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Introdução ao Direito Internacional Público

Introdução ao Direito Internacional Público

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DEFINIÇÃO E ORIGEM HISTÓRICA

 Trata-se do ramo do direito que transcende os limites da soberania dos Estados e, em alguns casos, obrigam a criação de dispositivos e normas para que se adequem à ordem internacional e a convivência harmoniosa em sociedade.

 O Direito Internacional público, tem sua origem a resolução da Guerra dos trinta anos (1618 – 1648), travada entre Estados Católicos e protestantes. Após muitos anos de conflito, os Estados envolvidos concordaram em celebrar a paz, tal acontecimento é entendido na história como a primeira tentativa de se estabelecer uma ordem, um direito que traspassasse as fronteiras dos Estados. Ao acordo de paz firmado deu-se o nome de Tratado de Vestfália, ou Paz de Vestfália, que dentre outras determinações, foi reconhecida pela primeira vez que os Estados seriam independentes e igualmente soberanos entre eles, bem como a não existência de nenhum poder superior à soberania interna.


FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

  Sobre as doutrinas que tentam explicar as bases do Direito Internacional e interpretá-las, se destacam duas que se subdividem em várias, são elas a doutrina voluntarista e objetivista. Ambas são perfeitamente válidas complementando-se, além de que possibilitam diversas contribuições nos estudos sobre o Direito Internacional e até mesmo servem de norte na interpretação do operador desse Direito, não confunde, todavia, com as fontes do Direito Internacional.

 A doutrina mais antiga que trata do Direito Internacional se fundamenta na ideia de que ele forma do acordo de vontade dos Estados, assim como o direito interno se funda no “assentimento dos cidadãos” (MAZZUOLI, 2018, p. 56). Trata-se, portanto, de uma teoria essencialmente positivista, tendo a manifestação de vontade do Estado como fato gerador de obrigatoriedade da norma internacional.

 Oposta à doutrina voluntarista, a corrente objetivista defende que:

"(…) a obrigatoriedade do Direito Internacional advém da existência de princípios e normas superiores aos do ordenamento jurídico estatal, uma vez que a sobrevivência da sociedade internacional depende de valores superiores que devem ter prevalência sobre as vontades e os interesses domésticos dos Estados "(MAZZUOLI, 2018, p. 57)

 A corrente objetivista, portanto, defende que o direito internacional se fundamenta nos princípios transcendentes ao ordenamento jurídico dos Estados, justificando-se que a harmonia internacional só pode ser alcançada através de valores de ordem supralegal, de modo que esses valores “superiores” estejam acima das leis e vontades dos Estados. Encontra grande amparo no Direito Natural, parte da doutrina defende que é ele [o Direito Natural] o fator que gera a obrigatoriedade do Direito Internacional, pois determina a observância dos costumes e princípios gerais do Direito.

 Ainda sobre a doutrina objetivista, vale complementar que essa corrente jurídica afirma que não é a aceitação e vontade dos Estados que gera a legitimidade e obrigatoriedade do Direito Internacional, mas a realidade do contexto social internacional e normas que regulam as relações entre os Estados, normas essas que independem da vontade dos Estados e não estão vinculadas a outras superiores.

 Conclui-se acerca do estudo do Direito Internacional a existência de duas correntes doutrinárias principais que versam, dentre outros elementos, sobre a obrigatoriedade e legitimidade deste ramo do Direito aos Estados. Sendo uma corrente com viés positivista, ao afirmar que o acordo de vontade dos Estados cria a obrigação do direito, e a outra que afirma ser a obrigatoriedade do Direito oriunda de valores e princípios transcendentes à vontade estatal.


FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

 Desde o primórdio das civilizações, os povos se uniam em comunidades e dificilmente tinham conhecimento ou relações umas com as outras muitas vezes por impedimentos físicos. Quando esses povos, através do avanço tecnológico, estabeleciam contato, formava-se uma nova barreira entre eles, o idioma, a cultura, religião...

 Na busca de superar as barreiras imateriais, esses mesmos povos se esforçaram a fim de estabelecer um bom relacionamento mútuo. Esses esforços para convivência em sociedade ao longo do tempo se consolidaram, formando o que se conhece como normas de conduta. Essas condutas contribuem de maneira muito positiva na edificação de boas relações entre os povos e norteiam princípios éticos da vivência em sociedade.

 Com o avanço das sociedades nas diversas áreas do conhecimento, união de povos e territórios, que proporcionou a criação de Estado, mais recentemente a comunidade internacional convencionou que seria necessário que houvesse uma forma de estabelecer como se dariam as relações entre um Estado e outro.

 Os Estados possuem dentro de seu território o poder soberano para reger a vida em sociedade dos seus cidadãos, através de leis, ou seja, se trata do poder que ele tem de regular o quotidiano dos cidadãos nas mais diversas situações e estabelecer punições àqueles que descumprem a lei. O direito interno dos Estados que adotam o sistema da Civil Law possui fontes pelas quais se formam o Direito, são elas classificadas em primária, secundária e terciária, quando escritas. De forma simplificada as classificações podem ser explicadas da seguinte forma: 

  •  Fonte primária: A lei; 

  •  Fonte secundária: A jurisprudência; 

  •  Fonte terciária: A doutrina.

 Essa é, de maneira generalizada e resumida, a estrutura das fontes do direito interno dos Estados que adotam o sistema da Civil Law. E assim se dá para que oriente como devem agir os operadores do Direito. Vale apresentar que em oposição ao sistema da Civil Law existe o sistema da Common Law, que tem como fonte principal a jurisprudência, sendo a lei de segundo plano e a doutrina não obtendo grande destaque a depender do país. 

 Assim, do mesmo modo, o Direito Internacional também possui suas fontes que servem de referência para os juízes da Corte Internacional de Justiça, responsáveis pelo julgamento de demandas em que somente Estados são parte e aos operadores do Direito Internacional. Ocorre que ao contrário do direito interno em que as fontes do direito são classificadas conforme o Estado ou sistema jurídico adotado, as fontes do Direito Internacional estão expressas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, no que diz:

"Artigo 38. 1. A Côrte, cuja função é decidir de acôrdo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais. que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes Nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito."

 Conforme o Estatuto acima, as fontes do Direito Internacional são as convenções internacionais, costumes internacionais e os princípios gerais de direito. É válido reconhecer que possa haver certa discussão a respeito do terceiro item no que diz sobre “Nações civilizadas”, apesar de não ser esse o tema deste artigo, cabe esclarecer que o termo era comumente utilizado no período histórico em que o estatuto foi confeccionado, a dizer, ao ano de 1945.

 Sobre o item “d” do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, são fontes auxiliares do Direito Internacional a jurisprudência e a doutrina dos juristas “mais qualificados” das diferentes nações. Acerca dessa fonte auxiliar do direito internacional, a doutrina publicista, o professor Valério Mazzuoli ensina que:

"Em suma, tal ‘doutrina’ – que não pode ser tida propriamente como fonte do Direito Internacional, por ser incapaz de criar direito concreto – passa a ser meio indispensável de consulta tanto para a própria CIJ [Corte Internacional de Justiça] como para quaisquer outros tribunais encarregados de decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhes são submetidas" (MAZZUOLI, 2018, p. 91)

 Defende o autor, portanto, que a doutrina dos juristas não pode ser considerada uma fonte do direito internacional, mas um importante instrumento de consulta para os operadores do Direito Internacional no desenvolver de suas atividades.

 Conclui-se que as fontes do Direito Internacional são retas e claras, pois se encontram positivadas em convenção internacional que adquiriu status de Ius cogens, isto é, tornou-se uma norma imperativa a todos os Estados, inclusive para os que não tenham participado das negociações da convenção ou a ratificado.

 Pode-se afirmar que as fontes do Direito Internacional se assemelham com as fontes do Direito dos Estados que adotam o sistema da Civil Law, no sentido de que possuem como fonte primária uma norma positiva, a diferença se dá porque diferentemente da lei estatal, em que a lei é resultado do legislador e os procedimentos políticos intrínsecos à aprovação da norma que posteriormente terá validade para todos os cidadãos, a lei internacional resulta de negociações dos vários Estados que participam do processo de criação e não gera efeitos jurídicos vinculantes nos Estados que não participaram e não manifestaram interesse na ratificação e internalização da norma.


CONCLUSÃO

 Em síntese, o Direito Internacional Público, surgido a partir do Tratado de Vestfália após a Guerra dos trinta anos, transcende as fronteiras nacionais, estabelecendo normas que visam a convivência harmoniosa entre os Estados. Ao analisar os fundamentos deste Direito Internacional, destacam-se as correntes doutrinárias voluntarista e objetivista, cada uma com visões distintas sobre a obrigatoriedade do Direito Internacional. Enquanto a primeira enfatiza a vontade dos Estados, a segunda ressalta a existência de princípios superiores e valores transcendentes à soberania estatal.

 Ao examinar as fontes do Direito Internacional, enfatiza-se a importância das convenções, costumes e princípios gerais de direito, jurisprudência e doutrina publicista, conforme estabelecido no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, na construção das fontes norteadoras dos operadores do direito internacional.

Assim, conclui-se que as fontes do Direito Internacional, distintas do direito interno, são definidas em convenção internacional (Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969), desempenhando um papel crucial na regulação das relações entre Estados, refletindo a complexa teia de negociações e acordos entre as diversas nações do globo.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66.. Decreto Nº 7.030, de 14 de Dezembro de 2009.. Brasília, 14 dez. 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm Acesso em: 16 janeiro 2024.

FRAGA, Vitor Galvão. O sistema do Common Law. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3394, 16 out. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22816/o-sistema-do-common-law>. Acesso em: 16 jan. 2024.

GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha. Tratados internacionais. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Internacional. Cláudio Finkelstein, Clarisse Laupman Ferraz Lima (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/499/edicao-1/tratados-internacionais. Acesso em: 16 janeiro 2024.

MARTINS, Sérgio Pinto. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva Jur, 2017.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveria. Curso de Direito Internacional Público. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.


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