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A manipulação temporal dos efeitos decisórios no controle difuso de constitucionalidade

A manipulação temporal dos efeitos decisórios no controle difuso de constitucionalidade

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"Não há outro meio de atalhar o arbítrio, senão dar contornos definidos e inequívocos à condição que o limita".

(Rui Barbosa)

SUMÁRIO: SIGLAS E ABREVIATURAS . RESUMO . ABSTRACT . INTRODUÇÃO . I -O INSTITUTO DA MODULAÇAO TEMPORAL DOS EFEITOS DECISÓRIOS .1.1Do surgimento do instituto .1.2A modulação temporal e sua conceituação jurídica . 1.3A jurisdição constitucional norte-americana e europeia (paradigma austríaco) . 1.3.1O instituto e a Suprema Corte dos Estados Unidos .1.3.2O instituto e os Tribunais Europeus .1.4A jurisdição constitucional brasileira . 1.4.1O instituto e o Supremo Tribunal Federal . II -O NOVO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O CONTROLE DIFUSO. 2.1.O controle difuso brasileiro . 2.2.A compatibilização vertical das decisões judiciais no Brasil . 2.2.1.A doutrina norte-americana do Stare decisis . 2.2.2.Os métodos de compatibilização vertical utilizados no Brasil . 2.3.A Repercussão Geral e seus reflexos constitucionais . 2.4.O Recurso Extraordinário e sua atual tendência de abstrativização . 2.5.A necessidade de se modular as decisões no Controle Concreto . III -A LEI 9.868/99 E O CONTROLE DIFUSO . 3.1.O Controle Concreto e sua regulamentação legal . 3.2.O Art. 27 da Lei 9.868/99 e suas as exigências para se modular os efeitos . 3.2.1.O excepcional interesse social . 3.2.2.A proteção à segurança jurídica . 3.2.2.1.A segurança jurídica e a modulação temporal em favor do Estado . 3.3.A repercussão geral e as exigências do art. 27 da Lei 9.868/99 . 3.4.O princípio da proporcionalidade . 3.5.A ilegalidade do quorum qualificado do art. 27 da Lei 9.868/99 . 3.6.O art. 27 da lei 9.868/99 e sua aplicação no Controle Difuso . CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SIGLAS E ABREVIATURAS

ADC- Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADIn - Açao Direta de Inconstitucionalidade

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AgR - Agravo Regimental

art. -Artigo

CF- Constituição Federal

COFINS- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CPC- Código de Processo Civil

EC- Emenda Constitucional

HC- Hábeas Corpus

LICC- Lei de Introdução ao Código Civil

Min.- Ministro

p.- Página

RE- Recurso Extraordinário

RE’s- Recursos Extraordinários

Rel.- Relator

STF- Supremo Tribunal Federal

STJ- Superior Tribunal de Justiça

TJ’s- Tribunais de Justiça

TRE’s - Tribunais Regionais Eleitorais

TRF’s- Tribunais Regionais Federais

TRT’s- Tribunais Regionais do Trabalho

v.- Versus


RESUMO

A jurisdição constitucional inicialmente idealizada por Marshall em 1803 e posteriormente reformulada por Kelsen em 1920, sempre conviveu com o peso que suas decisões provocam a fatos jurídicos consolidados, fardo que se buscou minimizar com o desenvolvimento de uma teoria de flexibilização desses efeitos, conhecida como modulação temporal dos efeitos das decisões. A modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais no Brasil adquiriu efetiva consistência com a publicação da Lei 9.868/99, esta, responsável pela regulamentação das ações do controle concentrado de constitucionalidade. Todavia, desde a década de 80 o Supremo Tribunal Federal vem paulatinamente se inclinando pela necessidade de se mitigar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, necessidade esta, já assumida pela Suprema Corte Norte-Americana ainda na década de 60 e pelo controle de constitucionalidade austríaco desde 1926. No Brasil, a despeito da constante utilização do instituto pelo Supremo, grandes juristas ainda possuem suas ressalvas quanto ao instituto, principalmente no tocante a sua aplicação ao controle difuso de constitucionalidade. Nesse escopo, a análise sobre sua adequação ao controle incidental de constitucionalidade é de suma importância para se evitar uma desregrada, incorreta e inócua aplicação.

PALAVRAS CHAVE: Jurisdição Constitucional; Manipulação dos Efeitos; Processo Constitucional.

ABSTRACT

The constitutional jurisdiction originally developed by Marshall in 1803 and later reformulated by Kelsen in 1920, always lived with the burden that their decisions affects legal suits consolidated, that burden with which sought to minimize the development of a theory of relaxation of these effects, known as modulation temporal effects of decisions. The modulation of temporal effects of judgments in Brazil acquired effective consistency with the publication of Law 9.868/99, responsible for regulating the actions of the concentrated control of constitutionality. However, since the 80''s the Supreme Court has gradually been tilting the need to mitigate the effects of the declaration of unconstitutionality. This need has already been recognized by the United States Supreme Court in the 60''s and by the control of constitutionality from Austrian in 1926. In Brazil, despite the constant use by the Supreme Justice, great lawyers also have their reservations about the institute, especially in regard to its application to the diffuse control of constitutionality. In this scope, the analysis of their suitability for incidental control of constitutionality is extremely important to avoid a disorderly, incorrect and innocous application.

KEY-WORDS: Judicial Review; Manipulation of effects, Constitutional process.


INTRODUÇÃO

A Constituição, norma máxima de qualquer ordenamento jurídico, em regra compõe-se de princípios e normas genéricas os quais traçam diretrizes legais a serem observadas pelos demais excertos normativos.

Diante de tal supremacia constitucional, sua aplicação e interpretação reverberam por todo território jurisdicional sobrepondo todo e qualquer texto legal que caminhe em sentido contrário.

Tal imperatividade constitucional na prática brasileira é concretizada pelo Supremo Tribunal Federal, que assim o faz, por intermédio de sua jurisdição constitucional.

A jurisdição constitucional surgiu nos Estados Unidos da América ainda em 1803, com o julgamento do case Marbury versus Madison, pelo justice John Marshall. Apoiando em Blackstone, Marshall consolidou o ideal de que cabe a todo e qualquer juiz o dever interpretar as leis postas e aplicá-las aos casos concretos, devendo sempre resguardar a norma constitucional, hierarquicamente superior.

Nesse escopo, o a decisão judicial seria meramente declaratória, pois a nulidade existiria desde o surgimento da lei inconstitucional, sendo nula desde sua origem, ab initio, restando ao magistrado meramente declarar irregularidade pré-existente e insanável, declaração que retroagiria à gênese da inconstitucionalidade.

Contrapondo ao modelo estadunidense, Hans Kelsen trouxe, por intermédio da Carta constitucional austríaca de 1920, uma nova noção de jurisdição constitucional, afastando do ideal de nulidade ab initio da norma inconstitucional e propondo a noção de que a norma posta em vigor não pode ser tida como nula, mas tão somente anulável, não existindo fundamento para se falar em decisão meramente declaratória, mas sim constitutiva, produzindo efeitos apenas a partir de sua publicação.

Diante das lacunas deixadas por ambas teorias, os juristas há tempos buscam meios para minimizar os reflexos negativos que tais vácuos podem ocasionar aos jurisdicionados. Símbolo dessa busca é a estruturação do instituto da modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais, que essencialmente propõe mitigar, flexibilizar o caráter rígido, de ambas teorias, no que concerne aos efeitos de suas decisões no tempo.

Particularmente, pretende-se aprofundar sobre a utilização do instituto no controle constitucional brasileiro stricto sensu, não abordando outras formas de controle difuso senão o realizado sob o pálio do critério hierárquico, que por sua vez, por ser repleto de peculiaridades possibilita um significativo leque de questionamentos, dúvidas e ponderações

Para tanto, no primeiro capítulo do presente trabalho busca-se elucidar as origens do instituto da modulação temporal das decisões judiciais, o que essencialmente, implica no estudo dos diversos estilos de controle constitucional, especialmente o americano, o austríaco e o brasileiro, destacando nesses sistemas, o início da tentativa de flexibilização das declarações de inconstitucionalidade.

Transposta tal estruturação histórica sobre o instituto, compete ao segundo capítulo analisar o controle difuso de constitucionalidade brasileiro, ressaltando as ultimas mudanças sofridas pelo recurso extraordinário, instrumento primordial do controle difuso pátrio, e os reflexos de tais modificações na essência do controle concreto brasileiro, culminando-se, indubitavelmente, no reconhecimento da indispensabilidade de se modular os efeitos das decisões no sistema difuso de constitucionalidade.

Partindo-se dessa premissa, caberá ao terceiro capítulo, ponderar sobre a adequação de se utilizar o art. 27 da Lei 9.868/99, responsável pela regulamentação das ações do controle concentrado de constitucionalidade, ao controle difuso, considerando todos os elementos integrantes do referido excerto normativo sob o enfoque do modelo difuso de controle constitucional, possibilitando ao fim, emitir juízo sobre a incompatibilidade da norma com os ditames do controle difuso.

Tendo em vista o objeto delimitado, a presente pesquisa se pautará, metodologicamente, pelo método dedutivo, caracterizado por uma abordagem mais ampla e abstrata.

Pertinente ainda ressaltar, que referida escolha deu-se em função dos objetivos cernes deste trabalho, quais sejam, demonstrar a necessidade de se aplicar a modulação temporal ao controle difuso de constitucionalidade e a inadequação de se utilizar a Lei 9.898/99 ao mesmo sistema de proteção constitucional, de modo que, partindo-se da análise das origens do instituto e suas características essenciais, centra-se nas peculiaridades da jurisdição constitucional brasileira.


CAPÍTULO I - A MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DECISÓRIOS

A prática de se modular os efeitos das decisões judiciais no Controle de Constitucionalidade é recente no mundo jurídico. No Brasil, a mesma somente fora legalizada com advento da Lei 9.868/99, que regulamentou as ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade.

Tal surgimento adveio da necessidade de se flexibilizar os efeitos provocados pela declaração de inconstitucionalidade do ato normativo, a qual, em razão do dogma da nulidade da lei inconstitucional, operaria efeitos ex tunc, retroagindo à origem da lei.

Diante da necessidade de se amoldar tais efeitos às necessidades políticas-jurídicas-sociais do caso concreto, buscou-se mesclar as duas principais teorias existentes sobre a declaração de inconstitucionalidade.

A primeira, largamente aceita entre os doutrinadores e os Tribunais brasileiros, consiste na ideia trazida pelos nortes-americanos e difundida no Brasil por Rui Barbosa, de que a lei inconstitucional, apesar de concretizar sua existência como ato estatal, já nasce morta. Assim sendo, não possui qualquer validade no mundo jurídico, pois certo que é inconstitucional desde sua edição.

Nesse escopo, a decisão judicial apenas declara a inconstitucionalidade preexistente; trata-se de mero ato declaratório. Logo, a decisão judicial opera efeito ex tunc, retrocedendo ao nascimento da norma em comento, declarando nulos todos os desdobramentos jurídicos provenientes de sua efêmera aplicação, que, em regra, pode ocorrer entre a sua entrada em vigor até a declaração judicial de sua inconstitucionalidade.

Nas palavras de Capelletti (1999, p. 115-116), ao narrar o sistema norte-americano de jurisdição constitucional,

{...} a lei inconstitucional, porque contrária a uma norma superior, é considerada absolutamente nula (null and avoid) e, por isso ineficaz, pelo que o juiz, que exerce o poder de controle, não anula, mas, meramente declara (pré-existente) nulidade da lei inconstitucional.

A segunda teoria, menos aceita no Brasil, fora idealizada por Kelsen e sustenta o Sistema Austríaco de Controle de Constitucionalidade. Diferentemente do modelo norte-americano, para Kelsen a decisão judicial não consiste em uma simples declaração de inconstitucionalidade preexistente; na realidade, o suposto vício confirmado apenas existe daquele momento para frente, não havendo que se falar em retroatividade da decisão, pois a mesma em momento algum declara situação pretérita, mas, sim, constitui uma situação nova, qual seja, a incompatibilidade da norma com a Constituição. Tem-se, pois, uma decisão constitutiva negativa e não declaratória (Ávila, 2009, p. 41).

Ademais, Kelsen não reconhece a existência de nulidades no Direito. Para ele, uma norma posta (em vigor) somente pode ser anulável, e não nula, pois o simples fato de estar em vigor atesta sua conformidade com a constituição, logo, válida, pois, segundo Kelsen (2003a, p. 287),

uma lei inválida não pode ser afirmada como contrária à Constituição, pois uma lei inválida não é sequer uma lei, pois inexiste juridicamente. O sentido possível para a expressão "lei contraria à Constituição" só pode ser o seguinte: a lei, em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual (lei posterior revoga a anterior); mas também através de um processo especial, previsto pela Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional.

Assim, a decisão judicial que aprecia uma possível inconstitucionalidade não declara uma situação já concretizada, mas, sim, anula, cassa a lei que até a publicação do mandamus judicial seja considerada válida e eficaz, razão pela qual a decisão opera efeitos apenas do julgamento em diante, ou seja, ex nunc, mantendo todas as relações jurídicas ocorridas sob o pálio de sua existência.

Todavia, ambas as teorias fracassaram ao tentar solucionar os problemas provenientes das relações jurídicas constituídas no interregno entre sua entrada em vigor e sua cassação pelo Judiciário. Com efeito, elas proporcionam certas aberrações jurídicas como o vácuo imposto pela Teoria da Nulidade às relações jurídicas estruturadas durante a aparente validade da lei inconstitucional, bem como a estranha existência de lei reconhecidamente inconstitucional como se constitucional fosse, situação viabilizada pela Teoria da Anulabilidade.

Procurando preencher tais lacunas, deu-se início a um processo de flexibilização das referidas teorias, acarretando uma fusão entre vários aspectos de ambas, permitindo uma adequação dos efeitos do controle de constitucionalidade, mitigando as consequências de tais aberrações jurídicas e compatibilizando as decisões com a realidade jurídica posta.

Destarte, estruturava-se o instituto da Modulação ou Manipulação Temporal das Decisões no Controle de Constitucionalidade, cujo ápice, no Brasil, deu-se com a edição da Lei 9.868/99, que se passará a estudar a fundo.

1.2 A MODULAÇÃO TEMPORAL E SUA CONCEITUAÇÃO JURÍDICA

Como visto, a Corte Constitucional brasileira consolidou a tradição norte-americana da Teoria da Nulidade, entendendo operar, em regra, o efeito ex tunc quando da revogação de ato normativo tido inconstitucional.

Contudo, o legislador consubstanciado nos movimentos já deflagrados por toda Europa e Estados Unidos e esboçado pelo repertório jurisprudencial do Supremo Tribunal, trouxe ao ordenamento jurídico o instituto da Modulação Temporal das Decisões Judiciais, assim dispondo no art. 27 da Lei 9.868/99:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Tem-se por normatizado o novo instituto da Jurisdição Constitucional brasileira, permitindo ao Supremo Tribunal Federal, no Controle Concentrado, "relativizar" os efeitos, em regra, retroativos da declaração de inconstitucionalidade, possibilitando tanto a retroação dos efeitos, quanto a não-retroação ou até a fixação de uma data pró-futuro.

Com se depreende da inteligência do artigo acima transcrito, o instituto é uma exceção à consolidada regra da retroação da eficácia da decisão que declara a inconstitucionalidade de lei, razão pela qual o legislador impôs à aplicação de tal procedimento um quorum qualificado, qual seja, dois terços dos ministros que compõem nossa Corte Constitucional.

Por conseguinte, o instituto consiste na excepcional possibilidade de o STF, ao prever um cenário de possível violação à segurança jurídica ou de extraordinário interesse social, limitar e modular a eficácia temporal da decisão judicial de forma a melhor atender a realidade fática da conjuntura que envolve o julgamento.

1.3 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NORTE-AMERICANA E EUROPEIA (PARADIGMA AUSTRÍACO)

Como visto, a manipulação temporal dos efeitos das decisões judiciais surgiu como forma de se mitigar os reflexos nocivos provenientes da aplicação prática das teorias da nulidade e da anulabilidade de lei inconstitucional. Portanto, como integrante da sistemática da jurisdição constitucional, pertinente abordar, de forma breve, os dois principais sistemas de jurisdição constitucional.

Seguindo a estruturação utilizada por Mauro Cappelletti (1999, p.66) proceder-se-á à abordagem sob dois aspectos principais: o elemento "subjetivo" e o elemento "modal" dos sistemas de controle de constitucionalidade.

Inicialmente, de acordo com o aspecto subjetivo, dois grandes sistemas de controle constitucionalidade destacam-se: o sistema difuso, que se pauta pela distribuição da competência do controle de constitucionalidade a todos os órgãos do judiciário, os quais incidentalmente exercem o papel de defensor da constituição; e o sistema concentrado, que se caracteriza pela centralização de tal poder/dever de defesa constitucional a um órgão judiciário específico.

O sistema difuso, também usualmente conhecido por sistema americano, surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos da América, derivando daí seu nome usual. Pauta-se por uma simples, porém coerente linha de raciocínio cuja ideia central já consubstanciava a célebre decisão do Chief Justice John Marshall no mundialmente conhecido julgamento Marbury versus Madison no ano 1803.

O cerne da teoria americana estruturava-se na ideia de que a função de todo juiz é interpretar leis, devendo aplicá-las aos casos concretos que de vez em vez lhe aparecem para apreciação. Dessa maneira, quando duas normas legais se colidem, cabe ao magistrado decidir qual deve ser mantida e reger a situação concretizada. Para tanto, utiliza-se dos tradicionais critérios da "lex posterior derogat legi priori" e "lex specialis derogat legi generali". Contudo, a questão se agrava quando se colidem normativos de diferentes hierarquias; nessa situação, deve o magistrado optar pela norma hierarquicamente superior (em regra de índole constitucional) em detrimento da inferior – lex superior derogat legi inferiori.

Portanto, como compete ao juiz, independente de sua hierarquia funcional, analisar a questão concreta trazida a juízo e aplicar a lei que lhe seja mais adequada, consequentemente compete a ele, também, aplicar o brocado latino da hierarquia entre as leis, para diante de norma inconstitucional, ou seja, em confronto com a constituição, afastá-la, declarando sua inconstitucionalidade e aplicando a norma correta.

Não obstante a linearidade e coerência do raciocínio americano, este não se mostraria viável sem a conjunção de outro instituto de suma importância para o direito norte americano, a doutrina do Stare Decisis (vide item 2.2.1), a qual, em breves linhas, consiste na vinculação de todos os órgãos jurisdicionais inferiores de certa circunscrição aos seus respectivos órgãos superiores e, em última estância, à Suprema Corte Americana.

Tal vinculação jurisprudencial se revelou, ao longo dos tempos, o fator predominante para o insucesso do sistema americano nos países pertencentes à civil law. Insucesso este que advinha da incompatibilidade de tal raciocínio com a estrutura desta família do direito, afinal, se imaginarmos o sistema difuso em tais Estados-nação, com certeza teríamos instalado o caos da insegurança jurídica ao permitir que em um mesmo dia um magistrado entenda pelo afastamento de determinada lei, por seu manifesto caráter inconstitucional, e outro, logo depois, entenda de maneira diversa, concluindo pela aplicação da lei anteriormente afastada, pois, na civil law, em regra, não existe qualquer tipo de vinculação entre as decisões judiciais.

Diante de tal impasse, a solução encontrada pelo idealizador da Constituição Austríaca de 1920, Hans Kelsen, seria a criação de um órgão jurisdicional adequado, ou seja, uma espécie de Corte Constitucional, denominada de Verfassungsgerichtshof. Surgia o sistema de controle de constitucionalidade, que seria futuramente conhecido por sistema concentrado, austríaco ou europeu (o último em razão de sua influência no continente europeu), o qual orbitava em torno de um único órgão judicial, idealizado e criado para exercer precipuamente a proteção à Constituição.

Infere-se, pois, que o sistema concentrado fundamenta-se em uma ideia diametralmente oposta àquela consolidada por Marshall em seu célebre julgamento. Deixa-se a ideia de que o problema da lei inconstitucional restringe-se à mera interpretação de lei com a consequente abstenção de se aplicar referida norma inconstitucional e abre-se espaço para a consolidação de um raciocínio que valoriza uma presunção da validade das leis, refletindo, por sua vez, na impossibilidade de tal vicio ser declarado por qualquer juiz, como forma de mera manifestação de seu poder/dever de interpretar a lei, com exceção à Corte Constitucional, a quem incumbe tal tarefa.

Transposto esse aspecto subjetivo dos dois sistemas de jurisdição constitucional, passa-se agora às suas peculiaridades "modais", ou seja, processuais.

O sistema americano que subjetivamente possui uma característica difusa, sob o aspecto modal, detém um caráter incidental, o qual consiste na impossibilidade de se resolver as questões constitucionais em sede de ação própria, específica, perante um órgão jurisdicional próprio para solucionar tais conflitos.

Na modalidade americana o conflito constitucional deve ser arguido de maneira incidenter tantum, ou seja, de forma secundária, por intermédio de um caso concreto e na medida em que tal controvérsia seja pertinente à solução da referida situação posta em juízo, sendo competente para dirimir as questões constitucionais o mesmo juízo competente para julgar o caso concreto, do qual se extraiu a discussão em primeiro lugar.

Logo, tanto os órgãos jurisdicionados inferiores como a Suprema Corte Norte-Americana resolvem as questões constitucionais apresentadas apenas no contexto do caso concreto posto em juízo ("only within the context of concrete adversary litigation") e tão-somente na medida necessária a resolver o conflito ("only as necessary to the disposition of the case"), independentemente da ação na qual se ventile a questão constitucional ("regardless of the nature of the proceeding").

Resta, pois, caracterizada a noção de controle concreto de constitucionalidade que, conjuntamente com o controle difuso de constitucionalidade, compõem o sistema norte-americano.

Em contrapartida, a Constituição austríaca de 1920, já anteriormente mencionada, criou um órgão jurisdicional próprio (Verfassungsgerichtshof) para exercer a atividade de controle constitucional, o qual seria provocado por meio de um processo próprio e autônomo, inteiramente desvinculado de um caso concreto.

Dessa feita, no sistema austríaco os juizes, além de não possuírem poderes para exercer tal controle constitucional, tampouco poderiam pedir à Corte Constitucional que realizasse o controle que lhes era vedado, sendo obrigados a aplicarem as leis que entendiam inconstitucionais. Afinal, na conjuntura estruturada, matéria constitucional somente poderia ser arguida pelos órgãos habilitados na Constituição de 1920, que se limitava a apenas duas figuras políticas, o Governo Federal (Bundesregierungen ) e os Governos de Lander (Landesregierugen).

Todavia, percebeu-se que essa primeira roupagem editada pela Carta de 1920 limitava de forma extrema a defesa constitucional, possibilitando, inclusive, a perpetuação de leis notadamente inconstitucionais, pois não era do interesse desses dois entes legitimados questioná-las perante a Corte.

Com o advento da lei de revisão constitucional de 1929, tal problema fora mitigado ao ampliar o rol de legitimados para questionar à Corte Constitucional normas tidas inconstitucionais, acrescentando aos dois legitimados já existentes as figuras da Corte Suprema para as causas cíveis e penais (Oberster Gerichtshof) e a Corte Administrativa para as causas administrativas (Verwaltungsgerichtshof).

Estruturava-se um sistema de controle híbrido, pelo menos sob o enfoque modal aqui tratado, afastando-se da exacerbada concentração do controle constitucional inaugurado pela Constituição de 1920 e aproximando-se do sistema norte-americano, obviamente ''a anos-luz de distância'' da descentralização típica daquele sistema.

Como visto, os dois principais sistemas de controle de constitucionalidade são praticamente antitéticos, diferenciando-se em quase todos os aspectos. Contudo, ambos sofrem constantes processos de mutações adequando-se às novas necessidades e buscando um meio-termo que melhor solucione os novos problemas. Meio-termo este que buscou o Brasil ao estruturar sua jurisdição constitucional, a ser abordada posteriormente.

1.3.1 O Instituto e a Suprema Corte dos Estados Unidos

O Sistema norte-americano de controle de constitucionalidade tem como fundamento a retroatividade das decisões, as quais operam o chamado efeito ex tunc. Tal tradição advém da premissa, sustentada por Dworkin (2002, p. 127), de que os juizes americanos não criam direitos, mas apenas declaram os já existentes na Constituição. Dessa forma as decisões deviam ser revogadas não porque a nova conjuntura assim impunha, mas, sim, porque aquela não representava da melhor maneira o direito aplicável.

Assim, cada lei admite uma única interpretação correta, sendo as interpretações anteriores preteridas em relação à atual por se entender que a última melhor aplica o direito ao caso.

Esse modelo da retroatividade plena, também conhecido pelo nome de Modelo de Blackstone, começou a ser duramente criticado e modificado pela Suprema Corte Norte-Americana na década de 60, atingindo seu ápice na Corte de Warren [01], mais precisamente no case Likletter versus Walker no ano de 1965.

Contudo, a discussão sobre o modelo Blackstone iniciou-se bem antes, ainda na década de 50, quando do julgamento de Griffin v. Illinois, no qual os justices Frankfuter, Burton e Minton argumentaram sobre a necessidade de se concederem efeitos prospectivos à decisão, evitando, assim, inúmeras revisões criminais e seus nefastos reflexos ao judiciário e ao Estado. Não obstante terem sido vencidos no julgamento, tal argumentação abriu as portas para que a Suprema Corte voltasse a abordar o assunto anos mais tarde.

Emílio Peluzo Neder Meyer (2008, p. 85) e Eduardo Appio (2008, p. 73) sustentam que as discussões da Corte americana sobre os efeitos temporais de suas decisões são mais perceptíveis quando analisamos as decisões sobre a utilização de provas ilícitas nas ações penais, decisões sobre as quais se passa a ponderar.

Primeiramente, ainda em 1949 (Wolf v. Colorado), a Suprema Corte Norte-Americana definiu que a colheita de provas de forma ilícita não ensejaria a nulidade da ação penal, pois a Quarta Emenda à Constituição em nada proibia tal produção inidônea de provas, não sendo necessário ao judiciário controlar a atividade policial, tarefa que poderia ser atribuída à opinião pública.

Anos mais tarde, já em 1961, no case Mapp v. Ohio, a Suprema Corte mudou seu posicionamento, entendendo que as provas obtidas ilicitamente agrediriam a Primeira Emenda, o que fez com que a Suprema Corte lidasse com os casos já passados em julgados.

Proveniente da abertura criada em Mapp v. Ohio, chegou à Suprema Corte o case Linkletter v. Walker, cujo objeto consistia na aplicação ou não do precedente de Mapp ao seu caso concreto. Victor Linkletter fora condenado por uma decisão baseada em provas ilícitas, anteriormente ao julgado de Mapp v. Ohio, e pretendia, agora, ter sua condenação anulada com aplicação do novo precedente firmado em 1961.

Diante da situação posta, a Suprema Corte Norte-Americana, em um julgamento histórico, por 7 votos a 2, entendeu que a Constituição Americana não proibia nem trazia uma regra absoluta de retroatividade, devendo o intérprete legal ponderar as peculiaridades do caso concreto e amoldar os efeitos de forma a melhor atender as necessidades do caso. Inaugurava-se a possibilidade de a Corte aplicar a teoria prospectiva às suas decisões, contudo, sem uma ruptura total e radical com a tradição da retroatividade.

Portanto, a Corte Americana decidiu que o precedente firmado em Mapp v. Ohio seria aplicado apenas aos casos pendentes de recurso e não aos transitados em julgado. Como mencionado, atribuía-se, pela primeira vez, efeito prospectivo ao julgamento, contudo sem romper com a teoria da retroatividade, razão pela qual a Suprema Corte, estruturou um rol de exigências a possibilitar a utilização dos efeitos prospectivos.

Criou-se, assim, a "Tese em Três Estágios", que por sua vez exigia, para a concessão de efeitos prospectivos, a análise de fatores, como: o propósito das novas normas (propósito), a extensão da dependência das autoridades que executam as normas anteriores (confiança) e os efeitos da retroatividade total sob a administração da justiça (efeito).

Após o julgamento de Linkletter v. Walker a Suprema Corte Norte-Americana passou "a exercitar uma importante dose de discricionariedade (liberdade) de atuação" (Appio, 2008, p. 75). Inaugurava-se uma época de maior ativismo da Suprema Corte, entabulando regras mais rígidas à atuação policial, afinal não mais seria necessário preocupar-se com os reflexos, ao passado, de suas atuações no presente.

Blaco Soto resume a atual estrutura americana em três efeitos possíveis de serem aplicados: o primeiro seria a tradicional Retroatividade Total, cuja decisão retroagiria ao passado; o segundo, a Limited Prospectivity, cuja decisão afeta não só o processo em que foi proferida, mas também aqueles que estão pendentes de julgamento final, e, por fim, a Pure Prospectivity ou Prospectivity Overruling, cuja decisão não seria aplicável sequer no caso que lhe deu origem; nessa situação toda a retroatividade seria excluída.

Complementando os ensinamentos de Blaco Soto, pode-se ainda citar uma outra possibilidade de aplicação dos efeitos denominada de Selective Prospectivity ou Partial Prospectivity, cuja decisão judicial afetaria apenas o caso concreto e nenhum outro, não retroagindo, é o que pontua o Serviço de Pesquisa da Biblioteca do Congresso (Congressional Research Service), vejamos:

As in criminal cases, the creation of new law, through overrulings or otherwise, may result in retroactivity in all instances, in pure prospectivity, or in partial prospectivity in which the prevailing party obtains the results of the new rule but no one else does. [02]

Todavia, o novo precedente (Linkletter v. Walker) trouxe à Suprema Corte Norte-Americana significativas críticas, principalmente em razão de estar os justices, reflexamente, extrapolando os limites do caso concreto sob análise, contrariando a essência do controle de constitucionalidade estadunidense.

Atualmente, em virtude dessas pressões, a Suprema Corte retornou às suas antigas tradições, desprestigiando a inovação trazida no julgamento de Linkletter v. Walker e buscando uma maior aproximação com o princípio da igualdade na aplicação jurisdicional do direito.

Tal retorno fora iniciado com o case Griffith v. Kentucky em 1987 e posteriormente consolidado com os cases James M. Beam Distilling Co. v. Georgia, em 1991, e Harper v. Virginia Departman of Taxation, em 1993, no qual se assentou que "quando a Suprema Corte não define expressamente os efeitos prospectivos, vige, como em James Beam, a natural retroatividade da decisão" (MEYER, 2008, p.94).

Desta feita, a partir de 1994 a Corte Americana, revogando o precedente aberto no julgamento de Linkletter, voltou a rechaçar in totum a possibilidade de se abrandar a retroatividade total da declaração de inconstitucionalidade, efeito inerente ao sistema norte-americano de controle constitucional.

1.3.2 O Instituto e os Tribunais Europeus

Os Tribunais Constitucionais Europeus surgiram sob forte influência de Hans Kelsen, pai intelectual da Constituição Austríaca de 1920. Diante dessa influência, quase a totalidade dos países do velho continente optaram pela fórmula proposta na Carta austríaca de se constituir um órgão próprio para dirimir as questões constitucionais, cuja função na prática se assemelharia a de um legislador negativo, pois, para Kelsen, a anulação de uma lei por um Tribunal "equivale a criar uma norma geral, já que não se está diante de uma questão concreta a ser resolvida num litígio de parte" (Meyer, 2008, p. 97).

Conforme previamente mencionado, a teoria de Kelsen opõe-se à americana de Blackstone. Para o austríaco ato nulo não seria um ato jurídico, razão pela qual seria inapropriado cogitar a existência de outro ato jurídico para revogá-lo, pois acreditava, como dito no item 1.1, que com a sua simples vigência a lei já possuiria validade ante a Constituição e apenas um procedimento especial poderia cessar seus efeitos.

Tomados pelos ideais kelsianos, os principais países europeus constituíram seus Tribunais Constitucionais, mesclando ambas as teorias (principalmente no tocante aos efeitos decisórios), mas sempre mantendo o caráter essencialmente kelsiano em seu funcionamento.

Com relação à modulação dos efeitos temporais das decisões destes Tribunais, existem algumas diferenças entre os diversos países que integram o continente europeu. Contudo, pertinente abordarmos alguns dos mais relevantes juridicamente.

O ordenamento jurídico austríaco, como não podia ser diferente, adota como regra geral a não retroatividade (ex nunc) das decisões que declaram uma norma inconstitucional. Assim, a mesma opera efeitos apenas a partir de sua publicação. Existe, ainda, a possibilidade de o Tribunal, analisando as implicações políticas do caso, atrasar a publicação da decisão em até 18 meses, possibilitando com que o Governo se movimente para minimizar os possíveis danos, afinal, a decisão começaria a operar efeitos em data posterior ao julgamento, pró-futuro; é a chamada Fristsetzung [03]. Pode ainda o Tribunal optar por aplicar à sua declaração de inconstitucionalidade uma retroatividade ilimitada ou limitada.

No Tribunal Alemão a regra geral é a retroatividade (ex tunc) das decisões constitucionais, com o consequente entendimento de que todos os atos anteriormente produzidos são nulos.

Na Itália, em regra os efeitos não retroagem (ex nunc), todavia, tal regra aplica-se tão-somente no controle concentrado, sendo que no incidental a retroatividade prevalece. Quanto à atribuição de possíveis efeitos prospectivos, a possibilidade fora rechaçada pela Constituinte italiana, porém, diante das dificuldades apresentadas pela Corte Constituzionale iniciou-se uma prática de atrasar as publicações das decisões visando alcançar tal efeito. Buscando solucionar o "jeitinho italiano", a partir da década 80 estruturam-se duas técnicas: a primeira, chamada de "inconstituzionalità sopravvenuta em sentido amplo ou differita", buscava restringir a retroatividade plena da decisão; a segunda, chamada de "doppia pronuncia", objetivava diferir os efeitos da decisão para um momento futuro.

A jurisdição espanhola apenas recentemente começou a discutir a questão dos efeitos temporais de suas decisões. Originalmente, a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional Espanhol prevê que a declaração de inconstitucionalidade retroage (ex tunc) diante da nulidade declarada. Não obstante, em 1989 o Tribunal se viu diante de uma situação em que teve que ponderar os nocivos reflexos de sua decisão na administração estatal. Assim os julgadores buscaram resguardo na prospectivity americana, atribuindo efeito ex nunc aos casos já passados em julgado.

Por fim, imprescindível falar dos portugueses, que trazem no corpo de seu texto constitucional a possibilidade de se modular os efeitos, quando presentes razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público:

Artigo 282.

(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2.

Em regra, a declaração de inconstitucionalidade lusitana retroage à entrada em vigor da norma viciada (ex tunc), conforme se depreende do artigo acima colacionado. Quanto à possibilidade de se atribuir efeitos pró-futuro, não há consenso. Grande parte da doutrina portuguesa, da qual se destacam Jorge Miranda e Gomes Canotilho, é veementemente contrária a tal atribuição, por entender que o princípio da supremacia constitucional não permitiria tal transação. Para eles, existe um verdadeiro excesso por parte do Tribunal Constitucional na utilização do instituto, fazendo com que a Corte acabe exercendo poderes tipicamente legislativos.

1.4 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

A função do judiciário em exercer o controle de constitucionalidade apareceu pela primeira vez com o advento da República, em 1890. Até então, o Brasil desconhecia qualquer controle constitucional exercido pelo poder judiciário. A uma, pela forte influência britânica e francesa, que consolidou o ideal da soberania do Parlamento, o que na prática implicava a inexistência de qualquer forma de controle da atividade legislativa. A duas, pela existência de um quarto poder no Império tupiniquim, o conhecido Poder Moderador, representado por Dom Pedro em pessoa, a quem cabia a tarefa de resolver os conflitos entre os Poderes.

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.

Pertinente ressaltar que no projeto constitucional de 1823, portanto, antes de Dom Pedro fechar a Constituinte e outorgar a Carta Magna, idealizava-se um controle constitucional pautado nos ensinamentos de Marshall, entendendo que "todas as leis existentes, contrárias à letra e ao espírito da presente Constituição, são de nenhum valor" [04].

Todavia, com a proclamação da República e a instalação da Constituinte de 1890, diga-se de passagem, fortemente influenciada pelos ideais norte-americanos, instaurou-se implicitamente a base que permitiria à reforma constitucional de 1926 implantar o controle constitucional pela via da exceção, possibilitando a qualquer juiz ou tribunal, respeitadas as regras de competência e da organização judiciária, exercer a atividade de controle. Consagrava-se assim a chegada ao Brasil do sistema difuso de controle constitucional.

Terminada a revolução de 30, Getúlio Vargas, não mais suportando a pressão popular (Revolução Constitucionalista em São Paulo), instala uma nova Constituinte que promulgava a nova Carta de 1934, que, em termos de jurisdição constitucional, trouxe três importantes inovações: a primeira, conhecida como cláusula de reserva de plenária, que se mantém até hoje, vinculava a declaração de inconstitucionalidade a um quorum especial, qual seja, maioria absoluta dos membros do Tribunal [05]; a segunda trazia, pela primeira vez, a figura do Procurador-Geral da República como agente instigador do controle constitucional na chamada ação direta de inconstitucionalidade interventiva; a terceira e mais engenhosa das inovações permitia ao Senado Federal suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo judiciário [06]. Proporcionava-se a possibilidade de se atribuir à decisão de caráter eminentemente inter partes (sistema norte-americano) eficácia erga omnes, ou seja, estendendo a todos os efeitos da decisão tomada para alguns.

Com o novo golpe de Vargas e a implantação do Estado Novo, uma nova Constituição foi outorgada, peculiarmente com características ditatoriais, sendo apelidada de Polaca [07]. Não obstante a manutenção do sistema difuso de jurisdição constitucional, instaurava-se uma verdadeira preocupação em fortalecer o Poder Executivo, permitindo ao Presidente da República, de forma discricionária, submeter ao Legislativo a decisão do Judiciário que declarou inconstitucional determinado regramento normativo, o qual, por sua vez, perderia seu efeito pela decisão de 2/3 dos membros ambas as Casas.

Iniciada a redemocratização brasileira, promulgou-se a Constituição de 1946, restaurando o equilíbrio dos Poderes e restabelecendo a tradição do controle difuso de constitucionalidade. Contudo, com o advento da Emenda Constitucional nº 16, em 1965, permitiu-se, exclusivamente ao Procurador-Geral da República, questionar a constitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, diretamente ao Supremo Tribunal Federal, inaugurando o sistema concentrado de proteção à Constituição, conforme inteligência da nova redação conferida ao art. 101, I, ''k'', da Magna Carta de 1946.

Estava inserido no Brasil o sistema concentrado de controle constitucional, realizado por meio de ação direta.

Ademais, a mesma emenda trouxe a possibilidade de se realizar tal controle concentrado também nos âmbitos dos Tribunais dos Estados, tendo como normas paradigmas as Constituições estaduais.

A Constituição Militar de 1967, posteriormente reescrita pela EC nº 1 de 1969 – reflexo direto do Ato Institucional nº 5 –, em nada de significativo alterou a Carta de 1946, ao menos com relação à jurisdição constitucional, onde apenas suprimiu-se a possibilidade trazida pela EC nº 16/65 de realizar controle constitucional no âmbito dos Estados, ressaltando a possibilidade de se realizar o controle de lei municipal em face de constituição estadual para fins de intervenção.

Finalmente, a atual Carta Constitucional, promulgada em 1988, trouxe basicamente três inovações: a primeira, na seara do controle concentrado, consistiu na expansão do rol de legitimados para propor a ADIn [08]; a segunda estabeleceu a possibilidade de se controlar as omissões legislativas tanto no âmbito do controle concentrado, por intermédio da ADIn por Omissão, quanto no controle difuso por meio do Mandado de Injunção; a terceira traçou os parâmetros para uma possível criação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Após sua promulgação, duas importantes emendas alteraram a jurisdição constitucional. A primeira mudança veio com a EC nº 3/93, que criou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). A segunda modificação veio com a EC nº 45/05, usualmente conhecida por Reforma do Judiciário, que: ampliou o rol dos legitimados para propor a ADC, igualando-o ao da ADIn; estendeu o efeito vinculante, antes apenas previsto para a ADC, à ADIn e; trouxe a figura da Repercussão Geral aos Recursos Extraordinários, o que, prima facie, não estabelece ligação com a jurisdição constitucional, mas que, como se verá, é de extrema importância para a atual sistematização de controle constitucional.

1.4.1 O Instituto e o Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal ao exteriorizar inúmeras vezes em seus julgados a clara preferência pela teoria da nulidade, entendendo ser a lei inconstitucional um ato nulo e sem qualquer efeito e, portanto, operando efeitos ex tunc, acabou por alçar a nulidade da lei inconstitucional à condição de dogma, consolidando o chamado dogma da supremacia constitucional.

Proveniente do sistema norte-americano de controle constitucional, a teoria da nulidade, como visto no item anterior, fora pela primeira vez implementada no Brasil com a reforma constitucional de 1926, a qual possibilitava a defesa constitucional pela via da exceção, em caráter incidental.

Todavia, recentemente a nossa Corte superior vem presenciando uma gradativa flexibilização de tal supremacia constitucional por meio do surgimento de várias dissidências entre seus ministros, buscando questionar o caráter absoluto da teoria da nulidade e da consequente atribuição de efeitos ex tunc à declaração de inconstitucionalidade.

Marco dessa flexibilização é sem dúvida o julgamento do RE 79.343/BA do ano de 1977, no qual o então Relator Ministro Leitão de Abreu asseverou a necessidade de se temperar o dogma da supremacia constitucional para melhor aplicá-lo à conjuntura da situação, não obstante, ao fim, ter-se decidido pela retroatividade.

Em sua argumentação o Min. Leitão de Abreu entabula uma comparação entre a orientação de que a lei inconstitucional é lei morta (ideal americano) e uma orientação mais flexível na qual a lei inconstitucional produz efeitos enquanto não decretada seu vício (ideal austríaco). Consubstanciado nas ideias de Kelsen entende o Ministro que a lei, ao adentrar o ordenamento jurídico, impõe obediência ao destinatário até que porventura advenha uma decretação de inconstitucionalidade, in verbis:

[...] a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é licito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabelecerem relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo. (RE 79343, Relator(a): Min. LEITAO DE ABREU, SEGUNDA TURMA, julgado em 31/05/1977, DJ 02-09-1977)

Tal ponderação é tão significativa para uma abertura do STF – a ideia de ser possível fugir da obrigatoriedade do sistema norte-americano – que Mendes (2004, p. 295) encontra nessas argumentações o embrião da tese para a utilização do instituto da modulação temporal tanto no controle concentrado quanto difuso de constitucionalidade, ponderações mais adiante analisadas.

Posteriormente, outras decisões consolidaram a possibilidade de se mitigar os efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade, sem, contudo, afastar a teoria da nulidade absoluta, como propusera anteriormente o eminente ministro Leitão de Abreu.

São os casos dos recursos extraordinários 105.789/MG e 122.202/MG, cujos relatores Ministros Carlos Madeira e Francisco Rezek, respectivamente, optaram por não aplicar a retroatividade total em virtude do princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados. Na mesma linha, o RE 78.549/SP, no qual também se privilegiou o efeito ex nunc em observância ao princípio do funcionário de fato.

Desta feita, no tocante à atribuição de efeitos ex nunc às decisões judiciais, a Lei nº 9.868/99 em nada inovou, tendo apenas solidificado o posicionamento jurisprudencial construído pelo STF a partir da célebre decisão do Min. Leitão de Abreu.

Tem-se, pois, que em se tratando de controle difuso de constitucionalidade prevalece a tradição americana de atribuição de efeitos ex tunc. Todavia, caso haja a intervenção do Senado Federal, conforme previsto no art. 52 da Constituição Federal, a doutrina brasileira se divide. Alguns doutrinadores, dos quais destacam-se Alexandre de Moraes e José Afonso da Silva, entendem operar efeitos ex nunc. Em contrapartida, Gilmar Mendes, Clèmerson Clève e o próprio Supremo Tribunal – RMS 17.976/SP e RE 86.056/SP – entendem operar efeitos ex tunc, posicionamento último que prevalece em nosso ordenamento jurídico.

Por sua vez, no tocante ao controle concentrado de constitucionalidade, é possível encontrar julgados, ora num sentido ora noutro, adequando o efeito da decisão da melhor forma possível para a conjuntura à época do julgamento. Logo, a possibilidade de se trabalhar com os efeitos decisórios das decisões do STF também se consolidou na jurisprudência antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99.

A inovação da Lei 9.868/99 ficou, assim, a cargo da faculdade concedida ao STF de se fixar uma data futura e atribuir à mesma o caráter de marco inicial para a produção dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, vez que as demais possibilidades já estavam consolidadas na jurisprudência do Supremo.

Em síntese, o art. 27 da nova lei, que será abordado no capítulo 3 deste trabalho, deixa para trás a simples dicotomia ex tunc/ex nunc, possibilitando ao Pretório Excelso optar por quatro formas de se amoldar os efeitos temporais de suas decisões.

A primeira seria utilizar a tradicional doutrina de Blackstone, retroagindo os efeitos à entrada em vigor da lei inconstitucional. A segunda, uma espécie retroação limitada, restringindo os efeitos da decisão a algum momento entre a publicação da lei e a prolação da sentença. A terceira consistiria na opção clássica Kelsiana, limitando os efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão de inconstitucionalidade. A quarta e última trataria da fixação de uma data no futuro, produzindo, então, efeitos prospectivos.


CAPÍTULO II - O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E O CONTROLE DIFUSO

Como se sabe o controle difuso de constitucionalidade permite a qualquer magistrado ou tribunal exercer de forma incidental a proteção à Constituição, com respeito, por óbvio, às regras processuais civis de organização judiciária.

O sistema concreto de defesa constitucional pauta-se pela análise incidenter tantum da questão supostamente inconstitucional, ou seja, a constitucionalidade discutida apresenta-se na ação como mera causa de pedir do objeto processual, que será uma determinação judicial que resolva o litígio.

Como dito, da mesma prerrogativa detêm os Tribunais que igualmente exercem o controle difuso de constitucionalidade. Contudo, para esses, usualmente provocados mediante recurso, a Constituição Federal, em seu art. 97 [09], exige que a decisão se concretize pela maioria absoluta dos integrantes do Tribunal, o que na prática exclui a competência dos órgãos fracionários dos Tribunais, como as Câmaras, Turmas e Seções, restringindo a mesma ao Pleno ou ao Órgão Especial (este último quando houver).

Nessa situação, suscita-se uma questão de ordem,remetendo os autos ao órgão especial ou ao pleno, a quem compete analisar tal prejudicial, conforme inteligência dos artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.

Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.

Portanto, a constitucionalidade arguida será apreciada primeiramente pela Turma ou Câmara, que, entendendo pela sua existência, submeterá tal entendimento ao Pleno ou ao Órgão Especial, a quem cabe a palavra final sobre a questão.

No entanto, há, ainda, a possibilidade de que o próprio STF exerça o controle difuso de constitucionalidade, situação, inclusive, mais pertinente ao objetivo desta pesquisa.

Tal possibilidade concretiza-se, sobretudo, por meio do Recurso Extraordinário, que se encontra disciplinado pelo art. 102, III da Constituição Federal, senão veja-se:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Infere-se do dispositivo acima transcrito que o RE somente será viável quando, de alguma forma, houver ofensa à Constituição. Não obstante, a questão constitucional ainda deverá ser incidental, mero instrumento para a concretização do pedido principal, devendo, ainda, em caso de controle stricto sensu de constitucionalidade, respeitar a cláusula de reserva de plenário, incrustada no artigo 97 de nossa Magna Carta.

Diante do caráter essencialmente concreto do controle difuso – julgam-se casos singulares e situações individualizadas – e do caráter incidental da declaração constitucional, naturalmente a decisão judicial que põe termo ao processo possui efeitos retroativos (ex tunc) e eficácia inter partes.

Tal eficácia pode ser alterada por meio de uma inovação brasileira trazida na Constituição de 1934, e mantida na atual carta (art. 52, X) [10], que permite ao Senado Federal, discricionariamente, quando comunicando da decisão do Supremo que declarou, no todo ou em parte, a inconstitucionalidade de lei federal, estadual ou municipal, editar resolução suspendendo a eficácia da referida legislação.

Atribui-se, assim, eficácia erga omnes a uma decisão anteriormente dotada de eficácia inter partes, ou seja, entre os litigantes processuais.

Todavia, quanto ao efeito temporal, grande parte da doutrina entende operar efeitos ex nunc, afinal trata-se de mera suspensão de algo eficaz. Em contrapartida, Gilmar Mendes, Clèmerson Clève e Marcelo Caetano entendem operar tal resolução efeitos ex tunc, posicionamento que compartilham com o STF [11].

Por sua vez, a questão dos efeitos e da eficácia das decisões em sede de controle difuso de constitucionalidade está longe de se pacificar tanto na jurisprudência quanto nas doutrinas, pois, com as inovações legislativas introduzidas ao referido controle, eclode nas discussões a chamada Teoria da Abstrativização do Controle Difuso, a ser abordada no item 2.4.

2.2 A COMPATIBILIZAÇÃO VERTICAL DAS DECISÕES JUDICIAIS NO BRASIL

A ideia de se uniformizar a jurisprudência no Brasil remonta à era colonial, quando ainda se aplicava por aqui a legislação portuguesa, donde, inclusive, se buscou inspiração, juntamente com a Stare decisis norte-americana, para se estruturar uma preocupação com a compatibilização das decisões judiciais.

Expoente desse início de uniformização é, sem dúvida, o recurso de revista, previsto nas Ordenações Filipinas, aplicáveis ao Brasil até a sua independência, sendo posteriormente recepcionada pela Constituição de 1824 e revogada definitivamente pelo Código de Processo Civil de 1973.

Todavia, conforme precisamente pontua Osmar Mendes Paixão Côrtes (2007, p. 315),

De qualquer sorte, a preocupação com a divergência jurisprudencial não desapareceu com a revista do processo civil, pois o recurso extraordinário, já com a Reforma Constitucional de 1926, teve expressa previsão do seu cabimento quando houvesse divergência interpretativa.

Assim, passou o Supremo Tribunal exercer a função de uniformização jurisprudencial, o que era e continua a ser importante para a preservação da unidade do Direito no Estado Constitucional e imprescindível para a manutenção de uma estrutura federalista de Estado.

Ademais, sobre um enfoque mediato, tal uniformização busca uma maior racionalidade da atividade judiciária, evitando que demandas já maciçamente discutidas e decididas pelos Tribunais voltem a estes para nova apreciação, independentemente de possuírem partes diferentes, afinal, a argumentação jurídica já fora outrora resolvida.

Tenta-se, portanto, desafogar o judiciário brasileiro que há tempos se encontra à beira de um colapso, mormente em razão da enorme quantidade de processos com idêntica controvérsia.

Contudo, tal uniformização suscitou uma série de ponderações e preocupações acerca de elementos como a função interpretativa do magistrado e a diversidade cultura do país, que, prima facie, resultaria na impossibilidade de se imaginar uma interpretação sobre determinada norma, quando se tem tantas diferenças regionais.

Na mesma linha, tem-se ainda uma preocupação com uma possível obediência cega e irrestrita às vontades emanadas pelo Supremo Tribunal e a um engessamento da atividade do julgador.

No entanto, conforme brilhantemente pondera José Afonso da Silva (2003, p. 229), não possuímos uma diversidade de culturas, mas, sim, uma única, a qual detém vários elementos especificadores e diferenciadores. Argumenta, ainda, que não há que se cogitar tal obediência cega às decisões do Supremo, pois, senão, estar-se-ia substituindo "a fixidez das normas escritas pela fixidez da jurisprudência".

Cristalina a preocupação do legislador brasileiro com a uniformização jurisprudencial, criando mecanismos para compatibilizar as decisões dos Tribunais, sempre visando a proteger a unidade da Federação, reformando decisões contrárias ao consolidado entendimento do assunto. Contudo, tais mecanismos não possuíam o condão de obrigarem os Tribunais inferiores a obedecerem aos ditames traçados pelos Tribunais Superiores, condão previsto apenas no controle abstrato de constitucionalidade.

Não obstante a incessante preocupação, o sistema brasileiro, como visto, não previa qualquer forma de vinculação cogente, exceto os processos objetivos de controle constitucional, até a promulgação da EC n° 45, que inseriu a figura da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, dando início a uma maior aproximação com o sistema de vinculação da common law, mais especificamente da doutrina norte-americana do Stare decisis, a seguir abordada.

2.2.1 A Doutrina Norte-Americana do Stare decisis

O sistema norte-americano do Stare decisis não se encontra disciplinado pela Constituição Americana, tampouco em lei federal, sendo proveniente da própria commom law. Sua origem remonta ao século XVIII, ainda na Inglaterra, quando William Blackstone sustentava a importância de se estruturar um sistema vinculativo de precedentes judiciais, buscando maior estabilidade nas decisões e incrementando a credibilidade dos magistrados.

Com a independência dos Estados Unidos, o modelo de precedentes também começou a ser aplicado pelos ianques, com quem mais se desenvolveu. Contudo, apenas em 1914, com a decisão no caso Hepburn v. Griswold, a doutrina foi judicialmente estabelecida. Todavia, atualmente a Suprema Corte Norte-Americana vem sendo alvo de inúmeras críticas por estar constantemente mudando seus precedentes e trazendo certa instabilidade ao país. Tal inconstância iniciou-se ainda na Corte de Rehnquist, quando se buscou flexibilizar o precedente judicial.

Trata-se, portanto, de uma vinculação do atual magistrado a um precedente anterior, cuja similitude fática impõe a utilização da decisão previamente proferida. Assim, não se exige a identidade dos casos comparados, mas a presença do mesmo princípio lógico utilizado para solução do precedente.

Dita imposição faz-se presente tanto no sentido horizontal quanto no vertical [12]; porém, na primeira situação o magistrado está vinculado à decisão pretérita desde que não opte por sua revogação (overruling), isso, claro, partindo da premissa de que exista um precedente. Na segunda, a vinculação é total e irrestrita, não podendo sequer cogitar a utilização do overruling.

Nesse sentido, interessante elucidar o que viria a ser um precedente. Para Michael Gerhardt in Eduardo Appio (2008, p. 64), existem cinco características principais inerentes a um verdadeiro precedente, apto a vincular futuras decisões. A primeira seria a sua permanência, ou seja, a possibilidade de a decisão se perpetuar ao longo dos anos, solucionando vários casos. A segunda seria a sua sequencialidade, ou seja, a ordem dos julgamentos gera resultados diferentes; dessa forma, caso se invertesse uma decisão e seu respectivo precedente, o resultado poderia ser diverso do ocorrido. A terceira baseia-se na sua consistência, ou seja, a nova decisão deve se adequar, do ponto de vista lógico, com a jurisprudência de determinado órgão julgador. A quarta consiste na sua compulsão, o que leva o justice, mesmo sendo pessoalmente contrário ao precedente, a aplicá-lo, por ser a melhor solução para o caso. Por fim, a quinta característica seria a sua previsibilidade, a qual demonstra ao julgador que as várias decisões anteriores geraram certa confiança na população, bem como uma expectativa de que seriam seguidas no futuro, razão pela qual o precedente deve ser mantido.

Na atual sistematização americana do Stare decisis existem quatro instrumentos utilizados pelos magistrados, que são de imprescindível importância para a completa compreensão do sistema de vinculação, quais sejam: Ratio Decidendi (holding), Obiter Dictum, Distinguishing e o Overruling.

O primeiro consiste na motivação da decisão judicial, possibilitando ao julgador que se utilize de precedentes como sua ratio decidendi, afinal, no Direito americano o precedente é considerado uma fonte material e formal de Direito, mesmo quando se "cria" [13] um novo direito; a razão estruturada para o caso será futuramente utilizada em outras decisões.

O segundo baseia-se em um fundamento de fato e direito, o que não vincula o julgador, pois são meros argumentos acessórios à solução do caso.

O terceiro constitui a busca pelo magistrado de similitude entre o atual caso e o precedente que se pretende aplicar ou afastar.

O último consiste na permissão concedida ao julgador, entendendo estar equivocado o precedente anterior, de revogá-lo e aplicar ao caso a solução que entenda mais correta, lembrando que tal possibilidade não existe quando se fala de vinculação vertical.

Diante do quadro exposto, pode-se entabular que o magistrado americano, diante de um caso concreto, poderá tomar quatro atitudes: a primeira seria a utilização do precedente como sua ratio decidendi, para solucionar a questão; a segunda consistiria na demonstração de que não existe similitude fática entre o caso concreto e o suposto precedente (distinguishing); a terceira seria comprovar que o fundamento anterior, supostamente vinculativo, não lhe aplica, pois consiste em mero obter dicta; e, por fim, a quarta seria a revogação (overruling) do precedente, estruturando uma nova decisão sobre o caso.

Portanto, a vinculação das decisões judiciais nos Estados Unidos é um instituto extremamente arraigado na sua tradição jurídica e de extrema importância para o sistema de controle difuso de constitucionalidade.

2.2.2 Os Métodos de Compatibilização Vertical Utilizados no Brasil

Pode-se identificar a introdução da compatibilização das decisões judiciais em diversos instrumentos inseridos em nosso procedimento civil, os quais, à primeira vista, podem passar despercebidos, mas que refletem claramente a intenção do legislador em criar uma ideologia de vinculação de precedentes, tanto vertical quanto horizontalmente.

Primeiramente, como exemplo mais claro dessa referida teoria, tem-se a súmula vinculante. Inserida em nosso ordenamento jurídico pela EC n° 45, consiste em um instrumento concedido ao STF para atribuir efeito vinculativo às decisões em sede de controle difuso, que, naturalmente, não dotam de tal imperatividade.

Prescreve o art. 103-A da Constituição Federal:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Infere-se, pois, que o principal objetivo da súmula vinculante é atribuir a uma série de decisões idênticas caráter cogente, ou seja, concedendo força suficiente para que todas as demais instâncias do judiciário e dos outros Poderes do Estado sejam compelidas a cumprir tal determinação judicial, que, a partir da publicação do enunciado sumulado, detém eficácia erga omnes.

Todavia, existem diversos outros mecanismos de compatibilização que não se destacam como a súmula do art. 103-A da CF. É o caso, por exemplo, da possibilidade prevista no artigo 557 [14] do CPC, que permite ao relator negar seguimento a recurso manifestamente conflitante com súmula ou posicionamento dominante do próprio Tribunal, de Tribunal Superior ou do STF, podendo, até mesmo, dar provimento monocraticamente ao recurso caso a decisão vergastada igualmente contrariar jurisprudência dominante, nos termos já esboçados.

Na mesma linha é caso da permissão dada ao juiz monocrático, pelo § 1º do artigo 518 [15] do CPC, de não receber o recurso de apelação quando a decisão estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do STF.

Pode-se, ainda, citar o art. 543-A, §5º [16], o qual atribui presunção absoluta de presença de repercussão geral ao RE que atacar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF. Tem-se, pois, um claro prestígio à força normativa da Constituição, com o fito de perseguir a unidade do Direito por meio da compatibilização vertical das decisões judiciais.

Evidente a introdução do mecanismo da compatibilização das decisões judiciais no ordenamento brasileiro, o que às vezes se dá de maneira explícita, como no caso da edição de súmula vinculante, ou de forma mais discreta, como nos instrumentos inseridos no CPC, que possibilitam uma maior padronização do judiciário e suas decisões.

2.3 A REPERCUSSÃO GERAL E SEUS REFLEXOS CONSTITUCIONAIS

A repercussão geral é um filtro constitucional introduzido no ordenamento jurídico pela EC nº 45 e posteriormente regulamentado pela Lei nº 11.418/06.

Com seu advento, restringia-se o acesso ao STF, o qual não mais estaria à disposição de litígios pertinentes apenas às partes envolvidas, exigindo-se mais. Exige-se, sim, uma transcendência e relevância da matéria discutida, elementos cuja competência para apreciação é exclusiva do pretório excelso e sob quorum qualificado.

É o que prescreve o art. 543-A do CPC, introduzido pela Lei nº 11.418/06:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Dessa feita, o legislador finalmente conceituava o instituto essencialmente subjetivo e aberto que consignou no § 3º do art. 102 da CF [17], bem como confirmava ser a repercussão geral um requisito específico e intrínseco [18] de admissibilidade do recurso extraordinário, ao taxativamente condicionar seu conhecimento à existência de elementos relevantes do ponto de vista social, jurídico, econômico ou político e que transcendessem a esfera do particular.

Consagrou-se, assim, o binômio ‘relevância e transcendência’ como elementos indispensáveis para a configuração da repercussão geral; em outras palavras, deve a demanda posta contribuir para a persecução da unidade do Direito no Estado Constitucional, compatibilizando ou solucionando os problemas de índole constitucional.

Não obstante o caráter indeterminado da conceituação do binômio entabulado, tal subjetividade não pode ser entendida como um livre arbítrio ao julgador para que considere a existência ou não da repercussão geral apenas sob o seu ponto de vista pessoal, mas sim que introduza na interpretação do binômio uma valoração objetiva, permitindo um controle social por intermédio de casos previamente analisados, que servirão de parâmetro às futuras concessões. Resta, pois, ao STF construir paulatinamente, mediante o julgamento de casos concretos, as limitações do que conteria ou não repercussão geral.

Sobre o binômio, Marinoni e Mitidiero (2008, p. 36 e 37) ponderam, com autoridade, sobre a análise dos elementos caracterizadores do interesse exigido e sobre a forma de se examinar a transcendência, para a atribuição da repercussão geral:

Evidentemente, não é por acaso que o recurso extraordinário, endereçado ao guardião da Constituição (art. 102, caput, da CF), tem o seu conhecimento subordinado à alegação de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, uma vez que a própria Constituição arrola matérias por ela mesma tratada sob Títulos que trazem, exclusivamente ou não, explicitamente ou não, epígrafes coincidentes com aqueles conceitos que autorizam o conhecimento do recurso extraordinário.

(...)

A transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para a individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo ou difuso).

Patente a intenção do legislador de retirar o caráter eminentemente individual do recurso extraordinário, atribuindo-lhe status mais genérico, aproximando-o das ações diretas constitucionais. Com a repercussão geral, o controle difuso exercido por intermédio do recurso extraordinário deu um grande passo no sentido de se aproximar do sistema concentrado de constitucionalidade, referendando a atual tendência – destacada por inúmeros doutrinadores e abordada no item abaixo – de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade.

Além da obrigatoriedade de o recurso tratar de matéria transcendente e relevante – logo, em certo ponto, abstrata – outras medidas inerentes ao instituto auxiliam nessa aproximação.

É o caso da permissão prevista no § 5º, também do art. 453-A, em que se admite a intervenção do amicus curiae para aferição da relevância e transcendência. O amicus curiae, cuja tradução literal é ‘amigo da corte’, é uma figura típica do controle concentrado, sendo, inclusive, previsto no art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/99. Consiste na permissão para que terceiros (aqui sem adentrar na discussão se seria ou não modalidade de intervenção de terceiros) ingressem de forma objetiva na ação, buscando maior discussão e ponderação sobre a tese jurídica posta em juízo. Como se depreende da própria tradução literal do instituto – amigo da Corte –, trata-se de um auxilio dado à Corte Constitucional.

Nas palavras do Ministro Celso de Mello,

A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representam os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. {...}

Sobre essa intervenção na apreciação da repercussão geral, pertinente a observação realizada por André Albuquerque Cavalcanti Abbud (2005, p. Repro n° 129), quando ainda abordava o anteprojeto da Lei nº 11.418/06:

A admissão do amicus curiae tem o propósito de ampliar os mecanismos de participação da sociedade no processo, contribuindo assim para acentuar o caráter democrático e pluralista deste e, nessa medida, conferir maior legitimidade à decisão judicial. A previsão do anteprojeto foi, assim, bastante feliz. Tendo em vista a enorme força por ele atribuída aos precedentes do STF no juízo sobre a repercussão geral, os quais terão larga influência sobre o julgamento de outros recursos, nada melhor que abrir à sociedade, na figura do amicus, a possibilidade de participar ativamente da formação do convencimento e tomada de decisão da corte.

Outro mecanismo que aproximou os controles de constitucionalidade foi a expansão concedida à decisão que reconhece a inexistência ou não da repercussão geral, a qual avança aos limites do caso concreto discutido em juízo e serve de precedente vinculante às outras demandas que versem sobre mesma controvérsia. Tem-se configurada uma espécie de eficácia erga omnes para os casos idênticos, elemento comum ao controle concentrado.

Todavia, o que mais aproximou os dois tipos de controle foi o procedimento da análise da repercussão geral em recursos repetitivos. Em tais situações, deve o Tribunal a quo sobrestar os inúmeros recursos que versem sobre mesma controvérsia, escolhendo, dentre eles, um ou alguns que melhor representam a controversa jurídica posta. Tem-se aí a figura do recurso paradigma. O RE escolhido deverá ser remetido ao STF, a quem compete exclusivamente a análise da repercussão geral.

Conhecido o recurso, passa-se à ponderação de mérito, e, em sendo este provido, deverá o juízo a quo ser comunicado para que se retrate da decisão ora vergastada, sob pena de reclamação constitucional. Contudo, no caso de não provimento do recurso, os sobrestados nos Tribunais, Turmas de Uniformizadoras ou Turmas Recursais deverão ser tidos como prejudicados, já que afrontam a decisão tomada pelo STF.

Caso não conhecido o recurso, todos os demais barrados no juízo a quo serão automaticamente tidos como não-admitidos, conforme reza art. 543-B, in verbis:

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

Tem-se, pois, uma verdadeira vinculação à decisão que não reconhece a existência da repercussão geral, operando verdadeira eficácia erga omnes, típica do controle concentrado de constitucionalidade.

Nítidos são os reflexos da repercussão geral no controle de constitucionalidade. Ao se alterar a essência do recurso extraordinário, retirando seu caráter concreto e atribuindo-lhe certa abstração, reflexamente modificou-se o controle difuso, aproximando-o do controle concentrado, inclusive com a importação, pelo primeiro, de institutos típicos do segundo, conforme se aborda no item seguinte.

2.4 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E SUA ATUAL TENDÊNCIA DE ABSTRATIVIZAÇÃO

Com a implementação das medidas processuais já tratadas, o Direito brasileiro vem se aproximando do sistema norte-americano do Stare decisis, buscando estabelecer uma relação de hierarquia entre as Cortes Superiores para com os Tribunais e os juízes monocráticos.

Diante dessa nova conjuntura estruturada, muitos são os estudiosos que já afirmam estar em andamento, no Brasil, o fenômeno da abstrativização do controle difuso ou objetivização do recurso extraordinário, o que na prática significa uma aproximação dos dois sistemas de controle constitucional, que, como visto, surgiram como elementos diametralmente opostos.

Como expoente dessa recente teoria, há de se destacar o processualista Fredie Didier Jr., o qual já propagava tal acontecimento, ainda no ano de 2005, quando do surgimento do instituto da repercussão geral e da súmula vinculante, os mais significativos elementos dessa modificação doutrinária.

Atualmente, a questão gera muita polêmica: doutrina e magistrados se dividem, ressaltando os benefícios e os prejuízos de se permitir tal transformação sofrida pelo controle difuso de constitucionalidade.

Necessária a constatação de que a implementação das medidas de cunho uniformizadoras, abordadas no item 2.2.2, bem como do instituto da Repercussão Geral, abordado no item 2.3, possibilitou ao STF vislumbrar o recurso extraordinário não mais como instrumento de reexame judicial do caso concreto, mas, sim, como um instrumento de controle constitucional de caráter genérico.

Objetivamente, para se compreender tal modificação, necessário se faz romper com certa tendência de se considerar o sistema difuso como sinônimo do sistema concreto e o sistema concentrado como sinônimo de sistema abstrato.

Tal emparelhamento, mesmo sendo extremamente atrativo, deve ser realizado com muita cautela. Certo que, em regra, o controle concreto dar-se-á de forma difusa, contudo, enquanto o primeiro refere-se à matéria a ser abordada (caso concreto), o segundo pauta-se pela forma em que se processa o referido controle (via de defesa, incidenter tantum). De outro lado, é comum que o controle abstrato se realize por meio do sistema concentrado; todavia, como asseverado acima, o sistema concentrado, tal qual o difuso, refere-se ao modo de se processar o controle (ação direta, principaliter tantum), enquanto que o controle abstrato relaciona-se com a matéria abordada (análise em tese).

Fredie Didier (2006, p. 121-122) alerta não existir qualquer impedimento à utilização de um controle constitucional, ao mesmo tempo difuso e abstrato, no qual a defesa constitucional seria exercida por qualquer órgão jurisdicionado, mas feita em tese, sem a análise de uma situação concreta. Cita, ainda, o processualista o exemplo da arguição de inconstitucionalidade nos Tribunais, in verbis:

É o que acontece quando se instaura o incidente de arguição de inconstitucionalidade perante os tribunais (art. 97 da CF/88 e arts. 480-482 do CPC): embora instrumento processual típico do controle difuso, a análise da constitucionalidade da lei, neste incidente, é feita em abstrato. Trata-se de incidente processual de natureza objetiva (é exemplo de processo objetivo, semelhante ao processo da ADIN ou ADC). É por isso que, também à semelhança do que já ocorre na ADIN e ADC, é possível a intervenção de amicus curiae neste incidente (§§ do art. 482). É em razão disso, ainda, que fica dispensada a instauração de um novo incidente para decidir questão que já fora resolvida anteriormente pelo mesmo tribunal ou pelo STF (art. 481, par. ún., CPC).

Nessa linha de raciocínio o STF vem mitigando a essência concreta e difusa do recurso extraordinário, enxergando-o como forma de se possibilitar a defesa constitucional. Exteriorização desse entendimento é sem dúvida a argumentação do Min. Gilmar Mendes, quando do julgamento do Processo Administrativo nº 318.715/STF, in verbis:

A função do Supremo nos recursos extraordinários ─ ao menos de modo imediato ─ não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apensa como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos.

No mesmo perfilhamento, o RE nº 376.852/SC, também da relatoria do Min. Gilmar Mendes:

Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassubgsbeschwerde) (...) Essa orientação há muito mostra-se dominante também no direito norte americano. (STF, Pleno, RE 376852, rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 24.10.2003, p. 65)

Ademais, inúmeros são os exemplos no direito brasileiro que expõem tal tendência, como a sistematização do recurso extraordinário, prevista no art. 14 e 15 da lei dos Juizados Especiais Federais [19], a qual, juntamente com o Regimento Interno do STF, possibilita a intervenção de interessados em se discutir a tese (figura análoga à do amicus curiae),a vinculação de todas as Turmas Recursais à decisão proferida pelo STF e a concessão de cautelar sobrestando todas as ações de idêntica controvérsia até o julgamento final pelo STF, cuja decisão aplica-se nos casos semelhantes (similar à permissão do art. 2 da Lei nº 10.868/99).

Na mesma linha, tem-se a criação da súmula vinculante pela EC nº 45, a qual, como se viu, atribui eficácia erga omnes a reiteradas decisões no controle difuso, bem como o art. 475, § 3º [20] do CPC, que desobriga o reexame necessário quando a sentença consubstancia-se em julgados do pleno do STF.

O voto da Min. Ellen Gracie, no AI n° 375011, que dispensou o atendimento ao pré-questionamento sob o argumento de ser a matéria em questão relevante para apreciação constitucional, igualmente compactua desse entendimento. No mesmo sentido, o Min. Sepúlveda Pertence, no RE n° 298694/SP, entendeu possível o julgamento de matéria não enfrentada pelo Tribunal a quo, atribuindo uma noção aberta ao objeto do recurso, assim como ocorre nas ações diretas.

Cita-se, ainda, a admissão pelo STF – dada "a relevância da matéria, e, apontando a objetivação do processo constitucional também em sede de controle incidental" [21] – da intervenção da figura do amicus curiae. Por fim, a modulação temporal levada a cabo pelo Min. Gilmar Mendes no julgamento do Habeas Corpus, cujo objeto era a progressão de regime nos crimes hediondos.

Portanto, vários são os indícios de que, gradativamente, o recurso extraordinário vem se abstraindo de sua essência estritamente particular e se tornando, como alguns Ministros intitulam, um "remédio de controle abstrato de constitucionalidade" (Min. Ellen Gracie).

Não obstante a visível modificação da sistemática do controle difuso, tal tese está longe de ser unanimidade, ao passo que dentro da própria Corte Constitucional existe uma clara divisão entre os Ministros Gilmar Mendes e Eros grau, a favor, e Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence (aposentado), contrários à tal teoria. (Lenza, 2009, p. 185).

Para os Ministros Mendes e Grau, o art. 52, X da Constituição Federal, antes responsável pela atribuição de eficácia erga omnes às decisões do controle difuso, sofreu uma verdadeira mutação constitucional, não mais devendo ser interpretado como sendo o Senado Federal o ator responsável pela suspensão da legislação tida como inconstitucional, mas, sim, o agente responsável por dar publicidade à decisão proferida pelo STF.

Afinal, após proferida a decisão, já se configura a inconstitucionalidade e a aplicação da lei já se torna inviável, não sendo necessário o Senado federal conferir caráter cogente à decisão, pois a mesma já é eivada de tal imperatividade por meio do princípio da supremacia constitucional.

Discordando desse pensamento, o Ministro Joaquim Barbosa entende ser mais confiável utilizar-se da súmula vinculante para atribuir tal eficácia à decisão proferida em sede de controle difuso ou valer-se do Senado Federal, atitudes com as quais se impediria um avanço sob domínios do legislativo, evitando uma hipertrofia do Judiciário, principalmente do STF.

Inegável a constatação de que a teoria da abstrativização do controle difuso já se encontra infiltrada em nosso ordenamento jurídico; contudo, independentemente de sua utilização é necessário ponderar sobre as reais consequências por ela geradas, sopesando as vantagens e as desvantagens para, apenas, então, com impassibilidade e propriedade, se permitir tal aproximação entre os controles constitucionais, que há séculos são tidos como ‘água e vinho’.

Compartilha dessa preocupação e precaução o jurista Pedro Lenza (2009, p. 188), cujas palavras são imprescindíveis no momento:

Por todo o exposto, muito embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5º, LXXVIII – Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da constituição (Konrad Hesse), parecem faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.

Pontuais as palavras do ilustre doutrinador que corretamente enxerga a necessidade de melhor regulamentação de tal aproximação entre os controles constitucionais, que, apesar de, em tese, ser extremamente benéfica à falida instituição do processo, pode se mostrar extremamente prejudicial ao Estado e seus Poderes, em caso de precipitada aplicação da abstrativização, sem a devida regulamentação.

2.5 A NECESSIDADE DE SE MODULAR AS DECISÕES NO CONTROLE DIFUSO

O Controle Difuso de constitucionalidade no Brasil vem, ao longo dos anos, sofrendo intensa modificação em sua concepção, deixando para trás a teoria estadunidense, baseada no julgamento de Marshall, e se aproximando da ideologia Kelsiana, típica do controle concentrado.

Dois grandes acontecimentos foram os responsáveis por tal aproximação entre os sistemas controle de constitucionalidade e pela mudança na maneira de se ver, pensar e aplicar o controle difuso.

O primeiro consiste, como visto no item 2.2, na incessante busca por uma uniformização dos Tribunais, por meio da importação de elementos inerentes à doutrina norte-americana da vinculação dos precedentes, chamada de Stare decisis. Elementos estes que prezam por uma orientação jurisprudencial, chegando, em certos casos, a impor uma vinculação compulsória, enquanto que em outros consiste em mera orientação sem qualquer obrigatoriedade.

Estrutura-se, então, a chamada teoria da compatibilização vertical das decisões judiciais, a qual reporta aos Tribunais tidos inferiores o dever ou recomendação de se observar as decisões proferidas pelo STF, em sede de recurso extraordinário, ou, em outras palavras, em sede de controle difuso.

Como visto, o principal representante dessa teoria é, sem sombra de dúvidas, a súmula vinculante, cuja observância é compulsória e inescusável a todas as esferas dos Poderes da República, devendo o STF ser interpelado diante de seu desrespeito.

O segundo grande acontecimento se deu com a atual tendência de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade ou da objetivização do recurso extraordinário, que consiste na superação do ideal individualista do RE e da necessidade de enxergá-lo como mero instrumento para se alçar matérias constitucionais ao pálio dos ministros do STF.

Principal expoente dessa tendência é, sem dúvida, o instituto da repercussão geral, que, como abordado, pauta-se pela exigência do binômio ‘relevância e interesse’, como requisito de admissibilidade recursal.

A repercussão geral rompeu de uma vez por todas com a singularidade do objeto tratado no recurso extraordinário: atualmente, para ser conhecido, o RE precisa versar sobre tema relevante ou aspecto político, social, econômico ou jurídico, e, principalmente, precisa transcender a esfera de interesse das partes litigantes, devendo abarcar situações cujas soluções interessam a outros litígios em trâmite ou possíveis de judicialização.

Com a repercussão, o objeto do RE deixa de ser fechado e abre-se para a interpretação dos ministros do STF, os quais não mais se veem restritos aos argumentos versados na peça recursal, gozando da mesma liberdade já usufruída nas ações diretas, típicas do controle concentrado.

Ademais, além da exigência de transcendência da matéria tratada no recurso interposto – que, na prática, implica imaginar uma decisão que extrapola os limites do processo e atinja a todos, ou, no mínimo, um considerável grupo de pessoas com interesses coincidentes –, a inovação legislativa prevê ainda uma espécie de vinculação das decisões que não reconheçam a existência da repercussão geral. Não se olvidando ainda das hipóteses de recursos pautados em idêntica controvérsia, situações nas quais a eficácia vinculativa, tanto da apreciação da repercussão quanto do mérito da demanda posta em juízo, se afloram.

Nesse sentido, Marinoni e Mitidiero (2008, p. 73) entendem dotar as decisões proferidas no controle difuso de efeito erga omnes, cabendo à súmula vinculante atribuir eficácia cogente apenas às decisões nas quais a ratio decindendi não esteja claramente definida. É o que se denota do trecho a seguir:

Foi exatamente para essas situações que o constituinte derivado resolveu inserir, no art. 103-A da Constituição da República, a possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante. Assim, aonde a ratio decidendi for cristalina, a súmula vinculante é absolutamente desnecessária. Nos casos em que a ratio decidendi do julgado for muito complexa ou obscura, edita-se a súmula.

Evidente, portanto, a transcendência sofrida pelo controle difuso de constitucionalidade brasileiro, o qual, por intermédio das alterações abordadas, abandonou sua característica essencial de pautar-se por casos concretos, começando a utilizar-se destes apenas como parâmetro de análise, contudo, sem qualquer cerceamento da análise de elementos extrínsecos aos tratados no caso.

Inquestionável o entendimento do STF de se modular as decisões judiciais também no controle difuso, como fez recentemente no julgamento do HC 82.959 e do RE 197.917-8/SP, diante da reverberação que, atualmente, as decisões proferidas nesse tipo de controle provocam na sociedade; afinal, está-se diante de uma causa de relevante interesse social, ou político, ou econômico, ou jurídico, cuja tese discutida transcende o indivíduo e atinge determinada coletividade.

Assim também entendeu a Suprema Corte Norte-Americana, que no case Linkletter v. Walker propôs e modulou os efeitos da decisão, aplicando-a tão-somente aos casos ainda pendentes de julgamento, vislumbrando, assim, ainda na década de 60, a necessidade de se modular suas decisões de controle constitucional, que nos Estados Unidos se dá exclusivamente pela via difusa.

Todavia, o reconhecimento da necessidade de se aplicar ao controle difuso o instituto da modulação temporal dos efeitos das decisões não implica que o art. 27 da Lei nº 9.868/99 deva ser, de pronto, utilizado para a regulamentação do instituto no sistema difuso de constitucionalidade. Tal conclusão merece ponderação mais alongada sobre as inúmeras nuanças que permeiam sua aplicação, apontamentos que serão deixados para o próximo capítulo.


CAPÍTULO III - A LEI 9.868/99 E O CONTROLE DIFUSO

O controle concentrado de constitucionalidade foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da EC n° 16 no ano de 1965, que reformou a Constituição de 1946, trazendo a figura da Ação Direta de Inconstitucionalidade, cuja apreciação competia exclusivamente ao Supremo Tribunal.

Como visto ainda no primeiro capítulo deste trabalho, de 1965 até a presente Magna Carta, o sistema concentrado de constitucionalidade se manteve em nossa legislação, estando atualmente previsto no art. 103 [22] da Carta de 1988, no qual foram traçadas suas diretrizes gerais, cuja regulamentação viria apenas em 1999, com a edição da Lei n° 9.868 e da Lei n° 9.882, do mesmo ano.

Todavia, antes da edição das referidas leis, no ano de 1993 mais uma vez o legislador brasileiro inovou ao aprovar a EC n° 3, criando a Ação Declaratória de Constitucionalidade, cujo objetivo seria sanar possíveis dúvidas quanto à constitucionalidade de determinada legislação, conferindo, assim, maior estabilidade ao ordenamento pátrio e privilegiando a segurança jurídica.

Dessa feita, no ano de 1999 o Congresso Nacional aprovou a lei que regulamentou a ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, especificando desde os legitimados a propor tal demanda, passando pelos elementos essenciais à petição inicial, abordando a intervenção de terceiros e a figura do amicus curiae, bem como suas liminares, e ponderando, por fim, sobre as decisões definitivas, sendo este justamente o ponto relevante para a presente pesquisa e onde se encontra prevista a modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais.

O mesmo ocorreu com a edição da Lei n° 9.882/99, que regulamentou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e trouxe no bojo do art. 11 a permissão para a mitigação dos efeitos do reconhecimento do descumprimento do preceito fundamental.

Destarte, atualmente o controle concreto de constitucionalidade brasileiro é composto por três ações, quais sejam: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, regulamentadas, primeiramente, pela Constituição Federal, que traz parâmetros gerais, os quais devem ser observados pelas legislações infraconstitucionais, posteriormente pelas Leis 9.868 e 9.882 e, por fim, pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o qual possui força de lei.

3.2 O ART. 27 DA LEI 9.868/99 E SUAS EXIGÊNCIAS PARA SE MODULAR OS EFEITOS

A Lei 9.868 de 10 de novembro de 1999, como visto, foi responsável pela regulamentação da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade.

A nova legislação não trouxe grandes inovações ao procedimento das ações do controle concentrado de constitucionalidade, limitando-se, em sua generalidade, a reafirmar as práticas consolidadas pela jurisprudência e pelo Regimento Interno do pretório Excelso.

Todavia, a Lei, em seu art. 27, trouxe uma significativa inovação ao controle constitucional brasileiro. O referido excerto normativo permite aos ministros do Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços, modularem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, quando vislumbrarem a existência de relevante interesse social e visando proteger a segurança jurídica. Vejamos:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Da inteligência do artigo supracitado pode-se retirar quatro importantes informações, quais sejam: o quorum especial imposto pelo legislador para autorizar a modulação temporal, necessitando não de maioria absoluta, como se exige para declaração de inconstitucionalidade, mas, sim, de dois terços dos ministros; a permissão de utilização do instituto apenas nas decisões que declaram inconstitucionalidade de lei, não prevendo a possibilidade de se manipular os efeitos nas ações declaratórias de constitucionalidade; a necessidade de se pautar na segurança jurídica ou no excepcional interesse social para justificar a mitigação dos efeitos decisórios; a liberdade concedida aos ministros do Supremo para fixarem como termo a quo do julgado a data do surgimento da lei (ex tunc), ou uma data entre a edição da lei e o julgamento, ou a data do julgado (ex nunc), ou data futura (pure prospectivity).

Primeiramente, seria natural o raciocínio de que fosse exigido, para a modulação dos efeitos decisórios, um quorum qualificado de votação, vez que se trata de exceção à regra da nulidade total da lei inconstitucional fundamentada sob o dogma da supremacia constitucional e consolidada pelo próprio Supremo Tribunal. Todavia, tal exigência numérica ainda encontra vários opositores que entendem ser a restrição inconstitucional, discussão que será abordada mais adiante.

Poder-se-ia, ainda nesse sentido, questionar o porquê dos dois terços e não apenas a maioria absoluta exigida na declaração de inconstitucionalidade; contudo, desnecessária tal discussão, já que a limitação numérica não se traduz em um raciocínio lógico científico, mas, sim, em um subjetivismo exercido pelos representantes do poder legislativo.

Quanto à modulação dos efeitos da decisão declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, pertinente ressaltar a ausência de sua previsão. Como visto, o artigo 27 é extremamente claro ao dispor que "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo" poderá o Supremo mitigar os efeitos da decisão proferida, excluindo, nitidamente, qualquer possibilidade de se modular a declaração de constitucionalidade.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2008, quando do julgamento da COFINS (RE 377457 e RE 381964), não encontrou óbice em cogitar a possibilidade de se modular a decisão que confirmou a constitucionalidade da lei questionada, mesmo diante da ausência de permissão legal.

In casu, questionou-se a constitucionalidade da lei ordinária, que ao modificar lei complementar obrigou os profissionais liberais a contribuírem com a COFINS. Contudo, o Supremo entendeu não existir hierarquia entre leis ordinárias e complementares, não existindo, portanto, razão para eximir os profissionais liberais de tal cobrança. Assim, o pretório Excelso não reconheceu a inconstitucionalidade ventilada; logo, por via reflexa, reconheceu a constitucionalidade da lei questionada.

Diante da situação, os ministros, por sugestão do Eminente Ministro Marco Aurélio, passaram a ponderar sobre a necessidade ou não de se modular os efeitos decisórios sob o pálio da proteção à segurança jurídica, contudo, não se alcançou o quorum exigido pela Lei 9.868/99, acarretando na não-manipulação dos efeitos decisórios.

Não obstante a discussão de se utilizar ou não o regramento da Lei 9.868/99 no controle difuso de constitucionalidade, discussão a seguir ponderada, afigura-se mais relevante a implícita concordância dos ministros da Suprema Corte em se utilizar o instituto também na declaração de constitucionalidade, mesmo sem qualquer previsão legal, pelo contrário, com a existência de proibição tácita do legislador, que preferiu grafar o termo "declarar a inconstitucionalidade" ao se omitir o que abarcaria ambos os casos.

Razão assiste ao legislador que, tacitamente, proibiu a modulação da declaração de constitucional; afinal, como visto, a referida ação declaratória fora idealizada para dirimir possíveis dúvidas quanto à constitucionalidade ou não da lei publicada, valorizando o instituto da segurança jurídica. Portanto, não há proteção à segurança jurídica – cerne da ação em tela –, se, ao seu termo, o legitimado terá uma decisão que declare ser a lei constitucional, porém, só a partir de certa data futura. Estaria o Supremo Tribunal Federal afrontando o princípio constitucional da divisão dos poderes, bem como acirrando a insegurança jurídica, ao invés de privilegiá-la.

Transpostas as duas exigências formais contidas no art. 27 da Lei 9.868/99– quorum qualificado e espécie da declaração – imperativo passar-se ao requisito material, qual seja, a presença de excepcional interesse social e possível afronta à segurança jurídica, os quais serão abordados em tópicos apartados.

3.2.1 O excepcional interesse social

O verbete "excepcional interesse social" trazido no bojo do art. 27 da Lei 9.868/99 não encontra qualquer correspondência nos regramentos do controle de constitucionalidade, sendo sua inserção uma completa inovação por parte do legislador.

Todavia, a Constituição federal utiliza-se da expressão em seu art. 184, quando aborda a questão da desapropriação para fins de reforma agrária. De modo que dessa utilização estruturou-se um certo respaldo doutrinário e jurisprudencial sobre a expressão, contudo, limitando-se à seara dos litígios expropriatórios.

Para os estudiosos da área, imprescindível assimilar que no interesse social não está contido o interesse do povo, tampouco o do Estado e, sim, o interesse de uma determina classe social, em regra, menos favorecida, que reclama a desapropriação da propriedade individual em favor da coletividade.

Busca-se fixar, conforme Hely Lopes Meirelles (2000, p. 555), o entendimento de que o interesse social não se relaciona com o interesse da Administração ou do Estado e que os bens desapropriados não se destinam à Administração, mas, sim, aos administrados, à coletividade ou a certos indivíduos definidos por lei.

Não obstante tais ponderações realizadas sob a esfera do direito civil e administrativo, no âmbito do controle constitucional quase não se abordou a nova locução. Entretanto, de plano já se percebe uma certa semelhança com o excerto normativo contido no art. 282 da Constituição portuguesa, anteriormente transcrito na integra do qual, agora, colaciona-se apenas o item 4. Vejamos:

Art 282 (...)

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2.

Observa-se que o Direito português optou pela expressão "interesse público de excepcional relevo"; já o pátrio optou pelo interesse social em detrimento do público, o que de pronto revela uma tentativa do legislador em tutelar a sociedade, exigindo ao Supremo Tribunal que prestigie o interesse social, considerado como o somatório dos interesses individuais em detrimento do interesse do próprio Estado.

Contudo, os juristas lusitanos e brasileiros não são uníssonos quanto à adequação da terminologia utilizada, tampouco quanto à viabilidade de sua utilização. Para os portugueses, mais precisamente para Rui Medeiros (1999, p. 707) a locução "interesse público de excepcional relevo" é resultado da incapacidade do legislador em encontrar outra mais adequada diante da constatação de que a segurança jurídica e a equidade não seriam suficientes a abarcar todas as possibilidades que exigiriam uma mitigação dos efeitos das decisões. Pondera, ainda, que a expressão deve ser analisada de forma restritiva, buscando evitar a prevalência de valores políticos ou considerações de ordem política.

Da mesma linha de raciocínio compartilha Miranda, para quem o item 4 da Constituição portuguesa prevê dois tipos de exigências para a modulação dos efeitos, sendo uma estritamente jurídica – na qual se inclui a segurança jurídica (objetiva) e equidade (subjetiva) – e uma estritamente não-jurídica – o interesse público de excepcional relevo –, elemento que impõe uma completa fundamentação quando de sua utilização.

No entanto, há de se observar que a exigência não-jurídica para a flexibilização dos efeitos encontra-se prevista na Magna Carta portuguesa, sendo, portanto, norma de status constitucional, o que não ocorre com a expressão do Direito brasileiro, que possui status de norma meramente legal, acarretando-lhe severas ponderações, diferentemente do que ocorre com a proteção à segurança jurídica que possui status de princípio constitucional.

A ausência de respaldo constitucional para o "interesse social" previsto no art. 27 da Lei 9.868/99 é sem dúvida um dos elementos mais questionados pelos estudiosos brasileiros, ao passo que seria inadmissível conceber o afastamento de uma norma constitucional para se modular os efeitos decisórios sob o pálio da existência de um excepcional interesse social, sob pena de ruptura com o princípio da supremacia constitucional.

Ademais, Ana Paula Ávila (2009, p. 166) ressalta outro problema ainda mais grave, qual seja, uma possível incongruência entre as exigências previstas no art. 27, afinal, para a jurista essa total indeterminação do termo, ora em estudo, frustra a concretização da própria exigência de proteção à segurança jurídica, pois, como conceito aberto que o é, exige do intérprete um processo para seu preenchimento, cujo resultado, não raramente, é imprevisível, contrastando com os mecanismos que assegurem a certeza da ordem jurídica inerentes ao princípio da segurança jurídica.

Nesse sentido, o próprio Min. Gilmar Mendes (HC 82.959/SP) ressalta que a opção pela modulação decorre de um rígido juízo de ponderação com o qual se faça prevalecer o princípio da proteção à segurança jurídica ou outro princípio constitucional relevante que ''faça as vezes'' do excepcional interesse social.

Desta feita, além das ponderações sobre a constitucionalidade do termo empregado no art. 27, mister reforçar a ideia de que "interesse social" não se confunde com interesse público, tampouco com interesse da Administração ou do Estado, devendo ser interpretado como um somatório dos interesses individuais, logo, transcendendo a esfera do indivíduo e alcançando à coletividade.

3.2.2 A proteção à segurança jurídica

O ideal de segurança jurídica para alguns estudiosos , ao lado da própria noção de justiça, o único elemento universalmente válido no Direito. Não obstante toda sua universalidade, imperioso salientar que tal expressão não possui um significado preciso, ao contrário, possui inerente fluidez e abertura que permitem caracterizá-la como um conceito jurídico indeterminado.

Elucidando o conceito de segurança jurídica, Regina Nery Ferrari (2004, p. 304) assim pontua:

[...] mesmo traduzindo a certeza do direito aplicável, não apresenta um só significado, ou seja, quando se pensa que a segurança jurídica significa o direito justo, determinar o seu conteúdo não é tarefa fácil, na medida em que em determinadas situações ninguém poderá se furtar de reconhecer que existe a presença do respeito à segurança jurídica e, em outros, a negação de sua existência é patente. Porém, em que pese estas duas zonas de certeza, existe entre elas uma zona de incerteza que medeia estas duas posições e que só será dissipada frente à análise de um caso concreto.

A despeito de tamanha indeterminação, tanto a doutrina quanto a jurisprudência são uníssonas ao afirmarem ser a segurança jurídica um princípio constitucional implícito e um dos alicerces da própria noção de Estado de Direito, que, por outro lado, constitui fundamento do sistema constitucional brasileiro (art. 1°, caput, CF) [23], de maneira que, para alguns juristas, a sua previsão expressa seria totalmente desnecessária.

Infere-se do inciso XXXVI do art. 5° da Constituição de 1988, que a segurança jurídica esta umbilicalmente ligada às noções de ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido. Da mesma forma, estabelece o art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual, em consonância com a Magna Carta, também impõe o respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, devendo o primeiro ser entendido como o ato "consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou" (Art. 6°, § 1° da LICC), o segundo como o direito "que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem a lei nem um fato posterior pode alterar tal situação jurídica" (DINIZ, 1998, p. 139) e o terceiro como "a decisão judicial de que já não caiba recurso" (Art. 6°, § 3° da LICC).

Desta feita, pode-se concluir que o princípio da segurança jurídica, por estar intimamente ligado a tais institutos, busca propiciar às pessoas uma certa previsibilidade, através da qual se permita alcançar uma noção antecipada e direta dos reflexos de seus atos, ou seja, é na prática vivenciada pelo cidadão quando a ele se estabelecem condições para conhecer, ou poder conhecer, quais as normas em vigor, bem como estruturar expectativas que sejam obedecidas em um futuro próximo.

Referida previsibilidade pode ser alcançada de duas formas. A primeira, conhecida como segurança jurídica ex ante, é alcançada com mecanismos que garantam ao cidadão o prévio conhecimento do direito posto, ou seja, possibilitem uma "certeza do direito" por intermédio de mecanismos, como os princípios da legalidade e da publicidade. A segunda, conhecida por segurança jurídica ex post, pauta-se pela busca de uma significativa estabilidade das situações resultantes da concretização das normas, quer pela Administração Pública, quer pelo judiciário, não podendo ser arbitrariamente modificadas, razão pela qual a coisa julgada e a proteção da confiança são tidas como reflexos diretos dessa forma de segurança jurídica.

Nesse sentido, J. J. Gomes Canotilho (1993, p. 373):

Os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos.

Corroborando com Canotilho, contudo, utilizando-se de outras denominações, Couto e Silva (2004, p. 9) também entendem existir dois enfoques para se analisar a segurança jurídica: o objetivo, que guarda correlação com a proteção ex ante apresentada pelo jurista português, e o subjetivo, que busca uma preservação da coisa julgada e do princípio da confiança, como ocorre na proteção ex post.

Todavia, no que concerne ao art. 27 da Lei 9.868/99, por se estar a trabalhar com os efeitos produzidos pela norma tida como inconstitucional, logo, proteção ex post, tem-se a proteção à coisa julgada e à confiança como principais vertentes, sendo esta última, in casu, mais relevante para a presente pesquisa.

O princípio da confiança, originariamente idealizado pelo Direito alemão, almeja proteger os direitos e as expectativas dos cidadãos diante da atuação estatal, essencialmente quando ocorrem modificações dessas situações, afinal, leva-se em consideração a confiança dos beneficiários na estabilidade dos atos estatais, já que estes gozam de presunção de legitimidade e de constitucionalidade.

Destarte, os atos jurídicos estatais podem gerar expectativas nos cidadãos, muito em razão de sua essência genérica e abstrata, além, é claro, de deterem presunção de validade.

Assim, ao se cogitar a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, é de suma importância ponderar a respeito do princípio da confiança, pois, inúmeras vezes, a norma, mesmo inconstitucional, acaba por respaldar, em virtude de sua presunção de constitucionalidade, situações jurídicas que devem ser respeitadas, sob ameaça de se ferir a segurança jurídica, direito fundamental esculpido no inciso XXXVI do art. 5° da CF [24].

Pertinente, contudo, se questionar acerca da utilização, por parte do Estado, de fundamentação consubstanciada na ofensa à segurança jurídica para manter situações mais benéficas para si, não obstante terem sido consolidadas sob o pálio de norma inconstitucional de sua autoria.

Entretanto, deixa-se para o tópico adiante a ponderação sobre a solução de tal questionamento.

3.2.2.1 A segurança jurídica e a modulação temporal em favor do Estado

O princípio da confiança, fundamento da segurança jurídica, é comumente vinculado à noção de boa-fé objetiva, por sua vez entendida como a submissão de determinada conduta a um standard socialmente estabelecido.

Tamanha proximidade se explica pela imposição de certa coerência dos atos praticados com condutas precedentes, coerência que ambos os institutos primam. Nesse escopo, pode-se destacar o princípio non potest venire contra factum proprium, que, a despeito de estar mais intimamente ligado à boa-fé objetiva, também se correlaciona com a proteção à confiança e à segurança jurídica.

Infere-se do brocado latino que não se pode valer-se de determinado fato, gerado por si próprio, para furtar-se de determinada obrigação, limitando as atitudes contraditórias durante o trato jurídico e caracterizando como abuso de direito qualquer mudança injustificada de comportamento.

Nesse sentido, vejamos as lições do Min. Aguiar Júnior (1991, p. 240):

"A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em lugar ou tempo diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada."

Outro aspecto relevante da boa-fé objetiva é a cláusula do tu quoque, que para Anderson Schreiber (2005, p. 177) trata-se de mera subespécie de venire contra factum propium.

Inspirada na célebre frase "tu quoque, Brute, fili mi!" [25], atribuída ao Imperador Romano Júlio César, em seus últimos momentos de vida após ser apunhalado por conjurados em pleno Senado Romano, a cláusula, típica das relações contratuais, consiste, em síntese, na proibição de se alegar a própria torpeza em seu favor.

Portanto, com generalidade, o tu quoque consiste no impedimento a determinado sujeito de auferir vantagens de situações jurídicas criadas e consolidadas por meio de um desrespeito a uma norma legal, não permitindo que uma pessoa fira uma legislação e depois venha exigir de outra o seu acatamento. Exemplo clássico dessa vedação é o impedimento à parte de se recorrer, a seu favor, de ordenamento jurídico por ele mesmo desrespeitado anteriormente.

Cristalino o condão repressor da cláusula do tu quoque, coibindo a infidelidade jurídica, neste estudo entendida como aquela entre o Estado e a Constituição que o ampara e institui.

Estrutura-se, assim, a solução para o questionamento suscitado no item anterior, com o qual não se pode pactuar, pois, caso contrário, estar-se-ia a ferir diretamente o princípio da boa-fé, que compõe o princípio da proteção à confiança e à segurança jurídica, que, por outro lado, integram a noção de Estado Democrático de Direito, um dos pilares constitucionais pátrios previsto no art. 1° de seu texto.

Nesse escopo, a lição de Ana Paula Ávila (2009, p. 151):

Assim, seria incongruente com os ditames da boa-fé (objetiva, salienta-se), a mais não poder, a solução que permitisse ao Estado usar (no caso, abusar) do poder de legislar em desrespeito à Constituição – ou seja, inconstitucionalissimamente –, e, como prêmio, ainda dispor da possibilidade de ver mantido o proveito que tenha logrado em virtude da lei inconstitucional, muito especialmente se esse proveito se dá em detrimento dos direitos individuais. Esse importante aspecto do princípio da boa-fé reside, muito mais que numa proposição juridicamente fundada na segurança jurídica, na própria virtude e na ética das comunidades juridicamente organizadas, e há que ser considerado, portanto, na interpretação doar. 27 da Lei n° 9.868/99.

Em suma, são três as razões que permitem concluir pela impossibilidade da utilização do instituto da modulação temporal fundada na proteção à segurança jurídica em favor da Administração, pois, primeiramente, se o referido benefício tenha se concretizado em detrimento de direitos individuais, em caso de conflito os últimos necessariamente deverão prosperar. Segundo, porque a segurança jurídica é um direito fundamental oponível ao Estado, tendo o Supremo (RE n° 215.756/SP) já decidido que os direitos fundamentais aproveitam aos cidadãos e não ao Estado. Terceiro, porque a Constituição brasileira não permite que determinado sujeito, autor de um ato inválido, venha lograr proveito com o mesmo.

3.3 A REPERCUSSÃO GERAL E AS EXIGÊNCIAS DO ART. 27 DA LEI 9.868/99

O instituto da repercussão geral, como visto, fora introduzido em nosso ordenamento jurídico pela EC n° 45 e posteriormente regulamentado pela Lei 11.418/06, que incluiu em nosso Código de Processo Civil os arts. 543-A e 543-B, cujo teor transcreve-se:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1° Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2° O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3° Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4° Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5° Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6° O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7° A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1° Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2° Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3° Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4° Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5° O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

Infere-se da inteligência dos parágrafos segundo e quarto do art. 543-A que para apresentar repercussão geral deve o objeto da ação judicial proposta deter certa relevância social, política, ou jurídica, ou econômica, bem como extrapolar os domínios subjetivos da causa, ou seja, os interesses individuais dos litigantes envolvidos. Daí porque se falar no binômio ''relevância e transcendência'', já consagrado pelas melhores doutrinas sobre o assunto.

Todavia, o legislador brasileiro, assim como o fez na modulação temporal, introduziu em nosso ordenamento jurídico um instituto cuja conceituação é indeterminada, aberta.

Tal qual ocorre com os conceitos de "excepcional interesse social" e "segurança jurídica", exigidos na modulação temporal, os elementos tidos como essenciais para o reconhecimento da repercussão geral, previstos no art. 543-A, § 1°, também se pautam pela indeterminação, cabendo ao Supremo, por meio de sua jurisprudência, estruturar paulatinamente as limitações de tamanha abertura concedida pelo legislador.

Nesse escopo, o Pretório Excelso, ao longo desses três anos de efetiva aplicação do instituto, vem reconhecendo a presença de repercussão geral em matérias cujos objetos envolvem servidores públicos, sistema remuneratório, sistema tributário, sistema eleitoral e direitos fundamentais.

Ademais, o STF está consolidado a noção de que a própria transcendência da matéria posta em juízo por si só se qualifica a concretizar o interesse social descrito no art. 543-A do CPC. Afinal, o simples fato de existirem inúmeros litigantes diretamente ligados com a ação em julgamento, já comprova certa importância social da questão.

É o que explana o eminente Ministro Ayres Britto, quando da apreciação de repercussão geral no RE 567.454, in verbis:

4. Na hipótese do RE em exame, entendo que a causa é relevante do ponto de vista social, por dizer respeito a relação jurídica de que fazem parte, num dos pólos, milhões e milhões de usuários-consumidores que se distribuem, geograficamente, por todo o território nacional. Sendo certo que os serviços públicos de telefonia atendem a necessidades básicas de comunicação pessoal, profissional e mercantil, revelando-se, além do mais, como essencial fator a segurança público-privada e integração nacional.

5. Percebe-se, de outra parte, que se eventualmente conhecido o recurso extraordinário, a decisão sobre o seu mérito importará a definição da Justiça competente para julgar um sem-número de outros processos semelhantes. Mas não só. A tese jurídica a ser fixada por este Supremo Tribunal Federal, se apreciado o mérito do RE, repito, determinará a própria validade de decisões em grande número de processos em que discutida a legalidade da "tarifa básica de assinatura", tendo em conta o caráter absoluto da competência processual.

6. De todo o exposto, manifesto-me pela presença do requisito da repercussão geral, pelo que submeto a matéria ao conhecimento dos demais Ministros desta Suprema Instância de Justiça (art. 323 do RI).

Dessa feita, pode-se perfeitamente concluir que todas as questões que envolvam assuntos econômicos e políticos detêm, de certo modo, interesse social, na medida em que tais situações sempre envolvem um sem-número de pessoas.

Logo, toda repercussão geral reconhecida sob o manto do interesse social, político ou econômico automaticamente irá possuir os requisitos exigidos para preencher o conceito de "excepcional interesse social" previsto na modulação temporal.

Todavia, resta ainda outra exigência, o interesse jurídico, que nada obstante também acarretar interesse social, ao passo que envolve sempre um grande numero de interessados, possui, ainda, uma estreita correlação com a "segurança jurídica" prevista no art. 27 da Lei 9868/99.

O interesse jurídico previsto pelo art. 543-A do CPC, de acordo com as atuais apreciações do Supremo, baseia-se fundamentalmente na noção de proteção à segurança jurídica e na ideia de se estabelecer critérios que pautaram as demais decisões sobre o assunto nos mais diversos tribunais (compatibilização vertical das decisões judiciais).

Portanto, cristalina a íntima relação que o "interesse jurídico" da repercussão geral possui com a "ofensa à segurança jurídica" da modulação dos efeitos temporais das decisões judiciais, levando-se à conclusão de que toda repercussão reconhecida sob o argumento da existência de interesse social automaticamente estará a reconhecer presença de uma ameaça à segurança jurídica.

Por tudo, conclui-se que a manifestação do STF no sentido de reconhecer a presença de repercussão geral no caso concreto posto a julgamento, implicitamente e naturalmente conduz ao reconhecimento de a decisão a ser proferida possuir todos os requisitos exigidos para se qualificar a modulação de seus efeitos, por constituir uma afronta à segurança jurídica ou por dotar de um excepcional interesse social (já que reverbera no âmbito político, econômico, social ou jurídico), tornando inócua uma nova deliberação sobre aspectos já reconhecidos, implicitamente, ainda no juízo de admissibilidade recursal.

3.4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Atualmente, o princípio da proporcionalidade se desponta como um eficiente instrumento de solução de conflitos, sopesando princípios conflitantes em determinada situação fática. Tamanho afloramento se justifica, segundo a atual concepção do Direito, pela extrema complexidade das atuais relações sociais, impossibilitando que se estruture um sistema jurídico fechado, com normas especificas e exatas, acarretando na necessidade de se solucionar certos conflitos por meio de normas que não tratam o assunto diretamente, mas apenas de maneira reflexa.

Nesse diapasão, o princípio da proporcionalidade se posta como uma diretriz a ser observada pelo intérprete, quando se está a ponderar sobre conflitos constitucionais, por duas razões básicas: a primeira por ser aplicável em qualquer situação de conflito e a segunda por traçar de maneira relativamente objetiva uma solução para o choque.

Pertinentes são as palavras do professor Guerra Filho, na obra de André Ramos Tavares (2006, p. 662). Vejamos:

(...) se verifica que os princípios podem contradizer, sem que isso faça qualquer um deles perder a sua validade jurídica e ser derrogado. É exatamente numa situação em que há conflito entre princípios, ou entre eles e regras, que o princípio da proporcionalidade (em sentido estrito ou próprio) mostra sua grande significação, pois pode ser usado como critério para solucionar da melhor forma tal conflito, otimizando a medida em que se acata prioritariamente em e desatende o mínimo possível o outro princípio.

Entretanto, como tudo nas ciências humanas, tal ideal recebe algumas criticas, principalmente no sentido de que sua utilização ocasionaria depreciação da obra legislativa e um consequente desmerecimento do Legislativo em relação ao Judiciário. Ademais, ressalta a subjetividade das decisões pautadas na proporcionalidade, sua indeterminação e a extrema liberdade que concede aos magistrados para decidirem conflitos, tudo a desprestigiar o princípio da proporcionalidade.

Refutando tais preocupações, Paulo Bonavides (2002, p. 388) ressalta que a proporcionalidade exerce função diametralmente oposta às preocupações relatadas, pois em vez de mitigar os atos legislativos, busca-se, através da interpretação e da ponderação, uma solução que preserve todas as normas jurídicas supostamente em conflito, sem derrogar qualquer ato legislativo.

Complementando, há ainda que se ressaltar que a indeterminação inerente da proporcionalidade é característica essencial da própria norma constitucional, que para efetiva aplicação exige do intérprete uma atuação criativa ao se amoldar tal norma ao caso concreto em julgamento.

Não obstante a discussão sobre a pertinência ou não de se utilizar a proporcionalidade como forma de interpretação constitucional, imprescindível abordar sua composição.

A doutrina brasileira é uníssona ao atribuir ao princípio da proporcionalidade três elementos essenciais, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade stricto sensu, destacando que não basta o atendimento de um elemento apenas, mas tão-somente a conjunção de todos.

A adequação ou conformidade consiste em uma exigência fática de que o meio utilizado deva ser viável a atingir o objetivo desejado, tratando-se de análise da correlação entre os meios empregados e o fim pretendido, ressaltando que não se trata da análise da concretização do fim pretendido, mas apenas de sua possibilidade.

A necessidade ou exigibilidade, assim como a adequação, trata de uma exigência fática, todavia, não mais se preocupa aqui com o objetivo final, e sim com o meio utilizado para tanto. Desta feita, a necessidade se traduz na melhor escolha possível dentre os meios adequados à concretização do objetivo pretendido, sendo este o menos oneroso ao cidadão, logo, o mais suave e menos gravoso. Nessa escolha, deve o julgador abstrair-se do meio eleito no caso concreto para buscar exemplos de vias alternativas à escolhida, para, então, compará-los e eleger o menos gravoso.

Por sua vez, a proporcionalidade em sentido estrito, diferentemente dos demais elementos, não se trata de uma exigência fática, mas de efetiva otimização das possibilidades jurídicas, ao se escolher, dentre os meios e os fins, o melhor, que juridicamente falando se traduz pelo conjunto que menos onere o cidadão, mesmo que algumas pessoas saiam prejudicadas, pois, o que se foca, in casu, é a macrovisão.

Vislumbrando uma aplicação específica do princípio da proporcionalidade na modulação dos efeitos das decisões judiciais, Daniel Sarmento (1998, p.38) assim descreve os elementos que compõem o princípio em questão:

Assim, entendemos que o princípio da proporcionalidade autoriza uma restrição à eficácia ex tunc da decisão proferida no controle de inconstitucionalidade, sempre que esta restrição: (a) mostra-se apta a garantir a sobrevivência do interesse contraposto, (b) não houver solução menos gravosa para proteger o referido interesse, (c) o benefício logrado com a restrição à eficácia retroativa da decisão compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse que seria integralmente prestigiado, caso a decisão surtisse seus efeitos naturais.

Vê-se, pois, que o princípio da proporcionalidade é de suma importância e utilidade para a modulação das decisões no controle difuso de constitucionalidade, pois, como já esboçado anteriormente, diante da presunção de existência do excepcional interesse social, jurídico, político e econômico, bem como da transcendência da questão posta em juízo, caberá aos Ministros tão-somente ponderar sobre a necessidade ou não de mitigar os efeitos, em regra retroativos, da decisão judicial.

Assim o sendo, estar-se-ia sempre diante de um conflito de princípios constitucionais, estando de um lado o principio constitucional da nulidade de lei inconstitucional e de outro o princípio constitucional, que, conforme Gilmar Mendes (HC 2004, p. 363), ''faça as vezes'' de excepcional interesse social, o qual contempla, logicamente, os interesses sociais, econômicos e políticos.

Destarte, não existe mecanismo mais eficiente para solucionar um conflito entre princípios constitucionais do que a utilização da proporcionalidade, razão pela qual diversos autores ressaltam o caráter desnecessário da norma expressa no art. 27 da Lei 9.868/99, por já estar o Supremo modulando suas decisões antes mesmo da publicação do excerto normativo em questão.

Ana Paula Ávila (2009, p. 55), para quem "o tradicional efeito ex tunc do controle de constitucionalidade prestava-se à modificação mesmo antes do advento da Lei n° 9.868", e Daniel Sarmento (1998, p. 39) entendem que a inexistência de norma expressa sobre o assunto não impediria o magistrado de calibrar os efeitos de suas decisões.

Ademais, imprescindível destacar o posicionamento de Gilmar Mendes (2004, p. 363 e ss.) que vê no princípio da proporcionalidade a solução para os conflitos entre a nulidade da lei inconstitucional e os princípios da segurança jurídica e interesse social. Vejamos:

Tal como observado, o princípio da nulidade continua a ser a regra também no direito brasileiro. O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social relevante. (...) O princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob forma de interesse social.

Portanto, não há que se ventilar a ideia de se regulamentar o instituto da modulação no controle difuso de constitucionalidade, tampouco se valer de "aconchambramentos", como vem se valendo o Supremo, com o fito de transladar a norma do art. 27 da Lei 9868/99 para aplicação no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, pois, como visto, já existem mecanismos próprios e hábeis a controlar a utilização da modulação pelos julgadores.

3.5 A ILEGALIDADE DO QUORUM QUALIFICADO DO ART. 27 DA LEI 9.868/99

Extrai-se do excerto normativo introduzido pela Lei 9.868/99 que para se modular os efeitos das declarações de inconstitucionalidade é necessário o atendimento do quorum qualificado e restritivo de dois terços dos Ministros do Supremo, o que na prática se traduz pelo montante de oito votos.

Prima facie, não se percebe o tamanho das implicações produzidas pela exigência do referido quorum na utilização do permissivo contido no art. 27 da Lei 9.868/99.

Notório, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que nosso ordenamento jurídico não prevê uma hierarquia entre as normas constitucionais, estando estas em igual patamar com suas pares, devendo ser observadas dentro de uma unidade sistêmica, sem antinomias reais.

Veja-se trecho do voto do eminente Min. Moreira Alves no célebre julgamento da ADIn 815, in verbis:

Essa tese - a de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras – se me afigura incompossível com o sistema de Constituição rígida, como bem observou FRANCISCO CAMPOS (Direito Constitucional, I, p. 392, Livraria Freitas Bastos S.A, Rio de Janeiro/São Paulo, 1956) ao acentuar que "repugna, absolutamente, ao regime de constituição escrita ou rígida a distinção entre leis constitucionais em sentido material e formal; em tal regime, são indistintamente constitucionais todas as cláusulas constantes Constituição, seja qual foi o seu conteúdo ou natureza". E repugna, porque todas as normas constitucionais originárias retiram sua validade do Poder Constituinte originário e não das normas que, também integrantes da mesma Constituição, tornariam direito positivo o direito suprapositivo que o constituinte originário integrou à Constituição ao lado das demais e sem fazer qualquer distinção entre estas e aquelas. (...) Ao contrário, delas resulta a estrita observância do principio da unidade da Constituição.

Prescreve o ilustre jurista, consubstanciado no princípio da unidade constitucional, que a Constituição deve ser interpretada e analisada sob um enfoque sistêmico de um conjunto coeso de normas, não podendo ser tomada uma norma como suficiente em si mesma, impondo-se ao intérprete vislumbrar a Constituição em sua globalidade, harmonizando os pontos de tensões existentes e evitando, dessa forma, o aparecimento de contradições.

É o que argumenta Canotilho (1993, p. 226-227):

O princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. (...), o princípio da unidade da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensões (cfr. Supra, Cap. 2.°/D-IV) existentes entre as normas constitucionais a concretizar (...). Daí que o interprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.

André Ramos Tavares (2006, p. 83) destaca que Canotilho ainda apresenta outro princípio interpretativo, o qual se liga essencialmente ao da unidade da Constituição, denominado de princípio da concordância prática ou da harmonização.

Para o jurista português (Canotilho, 1993, p. 228), o referido princípio pauta-se pela imposição de uma organização dos bens jurídicos apta a evitar a supressão total de uns em detrimento de outros. Deriva desse raciocínio a noção de "igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia)".

Na mesma linha, Lenza (2009, p. 95) pontua que a "o fundamento da ideia de concordância decorre da inexistência de hierarquia entre os princípios".

Resta consolidada, portanto, a ideia de que não existe hierarquia entre as normas constitucionais, devendo ser rechaçada qualquer argumentação no sentido da existência de contradições entre as normas originariamente assim tidas.

Não obstante o consolidado posicionamento acima exposto, o legislador brasileiro, ao instituir o quorum qualificado para a modulação dos efeitos das decisões, acabou por desregular tal paridade entre as normas constitucionais, pois, conforme pontua Luís Roberto Barroso (2008, p. 8), implicitamente se criou "uma preferência em abstrato em favor da disposição constitucional violada pela lei ou ato normativo declarado inválido pelo STF, em detrimento de outras disposições igualmente constitucionais (...)" como, por exemplo, o princípio constitucional da segurança jurídica e o princípio que faça o papel do excepcional interesse social.

Tal hierarquização não seria permitida ao legislador realizar por meio de norma constitucional, quiçá por norma ordinária, situação em que se residiria a ilegalidade da imposição do referido quorum.

Essencial a lição de Luís Roberto Barroso (2008, p. 9) nesse sentido:

A modulação se dá dentro do sistema e envolve a ponderação entre dois conjuntos de normas constitucionais: a) as que tenham sido eventualmente violadas pela norma infraconstitucional em questão; e b) as que procuram preservar os efeitos já produzidos pela referida norma infraconstitucional. De um lado, por exemplo, poderão estar a regra do concurso público ou a da iniciativa do Executivo; e, de outro, a boa-fé ou a moralidade administrativa. Como não existe hierarquia entre normas constitucionais, a ponderação tem que ser feita pelo Tribunal sem imposição prévia de quorum, em um sentido ou noutro. Do contrário, se estaria atribuindo maior valor a uma norma constitucional do que a outra.

Pertinente ainda destacar que tal limitação numérica é inovação brasileira, já que os outros sistemas jurisdicionais que comportam a modulação temporal de seus efeitos não preveem qualquer quorum diferenciado para a mitigação dos efeitos temporais. É o caso da Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Portugal, Itália e Colômbia (Barroso, 2008, p. 7).

Ademais, ainda contribui para a ilegalidade do quorum transcrito no art. 27 da Lei 9.868/99 a noção de que o legislador brasileiro teria reduzido, por lei ordinária, a competência do Supremo Tribunal Federal, que, como se sabe, é determinada pela Constituição, e, por isso, podendo apenas ser alterada por emenda constitucional.

Referida restrição de competência se concretizaria por causa da argumentação já exposta anteriormente de que a modulação dos efeitos temporais das decisões judiciais seria validada não pela edição da lei que regulamentou a ADIn e a ADC, e sim por próprio fundamento constitucional, conforme assevera Gilmar Mendes (HC 82.959/SP):

Assim, aqui, como no direito português, a não aplicação do princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política judiciária, mas em fundamento constitucional próprio.

Infere-se, pois, que a fundamentação para a não-aplicação do princípio da nulidade está na própria ordem constitucional, não podendo, portanto, o legislador alterar tal permissividade de índole constitucional por meio de norma de status infraconstitucional.

Resta, assim, demonstrada a total ilegalidade do quorum estipulado no art. 27 da Lei 9.868/99, seja pela sua arbitrária hierarquização de normas constitucionais, que, como visto, possuem mesma hierarquia, seja por limitar a competência do Supremo Tribunal por intermédio de lei ordinária, situação inconcebível pelo nosso ordenamento jurídico.

3.6 O ART. 27 DA LEI 9.868/99 E SUA APLICAÇÃO NO CONTROLE DIFUSO

O Supremo Tribunal Federal, ao longo desses quase dez anos da introdução da Lei 9.868/99 em nosso ordenamento jurídico, vem se direcionando a reconhecer a sua aplicação não só no controle concentrado de constitucionalidade, como também no controle difuso.

Tal observação se faz em virtude dos recentes julgados realizados pelo Pretório Excelso, nos quais se conclui pela modulação ou não dos efeitos temporais de suas decisões, com base na Lei 9.868/99. É o caso dos RE’s 377457/PR, 381964/MG, dentre outros.

Data vênia, tal posicionamento não pode se perpetuar.

Como visto, a própria Constituição já prevê mecanismos suficientes para controlar as mazelas dos efeitos de uma possível declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo.

Tem-se, para tanto, a ferramenta do princípio da proporcionalidade, que, por meio de uma rigorosa ponderação, permite afastar (parcialmente) os efeitos da norma inconstitucional violada em favor de outra norma constitucional que possa vir a ser ofendida pela volta ao status quo ante.

Logo, não seria arrazoado transportar uma norma idealizada para um outro sistema de controle constitucional se a Magna Carta já prevê um mecanismo de ponderação extremamente eficaz e rigoroso para solucionar os embates entre normas constitucionais, como a que ocorre entre a norma constitucional violada e o princípio da segurança jurídica, por exemplo.

Ademais, há de se atentar para a flagrante inconstitucionalidade do quorum qualificado introduzido pela norma que regulamenta da ADIn e da ADC, o qual ao mesmo tempo que limita a competência do Supremo (atribuída pela Constituição), por meio de lei ordinária, também atribui uma preferência em abstrato à norma constitucional violada, já que se presume sua imposição sobre as demais – hierarquia que a Constituição não impõe às normas que a integram.

Tampouco seria pertinente exigir uma análise quanto à existência de ofensa à segurança jurídica ou quanto à presença de excepcional interesse social para se autorizar a modulação, pois, como já explanado, a repercussão geral já se deu a essa função ao, preliminarmente, analisar a presença do binômio ''interesse e transcendência'', que legalmente se traduz pelo aparecimento do interesse jurídico, do qual se deriva a ofensa à segurança jurídica, ao interesse social, econômico e político, que, invariavelmente, levam ao excepcional interesse social descrito no art. 27 da Lei 9868/99.

Isso sem contar que, ao se reconhecer a transcendência da matéria tratada no recurso extraordinário interposto, implicitamente estar-se-ia confirmando a presença do interesse social, ao passo que uma decisão que interfira em múltiplos processos logicamente reverbera por um considerável grupo de pessoas, caracterizando, assim, existência do interesse social.

Destarte, não há razões que legitimem a utilização do art. 27 da Lei 9.868/99 no controle difuso de constitucionalidade, devendo se proceder à modulação dos efeitos das decisões proferidas em sede desse sistema de controle constitucional, por intermédio do princípio da proporcionalidade, pela maioria absoluta dos ministros do Supremo e sem a necessidade de qualquer justificação quanto à existência ou não de ofensa a segurança jurídica ou a existência de excepcional interesse social, por já estarem os mesmos presumidos no caso concreto, em virtude do reconhecimento da repercussão geral.


CONCLUSÃO

Este trabalho teve por objetivo estudar o instituto da modulação temporal dos efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade, principalmente sob o enfoque da necessidade de se modular os efeitos temporais no controle difuso e sob a adequação de se utilizar os regramentos expostos no art. 27 da Lei 9.868/99 no sistema difuso de defesa constitucional.

A modulação temporal dos efeitos surgiu como uma forma de minimizar as intempéries ocasionadas pelas lacunas existentes nas teorias da nulidade e da anulabilidade dos atos inconstitucionais.

O direito norte-americano, ao longo do desenvolvimento de sua judicial review, sempre se pautou pela noção de que a lei inconstitucional assim o é desde sua criação, tendo o judiciário apenas a função de declarar tal irregularidade preexistente, devendo-se as situações serem restabelecidas ao status quo ante. Todavia, a teoria não se preocupou em tutelar as relações jurídicas estabelecidas durante a suposta validade da lei.

Em contrapartida, o direito austríaco já entendia que a inconstitucionalidade da norma apenas se daria com a decisão do judiciário, de nítido caráter constitutivo, devendo ser mantidas as relações consolidadas sob o pálio da lei inconstitucional. Como, então, explicar a manutenção de relações consubstanciadas em normas inconstitucionais?

Assim surge a modulação, como uma forma de suavizar a agressividade da teoria norte-americana (nulidade) e de solucionar as contradições do modelo austríaco (anulabilidade).

No Brasil, a utilização do instituto toma contornos mais complexos, já que possuímos um sistema misto, no qual convivem o sistema norte-americano (difuso) e o sistema austríaco (concentrado).

Atribuindo maior complexidade à utilização do instituto no Brasil, ao longo dos últimos anos, há a presença de nítida tentativa de abstrativização do controle difuso, buscando uma maior aproximação entre ambos os sistemas de controle de constitucionalidade.

Contudo, é preciso abordar o assunto com cautela, afinal, está-se diante de uma aproximação, mas tão-somente isso, sem qualquer equiparação de fato entre ambos os sistemas.

Desta feita, temos por necessária a modulação dos efeitos também no controle difuso de constitucionalidade, pois, com o advento da repercussão geral, o recurso extraordinário, instrumento principal de tal controle, perdeu parte de sua essência concreta e individualista, assumindo contornos pouco mais abstratos e transcendentes, atingindo não somente os litigantes processuais mas outros, extraprocessuais.

Nesse escopo, as decisões proferidas nos julgamentos dos recursos extraordinários assumiram maior relevância social, razão pela qual seus efeitos devem ser profundamente analisados, sob pena de se cometer injustiças maiores que a própria manutenção de situações constituídas sob o pálio de norma inconstitucional.

Todavia, a modulação para o controle concentrado, prevista pelo art. 27 da Lei 9.868/99, tal como consta nos termos do referido excerto normativo não deve ser transladado para o controle difuso, pois, como claramente pontuado, seria uma desnecessidade sem precedente.

Demonstrou-se com este trabalho que a Constituição já estipula mecanismos que solucionem conflitos entre normas constitucionais, com a realização de pormenorizadas ponderações sobre as consequências da preservação de um princípio constitucional em detrimento de outro, não sendo necessária a elaboração de norma legal para se regular a aplicação do instituto, já que a própria Magna Carta não impõe óbice a tal aplicação.

Ademais, o quorum previsto no artigo supracitado é de todo inconstitucional, a uma porque atribui certa limitação à competência do Supremo Tribunal Federal por meio de lei infraconstitucional, situação inimaginável em nosso ordenamento jurídico; e a duas porque desequilibra a equidade existente entre as normas constitucionais ao atribuir uma preferência, em abstrato, em favor da norma constitucional violada, estruturando uma hierarquia que não existe.

Pertinente ressaltar, ainda, a inoperância da ponderação sobre a existência de excepcional interesse social e ofensa à segurança jurídica, exigida pelo art. 27 da Lei 9.868/99, quando a repercussão geral confirmou a presença de tais elementos, ainda na fase de admissibilidade recursal. Afinal, o instituto da repercussão se caracteriza pelo binômio ''interesse e transcendência'', logo, seu reconhecimento implica o atestado de que o caso posto em juízo possui relevância no âmbito político, social, econômico (que redundam na existência do excepcional interesse do social exigido no art. 27) e jurídico (que se relaciona com a possibilidade de ofensa à segurança jurídica).

Portanto, ponderação diversa sobre o assunto seria um total desatino, tendo em vista o sistema lógico-processual em que se inserem os mecanismos de defesa constitucional.

Ante o exposto, conclui-se com este trabalho que se afigura, sim, extremamente necessário se modular as decisões do controle difuso de constitucionalidade; contudo, não se pode pretender concretizar tal aplicação mediante o simples translado do excerto do art 27 da Lei 9.868/99 para âmbito difuso do controle constitucional. Afinal, referida transposição seria, na prática, inócua e ilegal.

Propôs-se, aqui, que a modulação no controle difuso se realize por intermédio do princípio da proporcionalidade, sem qualquer ponderação sobre a existência ou não de excepcional interesse social e ofensa à segurança jurídica e sem a imposição do quorum qualificado de dois terços dos votos dos integrantes do Supremo Tribunal.

Cediço que esta proposição não pretende esgotar o tema, mas tão-somente buscar acalorar as discussões sobre o instituto da modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais, bem como trazer ideias e abordagens diferenciadas sobre a utilização do instituto.


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Notas

  1. A Suprema Corte Norte-Americana é usualmente conhecida pelo nome de seu presidente. Na época em comento o presidente da Corte era o justice Earl Warren; logo, a mesma era usualmente chamada por Corte de Warren.
  2. Tradução Livre: Assim como nos casos criminais, a criação de um novo direito através de revogação ou outra forma pode resultar em uma retroatividade à todas as instâncias, em uma prospectividade pura ou em uma prospectividade parcial, na qual a parte triunfante obtém o resultado da nova regra, mas somente esta usufrui da decisão
  3. Numa tradução literal seria ‘estabelecimento de prazo’
  4. Art. 266 do projeto constitucional de 1823.
  5. Art. 179 da Constituição de 1934: "Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público."
  6. Art. 91 da Constituição de 1934: "Compete ao Senado Federal: (...) IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;(...)"
  7. Em referência à Constituição Polonesa de 1935, donde teria se baseado a nossa nova Carta Constitucional.
  8. Art. 103 da Constituição de 1988: "Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa; V - o Governador de Estado; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional."
  9. CF, Art. 97: Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
  10. Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal
  11. RMS 17.976/SP e RE 86.056/SP
  12. Pertinente externar que a vinculação vertical ocorre entre os Tribunais Superiores e os Tribunais inferiores (no caso do Brasil os TRF’s, TRE’s, TRT’s e TJ’s) impondo uma observância destes aos precedentes firmados por aqueles. Por outro lado, a vinculação horizontal ocorre dentro do âmbito do próprio Tribunal, ou seja, entre os precedentes dos seus próprios pares.
  13. Como já dito, para Dworkin o julgador americano não cria direitos, apenas descobre os que já existem.
  14. Art. 557 do CPC: O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
  15. Art. 518, § 1º do CPC: O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
  16. Art. 543-A, § 3º: Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
  17. Art. 102, § 3º do CPC: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
  18. Cf. Marinoni, Repercussão Geral, pág. 33.
  19. Art. 14: Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.(...)
  20. § 4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

    § 5º No caso do § 4o, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

    § 6º Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subsequentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

    § 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.

    § 8º Decorridos os prazos referidos no § 7o, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança.

    § 9º Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 6o serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.

    § 10º Os Tribunais Regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição dos órgãos e os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.

    Art. 15: O recurso extraordinário, para os efeitos desta Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4º a 9º do art. 14, além da observância das normas do Regimento

  21. Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: (...) § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
  22. RE n. 416827/SC e RE n. 415454/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, j. Em 21.09.2005, publicado no Informativo n. 402 do STF, 19-23 de setembro de 2005.
  23. Conferir nota n° 9 do primeiro capítulo, p. 31.
  24. Art. 1º da CF: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
  25. Art. 5º da CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
  26. Tradução livre: Até tu, Brutos, meu filho!

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDINO, Victor de Ozeda Alla. A manipulação temporal dos efeitos decisórios no controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2337, 24 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13897. Acesso em: 6 maio 2024.