se destina a prevenir a ocorrência de danos enquanto o processo principal não chega ao fim;

c) Instrumentalidade hipotética: [...] a tutela cautelar pode incidir sem que o seu beneficiário, ao final do processo principal, tenha efetivamente reconhecido o direito alegado, que surge apenas como viável ou reprovável;

d) Provisoriedade: sua manutenção depende da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo.

Sob a ótica do atual ordenamento constitucional pátrio, indubitável é a subsunção da fiança dentre as medidas cautelares, estando presentes neste instituto todas as características da tutela cautelar, e, mormente, com o advento do princípio do estado de inocência, em que passou ser regra a liberdade do indivíduo durante a persecução penal, que dependendo da situação, está sujeito a um ônus, qual seja, a fiança.

Outra questão que suscita controvérsia tanto no âmbito doutrinário quanto no jurisprudencial, é a discussão a respeito da caracterização da fiança como ônus imputado ao indivíduo ou direito subjetivo. Autores há que tratam o instituto como um direito subjetivo do indivíduo, podendo-se encontrar a mesma orientação na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, bem como há outros que postulam o caráter de ônus imposto ao indivíduo.

Para Walter Acosta (1989), a fiança seria um direito subjetivo do réu, cabível em algumas infrações penais, e que seria prestada mediante caução e o cumprimento de determinadas obrigações, e possibilitaria que ele permanecesse em liberdade para preparar sua defesa.

Orientação esta seguida por Magalhães Noronha (1997, p.186) que a conceitua como "um direito subjetivo do acusado, que lhe permite, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível". O autor, ao fazer a diferenciação entre a fiança e a liberdade provisória afirma que com relação a esta última, o julgador teria a faculdade de concedê-la, in verbis (1997, p.183):

Há uma distinção entre a liberdade provisória e a fiança. Esta última constitui um direito do réu, enquanto a liberdade provisória poderá ou não ser concedida, não sendo um direito do acusado, mas uma faculdade do julgador, como indica o verbo usado pelo legislador ‘poderá’. Destarte, é possível que o acusado não tenha direito à fiança, mas seja favorecido pela liberdade provisória.

Entretanto, somos obrigados a discordar do magistério do renomado autor, visto que a Constituição de 1988, ao estabelecer o princípio do estado de inocência como um direito fundamental, acabou por eleger a liberdade como sendo a regra no processo penal, e desta forma, o julgador não tem a mera faculdade de conceder a liberdade provisória. Sendo admissível, o julgador deverá conceder a liberdade provisória sob pena de violação ao artigo 5º inciso LXVI, constituindo, pois, um direito subjetivo do acusado.

Neste sentido, Júlio Fabbrini Mirabete (2006, p.438):

Tem-se entendido, por vezes, que o parágrafo único do artigo 310 atribui ao magistrado a mera faculdade de conceder a liberdade provisória. Trata-se, porém, de um direito subjetivo processual do acusado que, despojado de sua liberdade pelo flagrante, a readquire desde que não ocorra nenhuma das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva. Nãopodeojuiz, reconhecendo que não há elementos que autorizariam a decretação da prisão preventiva, deixar de conceder a liberdade provisória. Além disso, embora a lei diga que a liberdade é concedida quando o juiz verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, deve-se entender que quer dizer que deve concedê-la quando não verificar a ocorrência de uma dessas hipóteses, pois caso contrário estaria exigindo a evidência de um fato negativo, o que não se coaduna com o sistema probatório do processo penal.

Não obstante, o autor, acaba por atribuir a fiança a natureza jurídica de direito subjetivo, in verbis (2006, p.441):

A fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado, que lhe permite, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível. É um meio utilizado para obter a liberdade provisória: se o acusado está preso, é solto; se está em liberdade, mas ameaçado de custódia, a prisão não se efetua.

Apesar das doutas opiniões acima expostas, entendemos que um direito subjetivo do acusado não é a fiança, mas sim a liberdade provisória.

A Constituição Federal de 1988, no Título II, que trata sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, estabelece em seu artigo 5º, inciso LXVI, que "ninguém será levado à prisão ou nela mantida, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança"elevando o direito à liberdade provisória, com ou sem fiança a direito fundamental, sendo, portanto, cláusula pétrea que resguarda a liberdade do cidadão.

Desta forma, temos que a liberdade provisória seria o gênero dos quais seriam espécies a liberdade provisória com fiança e a liberdade provisória sem fiança (ROCHA; BAZ, 1999).

A fiança seria um meio para que o autor obtivesse a liberdade provisória. Uma vez previsto somente a possibilidade de liberdade provisória mediante a prestação de fiança, o acusado terá que arcar com o ônus de prestá-la para que possa gozar do direito a liberdade provisória.

Pensemos na situação de a autoridade policial ou judicial deixar de fixar o valor da fiança quando cabível. O que a autoridade estará violando é o direito de o indivíduo ser posto em liberdade mediante o encargo de ser prestado determinado valor. Nesta situação, o indivíduo deverá mediante petição simples dirigida ao juiz requerer que fixe o seu valor para que então, pagando determinada quantia, exerça o seu direito de ser posto em liberdade.

Desta forma, a fiança seria um ônus que visa vincular o réu ao processo, e garantir que, caso condenado, seja recolhido à prisão como forma de evitar a perda de seu valor. Sob esta ótica, ela seria um ônus que estaria sujeito o acusado.

É neste sentido a posição de José Frederico Marques (1997, p. 132), que vislumbra a fiança como um requisito, ônus a ser cumprido para a obtenção da liberdade provisória:

A fiança criminal é ônus imposto ao réu ou ao indiciado em quase todos os casos de liberdade provisória, para que assim ele possa defender-se solto em processo penal condenatório. Consiste o referido ônus em caução prestada em juízo para garantia da liberdade provisória. Tal ônus é um acessório da liberdade provisória que o réu obtém [...].

Espínola Filho (2000, p. 565-566) defende que a fiança é um encargo, uma garantia exigível do acusado como meio para que seja posto em liberdade provisória, entendida, pois, como um ônus, conforme seu magistério:

Assim, configurado, nos seus principais característicos, o instituto, é de ser definida a fiança como a caução, prestada em favor do acusado, para obter a sua liberdade provisória, até o pronunciamento final da causa, em decisão passada em julgado, dando a garantia de que cumprirá as obrigações fixadas pela lei, atenderá às intimações para os atos do inquérito, da instrução criminal e do julgamento, se sujeitará à execução da condenação, se lhe for imposta, e satisfará as obrigações pecuniárias cuja responsabilidade, em tal caso, lhe for atribuída.

Guilherme Nucci (2008, p. 611), apesar de não se referir expressamente à fiança, reconhece o caráter de direito subjetivo a liberdade provisória in verbis:

[...] confirmando o fato da autoridade policial dever lavrar, sempre, o auto de prisão em flagrante tão logo tome conhecimento da detenção ocorrida, realizando apenas o juízo de tipicidade, sem adentrar nas demais excludentes do crime, cabe ao magistrado, recebendo a cópia do flagrante, deliberar sobre a liberdade provisória, que é um direito do indiciado, desde que preencha os requisitos legais.

O que se pode notar é a confusão de parte da doutrina entre os institutos da liberdade provisória e fiança, portanto, entre um direito e um ônus.

Esta concepção da fiança entendida como direito subjetivo do acusado ou indiciado só poderia ser aceitável na época em que existia apenas uma modalidade de liberdade provisória, mediante fiança, em que a inafiançabilidade de um delito se traduzia na impossibilidade de o acusado ou indiciado obter a liberdade provisória. E desta forma, o legislador ao acenar com a inafiançabilidade de um delito estava retirando do indivíduo o direito de ser posto em liberdade.

O que é um direito subjetivo do acusado é a liberdade provisória caso ela seja admitida, mormente com o advento da Constituição Federal de 1988 que erigiu o princípio do estado de inocência a status constitucional. E neste caso esta liberdade poderá ser concedida mediante a prestação de um ônus (fiança) e demais obrigações constantes no Código de Processo Penal (artigos 327, 328 e 341) ou sem este ônus, somente estando obrigado a comparecer a todos atos do inquérito e da instrução quando intimado.

Por conseguinte, se o indivíduo preso em flagrante não preencher os requisitos da prisão preventiva, possui ele o direito subjetivo de obter a liberdade provisória, que possui duas espécies: liberdade provisória com fiança e liberdade provisória sem fiança.

Como conciliar a alegação de que a fiança seria um direito subjetivo do acusado, se caso o indivíduo exercesse este direito teria mais obrigações a cumprir para ser posto em liberdade? O que o indivíduo possui é o direito subjetivo a liberdade provisória, que se cabível deverá ser concedida. Na hipótese de ser vedada expressamente a liberdade provisória do artigo 310 § único, caberá então a liberdade provisória com fiança, impondo assim o ônus de o agente prestar a caução real para que seja posto em liberdade.

Da maneira posta, a fiança seria um "ônus" imposto ao agente como um meio para que ele exerça um direito, qual seja, a liberdade provisória. Este ônus só seria imposto ao indivíduo nas situações em que a lei só admite a liberdade provisória com fiança (como no artigo 325 §2), pois, caso possível o regime menos severo (artigo 310 § único) este é que deverá ser aplicado, sob pena de constrangimento ilegal.

Veja-se o contrassenso: O indivíduo comete um crime afiançável. Nesta hipótese, o indivíduo poderá, em tese, obter a liberdade provisória do artigo 310 parágrafo único e também a liberdade provisória mediante fiança. Caso o juiz impusesse o regime menos severo, estaria ele violando um direito subjetivo do acusado, qual seja, a fiança.

O que podemos observar é que, o legislador ao invocar a inafiançabilidade como medida de endurecimento no combate a criminalidade acaba retirando um encargo e não limitando um direito do indivíduo, acabando por criar perplexidade no contexto da liberdade provisória.

Para que possamos compreender a perda da aplicabilidade da fiança no âmbito da prisão em flagrante, importante é a análise de determinados aspectos relativos ao instituto.


4. Aspectos relevantes

4.1 Finalidade

A principal finalidade da fiança é fazer com que o indivíduo fique vinculado ao processo por laços econômicos rígidos, evitando seu encarceramento, de forma que acompanhe os atos processuais dos quais foi intimado e que se apresente em caso de condenação.

Entretanto, a este aspecto econômico, conforme veremos, não é dada a devida atenção.

Outras finalidades são a de garantir as custas, a multa e o pagamento da indenização do dano ex delicto causado pelo crime se for condenado, conforme artigo 336 do CPP (NUCCI, 2008).

4.2 Fixação do valor da fiança

O descaso com o aspecto econômico do instituto se deve a inúmeras alterações dos padrões monetários do país, que dificultou a aplicação pelos operadores do direito e que muitas vezes acabava por tornar irrisórias as cifras legais. A partir da década de 50, a inflação monetária corroeu os valores originariamente estabelecidos para a soltura de pessoas presas em flagrante, sem que mecanismos fossem criados para a atualização destes valores (ROCHA; BAZ, 1999).

A partir de 1989, o legislador brasileiro passou a se preocupar com a atualização de seus valores, impondo índice de atualização em seu cálculo através da Lei 7780/89 (em salários mínimos de referência "SMR"), porém, logo depois veio a Lei 7789/89 que extinguiu o índice de atualização. Neste mesmo ano, foi editada uma terceira, a Lei 7843/89, que substituiu o índice extinto, estabelecendo em seu lugar o Bônus do Tesouro Nacional "BTN", que era calculado à razão de 40 BTNs para cada 1SMR. Porém, acabou deixando de ser empregado pelo governo. Após, a Lei 8177/91 extinguiu o "BTN" e o substituiu pela Taxa Referencial "TR", que é atualmente o índice empregado (NUCCI, 2008).

A autoridade, na fixação do valor da fiança, deve levar em conta os parâmetros estabelecidos nos artigos 325 e 326 do CPP (NUCCI, 2008), quais sejam: a) Natureza da infração, que leva em conta a gravidade da infração cometida. b) Vida pregressa do acusado, que são seus antecedentes criminais. c) Periculosidade, que leva em conta a possibilidade de o indivíduo voltar a delinqüir e a personalidade do agente. d) Provável importância das custas. Como a lei só fez referência às custas, não pode o magistrado ao fixar o valor da fiança levar em conta eventual indenização pelos danos e o valor da multa que possa vir a ser aplicada. e) Situação econômica do réu. Trata-se, a nosso sentir, do principal critério a orientar o arbitramento do valor da fiança, pois, ao ser estabelecido em patamar razoável e que reflita as condições de fortuna do acusado, acaba por vinculá-lo ao processo, fazendo com que ele acompanhe os atos processuais dos quais foi intimado, e que se recolha à prisão para evitar a perda do valor depositado, servindo como o preço do risco que a sociedade e a jurisdição penal suportarão por ser posto em liberdade aquele eleito pelo Estado como o provável autor do crime (ROCHA, BAZ, 1999).

Se efetivamente observados os critérios acima enumerados, e principalmente, a situação econômica do réu, as quantias arbitradas seriam fixadas em valores razoáveis, de forma que eventual quebra ou perda da fiança serviria para ser efetivamente empregado em favor de melhorias tanto da infraeestrutura carcerária como da própria polícia judiciária.

Apesar de os sobreditos parâmetros servirem de critério orientador para a fixação do valor, verificamos que na prática tais critérios nem sempre são corretamente utilizados surgindo distorções que só contribuem para o desprestígio do instituto.

Em recente Habeas Corpus (HC 78621/2008) impetrado no Tribunal de Justiça do Mato Grosso, um casal, acusado do crime de porte ilegal de arma de fogo teve sua liberdade provisória concedida mediante prestação de fiança estabelecida pelo juiz de primeiro grau, na qual para a mulher foi fixada a quantia de R$ 830,00 e para o marido a de R$ 83.000,00.

O relator do recurso, Des. José Luiz de Carvalho, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, concedeu habeas corpus ao marido para fixar o montante da fiança no valor de R$ 830,00 e assinalou que:

Ao fixá-la, cumpre à autoridade arbitrá-la em parâmetros compatíveis com a situação econômico-financeira do afiançado. Assim, ela deve ser estabelecida de modo que não constitua óbice indevido ao jus libertatis, nem caracterize valor ínfimo, meramente simbólico, tornando assim inócua sua função de garantia processual (TJ-MT, HC 78621/2008, Rel. Des. José Luiz de Carvalho, julgado em 25/08/2008).

De fato, o que se constata é a ausência de controle sobre os critérios empregados que assegure tratamento congruente a casos semelhantes e que acaba por contribuir para que o instituto seja desacreditado. Há de se notar também, a ausência de controle efetivo sobre os valores fixados pela autoridade policial, hipótese em que, eventualmente poderá dar azo a condutas ímprobas e corruptas por parte do agente público.

4.3 Modalidades de fiança

Conforme artigo 330, caputdo CPP, a fiança será definitiva e prestada em dinheiro, pedras, objetos, metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca em primeiro lugar.

Sendo assim, duas são as modalidades de fiança: depósito e hipoteca (NUCCI, 2008).

Na prática, a fiança é prestada em depósito em dinheiro por ser o procedimento mais célere, diante da ausência de mecanismos ágeis para se proceder a avaliação de imóveis, pedras e metais preciosos, demonstrando-se o desprestígio do instituto (ROCHA; BAZ, 1999).

Entretanto, nada impede que terceira pessoa preste a fiança em favor do acusado. Não mais subsiste a possibilidade, outrora assegurada e ainda presente em alguns países, como nos EUA, de fornecer auxílio ao fiador para que este capture o acusado que haja fugido ou quebrado a fiança (ROCHA; BAZ, 1999).

A fiança, quando admissível como meio para se obter a liberdade provisória, pode ser prestada desde a prisão em flagrante, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Porém, com a inserção do parágrafo único no artigo 310 do CPP, restou consideravelmente reduzido o campo de aplicação do instituto nas hipóteses de prisão em flagrante. Divergem doutrina e jurisprudência quanto à possibilidade de concessão de liberdade provisória sem fiança nas hipóteses de delitos inafiançáveis previstos na Constituição Federal.


5. Delitos constitucionalmente inafiançáveis e liberdade provisória

5.1 Interpretação do artigo 310, parágrafo único

Se verificado pelo auto de prisão em flagrante que não existe qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, o juiz deverá conceder a liberdade provisória, depois de ouvir o Ministério Público, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Não obstante constar no caput do dispositivo a expressão "poderá", o juiz, verificando que não há razões para a mantença da custódia cautelar, "deverá" conceder a liberdade provisória sem fiança.

Desta forma, será mantida a prisão, se, e somente se, pelo exame do auto de prisão em flagrante, for possível verificar a ocorrência de razões que determinam a decretação de sua prisão preventiva, como previsto no artigo 312 do CPP.

5.2. Delitos Inafiançáveis

Os delitos que não comportam a fiança estão previstos nos artigos 323 e 324, do CPP e nas leis extravagantes. Os demais delitos que não se encaixam nestes dispositivos são afiançáveis. A legislação indica os delitos inafiançáveis, sendo que os afiançáveis são descobertos por exclusão. Os delitos menos graves comportam a fiança. De forma que, os mais graves não, porém, nestes, assim como nos menos graves, pode-se conceder a liberdade provisória do artigo 310 § único (NUCCI, 2008).

Os crimes inafiançáveis são as infrações penais que, por sua gravidade, não admitem prestação de fiança para se obter a liberdade provisória. Entretanto, a jurisprudência dos tribunais superiores não é pacífica na possibilidade da concessão de liberdade provisória sem fiança nas hipóteses de inafiançabilidade previstas na Constituição.

Para Paulo Rangel (2005), se o legislador vedou o mais (liberdade provisória mediante fiança), não seria plausível que o menos (liberdade provisória sem fiança) fosse permitido. Argumenta o autor que se deve fazer uma interpretação teleológica das normas constitucionais, visando concretizar os fins por elas colimados. Desta forma, se o legislador constituinte quis evitar que fossem colocados em liberdade provisória mediante fiança aqueles que cometeram os crimes previstos no artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV, não há que se admitir que se livrem soltos sem fiança nestas situações. Há decisões neste sentido tanto no STJ [07] quanto no STF:

EMENTA: HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS. ART. 5º, XLIII E LXVI, DA CF. SENTENÇA DE PRONÚNCIA ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. EVENTUAL NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE SUPERADA. PRECEDENTES DO STF. I - A vedação à liberdade provisória para crimes hediondos e assemelhados que provém da própria Constituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (art. 5º, XLIII e XLIV). II - Inconstitucional seria a legislação ordinária que viesse a conceder liberdade provisória a delitos com relação aos quais a Carta Magna veda a concessão de fiança. III - Decisão monocrática que não apenas menciona a fuga do réu após a prática do homicídio, como também denega a liberdade provisória por tratar-se de crime hediondo. IV - Pronúncia que constitui novo título para a segregação processual, superando eventual nulidade da prisão em flagrante. V - Ordem denegada. (grifou-se) (STF, HC 93940, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 06/05/2008).

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o voto proferido no HC 83.468-ES pelo Relator, Eminente Ministro Sepúlveda Pertence, ao tratar do benefício do artigo 310, parágrafo único, do CPP, deixou consignado que:

[...] a proibição da liberdade provisória, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: como acentuou, com respaldo na doutrina, o voto vencido, no Tribunal do Espírito Santo, do il. Desemb. Sérgio Teixeira Gama, seria ilógico que, vedada pelo artigo 5.º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança, nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança (STF, HC 83468. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 27/02/2004).

Esta posição, ao menos acaba por privilegiar a fiança, não obstante a nosso sentir não seja a melhor, traz maior coerência no tratamento do instituto, evitando que o agente seja liberado sem fiança simplesmente por ser vedada a liberdade provisória mais onerosa.

Eugênio Pacelli (2007) critica este posicionamento, argumentando que a Constituição de 1988 prevê dois regimes de liberdade provisória no artigo 5º, inciso LXVI [08], e, desta maneira, o fato de determinados crimes serem inafiançáveis, não quer dizer que também esteja vedada a liberdade provisória sem a fiança. Ao admitir esta hipótese, a Constituição estaria sendo interpretada a partir da legislação ordinária. Em suas palavras (2007, p.696-697):

Então, nunca é demais repetir: o nosso Código de Processo Penal foi elaborado sob realidade histórica e sob perspectivas inteiramente distintas daquela sob a qual se construiu o sistema de garantias constitucionais do texto de 1988. Não há como pretender interpretar o Código de Processo Penal, sobretudo no que respeita ao tema de prisão e liberdade, sem a necessária filtragem constitucional. De duas, uma: ou se opta pelo Código do Processo Penal, ou se opta pela Constituição, com o aproveitamento daquela legislação (CPP) apenas nos pontos em que não houver colidência com as normas constitucionais.

O conceito de inafiançabilidade foi elaborado a partir da vigência do Código de Processo Penal, em que existia apenas a modalidade de liberdade provisória com fiança. Desta forma, quando se dizia que o crime era inafiançável, se dizia que não cabia liberdade provisória para ele, visto que a única modalidade existente era mediante prestação da fiança. Entretanto, com a edição da Lei 6416/77, foi criada outra modalidade de liberdade provisória que é a sem prestação de fiança e que passou a ser a regra no processo penal. Desta maneira, passaram a existir duas modalidades de liberdade provisória e o conceito de inafiançabilidade se manteve relacionado apenas com a liberdade provisória com fiança. É esta confusão que vem dando ensejo a inúmeras decisões contraditórias quando estão em causa delitos inafiançáveis (PACELLI, 2007).

Tal entendimento conforme veremos, também encontra guarida em nossos tribunais superiores, que vêm admitindo a concessão da liberdade provisória do artigo 310 § único do CPP aos delitos inafiançáveis previstos na Constituição.

Para Guilherme Nucci (2008), no inciso XLII [09], do artigo 5º da Constituição não há qualquer impedimento de se obter a liberdade provisória sem fiança, se preenchida as condições do artigo 310 parágrafo único do CPP, visto que não há nenhuma vedação expressa neste sentido na Lei do Racismo (Lei n°7716/89).

Já com relação ao inciso XLIV [10], acreditamos que não há o preenchimento do artigo 310 parágrafo único, por estar presente os requisitos da prisão preventiva neste tipo de delito, sendo inadmissível a liberdade provisória neste caso, tanto com fiança quanto sem fiança.

Na hipótese do inciso XLIII [11], foi editada a Lei 8072/90, que em sua redação originária, vedou expressamente a liberdade provisória e a fiança (artigo 2ª inciso II), posição também adotada pelo legislador na Lei de Tóxicos (Lei 11343/07), que em seu artigo 44 veda qualquer tipo de liberdade provisória com ou sem fiança nos crimes previstos nos artigos 33 caput e § 1º e 34 a 37. Porém, após esta lei, foi editada a Lei 11464/07 que revogou a vedação a liberdade provisória nos crimes hediondos, mantendo somente a vedação à concessão da fiança. Desta maneira, passou-se a admitir tanto em doutrina como na jurisprudência a liberdade provisória sem fiança nos crimes hediondos, exceto na hipótese de estar expressamente vedado tal benefício. Como tal lei trata de crimes inafiançáveis, passou-se a admitir a liberdade provisória sem fiança se preenchidos os requisitos que autorizam a concessão do benefício, visto que não há qualquer vedação neste sentido. A ressalva fica por conta da Lei 11343/07, que por ser lei especial prevalece sobre a lei dos crimes hediondos (NUCCI, 2008). Tal posição também encontra respaldo nos tribunais superiores, conforme decisão do STF:

EMENTA: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. INSTRUÇÃO ENCERRADA. NÃO CARACTERIZADA A COAÇÃO. PRECEDENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE HOMOLOGADA. PROIBIÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA. 1. Alegação de excesso de prazo não caracterizado. A instrução processual já está encerrada e os autos aguardam designação de julgamento pelo Tribunal do Júri. Precedentes. 2. A atual jurisprudência desta Corte admite a concessão de liberdade provisória em crimes hediondos ou equiparados, em hipóteses nas quais estejam ausentes os fundamentos previstos no artigo 312 do Código de Processo penal. Precedentes desta Corte. 3. Em razão da supressão, pela lei 11.464/2007, da vedação à concessão de liberdade provisória nas hipóteses de crimes hediondos, é legítima a concessão de liberdade provisória ao paciente, em face da ausência de fundamentação idônea para a sua prisão. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida. (grifou-se) (STF, HC 92880, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 20/05/2008).

Este posicionamento, mais adequado e que trata coerentemente o conceito de inafiançabilidade, reflete o desprestígio que o instituto da fiança possui atualmente em nosso ordenamento jurídico, e a necessidade de sua reestruturação, visto que o réu se livra sem ter de prestar fiança somente firmando compromisso de comparecer a todos os atos do processo, porém, não se pode exigir a liberdade mais onerosa com suas exigências (artigos 327 e 328, ambos do CPP).

Ao menos com relação ao tráfico de entorpecentes o legislador manteve postura coerente ao vedar qualquer tipo de liberdade provisória, sendo consenso na jurisprudência a impossibilidade de qualquer uma de suas modalidades [12].

Conforme se nota, jurisprudência e doutrina ainda são vacilantes com relação à possibilidade de concessão da liberdade provisória sem fiança nos delitos inafiançáveis previstos na Constituição, ora negando, ora admitindo tal benesse. O fato é que a concessão do benefício desprestigia o instituto da fiança, idealizado para abranger crimes menos graves e proibido aos mais gravemente apenados, evitando-se assim que o acusado seja posto em liberdade provisória.

A nosso sentir, a liberdade provisória com fiança deveria ser concedida, em tese, a todos os delitos, excluindo-se apenas aqueles cuja pena cominada cumulativa, alternativamente não seja privativa de liberdade, nos que, devido a baixa apenação, muito provavelmente ao final do processo o réu não seja recolhido ao cárcere, nas situações em que se pudesse comprovar de plano que o indivíduo praticou a conduta acobertado por uma excludente de ilicitude, hipóteses estas que o réu livrar-se-ia solto sem qualquer ônus.Tal exigência não fere o princípio do estado de inocência, pois legítima é a prestação da fiança, entendida como medida cautelar que vincule por laços econômicos aquele eleito pelo estado como provável autor do fato delituoso.

Já a liberdade provisória sem fiança deveria ficar limitada aos casos em que o indivíduo não pudesse prestar o ônus a ele imposto por motivo de pobreza.

Nota-se que o artigo 310 § único acabou por criar situação ilógica também na seara dos delitos inafiançáveis previstos na Constituição.


6. Fiança: Perda da aplicabilidade

6.1 Contradição

O artigo 5º, inciso LXVI da Carta Magna de 1988 elevou o instituto da liberdade provisória a direito fundamental ao determinar que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança".

As hipóteses de crimes inafiançáveis, que se enquadram nas exigências constantes nos artigos 323 e 324 do CPP, em que aparentemente o legislador pátrio dedicou uma atuação mais rigorosa, uma vez que veda a liberdade mediante fiança, tem tratamento atenuado, visto que o parágrafo único do artigo 310 do CPP autoriza para estes crimes a liberdade provisória sem prestação de fiança, tornando-se uma falácia a afirmação de que nos crimes inafiançáveis há um tratamento mais severo no que concerne a liberdade provisória. Destarte, nota-se um tratamento incongruente do Código de Processo Penal, já que naquelas infrações tidas como inafiançáveis, em tese mais graves, dispensa-se a prestação da fiança, possibilitando que o réu adquira a liberdade sem tal ônus, e por outro lado, naquelas infrações tidas com afiançáveis, em tese menos graves, impõe-se o ônus de o acusado prestar a fiança e se sujeitar às demais obrigações previstas no CPP para adquirir a liberdade.

Neste sentido, Eugênio Pacelli (2007) defende a necessidade de adequação entre os ônus processuais, isto é, entre as restrições de direitos e a gravidade dos delitos. Esta adequação deveria levar em conta o princípio da proporcionalidade e seus sub-princípios, de modo que os ônus sejam adequados, necessário e proporcionais em sentido estrito aos fins visados.

Nas hipóteses em que cabível a fiança, salvo raras exceções, também é cabível a liberdade provisória sem fiança, e por ser esta um beneficio maior, é ela que deverá ser concedida. Caso o juiz arbitre a liberdade provisória com fiança, quando cabível a liberdade provisória sem fiança, haverá constrangimento ilegal, passível de correção por via de Habeas Corpus (NUCCI, 2008).

Na hipótese de réu pobre preso em flagrante por delito afiançável, o magistrado, se verificar que não há necessidade de decretar a prisão preventiva, deverá ele invocar o parágrafo único do artigo 310 e não o artigo 350 do CPP para a concessão do benefício. Somente na hipótese de a lei vedar a liberdade provisória do artigo 310 parágrafo único é que o juiz deverá invocar o artigo 350 (NUCCI, 2008).

Isto se justifica pelo fato de que seria demasiadamente injusto impor condições mais onerosas ao réu (as previstas no artigo 350, e que são as mesmas da liberdade provisória com fiança), quando estiverem presentes condições para que seja concedido o benefício menos oneroso (NUCCI, 2008).

Mesmo que prevista a afiançabilidade de um delito, caso tenha preenchido os requisitos do artigo 310§ único do CPP, o indivíduo será posto em liberdade sem necessidade de pagar a fiança. Por outro lado, mesmo que for prevista a possibilidade de liberdade provisória somente mediante o pagamento da fiança, se houver razões para a decretação da prisão preventiva, também não caberá a concessão da fiança (PACELLI, 2007).

Enquanto a lei não estabelece nenhum outro requisito a ser preenchido para a liberdade provisória sem fiança (artigo 310, parágrafo único), para a liberdade provisória com fiança cogita de outros motivos de não cabimento (artigos 323, I, II, III, IV, V e 324, I, II, III), levando a incongruência de poder ser o agente liberado sem obrigação outra senão a de comparecimento aos atos do processo, nos crimes com pena mínima superior a dois anos, justamente por não preencher os requisitos para a fiança (ROCHA; BAZ, 1999, p.107).

Na hipótese de o crime ser apenado com detenção ou prisão simples deve o delegado fixar a fiança. O flagrado pode prestar a fiança para ser posto em liberdade de pronto após a lavratura do auto e, se não presente os requisitos da preventiva, pode requerer e, até mesmo o juiz de ofício conceder, a conversão da liberdade provisória com fiança na sem fiança. Nesta hipótese, a única vantagem da fiança é a de evitar que o indivíduo seja recolhido ao cárcere (ROCHA; BAZ, 1999), porém, não demonstra mais nenhuma outra vantagem (compensação econômica ao Estado e a sociedade, vinculação rígida ao processo, assegurar o pagamento das custas, fazer com que o indivíduo se recolha a prisão em caso de condenação entre outras). Ao converter, todas as exigências presentes nos artigos 327 e 328 também devem ser retiradas, pois, restringem a liberdade do indivíduo.

Desta maneira, delitos menos graves são suscetíveis de fiança, entretanto, aqueles mais graves que não aceitam fiança podem ter liberdade provisória sem fiança se preencher a exigência do artigo 310, parágrafo único do CPP.

Podemos citar como exemplos o artigo 323, V, do CPP que veda a liberdade provisória mediante concessão de fiança aos crimes cometidos mediante violência (lesão corporal grave), porém, se preenchidos os requisitos do artigo 310 parágrafo único do CPP livrar-se-á solto sem fiança (PACELLI, 2007) e o homicídio simples, cuja pena mínima é de seis anos de reclusão, em que é vedada a liberdade provisória com fiança (artigo 323, I), porém, caso atenda ao disposto no artigo 310 parágrafo único poderá ser concedida a liberdade provisória sem fiança (NUCCI, 2008).

Eugênio Pacelli (2007) observa que, na liberdade provisória com fiança, além deste encargo, fica o indivíduo obrigado a comparecer a todos os atos do processo, requerer previamente permissão da autoridade competente para a mudança de residência bem como não poderá ausentar-se dela por mais de oito dias sem comunicar a autoridade competente onde será encontrado, conforme determina os artigos 327 e 328 ambos do CPP. Já na liberdade sem fiança, exige-se somente o comparecimento a todos os atos do processo. Além do que, enquanto a liberdade com fiança, somente é cabível, como regra, para os crimes mais levemente apenados, a liberdade sem fiança é possível para os delitos mais graves. Esta incongruência, conforme se demonstrou, também vem sendo admitida nos crimes hediondos e equiparados, em que se tem admitido a liberdade provisória menos onerosa, mesmo que esteja vedada a prestação da fiança, exceto no crime de tráfico ilícito de entorpecentes, em que é vedada qualquer espécie de liberdade provisória.

Destarte, não se pode admitir, por configurar manifesto constrangimento ilegal que, caso o delito seja afiançável, o juiz fixe o valor obrigando o indivíduo desembolsar determinada quantia e se sujeitar aos demais ônus previstos no CPP, enquanto num delito inafiançável, o indivíduo seja posto em liberdade provisória sem a prestação da garantia. Por conseguinte, caso não estejam presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva, a liberdade provisória deverá ser concedida por força do artigo 310 § único do CPP mesmo nos delitos afiançáveis.

Também na seara das infrações penais de menor potencial ofensivo e nos acidentes de trânsito a fiança sofreu redução na sua aplicabilidade. No que concerne as infrações previstas na Lei 9099/95, o artigo 69, parágrafo único determina que a autoridade policial lavrará termo circunstanciado do ocorrido, sendo que após a lavratura do termo, se o autor do fato for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

Já nos acidentes de trânsito em que resulte vítima, o Código de Trânsito Brasileiro, proíbe a prisão em flagrante e dispensa a exigência da fiança caso o condutor do veículo preste pronto e integral socorro à vítima.

Apesar de a fiança ter perdido praticamente sua utilidade após a inserção do § único no artigo 310 do CPP, autores há que ainda vislumbram certas vantagens.

Para Scarance Fernandes apud Guilherme Nucci (2008, p. 636):

[...] a fiança ainda pode ter algumas vantagens, como o procedimento mais simplificado para sua concessão, não se exigindo nem mesmo a oitiva prévia do Ministério Público, além de ser autorizada a fixação da fiança, em alguns delitos, como os puníveis com detenção, pela própria autoridade policial [...].

Outra vantagem é a prevista no artigo 325 §2 do CPP que determina que nas hipóteses de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se aplica o disposto no artigo 310 parágrafo único do CPP, sendo que a liberdade provisória nesta situação somente poderá ser concedida mediante o pagamento de fiança ou no caso de pobreza, dispensando-o do pagamento conforme artigo 350 do CPP.

Segundo Eugênio Pacelli (2007, p. 464), há algumas grandes vantagens do ponto de vista prático da liberdade provisória com fiança, a saber:

Nas infrações punidas com pena de detenção ou prisão simples, a própria autoridade policial poderá arbitrar o valor da fiança, o que impedirá o recolhimento à prisão, por mínimo espaço de tempo que seja (e sabemos o máximo das conseqüências de qualquer privação da liberdade);

Quando somente a autoridade judicial puder arbitrar e conceder a fiança (artigo 322 § único, CPP), o procedimento para o seu deferimento não prevê manifestação do Ministério Público (artigo 333), o que, por pouco que seja, torna mais célere a restituição da liberdade;

A fiança, quando cabível, pode ser prestada a qualquer tempo, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, Assim, não será cabível a execução provisória quando pendente recurso especial ou recurso extraordinário, conforme vem admitindo o Supremo Tribunal Federal.

O autor, entretanto, ressalta que, estas vantagens, apesar de verificadas no plano prático, são restritas a uma pequena parcela da população, pois, a realidade da população carcerária brasileira é composta em sua esmagadora maioria por indivíduos desprovidos de recursos para prestar a fiança e, por conseguinte da possibilidade de poder usufruir estas vantagens (PACELLI, 2007).

Outra vantagem é a de que se o agente for condenado, mesmo se ocorrer a prescrição executória, o valor da fiança não lhe será devolvido, servindo para pagar as custas e a indenização do dano.

Apesar de verificadas tais vantagens, elas não se sobrepõem às inúmeras situações contraditórias acima demonstradas, não se justificando que num juízo de razoabilidade, ocorra um tratamento mais severo a delitos menos graves, enquanto, noutros mais graves, o legislador dedique uma atuação mais branda.

A razoabilidade não é um critério que serve de orientação somente ao operador do direito, deve ela também ser observada pelo legislador no momento da atividade legislativa.

Segundo Humberto Ávila (2003), a razoabilidade deve ser utilizada como dever de harmonização do Direito, de modo a estabelecer congruência entre o critério de diferenciação escolhido (no caso, a gravidade do delito) e a medida adotada (no caso, exigência da fiança), sendo que, somente uma razão plausível justifica a imposição de certa medida pelo legislador. Ocorre que tal razão, existente na época de elaboração de nosso Código de Processo Penal, não mais se encontra presente, visto que a gravidade do delito como critério para se exigir a fiança, foi desprezado a partir da Lei 6416/77, em que se passou a dispensar a fiança em grande parte dos delitos, abrangendo mesmo àqueles, em tese, mais graves.

A liberdade provisória com fiança, da forma em que está prevista no Código de Processo Penal, foi concebida para ser aplicada em época fundada no modelo de presunção de culpabilidade do indivíduo. Com as alterações substanciais ocorridas durante mais de seis décadas de vigência de nosso código, passou-se deste modelo, para outro, fundado no princípio do estado de inocência, demonstrando a necessidade de uma redefinição dos critérios estabelecidos para as medidas cautelares previstas em nossa legislação processual penal (PACELLI, 2007).

Nota-se, então, a dissociação da liberdade provisória mediante fiança, com o contexto histórico-jurídico em que atualmente se encontra inserido nosso código, refletindo-se, a necessidade de sua reestruturação para que possa ser exigível em hipóteses coerentes e razoáveis.


7. Conclusão

O presente trabalho teve como intuito fazer uma análise do instituto da fiança, no âmbito da prisão em flagrante, tanto em nível constitucional como em legislação ordinária. O que se constatou é um tratamento incongruente em sua aplicação, ocasionador de situações ilógicas e contraditórias, acabando por relegar sua importância a diminutas situações.

A fiança não se incompatibiliza com o princípio do estado de inocência, pois nenhum princípio constitucional é absoluto. Não há razões para que o legislador imponha um regime de liberdade provisória menos oneroso, cabível em grande parte dos delitos e um regime de liberdade provisória mais oneroso, circunscrito a hipóteses restritas e menos graves. Não vemos motivos para relegar o instituto a um plano secundário, pois, a fiança entendida como medida cautelar não se relaciona a nenhum juízo de antecipação de culpabilidade.

A nosso ver, a possibilidade de prestação de fiança não deveria abranger apenas as hipóteses de delitos menos graves. Deveria ser estabelecido um patamar mínimo, acima do qual seria admitida sua prestação, excluindo-se apenas aquelas infrações penais que não são cominadas penas privativas de liberdade cumulativa ou alternativamente, nas que tenham leve apenação, cuja probabilidade de encarceramento em eventual condenação seja mínimo e nos casos em que se pudesse comprovar de plano que o indivíduo praticou a conduta acobertado por uma hipótese de exclusão de ilicitude, situações estas que não faria sentido a exigência deste ônus para o indivíduo ser posto em liberdade, já que se livra solto.

Nas infrações de extrema gravidade cujo risco suportado pela sociedade seria demasiadamente grande caso se permitisse que o indivíduo respondesse solto ao processo mediante prestação de fiança, o juiz, analisando a situação concreta verificando presentes os requisitos da prisão preventiva, não concederia nenhuma das modalidades de liberdade provisória.

Importante chamar a atenção para fixação dos valores, que deveriam ser estabelecidos de forma a vincular de maneira rígida e eficaz o réu ao processo, compatíveis com as suas condições de fortuna, fixando-se em patamares razoáveis, fazendo com que o indivíduo acompanhe os atos processuais como forma de evitar a quebra da fiança e que se apresente em caso de condenação evitando-se assim a perda da quantia prestada, de modo que eventual quebra ou perda da fiança resulte em compensações econômicas em favor do estado, que utilizaria os valores em melhorias nos sistemas carcerários, repressores, fiscalizadores, além de implantar melhorias nos aparatos de busca e captura de foragidos.

Deve-se estabelecer uma relação entre a condição econômica do indivíduo e a fixação da fiança de forma que ele fique efetivamente vinculado ao processo e que se recolha ao cárcere ao ser condenado como forma de se evitar que perca o valor da fiança.

Outro fator importante é a busca de mecanismos para que os valores fixados no CPP permaneçam devidamente atualizados e que se estabeleçam parâmetros de controle sobre os critérios legais de fixação da fiança, de modo a evitar grande disparidade entre os valores nas hipóteses de casos semelhantes.

Com relação à liberdade provisória sem fiança, cremos que deveria ficar adstrita às situações em que o indivíduo por motivo de pobreza não tivesse condições de prestar a quantia para obter a liberdade provisória.

Apesar de constatada praticamente a inutilidade da fiança, no âmbito da prisão em flagrante, nos moldes que hodiernamente está estruturada no Código de Processo Penal, visto que as poucas vantagens do instituto estão restritas a uma pequena e abonada parcela da população, acreditamos ser possível resgatar o seu prestígio mediante uma reestruturação sistemática e coerente das hipóteses de sua concessão, de critérios que fixem em todos os casos valores razoáveis, evitando-se abusos ou quantias irrisórias, de modo que o indivíduo fique vinculado ao processo por laços econômicos, trazendo assim grandes benefícios para a administração da justiça e para a própria sociedade.


8. Referências

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MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Notas

  1. CF/88, artigo 5º, § 1º: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".
  2. "Ninguém pode ser privado de sua liberdade, exceto, segundo a lei do país e após juízo por seus pares" (Declaração dos Direitos da Virgínia, seção 8, última parte) e "Cada homem é presumido inocente desde que não tenha sido declarado culpado" (Declaração francesa, artigo 9). FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Tradução: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavarez e Luiz Flávio Gomes. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  3. Apesar de, atualmente, o princípio do estado de inocência ser um direito fundamental expresso em nossa Constituição, não era previsto na Constituição anterior. Discutia-se, então, se tal princípio, que consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, havia se incorporado à ordem constitucional brasileira, por força do artigo 153§ 36 da Constituição de 1967. Permaneceu no STF, a tese de que o princípio não era universal e imanente, daqueles que não necessitava estar escrito nas constituições e que, portanto, não integrava a ordem constitucional pátria (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008).
  4. CF/88, artigo 5º, LVII: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória".
  5. Tal princípio foi adotado no final do século XVIII, de forma indireta na Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 12 de junho de 1776, e, explicitamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em seu artigo 9º (ROCHA, Luiz Otávio de Oliveira. BAZ, Marco Antônio Garcia. Fiança criminal e liberdade provisória. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999).
  6. CF/88, artigo 5º, inciso LXI: "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".
  7. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ILEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE. INOCORRÊNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PROIBIÇÃO DECORRENTE DE TEXTO LEGAL E DE NORMA CONSTITUCIONAL.
  8. III - A proibição de concessão do benefício de liberdade provisória para os autores do crime de tráfico ilícito de entorpecentes está prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/06, que é, por si,fundamento suficiente por se tratar de norma especial especificamente em relação ao parágrafo único, do art. 310, do CPP. IV - Além do mais, o art. 5º, XLIII, da Carta Magna, proibindo a concessão de fiança, evidencia que a liberdade provisória pretendida não pode ser concedida. VI - "De outro lado, é certo que a L. 11.464/07 - em vigor desde 29.03.07 - deu nova redação ao art. 2º, II, da L. 8.072/90, para excluir do dispositivo a expressão "e liberdade provisória".Ocorre que – sem prejuízo, em outra oportunidade, do exame mais detido que a questão requer -, essa alteração legal não resulta, necessariamente, na virada da jurisprudência predominante do Tribunal, firme em que da "proibição da liberdade provisória nos processos por crimes hediondos [...] não se subtrai a hipótese de não ocorrência no caso dos motivos autorizadores da prisão preventiva" Ordem denegada ( STJ, HC 102484, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 03/06/2008).

  9. As duas modalidades de liberdade provisória são: Liberdade provisória mediante fiança e a liberdade provisória sem fiança.
  10. CF/88, artigo 5º, inciso XLII: "a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei"
  11. CF/88, artigo 5º, inciso XLIV: "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático"
  12. CF/88, artigo 5º, inciso XLIII: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes de drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem"
  13. EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. NÃO-CABIMENTO (CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ART. 5º, INC. XLIII). EXCESSO DE PRAZO. JUSTIFICAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. IMPROCEDÊNCIA. FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está alinhada no sentido de afirmar o não-cabimento da liberdade provisória no caso de prisão em flagrante por tráfico de entorpecentes --- entendimento respaldado no art. 5º, inc. XLIII da Constituição do Brasil, que proíbe a concessão de fiança no crime de tráfico de entorpecentes. (STF, HC 93762, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 29/04/2008).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, William Matheus Fogaça de. Fiança: a perda de aplicabilidade no ordenamento pátrio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2606, 20 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17222. Acesso em: 7 maio 2024.